JORNAL A TARDE SALVADOR, 25 DE
MARÇO DE 1980
A CRIATIVIDADE EXPERIMENTADA NOS CURSOS
PROMOVIDOS NO MAM
Sônia Castro examina com alunos uma prova da gravura |
Hoje,
o ensino das técnicas é sobrepujado por um princípio de ordem mais geral, o da
criatividade. O objetivo é revelar em cada aluno o seu potencial criativo, em
muitos casos enfatizando o caráter coletivo, a participação de todos na
elaboração das propostas, visando uma melhor apreensão do saber artístico em
questão.
Jovens e velhos experimentam a criatividade da xilogravura |
Os
cursos de arte em série realizados no Museu de Arte Moderna, no Solar do Unhão,
por iniciativa de um convênio da Coordenação de Museus, Fundação Cultural do
Estado e Funarte, é um projeto que abre a possibilidade em salvador (como de
resto em toda a Bahia) da eventualização de um movimento bastante amplo na área
da produção de múltiplos, isto é, gravuras em madeira (ou xilogravura), em
metal, em pedra (litografia) e serigrafia (ou silk-screen)
Dividido
em duas etapas, xilogravura e gravura em metal na primeira, serigrafia e
litografia, na segunda, o curso contou com um total de 60 alunos e mais alguns
poucos alunos-ouvintes. A verba oferecida pela Funarte, porém, destinava-se a
um total de 40 alunos (20 em cada curso) mas como o número de inscritos
ultrapassou as expectativas, foi decidido um aumento de 10 alunos em cada
curso. Alguns problemas de falta de material, prejudicando o perfeito andamento
das aulas (experimentos), graças aos entraves burocráticos das nossas
instituições culturais.
PROPOSTAS
E CRÍTICAS
A
artista e professora de artes plásticas, Sônia Castro, responsável pelo ensino
da xilogravura, nos cursos do MAM, ao ser interrogada sobre os objetivos do
curso, não se limitou a constatar a possibilidade da abertura de mercado para
os artistas, mas estigmatizou uma proposta ainda mais definida e com uma
perspectiva bem mais ampla:
-A
finalidade não seria a de formação de artistas (embora este ainda seja o
objetivo do curso), mas de instrutores para levar o curso às escolas de
primeiro e segundo graus das escolas públicas da periferia, despertando o
interesse dos poderes públicos em possibilitar a formação complementar na
educação dos novos contingentes de alunos.
Nesse
sentido, teceu críticas à educação artística que é oferecida no ensino básico,
afirmando que embora conste das legislações, não tem sido aplicado
convenientemente: “Existem projetos aprovados, mas que não vêm sendo
cumpridos”.
Para
a artista baiana, mas radicada em
São Paulo , o problema básico da arte plástica está justamente
na reversão da carência do ensino artístico nas escolas de primeiro e segundo
graus. “A arte deve ser encarada como um instrumento de vida, ajudando o ser
humano a se encontrar, produzir-se a si mesmo, porque o homem é o objetivo e
não a arte”.
O
CURSO, O EXPERIMENTO
Sônia Castro transmite sua experiência |
O
processo de elaboração da gravura, de uma maneira simplificada, implica em
criar o modelo (a ideia), produzir o clichê, ou matriz, que só se torna gravura
na medida em que passa para o papel, especificado em dois tipos: o apropriado
para a cópia na prensa e o “papel de arroz”, para a cópia manual.
Destacando
o aspecto lúdico da arte, Sônia Castro fez ver o papel de catarse desempenhado
por esta prática, possibilitando uma sensação de prazer, com a liberação de
toda a carga cultural (psicológica, antropológica e etc.) dos indivíduos, ao
que se pode acrescentar, no caso específico da xilogravura, uma “nostalgia
afetiva”, quanto ao trabalho com a madeira, pelo que esta, originalmente,
possui de vida.
A
gravura sempre existiu ao lado da pintura, por isso mesmo o múltiplo, de uma
maneira geral, não tem o sentido de desmistificar o “objeto único”. O
preconceito existente para com a aquisição de uma obra de arte produzida com
similar, é um comportamento pré-industrial, de postura acadêmica. A revolução
Industrial acabou completamente com esse tipo de atitude.
PROGRAMAÇÃO VISUAL
Para
Sônia Castro, entretanto, “toda a problemática artística contemporânea consiste
na programação visual voltada para a sobrevivência dos indivíduos. As cidades
brasileiras (Salvador particularmente) não foram ainda solucionadas a nível de
um planejamento geral. A codificação que esquematiza a locomoção das pessoas
das nossas metrópoles é completamente arcaica, obsoleta, importada dos países
desenvolvidos, esse códigos não são programados para com a linguagem do nosso
povo, dificultando a decodificação e pondo em risco a própria vida das pessoas,
basta constatar que Salvador é uma das cidades de maior índice de
atropelamentos do mundo. A diversificação muito grande de símbolos visuais,
alem de inviabilizar uma “leitura” mais fácil para a comunidade, impede o
necessário contato do homem com a natureza”.
