JORNAL A TARDE SALVADOR 2 DE
ABRIL DE 1984
WILSON ROCHA EXPLICA A SELEÇÃO
DAS ILUSTRAÇÕES
Vendedor de Passarinhos de Portinari, do Mam-Ba |
“O
Catálogo do MAMB, memória e vanguarda da nossa contemporaneidade”.
“A
respeito de inferências e ilações equivocamente suscitadas pela publicação do catálogo
do Museu de Arte Moderna da Bahia, cuja reavaliação do acervo na atualidade e a
seleção das obras reproduzidas em suas páginas estiveram sob a nossa inteira
responsabilidade do MAMB, Francisco Liberato, não poderíamos agora deixar de
atender de bom grado a solicitação tão delicada e o gesto tão cordial com que
nos foi dirigida pelo nosso velho amigo e estimado cofrade Reynivaldo Brito, no
sentido de esclarecer tais equívocos por parte da opinião pública e também por
um grande número de artistas locais.
Ora
acontece que a Bahia tem hoje uma população de artistas, como queria há trinta
anos passados o critico e saudoso amigo José Valadares.
Uma
população tão numerosa de artistas não caberia no espaço limitado de um
catálogo que é apenas uma primeira tentativa, que há de ser corrigido e
aperfeiçoado sempre que em vias de esgotar-se, e que está aberto a receber
novos procedimentos e novas linguagens, já que há de refletir a vida e
tendências de um museu moderno de arte. Não nos foi possível esquecer isso,
esquecer o problema de um mundo abundante de artistas baianos, quando fomos
procurados pela artista plástica Zélia Nascimento, tão dedicada ao MAMB a ponto
de ter uma boa idéia de se lançar em busca da realização de um catálogo
pioneiro do acervo riquíssimo do nosso museu, conseguindo concretizar o seu
sonho graças à receptividade e sensibilidade que as suas gestões encontraram no
apoio cultural da empresa baiana Odebrecht, de tantos e inestimáveis serviços
prestados à cultura nacional editando obras de maior importância, como, por
exemplo, Nordeste Histórico e Monumental, de Clarival do Prado Valladares.
Com
21 reproduções a cores de artistas já falecidos e 64 em preto e branco,
incluídas aqui algumas das notáveis produções das oficinas de Expressão Plástica
do MAMB, sua grande maioria compõe-se de valores da nova geração, de artistas
emergentes da Bahia e do Nordeste. Evidentemente, não deixa de ser estranha,
por exigüidade de espaço e limitação de recursos, a ausência de tantos artistas
do nosso ambiente, integrantes do acervo, da massa do conjunto de obras que
constitui o patrimônio do museu, artistas, muitos dentre eles afamados, grandes
artistas como: Edson da Luz, Antônio Rebouças, Sérgio Rabinovitz; Humberto
Vellame, Jamison Pedra, Chico Liberato, Leonardo Alencar, Riolan Coutinho,
Calasnas Neto, Carybé, Floriano Teixeira, Jenner Augusto, Rescala, J. Cunha, Zélia
Nascimento, Pasqualino Magnavita, Noélia de Paula, Rino Marconi, Maria Adair,
Stela Macedo, Denise Pitágoras e Leonel Mattos, que, sem “.dúvida, teriam
enriquecido grandemente o nosso catálogo do MAMB.
Outras
ausências inapeláveis e inexplicáveis que devemos lamentar é a de outros dos
nossos artistas importantes que não fazem parte do acervo do MAMB, alguns de
grande importância nacional, como Raimundo de Oliveira; outros da maior
projeção local, como Carlos Bastos; Carlo Barbosa, Justino Marinho, Arlindo
Gomes, Luiz Fernando Pinto, Antonio Brasileiro, Anísio Dantas, Maso, Ademar,
Valtério, Ramiro Bernabó, Osmundo, Rita Moraes, Solange Gusmão, Madalena Rocha,
Clara Melro, Célia Azevedo, Vera Lima, Ivonete Dias, Conceição Lima, Fernando
Coelho, Elisa galeffi, Edson Calmon, Edvaldo Gato, Fred Schaeppi, Ângelo
Roberto, Sólon Barreto, Lygia Milton, Zélia Maria, Rosa Cabral, José Arthur e
outros. E o que dizer dos nossos artistas ínsitos, representados no catálogo
apenas pelo grande João Alves e por Emma Valle, quanto seria maravilhoso
encontrarmos em suas páginas as pinturas fascinantes de Aurelino, Pedroso,
Cardoso e Silva e Nair de Carvalho, entre tantos outros.
De
fundamental importância, como fator de ruptura com a longa tradução do
objetivismo visual da pintura na Bahia, foi nascimento bastante retardado do
nosso modernismo, quando já se tratavam os últimos combates da Segunda Guerra
Mundial, por volta de 1944. Seus pioneiros foram três dos maiores artistas que
o Brasil já produziu.
Dentre
aqueles valorosos combatentes , o primeiro a erguer a bandeira da resistência
foi o escultor Mário Cravo Jr, seguido
de dois grandes pintores, Rubem Valentim e Raimundo de Oliveira. Foi exatamente
isso o que objetivamos registrar no catálogo do MAMB, a protohistória, a
memória e vanguarda da nossa contemporaneidade”, Wilson Rocha.
