AS METAMORFOSES DE SANTE ESTÃO
ACONTECENDO
NO RIO DE JANEIRO
A apresentação do crítico Mário
Barata sobre a obra de Sante Scaldaferri é a comprovação da qualidade do
trabalho do “retirante” de Itapuã.Mário fala das metamorfoses
citando o angustiado Franz Kafka e se confessa impressionado com as figuras
disformes e questionáveis do artista.Publico esta apresentação na
íntegra em homenagem a Sante e ao mestre Barata. Mas antes leia o bilhete afetivo
de Sante:
" Caro Reynivaldo:
Estou seguindo
para o Rio a fim de inaugurar, dia 5 de abril, às 21 horas, uma exposição
individual na Galeria de Arte do Centro Cultural da Universidade Cândido
Mendes.
Infelizmente ainda não tenho os
catálogos, mas assim que chegarem eu mando para você. Entretanto segue uma
cópia xerografada da apresentação para esta exposição de Mário Barata.
Para as artes plásticas a I Feira
da Cultura foi muito boa. Realmente a Bahia neste setor foi a melhor.
Quanto a mim particular, tive
reconhecimento unânime da crítica e ontem recebi de presente um magnífico texto
crítico de Theon Spanudis que após fazer xerox vou lhe mandar.
Lá o pessoal é muito
profissional.
Não tem essa de padrinho, não. O
cara se apresenta com os trabalhos e se for bom, não precisa mais nada.
Pessoalmente eu lhe conto...
Muito obrigado e lá vai o abraço
de seu amigo.”
METAMORFOSES CONVERGENTES
“O envolver da pintura com
personalidade é o resultado de uma experiência humana e profissional e das
surpresas de saltos qualitativos. Essas experiências, após a primeira afirmação
do artista, fluem como energias ondulantes e, normalmente, navegam para novos
portos, sem abandonar as estruturas iniciais de uma conformação individual,
elaborando grafias diferenciadas dentro do quadro moldador do estilo da época.
Sem copiar soluções européias ou
nortes americanas, Sante Scaldaferri, educado eruditamente em uma Escola de Belas
Artes que começava a possuir professores modernos ao lado de mestres
tradicionais, sentiu o impacto das formas dos ex-votos do Nordeste, que
colecionou como o faziam ou fizeram o escultor Mário Cravo, seu amigo, e Mário
de Andrade, grande brasileiro e no decorrer do tempo passou a “pintar gente com
cara de ex-votos e não ex-votos com cara de gente.
Esse gesto não foi superficial ou
aleatório: correspondia a uma maneira profunda de ser.
E as figuras representadas
tornaram-se obesas e angustiantes e revelaram em todos os pecados capitais até
começarem a metamorfosear-se em um animal de rabicho pequeno e petulante que,
para Monteiro Lobato fora o Marquês de Rabicó, em fixação destinada à infância,
mas na obra de Sante é uma criação visionária de ordem diversa, figurando um
universo malsão e condenado à vulgaridade e ao animalismo dos piores instintos.
A mudança da forma convergia, pois com a mudança de sentido crítico. O ex-voto
e o orante são preces, enquanto que as figuras caricaturais, geralmente
desnudas, da pintura atual de Sante Scaldaferri, constituem uma imprecação,
através de retratos imaginários, contra seres brutalmente metamorfoseados.
A caricatura, no bom sentido,
seria imanente a esse visionarismo trágico, pelo conteúdo sarcástico e pela
origem estilística remota, de sua expressão. Nada ali existe do
pós-expressionismo ou do intencional infantilismo de personagens criados por
Jean Dubuffet. As raízes da forma santiana decorrem do seu olhar habituado a um
universo regional. Mas regional como ele disse que o artista consegue transpor
ao universal e cuja expressão pictórica depura crescentemente, ao tornar o
fundo da pintura mais lisa e clara e ao usar ritmos curvilíneos mais
harmoniosos, embora Sante a deseje, como declarou, ‘suja’ como expressão de um
antielitismo, que para ele é um antieuropeismo, isto é permita-se-me dizê-lo
anticivilização.
As metamorfoses angustiadas de
Frans Kafka possuem outra origem e diferente intenção. Ao atacar
simultaneamente as depravações morais dos homens - as fraquezas do caráter - e o seu ‘animalismo’
de atitudes - vulgaridades - no fundo o
pintor defende um regresso à civilização. Todavia não há civilização do consumo
e sim à da pureza. Por isso pode fazer uma Guernica do Nordeste e por isso a
sua arte é combatida.
