JORNAL A TARDE, SALVADOR, 03 DE FEVEREIRO DE 1980
EXPOR-80, A ARTE NO BELVEDERE DA SÉ
Entalhe de Ramos Melo |
Todos
sabem das dificuldades de sobrevivência do artista-particularmente nos dias de
hoje. Mas não desistem, ao contrário, persistem. Afinal, diz Eloy, “ainda que
selvagem, o homem tem sua linguagem; no prazer, a descontração; na tristeza, a
contração dos tecidos e na arte, a soma das sensações”. O prazer de criar que
se vê nestes jovens, “não são euforia de fim de uma década ou princípio de
outra. São, como dizem, “a necessidade de expressar o que existe dentro de cada
um”. Mesmo com as inúmeras dificuldades impostas pelas regras de um mercado. Já
o Ramos Melo, pernambucano, 29 anos, desde 65 trabalhando com madeira, afirma:
Aqui,
galeria de arte é uma casa onde as pessoas tem poder aquisitivo mais alto e
fazem de seu negócio um passatempo. Quando programam uma exposição, só fazem
com artistas bem projetados, aqueles que fazem uma arte mais para executivos e
gente da classe alta. Outro problema é a participação das instituições oficiais
de cultura.
Elas
financiam quem não precisa. Quando é para ajudar artistas novos, as verbas são
minguadas, mas quando é para alguém famoso, que já possui toda uma estrutura do
trabalho, com seus ateliers e excelentes condições financeiras, então a verba é
alta e o dinheiro sobra.
Por
outro lado, as galerias cobram muito caro as percentagens - em torno de 33 por
cento. Por isso não tenho feito questão de expor. Sobrevivo mais de visitas,
faço minhas peças sob encomenda.
A
saída para sanar estes entraves, no entender de Ramos Melo, é uma mudança de
método que estas pessoas que ocupam postos dentro das galerias e nas fundações
culturais “tomem consciência do problema e não traiam seus próprios princípios,
em relação à arte, em relação ao homem”. Diz ele:
“essas
mesmas pessoas são jovens, passaram problemas semelhantes e depois de ocuparem
estes postos mudam de comportamento. Aí é que está o problema. Estas pessoas
precisam manter a integridade quando passam para o lado de lá”.
Walter
Morais, 30 anos, baiano, trabalhando com uma temática do cotidiano e do
fantástico, considera que o maior obstáculo ao mercado de arte localiza-se na
figura do intermediário, na figura do “marchand”.
Era
preciso-salienta um verdadeiro movimento dos artistas que abalasse estas
estruturas viciadas. Uma feira de arte permanente, por exemplo, ajudaria a
diminuir a figura deste intermediário.
Só
assim teríamos condições de mostrar os novos artistas e integrá-los com aqueles
que já tem uma certa tarimba na profissão. Era preciso que os grupos se
movimentassem, formassem um órgão de classe, com condições de melhor articular
contatos com as instituições oficiais. Uma associação de artistas plásticos
coligada com as outras artes.
Os
nomes constantes desta, EXPOR-80 não podem ser chamados de novos artistas. Há
algum tempo eles trabalham com arte, embora alguns sejam desconhecidos do
público e conseqüentemente do mercado de arte vigente. É o caso, por exemplo,
de Maria Bethânia, ceramista há seis anos. Ela participou de algumas mostras, seus trabalhos são bons e mesmo
assim não consegue acesso fácil às galerias, às instituições oficiais. Ainda
recentemente, participou da Exposição Cadastro, organizada pelo Museu de Arte
Moderna da Bahia, onde recebeu elogios e estímulos, dada a qualidade de sua
arte em trabalhos com o barro. Para Bethânia, expor o que se faz “é dar-se ao
público, é sair do individual para o coletivo, é tentar um contraponto dentro
de uma realidade caótica opressora da criação, é mais um esforço de crescer,
difundir, dividir o trabalho”.
-Infelizmente
- prossegue - contamos com todas as dificuldades, desde o momento da produção,
onde se investe não só a criação mais o tempo, o espaço, a vida, no jogo da
incerteza do que poderá vir em troca.
Neste
sistema a arte é relegada à última necessidade, tornando-se elitista no sentido
de ser privilégio de poucos, tanto de quem a faz quanto de quem a absorve.
ARTISTAS
NO MAM SÃO PAULO : ALDEMIR,
DOUCHEZ, IANELLI E NICOLA
O Cavaleiro, obra do cearense Aldemir Martins |
“Por
acreditar nos nossos valores artísticos e nos múltiplos aspectos das artes
plásticas brasileiras, iniciei gestões, já desde os tempos em que ocupava a
presidência da Bienal de São Paulo, no sentido de levar exemplos
representativos da nossa arte numa tournée pelo exterior.
“Evitei
uma manifestação demasiadamente ampla, que certamente diluiria a expressão de
cada artista, preferindo mostras individuais simultâneas que ilustrassem
algumas técnicas de nossa arte. Optei por quatro nomes já consagrados, que vêm
desenvolvendo um trabalho sério e do mais alto nível, cuja obra é analisada, em
texto de apresentação, pelo crítico professor Wolfgang Pfeiffer, diretor do Museu de Arte
Contemporânea da Universidade de São Paulo”.