BAIANOS
INTERPRETAM O DIÁLOGO ENTRE GOYA E A MAJA
DESNUDA
O
grande pintor da guerra e do amor, mas também de belas mulheres, é alvo de uma
homenagem singular na Bahia. Seu quadro A Maja Desnuda que tanta celeuma
causou na época, inspirou o professor Remy de Souza a elaborar uma peça com o
mesmo título da tela e agora será levado ao palco do Teatro Castro Alves.
Leonel
Nunes interpretará a figura de Goya e Helena Ignez a própria A Maja Desnuda. É
uma tentativa de recriar o diálogo entre o criador e a criatura, desnudando
assim, um pouco do ideal feminino que
“todo homem carrega dentro de si”, segundo explicam seus idealizadores. Também,
traça um paralelo entre a degeneração física do pintor e o crescimento
qualitativo.
Para
falar desta homenagem a Goya deixo que o diretor da peça Rogério Sganzeria
exponha sua visão:
“Quem
foi o Goya? Difícil, senão impossível, separar o homem do artista. Quem é esse
homem? O
artista não explica a obra antes complica-a; qual o mistério de sua existência?
Significativamente,
Francisco de Goya Y Lucientes (1746/1828 nasceu em Fuente de Todos (Aragão), um
povoado modesto como as suas raízes. Em um país de fidalgos, que em sua maioria
não tinha maiores fontes de subsistência a não ser o título apesar do império
colonial espanhol abranger quase toda a América do Sul, domínio onde o sol
nunca se punha..., era preciso estar bem relacionado com os poderosos para se
produzir arte. Depois de insucessos iniciais na carreira, marcado pelos
concursos sujos e amores contrariados, Goya torna-se pintor real e seus
retratando toda a nobreza espanhola para depois concentrar-se em seus murais e
gravuras como intérprete da alma popular, reprimida pelas guerras de
ocupação...
A obra A Maja Vestida, de Francisco Goya |
Sabe-se
que Godoy foi justiçado por seu povo ao tentar fugir com essas telas,
disfarçado de colecionador, foi preso e apedrejado na fronteira...
Ao
contrário dos artistas modernos, Goya foi pintor de reis mas não os bajulava...
definindo-se como um repórter da inquietação de sua época. Realizou 45 cartões
para a tapeçaria real que são fiel reflexo da Espanha de então, superando todos
seus mestres.
Não teve discípulos, mas incluía, entre seus orientadores, Velásquez, Rembrandt e a ...natureza.
Não teve discípulos, mas incluía, entre seus orientadores, Velásquez, Rembrandt e a ...natureza.
Impossível
estabelecer a origem da pintura: sabe-se que durante séculos, esta arte foi
simplesmente ornamental e vegetou como mero aditamento da arquitetura. Os exemplares
mais antigos que se conhecem são as pinturas paleolíticas, dentre as quais se
destacam as de Altamira na Espanha. São manifestações diversas da arte cristã,
inexiste um nexo que as vincule direta ou indiretamente, já que as pinturas
rupestres são exteriorizações de vivências anímicas dos homens das cavernas.
Teria algo a ver com desenvolvimentos ulteriores ou com a pintura decorativa?
A tela a A Maja Desnuda, também de Goya |
A
pintura de cavalete é mais moderno do que muitos suspeitam, confirma o autor de
um ensaio clássico sobre Goya, intitulado “El Hombre y El artista”, Leonardo
Estarico, 1942, observando que a “prática do afresco evidência a exatitude da
afirmação. A difusão do quadro de cavalete foi a conseqüência do emprego da
tinta óleo que tornou possível a expressão pictórica por meio do
“claro-escuro”, cuja sistematização parte de Giotto (1267/1337). Segundo esse
autor, Goya é um descendente direto, na arte dessa concepção denominada, com
justeza, de plástica”..
Ao
mesmo tempo, pronuncia o impressionismo francês de Renoir em diante passando
por Monet e indo até Picasso, prenunciando toda arte moderna.
Seu
compromisso é com o sonho e a linguagem do transe, especialmente importante
para decifrar os claros enigmas da fome e da repressão. Por isto, os
surrealista reivindicam o acervo de Goya como componente fundamental á
compreensão do subconsciente coletivo, na linha de um Bosch, de quem aliás,
Goya assimilou muita coisa. Ambos rompem com o naturalismo e o realismo
convencional, reivindicando maior profundidade ao tratamento do ser e da natureza
na pintura mural e nos afrescos monumentais que surpreendem até hoje por serem
cada vez mais atuais.
É
importante a distribuição de informações sobre artistas quinta essenciais
verdadeiros cidadãos do mundo, como Goya por exemplo. É o que pretende a
encenação de um espetáculo na Cidade do Salvador, tendo como texto o diálogo
imaginário escrito pelo professor Remy de Souza entre o pintor e sua criatura,
o pincel e a tela, Goya e a “Maja desnuda”, título da peça a ser estreada na
Bahia, onde há uma forte colônia hispânica, com Helena Ignez e Leonel Nunes,
sob minha direção e cenários de Raul Willian. No palco do teatro, poderemos
saber quem foi Goya e quais as suas atribulações, êxtases, devaneios.
“Goya
é austero e suntuoso como a Espanha”, dizem alguns. “Representante de um
momento drástico, marcado por rebeliões e tragédias coletivas”, analisam
outros. No entanto Goya é a Espanha com toda a sua força atávica, suas
desigualdades abissais, sua vegetação agressiva e sua gente dura, robusta,
orgulhosa, espanhola: “Goya é povo” (de Rogério Sganzela).
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