JORNAL A TARDE SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 31 DE
OUTUBRO DE 1983
É HORA DE SOLUÇÃO
Participando da mesa-redonda
para “Avaliação do Circuito de Artes Plásticas do Nordeste” pude sentir que as
dificuldades começam exatamente entre as pessoas encarregadas de incentivar e
reorientar a produção de arte do Nordeste.
Constatei que os encarregados de
julgar e avaliar as mostras estaduais não foram capazes de fazer uma narrativa
que nos deixassem esclarecidos sobre a real situação dos artistas espalhados
pelos estados nordestinos. Deram apenas uma pincelada, que não deixou
transparecer com nitidez a situação. Todos que militam com a arte sabem que o
sistema monopolista do Sul do país impõe conceitos, formas e maneira de ver o
movimento de arte neste país e que alguns estados não dispõem de meios
necessários para que a produção de arte alcance um nível qualitativo digno de
destaque.
Mas o que nos apresentaram? Que o
Piauí quase não tem galerias de arte, que em tal lugar a mostra foi realizada
no saguão de um hotel. Deveria ter sido feita uma narrativa onde a gente
pudesse captar melhor as deficiências e daí partir para sugerir possíveis
soluções. Esta observação deve ser feita, porque do contrário, cairemos no
mesmo erro no ano seguinte, e como resultado, será o fim do Circuito de Artes
Plásticas do Nordeste.
Mesmo com a dificuldade que foi
imposta pelos encarregados de avaliar a produção de arte nos estados
nordestinos posso diante do que leio, do que já vi e acompanho, tomar a
iniciativa de sugerir algumas medidas, não como dono absoluto da verdade, mas
como uma pessoa interessada em ver fortalecida a arte que se faz nesta região
esquecida dos poderes públicos.
Também, não concordo com a
posição de um integrante da mesa-redonda que é contrário ao fortalecimento de
uma arte feita no Nordeste, e chegou a dizer que existe dificuldade em se
detectar os elementos.
Isto é uma tremenda bobagem. As
manifestações de arte do Nordeste têm elementos e signos tão visíveis que só um
cego não enxerga. Basta ver o sentimento de religiosidade não apenas nas artes
plásticas mas em todas as manifestações.
Basta ver a presença do
sofrimento, da esperança em contrapartida com a desesperança que hoje reina nas
capitais do Sul.
Enfim, as raízes que tentou
esconder com um pensamento de pó de arroz estão fincadas e são irremovíveis,
mesmo para àqueles que vivem debruçados nos livros importados que enaltecem a
Renascença.
O próprio uso do material
existente na região e a maneira de manipular este material e um dado que salta
aos olhos da cara. Mas deixemos de lado esta discussão e vamos falar de
possíveis soluções.
Vejo por exemplo, que a idéia
lançada por uma participante da instalação de oficinas nos estados onde a arte
ainda está mais atrasada em termos de qualidade seria uma solução viável,
bastando que se estabelecesse um convênio com algum órgão cultural de cada
estado. Assim, poderão ser enviados artistas que montarão oficinas. Mas não só
isto é preciso além da prática, do fazer, que seja passado a esses futuros
alunos, informações básicas para ter a certeza e a consciência do que estão
fazendo e são capazes de produzir. Precisaríamos enviar a estes estados e
receber de volta informações através da troca de catálogos, publicações e
experiências. Poderíamos até bolar um pequeno periódico que circulasse nos
estados envolvidos no projeto. Não necessitaria de uma coisa cara, apenas
mimeografo ou xerografado e este periódico seria mas um elemento de ligação e
que suscitasse discussões através as associações de artistas ou grupos, mesmo
informais de artistas.
Seria preciso também que as
associações de classe não de fechassem em querelas. Acho
inclusive que a formação de pequenos grupos de artistas sempre funcionou como
um elemento inovador da arte. É exatamente aí que poderia ser centralizada a discussão e também o trabalho dos
encarregados de promover a arte nordestina
para que tenhamos aglutinados artistas trocando suas experiências e
discutindo tudo aquilo que gostariam de jogar pra fora.
