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domingo, 25 de junho de 2023

PAULO RUFINO UM ARTISTA MULTIFACETADO

Foto 1. O artista Paulo Rufino  terminando obra em bico
de pena . Foto 2.  O artista  jovem quando começou sua
trajetória na arte. Foto 3. Ano 2000 quando da exposição
no Centro Cultural da CEF
.
 O artista Paulo Rufino de Mattos é um criador multifacetado foi professor de litografia nas Oficinas de Expressão Plástica do Museu de Arte Moderna da Bahia, participou de diversas exposições coletivas e individuais aqui e no exterior. É cenógrafo de cinema, televisão e teatro, ilustrador de livros, trabalha em restauração de obras de arte públicas e privadas, pinta retratos, exímio na técnica de bico de pena e é um estudioso da cultura afro-brasileira que está presente em sua produção artística. Também fez esculturas e outros adereços decorativos para o Carnaval, shows de artistas famosos e eventos, colaborou com o artista Carlos Bastos, pintando personagens no painel da Assembleia Legislativa da Bahia, e em vários trabalhos artísticos de Juarez Paraíso. Embora não tenha a cabeça feita, ou seja, não é filho de santo, me recebeu todo de branco, numa quarta-feira, em sua casa na Rua Chile, no município de Lauro de Freitas, com seu alto astral, apesar das dificuldades que enfrentou e enfrenta. Não se coloca com vitimismo ao contrário, ri com muita facilidade e mostra disposição de enfrentar as adversidades da vida.  Paulo tem um desenho refinado e uma mão firme ao criar as figuras que compõem a sua produção artística, e se diz inspirado no pintor barroco holandês Johan Vermeer van Delft, mais conhecido por Vermeer, nascido em 31-10-1632 e faleceu em 15-12-1675. Foi um dos expoentes do período de ouro da pintura nos Países Baixos.

Foto 1.Mãe Sttela lápis de cor sobre papel. Foto 2. Ogum 
em lápis de cor sobre papel. Foto 3. Tabuleiro do Velho
Omolú, também em lápis de cor sobre papel.
Costuma frequentar várias casas de santo e em especial a Casa de Mãe Branca que ficava no bairro da Federação, em Salvador. Atualmente o terreiro Ilê Asé Taoyá Lonin dedicado a Omolu que já tem cinquenta anos de funcionamento está localizado em Vila de Abrantes, no município de Camaçari, na Bahia. É um candomblezeiro nato como disse seu colega Renato da Silveira no seu livro O Candomblé da Barroquinha.  Nos desenhos em bico de pena que tive o prazer de ver em sua casa tem vários deles dedicados a Exu numa diversificação de representações que nos deixam curiosos em observar e descobrir cada detalhe. É ainda um retratista de mão cheia, e ele me disse que consegue terminar uma obra em dois dias e até em menos tempo. São feitos em papel Canson A2 branco, de duzentas gramas e medem 42 cm por 59,4 cm o que possibilita a feitura de um desenho mais detalhado com uma visibilidade melhor do claro e escuro, do volume e da qualidade do desenho. Suas pinturas também mostram a qualidade do desenho ao pintar pessoas e Orixás onde vemos a proporcionalidade das formas e sua capacidade em transitar de um tom para outro com uma suavidade impressionante. É perspicaz e atento ao conversar e sempre procura expor suas ideias e pensamentos com fluidez e é uma pessoa que demonstra generosidade.

                                                     QUEM É

Fotos 1 e 3. Oxalufã visitando a Basílica do Bonfim em
lápis de cor e nanquim. Foto 2. Ogum em bico de pena


O artista Paulo Rufino Cardoso de Mattos, ou simplesmente Paulo Rufino, nasceu na ilha de Itaparica, na Bahia, em 17 de dezembro de 1949, filho de Josefina Cardoso de Mattos e Hermínio Mattos e desde criança que desenhava com uma caneta esferográfica em seus cadernos de escola tudo que lhe chamasse a atenção. Sua infância foi na ilha de Itaparica, onde seus pais se casaram, e tiveram os seis filhos. Lembra que naquela época todos se conheciam na ilha e que ele ao passar pelas pessoas mais velhas costumava tomar a benção e entre elas estava o avô materno do escritor João Ubaldo Ribeiro, que era Ubaldo Osório Pimentel autor do livro A Ilha de Itaparica - História e Tradição, o qual tenho um exemplar. Não quis falar mais detalhado sobre sua infância em Itaparica. Já adulto sempre retornava à Itaparica onde passava suas férias, e só a partir dos anos 1970 que foi diminuindo suas idas para a ilha.

