JORNAL A TARDE SALVADOR,
TERÇA-FEIRA, 21 DE FEVEREIRO DE 1983.
O Carnaval passou, mas permanecem
os comentários entre os foliões e não foliões. Ficaram principalmente as
imagens lançadas pelas estações de TV, impressas nos jornais, revistas e
também, àquelas coloridas e espontâneas que vivemos e presenciamos nas ruas
desta cidade mágica, capaz de dançar e cantar durante cinco dias em pleno
período de desgraça. Esquecemos a economia capenga e sob proteção de Iemanjás
estilizadas penduradas ao longo das avenidas, pulamos atrás de 70 trios
elétricos, vestidos de mortalhas, macacões e outras roupas extravagantes em
busca de um pouco de alegria.
A cada ano assistimos o aumento
desta explosão de cores e imagens indescritíveis. Exercemos a arte de viver,
dançar e cantar esquecendo os problemas, as diferenças de cor, credo e posição
social. Isto tem importância fundamental para esta miscigenação invejada em
todo o mundo.
Ao término do reinado de Momo,
eis que todos retornaram cansados reclamando do pouco tempo de folia. Os que
fugiram do Carnaval, por razões discutíveis, não sabem o que realmente perdem
por não participarem desta festa gloriosa.
Porém, o consolo é que no próximo
ano teremos outro Carnaval! Quando a decoração deverá se estender a outros
espaços, os elementos desta mesma decoração serão multiplicados para que a
alegria seja coroada de mais cores e formas plásticas. Confesso que este ano
gostei da decoração. É verdade que não acompanhei o processo de escolha porque
estava em gozo de férias. Porém, não recebi muitas reclamações, como aconteceu
nos anos anteriores. É um bom sinal!
Com decoração ou sem decoração o
baiano é capaz de fazer qualquer festa. Bastam as barracas à beira das ruas e
muita cerveja que o samba brota como uma flor que explode em cores na terra
ressequida do Nordeste. É uma força estranha e incompreendida pelos mais
acirrados críticos desta sociedade. Porém, compreendida e vivida por aqueles que
se identificam com as manifestações espontâneas do povo.
E, por falar em povo, aí está uma
foto de Valdir Argolo, de A TARDE, feita em plena manhã de Quarta-feira de
Cinzas.
Num pequeno balcão improvisado de
uma barraca este cidadão dormia “o sono dos justos”. Trabalhara e brincara
durante os cinco dias e agora dormia tranqüilamente, ostentando em sua frente o
cartaz de propaganda de um refrigerante com ilustração de garotos rindo e uma
mulher sendo carregada por dois rapazes. O riso e o sono. Dois momentos que
foram vividos neste período, sem falar no sonho estampado nas fantasias douradas,
nas plumas, paetês e até mesmo no bater forte dos tambores que rufaram alegres
por estas ruas de Salvador.
NEUZA ESTÁ EXPONDO NA GALERIA
CAÑIZARES
Neuza Maria Setúbal de Castro.
Nome artístico: Neuza de Castro, nasceu na Ladeira do Chora Menino, Largo do
Tanque, em Salvador. Sua
formação artística : diversos cursos de desenhos e pintura, sendo o mais
importants o Curso Livre de Desenho,na Faculdade Armando Álvares Penteado (São
Paulo). Além de sua experiência no contato com livros e revistas de artes,
visitas e pesquisas em museus, galerias e salões.
Começou a expor seus trabalhos em
1972, tendo participado da “Exposição Cadastro”, no Museu de Arte Moderna da
Bahia (1979); Salão “Mostra Nova” Centro de Artes Shopping News (São Paulo), em
1980; 1º Salão Paulista de Arte Contemporânea (Prédio Bienal de São Paulo), em
1982.Emprega as técnicas óleo,
aquarela e xilogravura. Trabalhou durante vários anos com cerâmica (escultura e
pintura).
Os trabalhos apresentados na
Galeria Cañizares ( com o patrocínio do Museu de Arte Moderna da Bahia),
compõem-se de 19 quadros a óleo de 0,46x0,56cm e 0,50x 0,70cm de dimensão, com
os preços respectivos de CR$25.000,00 e CR$35.000,00.
O ponto comum a todos os quadros
é o muro pichado, diante do qual ocorrem cenas do cotidiano das cidades
grandes, com seus personagens sofridos, confusos e marginalizados.
Neuza de Castro foi para São
Paulo já adolescente.Teve, portanto uma profunda
vivência baiana. Isso permitiu-lhe ter uma visão referenciada de São Paulo.
Nestas telas ela procura sintetizar esta experiência. Cada quadro tem várias
leituras ao mesmo tempo o muro que aprende e asfixia, são os monstros de
concreto chamados prédios; as pichações são os gritos de uma cidade durante a
ditadura; as pessoas são migrantes que saem de sua terra por motivos econômicos
mais continuam marginalizados na cidade grande, sem perspectiva de futuro
melhor.
