JORNAL A TARDE SALVADOR,
TERÇA-FEIRA, 12 DE DEZEMBRO DE 1983
QUATRO ARTISTAS DE A TARDE TÊM
EXPOSIÇÃO
DIA 16 NO TCA
Os artistas Carlos França,Reinaldo Gonzaga,Menandro e Núbia
Depois da convivência diária com
os quatro artistas que vão expor a partir do dia 16 de dezembro no foyer do
Teatro Castro Alves, realmente torna-se um pouco difícil falar sobre suas
obras. A convivência dá aquela sensação de aceitação pacífica. A emoção vai se
desfiando com o tempo de convivência. Se alguma emoção esbocei nas palavras
inseridas na apresentação do catálogo, o mérito é realmente da qualidade dos
trabalhos que eles elaboram.
Escrevendo diariamente e
acompanhando o noticiário internacional e nacional, estou sempre diante de
problemas que emocionam e que aos poucos, vão nos desgastando física e
psicologicamente.
São as guerras, no Líbano e em El Salvador ,
desempregados que roubam para comer, são os saques, as greves intermináveis, os
atos de terror da direita e da esquerda, as ditaduras do Estado, as políticas
econômicas desastrosas e o sofrimento secular do nordestino. Eu e os artistas
que agora vão expor vivemos estas emoções, muitas vezes com mais intensidade
que a maioria das pessoas, porque a notícia é a matéria-prima do nosso
trabalho, do nosso dia-a-dia, e ultimamente, as notícias envolvendo assuntos
desagradáveis que estão se multiplicando.
Eis a declaração que Reinaldo
Gonzaga me enviou: “Agora estou de volta ao cavalete, procurando explorar as
cores em todo seu potencial. Estou fazendo uma orquestração cromática,
destacando o claro e escuro. E, nestas composições simplifico as formas para
denunciar as injustiças social e econômica do nordestino, estigmatizado pela
opressão e o sofrimento”.
Ao conversar com Menandro: “As
expressões por vezes cansadas de homens e mulheres refletem a labuta inclemente
a que são submetidos. São pessoas humildes, deserdadas da sorte, que vestem de
maneira simples e que andam por caminhos tórridos. São crianças ariscas, são
retirantes desalentados, são amantes enlevados”, Portanto, são palavras cheias
de sentimentos, que são transportados para a tela através de suas composições,
onde seus traços funcionam como verdadeiras lanças prontas para defender esta
gente desprovida de tudo.
Já o Carlos França utiliza dos
fantoches para denunciar a manipulação desenfreada, através do Estado ou da
empresa. São milhões de manipulados por uma minoria enclausurada em Sales
ermeticamente fechadas com ar artificial, que enxergam apenas o lucro e o
próprio bem estar.
Núbia nos traz a doçura da
feminilidade, o relaxar de toda envolvência para exaltar as paredes seculares
dos casarões e as paisagens bucólicas onde eu, Reinaldo, Menandro, e França
gostaríamos de ver todas as pessoas, descansando e usufruindo das delícias e
beleza deste mundo, antes que chegue o holocausto e seja tarde demais.
A “CONFISSÃO DE MANDANTE”
“Assumo inteiramente a
responsabilidade, ou, por outras palavras, confesso ser o mandante intelectual
desta exposição, pois de mim e não dos artistas, pessoas extremamente modestas
- partiu a idéia de sua realização. É uma paternidade que reivindico, com a perdoável
vaidade de quem se interessa em promover o mérito alheio, quando realmente
existente. Aliás, não teria necessidade de ser um expert em arte - o que,
sabidamente não sou - para reconhecer o merecimento destes expositores, pois já
os conhecem e reconhecem mais que suficientemente os leitores de A Tarde, que
todos os dias se deliciam com as charges preparadas por Menandro, Carlos e
Reinaldo, ou apreciam as ilustrações feitas por eles para artigos e matérias
especiais. E se os leitores não sabem quem é Núbia Cerqueira, a razão está em
que ela não trabalha no jornal como desenhista, mas como diagramadora, função
que, por sinal, tem muito a ver com a arte, porque exige senso estético,
criatividade, facilidade de composição, bom gosto, enfim diversos dos predicados
que o verdadeiro artista tem de reunir.
Não vi os quadros preparados por
Reinaldo, Carlos e Menandro para esta exposição. Mas, aposto que são muito
bons. Trabalhos de todos três - e mais os de Núbia - vistos anteriormente,
autorizam-me esta certeza. E fico contente com um bom êxito que certamente
alcançará esta coletiva.