Ao
falar sobre a exposição dos trabalhos do curso de arte em série, decidida na
última reunião dos responsáveis pela direção das atividades, estabelecendo o
seu início para 17 de junho, com a característica de que as “obras” serão
apresentadas ao público sem que os alunos paralisem as aulas, os experimentos,
Sônia Castro lembrou que em 1963 participou de uma grande feira de gravuras,
realizada em Salvador pelo Centro Popular de Cultura (CPC), acentuando o fato
de que com a tomada do poder pelos militares, em 64, os trabalhos desenvolvidos
pelo CPC foram completamente destruídos e muitos artistas perseguidos (ela
própria, inclusive).
As
áreas de música e teatro, embora fortemente afetadas, conseguiram dar
continuidade aos trabalhos que vinham desenvolvendo, mas isto não ocorreu nas
artes plásticas, onde houve um corte drástico no processo.
MICHAEL
WALKER: A GRAVURA EM METAL
Embora
o nome leve a crer, não se trata de um estrangeiro (francês, suíço, ou mesmo
americano). Michael Walker, responsável pelo ensino da gravura em metal, é
brasileiro, mais exatamente paulista. Sua formação, entretanto, se deu
basicamente na Inglaterra e em Genebra, na Suíça, onde formou-se na Escola de
Design e Escola de Belas Artes, respectivamente, além de ter trabalhado no
Centro de Gravura, também em Genebra, aprendendo, inclusive, muitas técnicas
com artistas brasileiros que lá estavam radicados.
Com
bastante conhecimento das técnicas da gravura em metal, o artista garantiu que
deseja transmitir essas informações de uma maneira integral, não pretendendo
formar grupos, ou escola, no sentido de passar um único estilo, padronizando a
produção.
Por
envolver técnicas diversas, desenho básico, água-forte (traço gravado pelo
ácido na placa de metal) que permite uma maior clareza das linhas), água-tinta
(efeitos tonais, dado também pelo uso de ácidos) e ponta seca (que tem a função
de facilitar a gravação no metal, sem o uso de ácidos), a gravura em metal
continua em aberto para a realização de
muitas experiências. A gravura é a arte plástica, não é somente reprodução,
arte gráfica.
A
pintura dominou por muito tempo o mercado, desvalorizando o desenho. Não que se
queira dar uma noção de valor, continua Michael Walker, porque para a arte,
hoje, interessa a expressão do artista, a exteriorização do que ele quer dizer.
A gravura possibilita a aquisição de uma obra de arte a baixo custo, por parte
do público.
Quem
reage com preconceito aos trabalhos de gravação, ignora completamente o que
seja o processo de elaboração da gravura. Na Europa e Estados Unidos existem
movimentos, no sentido de levar a gravura a um público mais amplo, não só nas
galerias, mas também nas fábricas.
Michael trabalhando com seus alunos no Solar do Unhão |
Na
Bahia, Há um predomínio da xilogravura. No entanto, a gravura em metal oferece
uma maior flexibilidade e um campo de pesquisa mais amplo. Se na pintura não
existe tanto a possibilidade de criação coletiva, a gravura permite o trabalho
conjunto, embora o artista, hoje, de um modo geral, adverte Michael, tenda a
individualizar-se.
Mas
a própria eventualização dos cursos de arte em série, nesse sentido, se mostra
inteiramente experimental, ainda que somente através do contato com artista
(gravadores já formados) os interessados poderão adquirir a técnica dessa
especialidade artística.
Na
realidade, contudo, a última técnica desenvolvida pela gravura em metal
compreende a inclusão do clichê fotográfico nas chapas metálicas que podem ser
de zinco, cobre ou, mais raramente, de ferro, pela dificuldade de gravação. A
gravura em metal sofre o mesmo processo da impressão tipográfica e, de uma maneira
ainda mais clara, os sistemas de impressão podem ser divididos em dois tipos:
Manuais- xilogravura, gravura em metal, litografia e serigrafia; Mecânico-
tipográfico e off-set.
ARTE
PARA CAVALETE
Araripe
Júnior, cineasta, poeta, artista plástico e aluno em xilogravura nos cursos de
arte em série do MAM, falou a respeito da importância do curso em nome dos
demais.
Disse
que o curso é “importantíssimo” pela possibilidade de conhecimento de técnicas
inteiramente desconhecidas.
Na
Escola de Belas Artes, só temos xilo e gravura em metal, mas sem uma
informação mais profunda.
Aqui,
além de “lito”e serigrafia, o espaço e instrumentos oferecidos possibilitam,
inclusive, a deflagração de um movimento de gravura em geral, não se
restringindo à xilogravura, como ocorreu durante a década de 60.
A
gravura é importante pela sua reprodução em série, diminuindo o custo e
possibilitando o acesso de uma obra artística a um público mais amplo. Vale
lembrar que existem questões de ética envolvendo a produção e a venda. Os
trabalhos têm que ser numerados, se você vende a alguém uma gravura afirmando
que foram impressas apenas 20 e essa pessoa em contra o mesmo trabalho com o
número 21, ele pode até processar o artista. E é bom que fique claro que ainda
encontro preconceito para vender as minhas xilogravuras, mas o fato é que, com
gravura reproduzida em série ou não,
continuamos a fazer arte para cavalete.
( Albenísio Fonseca)
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