JORNAL A TARDE, SALVADOR, SÁBADO, 10 DE MAIO DE 1975.
Detalhe do painel, com 2,20m por 1,60m, de Luís Britto intitulado Lua de Praia,Amor Marinheiro, que será exposto no TCA |
A arte para Luís Britto é uma
necessidade e ela reflete o sentido e a sua percepção pois capta até aquele
jeito maneiro desta gente. Diz ele que " meus quadros juntos representam um
painel daquilo que veio no mundo que me rodeia. Tenho raízes interioranas,
porque toda a minha família sempre residiu no campo e isto certamente me deu a
possibilidade da convivência que essa gente onde senti o seu sofrimento, a sua
luta diária pela sobrevivência. A arte que faço não é uma arte ingênua nem
tampouco alienada. Acredito que ela reflete o próprio viver do homem. Para mim
o grande interesse da arte é o sentido social que ela representa."
A figura humana sempre é presença
nos trabalhos de Luís Britto e sempre são representados os tipos que compõem a
paisagem nordestina: o lavrador, o violeiro, o carreiro e mesmo os pescadores
de Salvador, com seus braços e mãos fortes. A lida diária com a enxada ou com o
remo realmente dão a essas pessoas um físico privilegiado. Assim elas são
retratadas, Fortes. Todas ou grande parte das figuras trazem um contorno que
sobressai em toda a composição do quadro, destacando o rosto, os braços e o
tronco.
Tenho a convicção que a arte diz
muito da personalidade do criador.
É exatamente por isto que sempre
procuro nesta coluna trazer declarações do artista para que sintamos o que ele
pensa da vida, como vê a sua arte. E a arte de Luís é resultado de todo um
processo de sedimentação, pois desde a infância que convivia com esses
personagens que agora foram retratados.
O pintor Luís Britto já foi por
três vezes ao exterior, onde manteve contatos com pintores estrangeiros e
visitou os principais museus da Europa e dos Estados Unidos. Disse ele que
desta última vez que foi aos Estados Unidos, onde se demorou por mais de dois
meses, conheceu as últimas conquistas da arte contemporânea.
"Lá fora a gente sente uma falta
da humanização nos trabalhos de arte, que são feitos utilizando modernas
técnicas e equipamentos sofisticados. Senti por exemplo, a falta da ingenuidade
e da alegria dos trópicos. As cores que utilizo dizem muito de nossa gente
alegre. Daí não me preocupar em pintar a Bahia de hoje, aquele lado
desenvolvido, o operário manobrando uma potente máquina. Não, o que desejo
pintar é exatamente a Bahia ingênua, a Bahia pura. Evidente que não estou em
busca de uma paisagem apenas, porque acredito que é melhor colocar uma
fotografia bem feita do que um quadro retratando uma paisagem. A fotografia
fala mais e certamente é mais real que uma tela. A minha não pertence a
qualquer escola. Ela é, antes de tudo, livre como a gente que retrato."
O pintor Luís Britto é um artista
que faz o seu trabalho com consciência.Ele sabe o que quer e
constantemente está procurando acertar. É um trabalho resultante de um esforço
individual e persistente e cada quadro é um pequeno pedaço de um mosaico onde
ele retrata toda a vida dessa gente brasileira. Os efeitos que consegue dar a
seus quadros, embora pareçam à primeira vista espontâneos, na realidade é fruto
de uma liberdade refletida, isto é, não tem aquele caráter irresponsável. A
pintura que Luís está fazendo é tão brasileira, tão baiana que às vezes penso que
deveria ter sido feita por um mulato. Suas figuras fortes e às vezes com
fisionomia agressiva parecem em determinados quadros até agredir a
sensibilidade do espectador. Mas é assim o homem rude do campo ou do mar.
Simples, forte e, acima de tudo, decidido. Luís é um artista de grande
personalidade e criatividade porque soube expressar a vida dessa gente, e a
arte é uma expressão da vida. O artista é apenas o interno diário, o homem que
capta com a sua sensibilidade aquilo que nos rodeia e sente e leva para a tela.
É claro, com a sua participação subjetiva, porque tudo
aquilo que a gente cria tem algo de nós. Espero que este pintor continue a sua
trajetória e com esta vontade em criar, que certamente dentro de poucos anos
será um dos melhores artistas de nossa terra..
ÂNGELO E SUA ARTE BARROCA
Ângelo com um de seus últimos trabalhos |
Assim, entrava em contato com
brasileiros sempre indagando sobre nossas coisas. Em 1954 montou um atelier em La Boca , local onde se
reúne a boemia argentina, desde o intelectual ao homem do país. Lá conheceu um
paulista que lhe convidou para expor no Brasil, na cidade de Itu, São Paulo.
Não pestanejou, arrumou as malas e veio. Em São Paulo trabalhou com
Agostini e Navarro Aguillar. Aproveitou alguns dias e deu uma esticada até
Salvador. Aqui ficou e não pretende sair.
Diz Ângelo que aqui encontrei o
lugar exato para desenvolver minha pintura que tem muito deste ar místico que
envolve esta cidade mágica. Aqui criei juntamente com a minha esposa a Revista
de Arte da Bahia Contemporânea, com os artistas Edson da Luz, Firnakaes e Gilberto
Oliveira. A apresentação foi de Carybé, com uma tiragem de 3000 exemplares.
Assim fui me entrosando e entendendo a Bahia. Digo entendendo, porque à primeira vista é agressiva ao visitante. As
ladeiras e este modo de viver realmente deixam o visitante desconcertado. Mas,
hoje estou perfeitamente entrosado e aqui desenvolvo o meu trabalho. Uma prova
do meu entrosamento é que ouso defender que todos os prédios com mais de oito
andares deveriam ter painéis de artistas plásticos. Deste modo, teríamos uma
cidade com um grande volume de trabalhos de arte, isto porque considero de suma
importância o papel do painel, que exerce muito mais influência em relação ao
quadro adquirido pelo colecionador que coloca em sua casa ou apartamento e
poucos tem oportunidade de conhecer o trabalho artístico.
Ângelo tem realmente grande
facilidade em criar e é por isto que gota de trabalhar em telas grandes. Para
ele, o espaço de um painel, por exemplo é essencial para a gente pintar. Aí
temos possibilidade de fazer um trabalho com mais liberdade.
Ele defende que o trabalho
artístico não deve ser desenvolvido por um artista só. Acho que o trabalho em
grupo é mais produtivo e nos dá maior possibilidade de criação.Defendo que a pintura não
evoluiu. O que evoluíram foram as técnicas e essas devem ser desenvolvidas por
grupos de artistas trabalhando em comum. Hoje temos melhores tintas, melhores
técnicas e pincéis e os grupos de artistas discutindo e fazendo experiências
podem realizar trabalhos magníficos.
Falando sobre sua pintura, que
constantemente apresenta contornos dourados, ele justifica a escolha do dourado
porque esta tinta reflete um pouco do barroco, e da época de opulência quando
as igrejas eram cobertas de ouro.Basta a gente examinar as igrejas
da Bahia que constatamos o que afirmo. Ele tem realmente um grande interesse
pela arte barroca baiana. Não pinta por encomenda. Seu trabalho é livre e
sempre a temática afro-brasileira e sacra.
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