Poderíamos também promover
palestras em cada um desses estados. Como vivemos num país pobre e onde a
cultura tem uma importância secundária para os governos, seria o caso do
trocarmos idéias e os palestrantes em vez de gastarem dinheiro com hospedagens
em hotéis de quatro ou cinco estrelas fossem recebidos em casas de artistas e
assim as despesas ficariam bem mais acessíveis. Mas isto tudo tem que funcionar
através de uma coordenação que mantenha contatos rotineiros com as pessoas
envolvidas com a arte. É preciso antes de tudo fortalecer a arte nordestina
para depois mostrá-la nos grandes centros consumidores, partindo inicialmente
de um trabalho em cada estado para em seguida ser feita uma promoção a nível de
região. Isto não quer dizer que deveríamos fechar nossos olhos e fronteiras à
arte produzida em outros centros, mesmo em New York ou Paris. Ao contrário, tudo tem que ser
feito enxergando o que está sendo produzido aqui, ali e acolá. Mas, antes,
vamos enxergar e avaliar o que somos capazes de produzir para pensar depois em
transvanguarda e outras inovações que nos vomitam como coisas absolutas,
queimando etapas que ainda não escalamos.
Lanço apenas algumas sugestões e
sei que muita gente tem inúmeras outras que deveriam ser recolhidas e
discutidas e viabilizadas pela Secretaria Geral do Circuito. O que interessa é aumentar
este intercâmbio para que possamos ver a
arte produzida aqui ser enaltecida. Não como por seu traço de exotismo, mas
como uma arte feita com qualidade e que possa ser avaliada, mesmo se comparada
com os parâmetros preestabelecidos.
POR UM PLANO DE EXPANSÃO CULTURAL
A cidade de Salvador tem muitos espaços que podem ser ocupados com obras de arte.
Salvador ainda é uma cidade sem uma cultura urbanizada, é necessário a preservação e a renovação de seu patrimônio cultural e de sua visualidade.É prioritário, um plano de ação da produção cultural (simbólica) articulado direta ou indiretamente com o plano de desenvolvimento urbano, incentivando as diferentes manifestações principalmente as linguagens experimentais recalcadas em nome de conceitos não pouco autoritários. Romper os preconceitos de acusar as novidades na arte de importações, e assumir o compromisso com a experimentalidade e os novos mídias.
Descentralizar e promover a
abertura de espaços destinados a participação dos guetos culturais que possam
existir nesta cidade. Estabelecer diretrizes de incentivo, veiculação, divulgação,
a partir de um mapeamento das produções artísticas de toda cidade; centro,
periferia, subcentro, favelas, a intelectualidade e o popular. Até se chegar a
um programa de intervenção cultural a médio e longo prazo não só para o
município do salvador, mas também para o estado ou suas principais cidades,
considerando-se as características específicas de cada região e sua capacidade
de ampliar ou renovar o repertório, obedecendo a orçamentos compatíveis.
No momento atual é prioritário
para Salvador, enquanto centro urbano, se definir uma política de ação cultural
que atenda aos seus diferentes níveis de contrastes, que satisfaça aos seus
diversos produtores e consumidores; a elite, o popular, o erudito, o
experimental e o tradicional, sem confundi-los. Criar projetos de incentivo à
pesquisa, estimular o estuda da arte que foi e que está sendo produzida aqui.
Planejar e ececutar atividades que atenda a formação artística do público
infantil, programas fazer/cultura destinado à recuperação de inventitividade dos
idosos.
Verificar os espaços e
edificações ociosos da cidade e recuperá-los como lugares de inventividade e
participação coletiva.
Criar espaços culturais estudando
sua localização, suas condições ambientais, se possível ou não abrigar um
acervo artístico, a que faixa de público será prioritariamente destinado,
levando em conta sistema de acesso, sua proximidade com o círculo de transporte
de massa. Os museus deveriam estar geograficamente situados servido de serviços
urbanos disponíveis, como:
Segurança para seus clientes.
Sistema viário, etc., Ao mesmo tempo em que estaria oferecendo seus serviços
para revitalizar e evitar a deterioração de certas zonas da cidade.
