JORNAL A TARDE TERÇA-FEIRA,
SALVADOR 12 DE JULHO DE 1982
SANTE VESTIU OS EX-VOTOS COM
A
FRAQUEZA DOS HOMENS
Eles podem ser encontrados nas
encruzilhadas, nas cruzes abandonadas à beira da estrada ou mesmo nas
igrejinhas de povoados, onde a civilização ainda não chegou com sua febre de
modernidade. São esculpidos por gente sem cultura, mas sensíveis por
acreditarem no mundo após a morte e “temerem a Deus”. São os ex-votos,
encomendados por familiares de pessoas que acreditam, ter alcançado uma graça
ou mesmo beneficiados por um milagre. E, assim como os homens em sua grande
maioria temem a morte e o que poderá acontecer apões a sua chegada, enquanto
vivem, cultuam os espíritos e um ex-voto é uma prova desta postura.
Sante nos jardins de sua casa em Itapuã , ao lado de uma das telas que vai expor.
Porém, Sante enxerga o ex-voto
com toda sua misticidade e importância, que transcende a própria concepção de
quem mandou fazer ou mesmo o esculpiu em barro, cerâmica ou ferro. Sua obra
está diretamente ligada ao ex-voto, uma manifestação tão forte quanto a sua
própria obra. A identificação chega a tal ponto que só enxergo Sante colocado
num cruzeiro, daqueles enormes, que ficam encimados, rodeado de alecrins e
unhas-de-gato no alto de pequenos morros que circundam as cidades do sertão.
Este é o lugar mais apropriado para entendermos o Sante Scaldaferri.
Seu físico e também seu nome, têm
algo que transcendem a própria matéria e dão aquele místico que cerca o
ex-voto.
Diria que Sante tem a imagem e o
cheiro de ex-voto. Conheço outros artistas que têm influência marcante em suas
obras dos ex-votos. Mas ouso assegurar que ninguém tem uma identificação tão
perfeita como Sante.
Esta identificação passou do campo
do imponderável para o material. E vejo as fraquezas do caráter humano
incorporadas nos ex-votos. Uma dualidade digna de registro. O misticismo, a
pureza do ex-voto sendo invadida propositadamente para mostrar as fraquezas do
homem. Como que a pureza do homem rude do sertão, que ainda venera o Padim
Padre Cícero, Antônio Conselheiro ou Frei Damião foi impregnada pela fraqueza
que povoa os escritórios, as universidades e outros locais urbanos tão
freqüentados. Os ex-votos ganharam pernas, mentes e uma representatividade.
Como que estão trabalhando numa peça de teatro e vão percorrer os quatro cantos
deste mundo conturbado, tentando sensibilizar as pessoas com a estampadura dos
horrores da gula, da invejado puxa-saquismo, da traição, da mentira e tanto e
tantos outros atributos que tem os mortais
Sante não é um artista de
formação primitiva. È um erudito que sabe ser simples. Cansa de repetir o velho
e sempre atual Dorival Caymmi, “o simples e o belo”, ele sabe ser simples e com
estas temática é capaz de nos mostrar quanto contemporâneo ele é ao ponto de
ter acesso a qualquer mostra do que tem sido feito ultimamente neste país em
termos de artes plásticas. Além disto, Sante dos artistas considerados
realizados profissionalmente em Salvador, é o mais simples, o mais aberto, o
que procura dialogar com os mais jovens. Não vive fechado no sucesso e numa
rosa de pouco amigos. É irônico no falar, no pintar.
Suas formas desconcertantes
muitas vezes não são entendidas por alguns.
Essas pessoas, menos avisadas,
sacam de imediato que seu desenho é primário.
Incapazes portanto, de alcançar a
ambientação mística, toda a conotação que transcende o simples desenho alcançando
sua plenitude no conhecimento e reconhecimento posterior. Não conseguem
penetrar, nem sentir este mundo puro dos ex-votos ou não querem enxergar as
suas próprias fraquezas estampadas nas figuras desproporcionais que ganharam a
vida e, acima de tudo, as fraquezas do caráter humano. Dão de ombros e
continuam seu caminho, mergulhados na inveja, na luxúria, na vaidade e em
muitos outros atributos que normalmente as pessoas não enxergam em si próprias.
Portanto, não deixem de visitar
esta nova exposição de Sante Scaldaferri que está aberta ao publico a partir do
dia 16, no Solar do Unhão, numa promoção do Museu de Arte Moderna da Bahia. Ele
convida a todos que gostam de arte, independentemente de ter recebido ou não
convites para que compareçam porque acha que sua mostra é um ato popular que
deve contar como o maior número possível de pessoas.
MURAL
PASOLINI- “O fim terrível de Píer
Parolo Pasolini”, esta foi uma das esculturas expostas na Bienal de artes
Visuais em Veneza, na Itália, de autoria do escultor vienense Alfredo Hrdiicka.