O artista Paulo Rufino em seu ateliê em Lauro
de Freitas .
Depois seus pais mudaram para Salvador e foram morar no bairro do Barbalho. Matricularam seus filhos na Escola Getúlio Vargas, que pertencia ao complexo educacional Instituto Isaias Alves, o ICEIA. Nesta escola fez o primário que concluiu em 1962, e estudou até o segundo ano Pedagógico, quando abandonou o curso por questões de adaptação. Mas, decidiu fazer o Artigo 99 para ter o diploma secundário e assim poder continuar seus estudos. Em 1969 fez vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Diz que as bibliotecas eram seu refúgio preferido onde leu muitos dos clássicos e principalmente muita coisa da cultura africana e afro-brasileira. Hoje é um dos estudiosos reconhecidos e consultados na Bahia sobre cultura afro-brasileira e em especial o candomblé.

Fotos 1 e 2- Ilustrações do livro
Tia Ciata. Fotos 3 e
4 - Ilustrações do livro  Estelinha
.
Quando se submetia ao vestibular e fazia a prova de Modelagem, no Museu de Arte Sacra da Bahia, onde a Escola de Belas Artes estava funcionando provisoriamente em 1969 ele foi entrevistado por uma repórter do jornal Diário de Notícias que ficou impressionada com a sua desenvoltura. Eram cinquenta e um candidatos e cerca de 70% deles foram aprovados, número considerado alto, porque a maioria não tinha feito curso de pré-vestibular que era muito comum naquela época. Esta prova consistiu em modelar uma Flor de Lis, foi quando a jornalista entrevistou Paulo Rufino que lhe informou ter feito as três opções que era obrigado a fazer ao se inscrever no vestibular da UFBA. Então ele optou por Direito, Jornalismo e Artes Plásticas. Começou a modelar a Flor de Lis pela base e disse ainda que sua preferência seria fazer o vestibular para Arquitetura, mas "que farei no próximo ano". Não fez, e cursou a Escola de Belas Artes até 1974 quando foi jubilado, ou seja, impedido de continuar porque não gostava das aulas da disciplina Descritiva e passou a não frequentar. Porém, continuou indo para a Escola de Belas Artes e participando de algumas atividades.

Cinco representações de Exu em nanquim e
lápis de cor que mostram sua criatividade .
Sua rebeldia também foi percebida pelo professor Juarez Paraiso que questionou por que  não fazia os deveres da disciplina que ministrava que era Modelo Vivo, e Paulo Rufino respondeu porque não gostava daquilo. "Gosto de fazer os meus desenhos”. Foi aí que o professor Juarez respondeu "então faça dez deles e traga para eu ver." Ele fez o dobro, uns vinte ou mais desenhos e trouxe. Foi quando o professor Juarez Paraiso passou a lhe orientar nos seus desenhos. Hoje são grandes amigos e Juarez sempre procurou chamar todas as vezes que necessitava de mão de obra de assistentes para realizar suas obras. Ele tem uma gratidão imensa também porque o professor sempre foi atento e sensível nos momentos de dificuldades que enfrentou.  Lembrou que em 2007 caiu e quebrou o punho de sua mão esquerda, exatamente com a que desenha e ficou alguns meses impossibilitado de trabalhar. Neste período muitos amigos o ajudaram e entre eles estava o professor Juarez Paraiso. "Fiquei oito meses sem poder trabalhar e tive que viver na caridade alheia. Foi aí que fiquei sabendo o número de amigos fiéis que tenho. O médico queria operar o meu punho, mas não deixei porque iria ficar mais tempo parado e sofrendo. Felizmente fiquei bom e acho até que meu desenho melhorou depois deste acidente," disse rindo Paulo Rufino. Ao falar da queda lembrou que quando criança sua mãe insistia para que usasse a mão direita ao invés da esquerda para fazer suas tarefas. Mas, não conseguia, e assim continuou canhoto até que sua mãe contou a um médico amigo em Itaparica a sua dificuldade em usar a mão direita e o médico aconselhou que deixasse ele ser canhoto porque poderia ocasionar outros problemas na criança.
Bela representação do Caboclo,
obra que concluiu em apenas
dez horas de trabalho
.