Uma outra meta fundamental e
estratégica também, seria incentivar as sedes de entidades de classe,
principalmente as localizadas no centro da cidade, a promover eventos culturais
periódicos e freqüentes, exposições, debates, cursos dos mais variados assuntos
ligados ao patrimônio cultural. Promover campanhas junto a empresas privadas no
sentido destas patrocinarem pesquisas, produções e publicações de arte
inovadoras e sem acesso ao mercado de arte. Convidar ou promover concursos
entre artistas emergentes preocupados com a modernidade para executarem obra de
artes públicas em lugares previamente estudados, solicitar dos jornais locais a
veiculação de textos teóricos, estimular a crítica de arte e publicações
alternativas. Criar política de intercâmbio com outros estados e regiões do
país. Analisar a possibilidade de ocupar o centro tradicional da cidade nos
fins de semana e feriado quando este é esvaziado de suas principais funções,
com atividades cultura/lazer para um grande público que vive na carência de
diversões.
Enfim, se pensar o planejamento
de uma política cultural, sem se construir numa proposta fechada, acabada,
voltada para a criação de uma infra-estrutura, de iniciativas, diretrizes, com
objetivos claros de viabilizar e dinamizar amplitude dos vários segmentos da
cultura local, em especial as práticas semióticas renovadoras sufocadas pela
indústria cultural e o provincianismo.
Sem dúvida, é o mínimo necessário
que uma cidade pode oferecer a seus usuários, e recuperar uma de suas funções e
o prestígio perante outros centros urbanos privilegiados pela hegemonia de uma
cultura cosmopolita (de Almandrade)
PINTURA VULGAR OU VERDADEIRA ?
Milão (Ansa)- “Os símbolos da
publicidade e os das histórias em quadrinhos são representativos de uma nação,
sem dúvida vulgares, mas verdadeiros”, afirmou o pintor Roy Lichtensen, mestre
da pintura americana, que está em Milão para uma retrospectiva da sua obra.
Lichtensen, um dos grandes
mestres da arte “pop”, um dos primeiros pintores que elevaram a técnica das
histórias em quadrinhos a dimensão da arte, nasceu em Nova York e deve a sua
formação artística ás academias mas para libertar-se da retórica escolástica
lançou-se a outro tipo de pintura de tipo oleográfico. “Abri os olhos sobre a
realidade e isto influiu na minha inspiração”, declarou Lichtensen. Até Cézanne
a pintura havia sido romântica. Eu, ao contrário, sentia-me atraído por aqueles
que são normalmente os aspectos piores da arte comercial. Estimulavam-me as
páginas das revistas, da lista telefônica, da publicidade na rua”, afirmou em
uma recente entrevista.
Encontrou o caminho quase por
acaso quando um dia, em 1961, seus filhos lhe pediram que pintasse um “cartoon”
que tivesse como protagonistas o Pato Donald e o Rato Mickey, seus heróis
preferidos.
Assim nasceu “Look Mickey”, o
quadro representa o Pato Donald que colheu Mickey pela jaqueta com sua vara de
pescar e lhe diz: veja que lindo peixe pesquei.
Leo Castelli, um dos grandes
marchands de Nova York afirma que a experiência de Lichtenser transformou-o
junto com Jasper Johns e Andy Warthol, em um feiticeiro do “Pop-Art”.
“Queria demonstrar que tudo pode
ser arte. Até uma fonte banal pode enobrecer-se”, afirmou o pintor. O “Pop Art”
foi o primeiro movimento que representa a América contemporânea como é, pobre
de catedrais e rica em
supermercados. Embora goste mais de me sentar sob uma árvore
que em frente a posto de gasolina.
Mas o mundo tem por todas as
partes a industrialização, surgem novas fontes de energia criativa das quais a
arte não pode prescindir. Neste sentido a “Pop Art” não pode ser definida nem
boa nem má. Foi simplesmente um canal mais imediato para representar a
denunciar a realidade”, disse o pintor.
Lichtenser é um homem de gostos
simples, veste-se comumente com jeans, camisa xadrez, tênis, embora esteja
cotado no mercado de arte com cifras muito altas.
Seus quadros mais famosos valem
20 milhões de dólares, embora alguns o acusem de ser apenas um imitador,
Lichtensen considera que não encontra nisto nada de escandaloso.
“Pode-se copiar os grandes
mestres, afirma. Também Picasso fez a “Femme D’Algiers” de uma pintura de
Delacroix, acrescentando depois. “mas pelo menos a parábola do sucesso sei
imitá-la bem”.
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