JORNAL A TARDE SALVADOR,
TERÇA-FEIRA, 24 DE MAIO DE 1982.
NOVE PROJETOS REFLETIRÃO A ARTE BAIANA
Nove artistas foram escolhidos no
concurso público de projetos em artes plásticas promovido pela Fundação
Cultural do Estado da Bahia, através o Museu de Arte Moderna. Pela segunda vez,
integrei o júri que selecionou os candidatos e posso dar meu testemunho da
importância desta promoção que visa colocar o artista à vontade dentro do
processo criativo, sem a preocupação de produzir para vender. O artista é
financiado pelo MAMB para exercer a sua criação com total liberdade. É preciso,
portanto, que aqueles agora escolhidos atentem para o fato de que estão
trabalhando com dinheiro do povo e por isto não podem cometer as falhas que
ocorreram no concurso passado. Já se vão dois anos e até agora dois artistas
não cumpriram o estabelecido, cabendo até uma ação judicial por parte da
Fundação.
Tenho informações de que
pretendem apresentar os projetos dentro em breve e por esta razão estou
aguardando, na esperança de que realmente entendam a responsabilidade deste
colunista, que além de tudo foi membro do júri que os escolheu. Porém, neste
momento o que interessa é o sucesso deste novo concurso e acredito que os nove
escolhidos vão cumprir com todo empenho o que se propuser. Como já é de
conhecimento público, foram selecionados: Zito, com o projeto “Personagens”;
Almandrade, com “Escolas de Carpetes”; Nildão, com o projeto “Popularização do Desenho de Humor”; Eckenberger, com “Moro Num País Tropical Acolchoado por
Deus”; Márcia Magno, com “Arraias”; Juarez Paraíso, com “Foto Design”; Juraci
Dórea, com “Terra”; Rino e Marconi, com
“Tresporquatro” e Vauluizio Bezerra, com um projeto sem título.
Os projetos foram selecionados
depois de duas reuniões da comissão julgadora composta de dois representantes
dos artistas plásticos participantes do referido evento: Gisélia Passos e
Humberto Rocha e de Rubem Valentin, representante da Associação dos Artistas
Plásticos da Bahia; de Frederico de Morais, Reynivaldo Brito e Matilde Matos,
representantes da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Existem CR$
2.400.000,00 que foram distribuídos entre os vencedores obedecendo a critérios
de criatividade, originalidade e custos operacionais, e assim nove artistas
estão em condições de executarem projetos significativos, que realmente
reflitam o estágio de nossa arte. Como disse Chico Liberato, diretor do MAMB,
“é hora dos artistas se colocarem livremente diante da manifestação criadora. É
uma grande oportunidade para os artistas experimentais que normalmente têm um
custo que o público comprador não se interessa, mas que tem a perspectiva de
renovação dos conceitos de arte, codificados e academizados pelas sociedades
que interromperam esse processo dialético de renovação de valores”.
OS PROJETOS
Da esquerda para direita: Chico Liberato, Ruben Valentin, Matilde Matos, Frederico de Moraes, Reynivaldo Brito,Gisélia Passos e, em pé, Humberto e Maria Liberato, a secretária. |
1 - Juraci Dórea - com seu projeto “Terra” (canção n.º7),
quer levar a arte para locais antes desprovidos de qualquer evento, pois a arte
sempre foi predominante urbana. Sua proposta é fazer uma arte sem referências
urbanas e tentar vincular ao próprio ambiente que a inspirou. Sua proposta
atinge o sertão baiano e espera encontrar respostas para uma série de
indicações utilizando materiais como couro cru e curtido, caibros e outros
elementos presentes na paisagem. Ele construirá escultura desmontáveis que
pretende instalar em feiras livres, festas de largo, e assim por diante, nos
municípios de feira de Santana, Monte santo, Uauá, Euclides da Cunha e
Bendengó.
Todos votaram
neste projeto.
2- Almandrade - vai trabalhar com o carpete, plástico
madeira, pedra, corda,corrente, dentre outros materiais. Ele pretende um
trabalho lúdico que possibilite a busca de um estado de emoção.