Contente por eles, grandes
criaturas humanas, na sua modéstia e na maneira irrepreensível como exercem as
suas funções no jornal; e contente pela A Tarde, por ter sob seu teto - e ilustrando
suas páginas - estes jovens talentos. Jorge Calmon "
O QUE ESCREVI NO CATÁLOGO
“Diariamente Reinaldo, Menandro,
Carlos França estão debruçados sobre a prancheta lendo jornais para saber as
últimas medidas desastrosas de Delfim Netto, o último capítulo da inexplicável
corrida armamentista ou mesmo uma bobagem mais curiosa saída da boca de um
político. Núbia, fica traçando no diagrama as fotos, matérias e vai assim
preenchendo os espaços procurando a cada dia fazer uma página com melhor
visual. Portanto, são quatro artistas que trabalham de lápis e borracha nas
mãos procurando fazer melhor de si para que A Tarde saia melhor a cada edição.
Na verdade a criatividade destes artistas não se esgota na charge ou na folha
do diagrama. Todos são pintores. E uma prova do que afirmo é esta bela
exposição, idealizada por Dr. Jorge Calmon, sempre sensível às manifestações
artísticas, que agora realizam depois de marchas e contramarchas. É um projeto
antigo dos três chargistas e foi o despertar de Núbia para a pintura que
conseguiu reuni-los, nesta mostra onde serão apresentados quarenta e poucos
trabalhos, sendo que a maioria com uma temática ligada ao Nordeste.
Todos são baianos do interior do
estado, de onde vieram para a Capital em busca de uma melhor oportunidade.
Reinaldo Gonzaga é de Buerarema, formado em Belas-Artes e já trabalhou como
ilustrador, chargista e programador visual. A charge lhe possibilita com poucos
traços definir as figuras estigmatizadas pelo sofrimento. Carrega consigo as
lembranças e as imagens de sua terra onde os menos favorecidos são obrigados a
enfrentar situações quase indescritíveis para sobreviver. Reinaldo é meio
caladão e quando está trabalhando fica tão envolvido que se abstrai do barulho,
tão comum em todas as redações de jornais. Simplificando as formas, ele
valoriza as cores e o tema.Numa linguagem como ele mesmo faz
questão de frisar realista-expressionista.
Tentando passar para a tela as
injustiças social e econômica que castiga o nordestino.Carlos França, é de Itiruçu.
Iniciou como publicitário. É ilustrador e chargista e agora nos apresenta seus
trabalhos a óleo e com a temática Fantoches. Preocupado com a manipulação
cada vez maior do homem. Sua pintura é mais solta, onde vai procurando soluções
para cada elemento que surge espontaneamente na tela. Ele reconhece que no
momento da composição de um quadro tem a sensação de estar trabalhando uma
charge, tal a “semelhança do seu desenho em ambas as situações”. Esta
observação serve para os demais. Isto porque o chargista desnuda as figuras
através dos elementos que compõem a figura. Eles retiram do original apenas o
essencial e este exercício exige muita criatividade e de certa forma leva todo
chargista a simplificar as figuras, mesmo quando está pintando e quadro. Os
Três também estão preocupados com a labuta dos homens comuns, tão presentes com
seus sofrimentos em envolvimentos nas páginas dos jornais. Carlos França também
é formado pela Escola de Belas Artes, é um ilustrador de mão cheia.
Menandro Ramos é de Riacho de
Santana e retrata “as expressões por vezes cansadas de homens e mulheres que
refletem a labuta inclemente em que são submetidos”. São imagens fixadas desde a
sua infância quando os trabalhadores chegavam das fazendas cansados e
desesperançados. Daí a sua preocupação em enaltecer a figura humana. Ele revela
que há um conflito entre o chargista e o pintor. É que a charge tem sempre uma
ponta de crítica o que não acontece necessariamente com a pintura. Mas, este
conflito não está apenas em Menandro chargista-pintor, mas em todos nós que
buscamos sobreviver com dignidade neste mundo paradoxal cheio de crueldade e
lirismo. A saída é o encontro de um ponto de equilíbrio e Reinaldo, Carlos França e Menandro encontraram o equilíbrio. Finalmente, temos a Núbia Cerqueira
que é de Juazeiro. Doçura de pessoa, sensível e cheia de amor pra dar. Suas
cores são revestidas de um clima de entardecer, sombrias, calmas, como
demonstra ser a própria autora. As águas de seus rios são mansas, as figuras
humanas estáticas, completamente diversas destas que passam apressadas nas ruas
das metrópoles dando tombos nas demais.Ela fixa na tela este tempo que
está ficando cada vez mais afastado de nós.
Uma imagem poética, lírica, de
sua infância, ao contrário dos chargistas, ela enxerga o lado belo, calmo e
fascinante das coisas. Cada pincelada é como uma nota musical que vai enchendo
nossos ouvidos de emoção. Em contraste com a pintura dos três companheiros de
exposição, onde está marcante a preocupação com a denúncia. Núbia quer pintar e
pinta ,com grande prazer e nostalgia”. Reynivaldo Brito
Rosa do Sertão, uma obra de Menandro Ramos Obras de Carlos França da série Fantoches
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