A VISÃO NORDESTINA NA ARTE DE
MIGUEL DOS SANTOS
E SALET
E SALET
Esta coluna é um espaço aberto
aos novos talentos, sem discriminar os já consagrados, mas, principalmente,
dedicando aos artistas nordestinos; que entre outras dificuldades enfrentam a
falta de divulgação de seus trabalhos. Dentro desta visão, que há mais de dez
anos, norteia esta coluna falo hoje de dois artistas um pernambucano e uma cearense:
Miguel dos Santos e Salet não apenas a distância geográfica os separam, mas
também a própria abordagem de suas realidades e a visão plástica do próprio
universo como vivenciam o Nordeste.
A IMPORTÂNCIA DE MIGUEL DOS
SANTOS
Tela de 2mx3,60m A Fecundação do Gênio. Cabeça, uma linda cerâmica de Miguel
O artista está preparando uma grande exposição para ser inaugurada em 23 de setembro próximo no Museu de Arte Moderna da Bahia, ocupando dezenas de metros lineares, iniciando aqui um roteiro que incluirá São Paulo, Rio de janeiro, Brasília e outras cidades.
O artista está preparando uma grande exposição para ser inaugurada em 23 de setembro próximo no Museu de Arte Moderna da Bahia, ocupando dezenas de metros lineares, iniciando aqui um roteiro que incluirá São Paulo, Rio de janeiro, Brasília e outras cidades.
Sem qualquer dúvida os trabalhos
de Miguel dos Santos estão inseridos entre o que existe de mais significativo
no momento da arte nordestina. Pernambucano de Caruaru, mas radicado na
Paraíba, sua obra uma síntese, uma imagem plástica do Nordeste dentro de toda a
concepção sociológica e psicológica, com seu sofrimento, com suas lendas e
medos. Diria que suas cerâmicas parecem totens de tribos, e porque não de
“verdadeiras tribos”, que ainda existem por este Nordeste afora, privadas co
conforto da civilização, onde falta tudo, menos miséria e promessas. Digo
promessas em todos os sentidos ou sejam as promessas dos políticos e
“coronéis”, e as promessas aos deuses invisíveis, pedindo chuva e outras coisas
mais. Assim, Miguel dos Santos sabe captar este arcabouço, e o transforma num
realismo-mágico através de suas cerâmicas, pinturas e esculturas. O importante que toda a sua obra é calcada em sua própria
realidade, e ele mesmo diz e relembra com carinho quando vendia água de beber e
doces na feira de Caruaru, portanto num local onde aquela gente coloca o pouco
que produz para vender, onde está exposto o resultado do que se é possível
fazer nestas bandas ressequidas e esquecidas.
Embora tenha apenas o primeiro
grau Miguel dos Santos é capaz de discorrer com fluência sobre a arte
nordestina e inclusive perceber os caminhos e a técnica de seus colegas. É um
entusiasta da arte brasileira, em particular de arte nordestina, onde tem um
lugar de destaque.
A figura de Manoel dos Santos
lembra à primeira vista um homem do campo. Para a gente ter esta imagem é
preciso pouco esforço. Ou seja, basta esquecer as mexas de seus cabelos, que
surgirá em nossa frente um mestiço, com traços de negro e Índio. Não apenas
existe identidade física entre Miguel e sua obra mas, também na concepção de
sua plasticidade, e por isto que foi convidado para representar o Brasil no II
Festac, em Lagos na Nigéria, em 1977.
Ele mesmo numa entrevista que deu
em março de 1982 reconhece que seu trabalho era mais africano que de muitos
africanos presentes no festival.
SEMPRE O HOMEM
“A medida para minhas peças é
sempre o homem. A seguir vou fazendo a moldagem, sigo livremente a minha
fantasia”, estas palavras de Miguel dos Santos demonstram exatamente sua
preocupação, o que norteia a sua obra. Dizem alguns estudiosos de sua arte que
se trata de um inesperado bestiário selvagem, onde cabeças coroadas e silhuetas
misteriosas estão muitos distantes da tradição descritiva da cerâmica popular
nordestina. Mas, é claro a visão de Miguel é bem mais forte e traduz exatamente
o que existe na alma no sofrimento e sentimento desta gente abandonada pelos
poderes públicos e pelos grandes capitalistas, latifundiários e outros, os
quais lutam para preservar as coisas como estão. É por isto que suas peças
sugerem a figura humana, permitindo inclusive ambigüidade. O mesmo rosto que
frontalmente pode lembrar pode ser um bicho qualquer. Parece até que Miguel dos
Santos está criando uma mitologia nordestina.
