JORNAL A TARDE SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 1987
QUATROS EM EXPOSIÇÃO NO MUSEU DE ARTE DA BAHIA
A partir de amanhã e até o
dia 10 de junho, Carlos Rodrigues, Donizete Lima, Márcia Abreu e Tércio Rímole
estarão expondo suas pinturas no Museu de Arte da Bahia, numa coletiva
intitulada Quatros em Exposição. Uma peculiaridade do vernissage será a
existência de um fundo musical, reproduzindo quatro versões do clássico “
Quadros de uma Exposição”, do compositor russo (século XIX) Modest Mussorgsky, considerado
um dos grandes precursores da música moderna.
Carlos Rodrigues pinta,
desde de 1973, óleo e acrílica sobre tela. Seus quadros caracterizam-se pelo
forte colorido e contraste das cores, dentro de uma atmosfera de muito
movimento, retratando cenas comuns do cotidiano, como Diversões na Mesa do Bar”, Descanso Sobre Sacos de Ração, ou ainda um sentimento de ternura pelo
ser humano, como em Amizade. Obra Diversões na Mesa do Bar l, de Carlos Rodrigues.
Afirmando que não gosta de
falar de negócios, mas sim de pintar, Carlos Rodrigues não se estende ao
comentar sobre a comercialização das suas obras. “ Claro que preciso vender”,
porém, para ele, “a hora mais feliz mesmo não é aquela de receber o cheque, mas
sim quando vemos os rostos das pessoas iluminarem-se diante do impacto estético
da arte feita com esforço, técnica e criatividade. A inspiração é essencial,
mas gosto sempre de lembrar Picasso: arte é 90% transpiração e 10% inspiração.
É preciso de um trabalho árduo”.
Carlos Rodrigues faz
questão de frisar a sua incessante busca do máximo de criatividade, “a essência
da arte”. No entanto, não deixa de lembrar, toda vez que fala do assunto, que
“o aprendizado acadêmico, O conhecimento das técnicas de mistura de tintas,
combinação de cores, traçados na tela, da própria feitura da tela, tudo isso é
fundamental para que o artista tenha os instrumentos através dos quais possam
expressar sua criatividade”
. O LADO ACADÊMICO
.
Donizete Lima pinta desde 1971, confessando-se impressionado com a estética de duas raças básicas o Brasil: o negro e o índio. Ele explica que seus quadros (acrílica sobre tela) são resultados dessa sua fascinação pela estética dos rituais índios, dos símbolos negros. Já participou de diversas mostras e exposições,
Tércio Rimole, mineiro,
nascido em 1955, vive em Salvador desde 1977. Pinta desde criança, “incentivado
por meu pai, jornalista com grande aptidão pela pintura e desenho”.
Tércio conta, com orgulho,
que seu primeiro grande incentivo foi ter sido premiado no colégio, ainda
criança, quando pintou um ônibus “inteiramente transparente, com todos os
passageiros sendo vistos lá dentro”. Já realizou diversas exposições, tendo
participado também da mostra dos publicitários, no ano passado, no Museu de
Arte da Bahia. Ao lado a obra de Donizete Lima com inspiração no negro e no índio.
Os expositores de Quatros
em Exposição fazem questão de agradecer ao Departamento de Museus e Artes
Plásticas-Demap, da Fundação Cultural do Estado, que colaborou para a
realização da mostra.
UMA SAUDAÇÃO E DESMOND
TUTU
Emocionado com a presença
do símbolo da luta contra o apartheid em Salvador, o artista Ângelo Roberto
elaborou um desenho de Desmond Tutu o qual enviou-me acompanhado do texto-poema
de autoria de Adelmo Oliveira. O desenho
é este que publico juntamente com o referido texto, que se completam, e
realmente tocam de perto àquelas pessoas que estão preocupadas com este grande
mal que é o preconceito racial. Nós que não admitimos o preconceito racial
temos que ter, por outro lado, o cuidado para que esta postura combativa,
também, não se transforme num preconceito às avessas. Eis o texto de Adelmo:
“E vi descer do céu um
anjo”
(AP-ZO-1)
E precisamos de tua
palavra, Desmond
Aqui em Pretória
Estão pisando sobre nossas
sementes
Tentam por acordo de
amizade
Convencer o mundo
De que somos um pedaço de
terra
Dentro da Geografia, mas
fora da História!
De que nossas famílias já
se acostumaram
A viver sob o julgo da
nações mais fortes
De que somos a lenha
para alimentar a fornalha
para fortificar os arsenais
Estamos pobres de
liberdade
Mas a hora é de fazer cair
o medo
Não podemos suportar o
peso
Que as gerações
Século após século
Não conseguiram extinguir
Apeando as portas deste
dragão maldito
As marcas estão todas aí
No corpo, na língua e nas
vestes
Todavia, esse oceano azul
Nos une cordialmente
(Miramo-nos em idêntico
espelho
E temos os mesmos dons
para o sofrimento)
E tu, tu, Desmond
Já não representas mais
unicamente
Uma Pretória sacudida
pelas Fúrias
És agora a cabeça de um
grande corpo negro
Este corpo de que fazemos
parte
E que marcha para o mundo
da esperança
A ARTE INTRIGANTE DE SÉRGIO RABINOVITZ
Uma seta sinuosa e
intrigante invade manchas vermelhas que mais parecem sombras de uma cidade
noturna, deitada sobre os conflitos de seus habitantes. Noutro, grossos traços
amarelados com um fundo negro, sugerem pedaços de folhas. O terceiro, lembra as
inscrições que vejo nas ruas, as quais não têm qualquer significado deliberado
de seus autores, ficando, portanto, a mercê da imaginação. É este mundo
fantástico e envolvente que gravita a obra de Sérgio Rabinovitz, que muitas
vezes é vítima de leituras mal feitas e expressões mal compreendidas, principalmente
por sua ação gestual e simplicidade dos traços. Mas, por trás desta aparente
facilidade está um trabalho sério, cuidadoso, estudado, técnico e consciente. O
encontro da ação gestual carregada de simplicidade é exatamente o fruto do
conhecimento das técnicas e da busca de uma linguagem e expressiva
contemporânea. “O gesto é a maneira de interpretar os signos da caligrafia
humana”. E nesta busca da interpretação, Sérgio parece comunicar-se até com
seres de outros planetas, escrevendo mensagens atéreas que pulam em nossos
olhos em grande destaque.
Seus trabalhos são poemas
que saem daquela postura estática e movimentam-se através da leitura que,
obrigatoriamente, o espectador tem que fazer, goste ou não goste, entenda ou
não entenda. Nenhum espectador fica insensível diante dos seus traços gestuais.
Esta provocação é a parte integrante do seu trabalho, rico em cor, ora mais
carregadas, ora mais fracas. Mas estas imagens são concebidas com um rastro de
brasilidade.São as raízes deste
artista que, embora jovem, conhece a arte feita aqui e lá fora, onde estudou
algum tempo. Ele está expondo na Multiplus, na barra, a partir do dia 28.
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