Em 1975, Alberto Lattuada fez
singular filme , ´Cuore di Cane”, na
Itália, baseado em estranho conto do russo Michail Bulgakov , no qual um
cientista transforma temporariamente um cão em homem, no decorrer de
experiências com enxertos de glândulas e transplante de órgãos no meio de uma
sociedade perturbada por graves transformações sociais.
A metamorfose criada por Lattuada
Bulgakov nos mostra um homem cão, que tem algo do bom animal e das desordens
brutais do animalismo”, tão perto do modo de ser do próprio homem. Para a ficção
de Sante ,não há ambiguidade. O homem é terrível, e ridículo, nas cortes do
poder ou no trottoir, na satisfação de vaidades ou no abuso do sexo. Com ironia
o pintor nos mostra o assassinato “como
trabalho” só que , mais do que na ficção cinematográfica, na série baiana as
figuras já possuem o rabicho que indica que , por mais que se julguem humanos e
importantes já não são nem uma coisa nem outra. A sua importância é somente a
de uma ilusão ou a do poder do mal. Aqui passaríamos a um problema quase
ontológico que poderemos nos dispensar de estudar neste texto na ordem
estética, que é a da abordagem desta exposição “ se for possível isolar
convenientemente uma da outra a acusação de Sante expressa na forma brutalista
que ele desejou transmitir. " Mário Barata, 1983.
LOUVRE ENSINA COMO FAZER UMA BOA
MOSTRA DIDÁTICA
O Museu do Louvre, de Paris, propõe, já desde alguns anos, uma fórmula de exposição didática original e
atraente : “Os Dossiês” do Departamento de Pintura. A receita é simples. Em
volta de uma tela de mestre é reunido tudo que lhe concerne: documentos
históricos, fontes de inspiração, biografia do artista, primeiros esboços,
exames radiográficos, etc...A escolha dos quadros dos mestres da pintura não é
tão absurda como parece à primeira vista. É para completar o conhecimento e a renovar o olhar que se pode
dirigir-lhe, que o Museu do Louvre tomou esta iniciativa didática. Após “O
Atelier” de Courbet , “ Banho Turco”, de Ingres; “La Diseuse de Bonne Aventure”, de Caravaggio , é a vez de
“A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugéne Delacroix que esse Departamento do museu nacional francês consagrou o fim do ano de 1982, o seu 26º Dossiê.
Ao lado a famosa obra de Delacroix " A Liberdade Guiando o Povo",tornou-se símbolo da liberdade.
Instalada no segundo andar do
Pavillon de Flore esta exposição consta
de quatro partes:
A primeira é histórica.
Logo de início, uma primeira série
de placas revela a biografia de Eugéne Delacroix.
Depois, documentos da época, gravuras e outros
testemunhos lembram os acontecimentos políticos que esta composição do artista
ilustrou: as “ Trois Glorieuses”, esses dias revolucionários de 27 a 29 de julho de 1830, no
decorrer dos quais o povo de Paris destronou um rei autoritário, Charles X, e o
substituiu por um outro mais liberal: Louis Philippe
A segunda concerne a gênese da própria obra.
Numerosos esboços, primeiros traços, fazem-nos descobrir o curso progressivo
desta obra. Aprendemos assim que Eugéne Delacroix tornou a utilizar em “ A
Liberdade Guiando o Povo” desenhos anteriores esboçados para quadros comemorando a guerra de
Independência da Grécia em 1820: “Gréce Sur Les Ruines Du Missolonghi”, e “ Les
Femmes Souliores “.
A terceira consta de divisões:
a própria obra e
análise do material que a compõe . Além da obra-prima que mede nada menos que 3,25m
por 2,60 m
são expostos todos os croquis preparatórios: uniformes militares, personagens,
fuzis, estudo de mãos e das pernas.Por ajuda de exames de laboratórios do suporte e
da camada pictural aparecem as diferentes fases de elaboração da obra.
A quarta revela o destino da obra .
Qualificado de “ poissard” no século XIX, o quadro Delacroix que se tornou,
com o decorrer dos anos o arquetipo da alegoria da liberdade, a tal ponto que o
encontramos por toda a parte. Em 1936 , a Guerra Civil Espanhola inspira uma
das fotos-montagens de John Heartfield incluindo a Liberdade Guiando o Povo”. Em 1944, ela
aparece em numerosos cartazes. A insurreição estudantina de Maio de 1968 não a
esqueceu e, bem recentemente, em 1979 e no começo do ano 1982 , o Estado
francês lhe rendeu uma dupla homenagem ao instaurar o uso das notas de 100
francos com a sua efígie, e de selos postais. “Considerada como a representação por excelência
da “Revolução ,“ A Liberdade Guiando o Povo”, de Eugéne Delacroix se tornou o
símbolo da liberdade.
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