“Pequenos
fantasmas (psicanálise) que escapam do mundo da razão”. Assim, o carpete deixa
o chão e pelas mãos de Almandrade vai para a parede, um lugar privilegiado. Ele
também mostrará o contraste da presença do carpete num país subdesenvolvido e
tentará estabelecer discussão acerca deste material.
Como muitos
vanguardistas, Alamndrade tem muitas idéias, vamos agora aguardar a execução
que tem sido o ponto fraco de muitos deles.
3-
Zito e seus “Personagens”. Segundo o autor, são
personagens criados que podem ser utilizados em livro, desenho animado e outras
utilidades. São seis personagens: Léo, o pirata, Val, o estudante; Sônia, a
professora; Marte, o ator; Lena, a telefonista e Rui, o intelectual.
4-
Nildão- Seu projeto visa popularizar o humor junto à
comunidade, e, para conseguir este objetivo, vai se utilizar dos outdoors, ou
sejam, aqueles grandes cartazes de rua. Assim, um número significativo de
pessoas vai assimilar suas idéias e a Central de Outdoor já prometeu dar uma
força na veiculação dos desenhos de Nildão que estarão nas ruas possivelmente
no mês de janeiro de 1983.
5- Rino Marconi – Com o Projeto “Tresporquatro” dará
continuidade à pesquisa que vem desenvolvendo sobre a linguagem fotográfica. No
concurso passado, ele trabalhou com fotos feitas por crianças e adolescentes
que nunca tinham usado uma câmara fotográfica.
Agora vai
trabalhar com fotos 3x4, tiradas pelos lambe-lambes para uso em carteiras de
identidades, títulos de eleitor e assim por diante. Desprezadas e
ridicularizadas inclusive pelo próprio fotografado, “estão na base da ideologia
do estado, que é a apropriação, pela máquina burocrática, de um ícone que
representa um indivíduo, significando a sua submissão à autoridade. A foto 3x4,
normalmente pouco nítida, de duração limitada pela técnica utilizada, pretende
representar e substituir o indivíduo, se tornando a marca registrada de cada
cidadão”.
Outra coisa
importante é que você tira um foto 3x4 exatamente em momentos importantes de
mudança em sua vida. Assim, Rino vai trabalhar em cima das fotos perdidas nas
repartições, jornais e etc., fotografando, montando, mudando, interferindo e
utilizando meios que ressaltem o momento importante que levou aquela pessoa a
se fazer fotografar. Todos os membros do júri aprovaram seu projeto.
6-Eckenberger-
fará seu projeto “Morro num país acolchoado por Deus” com um grande boneco
costurado em panos e enchimentos diversos. Será basicamente um colchão, de 4x4
metros, povoado de bonecos a serem movimentados pelo público por um sistema de
fios. Aprovado por todos.
7- Juarez
Paraíso - O projeto “Foto Design” implicará na utilização da fotografia, dos
recursos fotográficos, para estruturação da forma. “Na verdade- explica
Juarez-, o que pretendo é a concentração da imagem e da composição, abrangendo
as deformações expressivas da imagem, a valorização do detalhe, a apropriação
dos recursos de endurecimento dos contrastes pelos filmes gráficos, etc.,
apenas com recursos da fotografia no sentido mais amplo da utilização da
máquina fotográfica e das técnicas de laboratório”.
8-Márcia
Magno - “Projeto Arraias”. O seu projeto visa à valorização das arraias como uma
forma de expressão popular. É um projeto que ela vem desenvolvendo há algum
tempo e pela descrição do projeto não vi nada de novidade. Pretende realizar
uma exposição com 30 arraias pesquisando sua estrutura física. Portanto, um
projeto já conhecido e que talvez necessite de novos elementos para continuar o
seu desenvolvimento. Tanto o de Juarez, quanto da Márcia não obtiveram
unanimidade, pelo contrário, foram muito discutidos e questionados.
9-Vauluizio - O
trabalho consiste na articulação de objetos e apropriação da História da Arte
no sentido de demonstrar a fragilidade do meio de arte local, seus vícios e
anacronismos ante a produção contemporânea exterior. São situações construídas
ironicamente, articulações que incorporam o espaço ocupado (museus, galerias,
etc.), às leis de sua materialidade. Um conjunto de três discursos, ou melhor,
metáforas que abordam o produto arte, problematizando sua função, sua leitura,
seu meio.
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