JORNAL A TARDE,SALVADOR, SÁBADO, 14 DE
JUNHO DE 1975
Mário Cravo Neto no leito do Hospital Português |
Acredita o artista que levará ao
público uma exposição inédita onde mostrará trabalhos fotografados pela
memória. São imagens, que temos na nossa mente e que normalmente uma máquina
fotográfica seria incapaz de documentar. São os símbolos, os signos ancestrais
fotografados utilizando luz e sombra, a depender dos momentos de sua memória.
Uma das fotos que fez ao lado um livro de Picasso, que é um dos poucos
elementos que respeita por seu valor cultural. Isto é surreal e cujo trabalho
só posso executar superpondo imagens.
Mário Cravo Neto está realmente
voltado para os símbolos e signos. O seu cartão de apresentação é de cor cinza
e traz uma estrela de David com seis pontas. No verso a sua assinatura, onde
desenha uma estrela com cinco pontas para quem tem a honra de recebê-lo.
Ele lamenta que o acidente tenha
cortado o desenvolvimento do seu trabalho. Porém,pretende comprar outro carro
da mesma marca e de cor branca, onde será pintada uma estrela ou um circuito
vermelho, porque o vermelho passa pela guerra.
Como passei por essa guerra, que
foi este acidente, eu pretendo trabalhar em cima dele. As agulhas que estão me
furando e outros objetos já estão sendo fotografados e com o auxílio de uma
máquina vou filmando tudo que acontece neste quarto (referia-se ao quarto do
Hospital onde está internado.) É a arte antisséptica, que vem sendo desenvolvida
principalmente nos Estados Unidos. E como estou tomando muito soro e o soro é a
limpeza, o meu trabalho estará assim perfeitamente integrado. As agulhas vou
fotografá-las tendo como fundo o infinito. Esta exposição pretendo realizá-la
no foyer do Teatro Castro Alves, que é um local onde o grande público
comparece. Não quero realizá-la em museu ou mesmo galeria, porque são muito
fechados. O fotógrafo pretende também
apresentar um grande painel com fotos de amigos seus que também desenvolvem
trabalhos de pesquisa e que infelizmente ainda não tiveram a oportunidade de
mostrar ao público baiano. Também algumas peças grandes (parte escultóricas de
fibras de vidros e resina poliéster poderão fazer parte desta sua exposição.
Ele considera a escultura uma
gravação em relevo de situações da memória, e assim estariam essas peças
perfeitamente integradas no objetivo da mostra.
COM OS ÍNDIOS
Diz Mário Cravo Neto que prefere
ser hoje chamado de Yaxandyary, que significa porco do mato.Este é o meu nome de guerra.
Depois que passei alguns meses no Araguaia, trabalhando como Diretor de
Fotografia do filme Ubirajara, o Rei da Lança, do cineasta baiano André Luiz,
resolvi adotar este nome. Cheguei até a furar a orelha onde uso um pedaço de
bambu. Quanto a este paradoxo em trabalhar com poliéster, resinas e outros
materiais vindos de civilizações desenvolvidas e esta minha vivência na selva
não quer dizer nada.
Sou um artista que trabalho com
aquilo que disponho no momento. Hoje em dia, estou sentindo que terei que
deixar de fazer experiências com resinas e poliéster e mesmo fibras de vidro porque estão custando muito caro. Certamente trabalharei com a madeira, ferro e
areia que estão mais próximos de nós, brasileiros. Diz ele que a matéria que
utilizo na confecção de meus trabalhos não quer dizer que faço um trabalho fora
da nossa realidade. A escultura é um relevo de momentos de minha memória que
está impregnada da realidade e do ambiente que me cerca. Basta a gente lembrar
que na Bienal utilizei duas toneladas de areia com jogo de luz, a cujo trabalho
dei o nome de Paisagem Lunar, o qual foi muito elogiado pela crítica.
O ESPAÇO
Quando ele apresentou alguns
trabalhos, em 1971, na Galeria Documenta, seu pai e também conceituado artista
escreveu: "A escultura é a descoberta de um novo espaço, de uma nova matéria, de
uma nova forma. Da natureza inspirado e recriando-o permanentemente, o jovem
escultor marca com sua sensibilidade invulgar, a pureza do seu propósito, a
intensidade de sua ação criadora e a fé de que a arte precisa ser renovada
urgentemente e para isto os artistas existem. Assim Mário Cravo Neto começava a
sua trajetória. Nascido em 20 de abril de 1947, em Salvador, dedica-se desde
cedo às artes plásticas. Aos 14 anos já desenhava e executava os primeiros
trabalhos de escultura. Vai com seu pai para a Europa e Estados Unidos e o
contato cotidiano com a arte em vários studios de famosos artistas e visitas a
exposições e museus inspiraram, em grande parte, a sua carreira de escultor,
hoje consagrado e reconhecido por seu trabalho de vanguarda.