“Estas
obras, possivelmente, não retornarão em grande parte, uma vez que estão
formalmente comprometidas para integrarem os acervos dos vários museus onde
serão expostas. Esta é, portanto, uma das principais razões para exibi-las
aqui, primeiramente, antes da sua partida. Fico satisfeito, como idealizador e
organizador desta mostra, de poder contribuir para a divulgação de nossa arte
em outros países.E
não tenho dúvidas do completo êxito que terá, em cada cidade onde for exibida.
Para
o professor Wolfgang Pfeiffer, diretor do Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo:“Os
quatro artistas que participam com obras recentes nesta exposição formam um
conjunto de expressões plásticas que pode ser considerado bem significativo da
arte brasileira de nossa época. Eles não apareceram recentemente. Eles se
tornaram conhecidos no decorrer dos últimos 30 anos. O que quer dizer que eles
não são jovens principiantes e das últimas modas. São mestres com bastante
caminho percorrido no desenvolvimento e na apresentação do seu trabalho. Todos
coerentes na sua evolução individual, nas suas experiências e nos resultados
característicos de seu talento criativo de cada um.Provém
de áreas bem diferentes, mas todos eles pertencem, sem dúvida, ao panorama da
arte atual brasileira..
Prossegue
o professor Pfeiffer referindo-se agora a cada artista em particular.
Consideramos
Aldemir Martins desenhista de grande potencial criativo, alcançado entre nós
por poucos.
O
pintor mais puro e mais sóbrio na sua arte que poderemos apresentar é Arcângelo Ianelli. Ele realiza sem qualquer dúvida o que chamaríamos de pintura.Com
seu trabalho deu contribuição importante à arte brasileira, igualmente
apreciada no âmbito internacional.
As
novas tapeçarias de Nicola e Douchez são uma contribuição relevante para a arte
brasileira de agora, e sua obra deve ser recebida com interesse no exterior.
O
brasileiro João Frank da Costa, que foi designado pelo secretário geral das
Nações Unidas, Kurt Waldheim, para secretário geral da Conferência das Nações
Unidas sobre Ciências e Tecnologia para Desenvolvimento, realizado,
recentemente, em Viena. O
diplomata que dirigiu Departamento do Ministério das Relações Exteriores do
Brasil e foi, por exemplo várias vezes representante do seu país na Unesco e,
em conferências das Nações Unidas é também, um artista de renome internacional.
Ceramista
desde 1948, Frank da Costa concentrou-se, desde 1970, em assemblages e
esculturas. Muitas das suas obras estiveram integrando exposições coletivas
internacionais e, em
bienais. Em seus trabalhos usa, principalmente, sucata, que
recolhe em quintais de seus amigos e mesmo nas ruas. Em fins do ano passado
realizou sua última exposição em Viena, quando mostrou esta Madona de rara
beleza.
II
SALÃO NACIONAL RECEBEU CERCA DE 2.500 VISITANTES
Cerca
de 2.500 pessoas visitaram o II Salão Nacional de Artes Plásticas encerrado em
fins de janeiro e que abrigou mais de 800 trabalhos de artistas de todas as
regiões. O II SNAP, organizado pelo Instituto Nacional de Artes Plásticas da
Funarte, marcou a reabertura do espaço do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro fechado desde julho de 78, destruído pelo fogo.
Os
trabalhos que integraram o salão estão à disposição dos artistas que queiram
retirá-los, na sede do MAM no horário das 14 às 17h. As obras não retiradas
serão entregues no decorrer dos próximos meses, a domicílio, por serviço de
entrega especializada.
Resultado
da fusão de dois salões oficiais de arte, o Salão Nacional de Arte Moderna e o Salão Nacional de Belas Artes, o II SNAP
concedeu 830 mil cruzeiros em prêmios apontados por um júri escolhido pela
Funarte e pelos artistas inscritos.
Inscreveram-se,
995 artistas de todo o país, num total de 4 mil obras abrangendo a pintura, a
escultura, desenho, gravura e expressões contemporâneas de fotolinguagem e
performance corporal. Foram premiados os artistas Cláudio Tozzi, Júlio Vieira,
Wilson Piran e Paulo Garcez (Viagem ao Exterior); Clécio Penedo, Luiz Áquila da
Rocha Miranda, João Sérgio Lima e Vicente de Souza (Viagem pelo País); Isis
Braga (Melhor Conjunto de Obras) e Miguel Ângelo Gontijo, Flory Meneses, Rui
Meira, Georgete Melem e Osmar Pinheiro de Souza (Prêmio Aquisição).
Os
artistas que queiram retirar suas obras deverão identificar-se mediante
documento ou recibo de entrega de seus trabalhos.Aqueles
que não receberam o catálogo do salão poderão obtê-lo no Instituto Nacional de
Artes Plásticas, á Rua Araújo Porto Alegre, 80, Rio.
Os
certificados de participação serão enviados, brevemente, pelo Correio a todos
os classificados.
O
III Salão será aberto, ainda, este ano, com data prevista para 20 de outubro
franqueado a quaisquer artistas brasileiros ou domiciliados no Brasil há pelo
menos cinco anos.
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