É bom lembrar que Pasolini teve uma morte trágica devido a seu relacionamento
homossexual. Porém, recordo que Pasolini esteve em Salvador há mais de dez
anos, juntamente com sua amiga Maria Callas, também falecida. Fui entrevistá-los
no antigo Hotel da Bahia. Pasolini estava no balcão entregando a chave de seu
apartamento à recepção quando o abordei. Falei em espanhol meio quebrado e o
italiano pouco entendeu. Começou a falar em italiano e as palavras saiam que
nem as balas das metralhadoras israelenses contra frágil Beirute.
Nada entendi. Ele mudou para o
francês e aí mantivemos um rápido diálogo. Em seguida, nervoso, saiu em
disparada dizendo que ia chamar a Polícia. Voltei ao jornal e fiz a matéria.
Foi, aliás, a primeira matéria que fiz para A TARDE. Daí a lembrança e também o
rápido e nervoso encontro porque o Pasolini saíra do Rio com destino à Europa,
anunciado por todos os jornais cariocas, mas ele veio para a Bahia onde
permaneceu, dois dias.
OPALINA- “A beleza da opalina e
seu destaque no século XIX” é a exposição que ora está sendo promovida no Museu
do reconhecimento dos Humildes, em Santo Amaro , até o dia 31 do corrente. O museu
está aberto à visitação pública de terça a sábado, das 9 às 11 horas e das 14
às 17 horas e aos domingos das 9 às 12 horas.
Já o Museu das Alfaias, em
Cachoeira, apresenta “Memórias do 25 de Junho”, organizadas pelas escolas da
região.
NAS OFICINAS- O Museu de Arte
Modera da Bahia apresenta na sua galeria da gravura (Solar do Unhão), uma exposição
didática do melhores trabalhos dos alunos das oficinas de Arte em Série. A mostra reúne 50
trabalhos selecionados dos cursos de iniciação às Técnicas de Xilogravura,
Gravura em Metal, Litogravura e Serigrafia que o MAMB promove a cada semestre.
Todos os trabalhos são em papel,
mostrando o resultado das técnicas aprendidas durante os três meses de cursos
realizados pelos artistas e professores Márcia Magno e Guache (xilogravura),
Paulo Rufino (litogravura), Yeda Maria (gravura em metal) e Jamir Teixeira
(serigrafia). Além desses, a mostra consta de trabalhos do acervo (que
permanecem no museu, doados por artistas profissionais que passaram pelas
oficinas do MAMB.
GALEÃO SACRAMENTO – Em Mar Grande , exatamente
no Hotel Galeão Sacramento estarão reunidos, no próximo dia 17, obras de César
Romero, Antonetto, Lígia Milton, Justino marinho, Anísio Dantas, Sante
Scaldaferri, Arlindo Gomes, Nilza Barude Neves e Souza e muitos outros. Na foto
uma tela de Lígia Milton.(foto)
AS MENINAS DE ALICE- A desenhista
gaúcha Alice Soares inaugurou sua mostra individual de desenhos, tendo como
temática a criança.
Escrevendo sobre o trabalho de
artista, disso o crítico Carlos Sarinci, em 1980: “As meninas” de Alice são,
com efeito, imprescindíveis para a sua compreensão da vida, toda feita de
dedicação aos jovens, num magistério de arte que, praticamente, durou a
existência inteira. É no olhar rasgado destas figuras juvenis que se expressa
tanto o espanto, como a curiosidade e a esperança diante de um mundo ainda
insondável cujo enigma, além da expectativa é promessa e, de certo modo,
ameaça, vislumbre de algo ainda desconhecido que, por isso mesmo, se dá com
estranheza fundamental, mas também como desejo e poesia. “É nele, no olhar, que
compreendemos, juventude”.
Nascida em Uruguaiana, Rio grande
do Sul, Alice Soares estudou no Instituto de Belas-Artes de Porto Alegre, do
qual foi, posteriormente, professora durante 40 anos. A partir de 1949, começou
expor em coletivas, tendo feito sua primeira exposição individual em 1957.
Premiada diversas vezes em salões
gaúchos em 1954 conquistou o 1º prêmio em desenho do Salão da Câmara Municipal
de Porto Alegre, Alice Soares tem exposto freqüentemente, não só no Brasil ma
também no exterior. Em 1976, o Instituto Cultural Brasileiro-Alemão homenageou-a
com uma retrospectiva de sua obra. Esta é a 4ª mostra individual da artista,
que anteriormente, expôs na Galeria Macunaíma (1963). Galeria Goeldi (1964) e
Galeria IBEU (1969). A exposição de Alice Soares permanecerá aberta ao público
de 13 a
31 de julho de 1982. Horário: das 10 às 22 horas, na Galeria Banerj, no Rio de
Janeiro.
YEDA MARIA -A professora Yeda Maria, da
Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia e da Oficina do Museu de
Arte Moderna, fará, de amanhã até o dia 15, no Museu de Arte Moderna, no Solar
do Unhão, na Ladeira do Contorno, uma nova exposição. Nesta exposição, a
professora Yeda Maria mostrará gravuras, pinturas e desenhos, cujo tema é a
alimentação, além de destacar a realidade e a cor. Conhecida por ter trabalhos
expostos em vários museus e galerias, a artista tem duas outras exposições
programadas para este ano.
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