RECADO PARA CARLOS BASTOS
Um dos mais bonitos trabalhos
feitos pelo artista Carlos Bastos encontra-se com meu amigo Walter Santos, que
por muitos anos militou na imprensa baiana. É um quadro a óleo com 1m x 80cm e
retrata o interior do Anjo Azul, tendo Carlos Bastos sentado numa das mesas.
O quadro é datado de 1951 e
estará a disposição do artista para sua retrospectiva que será realizada no dia
2 de julho, no foyer do Teatro Castro Alves. O contato poderá ser mantido com Walter Santos, pelo telefone ou com sua esposa, D. Bete. É um quadro que merece ser visto por todos
aqueles que acompanham o trabalho de Carlos Bastos.
Tenho acompanhado de perto as
providências para a realização desta exposição e a minha amiga Sônia Gantois
tem realmente um papel destacado no seu esperado sucesso, como também o pessoal
de S.A. Artes Gráficas, e outras pessoas encarregadas do áudio-visual e do
Mário Cravo Júnior, que fará duas palestras.
MATRIZES AOS MUSEUS
A Associação de Anti-quários
Brasileiros vai iniciar em breve uma campanha
para que os artistas nacionais doem a nossos museus as matrizes de suas
esculturas e gravuras, ao invés de destruí-las, como determina a convenção
internacional, após a reprodução de um certo e determinado número de cópias. O
que vem acontecendo, no entanto, é que muitos artistas não destroem matrizes,
desobedecendo a convenção e ainda por cima vendem a colecionadores as referidas
matrizes, o que força a desvalorização das cópias.
ANTÔNIO REBOUÇAS VÊ ASSIM O PINTOR DE CASARIO
Há poucos dias, um meu amigo e
colega, falando em nome de sua revolucionária e válida pesquisa, condenava o
pintor de casario, que em sua opinião faz uma arte ultrapassada, fiquei pasmado
quando percebi que o mesmo não foi capaz de sentir que nunca existiu pintor de
casario. O que sempre houve e o que há, é a boa e má arte. artistas como Segal,
Di Cavalcanti, Volpi, Kandinski, Paul Klee, para não falar em Picasso, viveram
pintando casas e jamais foram julgados pela simples condição de pintar casario.
A chamada pintura de cavalete,
que do cavalete só recebe o apoio físico, representa e afasta-se circunscrevendo
um ser e não ser que tanto pode utilizar um espaço metafísico transcendente
como um simples enfoque de manchas pontiformes ou um profundo hiper espaço a
maneira de Fontana. Aí está a razão da perenidade, conseguindo atingir até as
regiões fugidias da estética do feio-bonito de Karl Kant. Deixando de lado o
necrosado sistema acadêmico, é perfeitamente possível levar a pintura de casas
a um transbordamento de tudo aquilo que o artista propõe a comunicar, dentro do
seu mundo, inclusive inventando técnicas e expressões revolucionárias,
circunscrita apenas na eterna pintura sobre suporte plano, e quem não sabe que
as grandes conquistas da ciência e da arte surgiram através dos mais puros
princípios de humildade.
É necessário que se perceba que,
com o fim do perigo do virtuosismo técnico do impressionismo, um mundo de
liberdade formal e cromática foi se desenvolvendo em espiral, passando pelos
magníficos pintores post-impressionistas, tomando forças fantásticas dentro do
cubismo, chegando até nossos dias protegidos pela análise fria das correntes
hiper realistas. Assim,acreditamos que sempre somos capazes de provar que nesta
seqüência infinita sempre esteve constante o pintor de casas e claro está que
refiro-me ao pintor de casas que consegue extrapolar o sentido físico de sua
pintura.
E tem mais, um mau pintor de
casas abala muito menos as razões profundas da arte do que certos aventureiros
que abraçam os modismos da arte sem qualquer sintonia. Felizes aqueles que
podem realizar um safári, não aqueles que trucidam os animais mas aqueles que
levam para suas casas um troféu contendo capas pintadas e do lado a assinatura
de um grande pintor.
Tenho um quadro de Antonio Rebouças pintado a óleo de casarios.Gostaria de vende-lo. Tem alguma dica?
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