Tudo isso pode dar idéia de que
os quadros são pessimistas, apocalípticos. Na verdade, porém, Neuza de Castro
procurou retratar a realidade para que as pessoas enfrentem e veja que é
necessário racionalizar o chamado progresso que está, entre outras coisas,
destruindo nossa identidade brasileira, conquistada pelos antepassados índios,
africanos e portugueses, ao longo de sofridos 4 séculos.
Neuza de Castro pretende também
deixar registrada a pichação, movimento que teve muita importância nos anos 70.
Muitas das pichações pesquisadas e registradas já foram apagadas, tendendo,
portanto ao esquecimento.
Em 1981 fez uma individual de
óleos na Associação dos Amigos do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Seu
diretor, o poeta Francisco Luís de Almeida Salles, apresentando-a no catálogo,
escreveu: “E, curiosamente, artista plástica bem dotada, não a seduziu o
abstrato, nem o figurativo neutro. Pôs seu desempenho artesanal em função de
uma certa charge da realidade social e política. Mas consegue evitar, com raro
equilíbrio, o panfleto e o anedótico. São pinturas da situação do homem na
sociedade fechada, cercado de perigos e de ameaças, mas sem nunca conceder
somente ao tema, sempre preocupada com a feitura exigente, pictórica e
plástica”.
PINTURA BAIANA ATRAI GRANDE
PÚBLICO NO
RIO DE JANEIRO
RIO DE JANEIRO
A afluência de público à
exposição de pintura baiana, na sede da Fundação Roberto Marinho, na antiga
Casa do Bispo (na Rua Paulo de Frontin, Rio de Janeiro), organizada pela
Fundação Cultural da Bahia, tem sido intensa, numa demonstração do interesse
dos cariocas pela mostra, que contém trabalhos em óleo, madeira e tela e lembra
a “Escola Bahiana de Pintura 1764
a 1850” .
Na exposição, a figura principal é o pintor português José Joaquim da Rocha que produziu, no decorrer de 40 anos, mais de 150 obras na Bahia, Pernambuco e Paraíba, tendo fundado a primeira Escola de Belas Artes da Bahia, transmitindo, pela prática, os seus segredos de pintura a vários discípulos baianos. O governador Antônio Carlos Magalhães, que esteve presente à inauguração da exposição, destacou a sua importância cultural, ressaltando a presença constante da Bahia em todos os movimentos culturais de relevo no país. Na foto ao lado, o Governador Antonio Carlos Magalhães e o jornalista Roberto Marinho, na inauguração da exposição.
A MOSTRA
A exposição é promovida, além da
Fundação Cultural do Estado da Bahia, pela Fundação Roberto Marinho, com apoio
de diversas empresas da área privada. É uma oportunidade para o público do Rio
de Janeiro tomar contato com essa escola de pintura brasileira.
Quando José Joaquim da Rocha
chegou à Bahia, a Cidade do Salvador não tinha mais a mesma importância
política da época em que era Capital do Brasil, e os pintores do Sul do país
haviam deixado de encomendar suas tintas à Bahia. Mesmo assim, durante toda a
segunda metade do século XVIII, a Bahia se impôs com a sua arte religiosa. Suas
igrejas, construídas em tempo anteriores, tiveram o interior decorado com
deslumbrantes pinturas em perspectiva, cujo exemplo mais significativo é o da
Igreja da Conceição da Praia. Com uma pintura em terceira dimensão, em
profundidade, a Bahia ficou na vanguarda em relação ao resto do Brasil, que
continuava a pintar em suas dimensões, à maneira antiga. E, atrás deste novo
estilo de pintar, está José Joaquim da Rocha.
Ele não era um pintor
revolucionário. Era um artista medieval, que pintava rezando e rezava pintando,
esperando a sua recompensa depois da morte. Não assinava os seus trabalhos, não
cobrava caro pela sua pintura e distribuía o pouco que ganhava entre os pobres
e necessários.
José Joaquim da Rocha entrou em
contato com a pintura em perspectiva por acaso. Em 1689, a Bahia recebeu a
visita de um “insigne pintor de Roma”, cujo nome não é revelado em nenhum
documento. Esse pintor desconhecido cobriu o teto da nave da antiga Igreja da Sé - já
demolida - com uma pintura em perspectiva que iria influenciar profundamente José
Joaquim.
Em Portugal, José Joaquim da
Rocha havia aprendido apenas pintura em perspectiva imperfeita e pintura de
quadros bidimensionais, imperfeições que ainda aparecem nas pinturas executadas
entre 1767 e 1769 na Paraíba e Pernambuco. Mas, no decorrer dos anos seguintes,
José Joaquim aperfeiçoou tanto a sua pintura ilusionista que passou dos quadros
bidimensionais para os tridimensionais apenas às custas do seu esforço
individual.
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