Para Ariano Suassuna a pintura de
Miguel dos Santos é algo que me entusiasma, povoando seus quadros a óleo, ou
cerâmicas, de bichos estranhos: dragões, metamorfoses, cachorros endemoniados
santos, mitos e demônios, uma obra tão ligada ao Romanceiro e por isso mesmo,
tão expressiva da visão tragicamente fatalista, cruelmente alegre e miticamente
verdadeira que o povo brasileiro tem do real.
Agora vamos aguardar a chegada da
primavera e as obras de Miguel dos Santos.
SALET, VEM DO CEARÁ
A obra de Salet é menos
simbolizada em comparação com Miguel dos Santos, mas não perde o seu valor.
Tanto no conteúdo como na forma, embora esta seja bem mais simples, primitiva. Salet está expondo na Biblioteca
Central
É um trabalho despojado de
racionalidade onde a espontaneidade ganha os espaços inclusive em determinados
momentos chega a ocupar as molduras. “É um despojamento, uma vontade tão grande
de manifestar a minha arte, que chego a pintar até sobre molduras,
integrando-as ao meu trabalho”, esta afirmação da artista diz um pouco do que
representa pintar para ela.
Salet deseja mesmo é contar
história do seu povo, não através dos versos como os cantadores nordestinos,
mas através de suas telas. Cada tela é um pedaço da vida da gente do nordeste
que ela vai transpondo. “É um conjunto de sensações que em mim palpitam e a
todo instante vaza, escorre, refletindo toda a ligação que tenho com minhas
raízes e o compromisso que tenho em contar a história do povo com seus prazeres
e dores, luzes e sombras, acomodação e luta. “Por tanto, embora uma pintora
primitiva Salet, tem certa consciência do seu papel, embora não faça uma arte
engajada forçosamente, tratando temas políticos, porém deixa sempre uma
mensagem. O simples ato de se manifestar através da arte já tem grande significado,
porque mesmo numa visão plástica ingênua, não se consegue abandonar este
compromisso com a própria realidade.
A ARTE DE SÉRGIO RABINOVITZ VAI
VIAJAR
A arte vai viajar mais uma vez. Isto me deixa feliz, principalmente porque vai viajar sobre forma de cartões, somada a boa qualidade do grafismo de Sérgio Rabinovitz. Ele produziu uma série de cartões que denominou “Paz”, onde através de traços gestuais representa a pomba branca voando do azul do infinito. Uma mensagem simples, mas acima de tudo essencial para acabar com tanta miséria e tanta violência que existem espalhadas por este mundo louco e insensível. Assim, a continuidade, a comunhão, a harmonia acham-se representadas nos desenhos gestuais deste jovem e talentoso artista.Um dos cartões criados por Sérgio da série Paz.
Sérgio é um abnegado colecionador
de mensagens enviadas através de correio. Ele vem estudando e se preocupando
inclusive em trocar correspondências com amigos e artista. Daí partiu para
criar os seus cartões que têm o tamanho de uma folha de papel de ofício, e, por
isso, permitem ao missivista de escrever à vontade a até fazer algum desenho.
Os cartões serão comercializados numa série de oito nas principais livrarias e
galerias da cidade. Cada cartão tem o tamanho de 30x14, e uma gráfica onde
imprimiu. Todos os defeitos de impressão foram anulados, conseguindo uma boa
qualidade no que desejava mostrar os baianos. Também a tiragem é limitada,
porque o artista não visa ganhar dinheiro, mas acima de tudo multiplicar a sua
mensagem tornando seu trabalho cada vez mais conhecido. Quem receber uma
mensagem num cartão de Sérgio Rabinovitz, por favo, dê uma paradinha, olhe com
cuidado, para que possa sentir o que ele deseja expressar. É a arte
funcionando, palpitando junto à própria vida, e não pode existir hora melhor
para consumir arte do que no momento em que enviamos informações para as
pessoas que nos são caras.
A idéia, é verdade, não é nova.
Mas, nem por isto deixa de ser agradável e digna de registro. Acho que todos os
meios devem ser utilizados para levar a arte a um maior número de pessoas,
retirando a obra de arte do elitismo dos museus, das paredes das galerias ou
das salas de colecionadores egoístas. Este é um dos caminhos que o artista
jovem pode percorrer, tornando-se mais conhecido, e de certa forma colaborando
na educação artística do próprio povo. Por exemplo, tenho certeza que as
reações de muita gente desinformada diante de um cartão de Sérgio Rabinovitz
serão as mais diversas. Basta dizer, que no momento em que se escrevia este
artigo passou um contínuo e indagou se as formas impressas eram letras árabes.
Uma prova que, de certa forma, a mensagem de Sérgio buliu com o jovem. Daí,
passei a dar algumas explicações e o contínuo, pelo menos, deve ter gravado
algumas das informações que lhe transmiti.
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