Não tem aposentadoria ou outra fonte de renda a não ser o dinheiro que consegue ganhar fruto da comercialização de suas obras. Ensinou na Oficina de Expressão Artística do MAM-Ba e quando assumiu como Secretário da Cultura o compositor Carlos Capinam houve uma mudança na coordenação das oficinas que eram dirigidas por Juarez Paraíso exatamente quando o museu ficou um tempo fechado para as filmagens de Orquídea Negra . Quando acabaram as filmagens Paulo Rufino foi dispensado sob a alegação de abandono de serviço. Não é verdade que abandonara o serviço. Todos foram dispensados para que o espaço fosse ocupado pelo set de filmagens. Assim seus quase dez anos de dedicação ao ensino da litografia se perderam. Ai quando pergunto  como anda sua vida responde rindo: "Aqui aos trancos e barrancos".

           EXPOSIÇÕES

Fez sua primeira exposição em 1973 na casa onde morou e tinha seu ateliê o grande tapeceiro baiano Genaro de Carvalho, defronte ao então Hotel da Bahia, nas imediações do Campo Grande, em Salvador, Bahia. A casa foi transformada na Galeria Berlinda dirigida por Tânia Simões e Elizabeth Coutinho, esposa do artista Riolan Coutinho. Nesta ocasião foi realizada uma grande mostra com a participação de outros artistas, inclusive de Hansen Bahia que apresentou várias gravuras retratando celebridades e mulheres da sociedade baiana, entre elas a artista Nair de Carvalho, viúva de Genaro. Logo depois o professor Juarez Paraiso organizou uma mostra de seus desenhos a bico de pena na Galeria Cañizares. Daí em diante vieram uma série de outras exposições coletivas e individuais e participação como cenógrafo em filmes e peças de teatro e dança. 
Capa do catálogo da exposição no Rio de
Janeiro no circuito dos hóteis Sofitel
organizada pela Galeria Prova do Artista.
 
Participa de várias mostras coletivas , não só na Bahia como em diversos estados do Brasil, a exemplo da Feira da Bahia organizada pela Bahiatursa, em São Paulo; 1975- Feira da Previdência, no Rio de Janeiro; 1972 - jogos Olímpicos , em Belém do Pará; 1975 - Congresso Internacional da Asta, no Rio de Janeiro; 1975 - Exposição de Artes Negras da Bahia, no ICBA, Salvador; 1976 - Artistas Contemporâneos, na Galeria Cañizares, Salvador; 1977 - Coletiva Inaugural da Galeria Geraldo Rocha , em Vitória da Conquista ; 1976 - Coletiva Clube Cajueiro, em Feira de Santana; 1977 - Expo-poemas, Poemas Cartazes na Galeria do SENAC, Salvador ; 1979 - Realiza a Segunda Mostra Individual na Galeria Cañizares; 1980/1989 - Ensina Litografia nas Oficinas de Expressão Plástica do Museu de Arte Moderna da Bahia ; 1981 - Exposição Bahia de Todos os Santos  , Quatro Artistas no MAM-BA; 1982 - Três Artistas, Galeria Grafitti, Maceió , Alagoas ; 1982 - Executa o cenário "Pra Não Ser Trapo Nem Lixo", Grupo de Dança Contemporânea da UFBA; 1983 - Exposição Circuito de Artes Plásticas do Nordeste - MAM-BA; 1984 - Painel Coletivo na Biblioteca Central da UFBA; 1984/85 - Trabalha como cenógrafo do filme Jubiabá, do cineasta Nelson Pereira dos Santos; 1988 - Realiza o cenário da Ópera Negra, comemorativa do Centenário da Abolição da Escravatura; 1992 - Exposição A Religiosidade na Arte Baiana Contemporânea, na Galeria ACBEU, Salvador; 1994/95 - Trabalha com o artista plástico Carlos Bastos no novo mural da Assembleia Legislativa da Bahia; Restaura e Executa murais para diversos artistas , a exemplo do mural em vidrotil no Memorial de Irmã Dulce, de autoria do artista Juarez Paraíso; 1996 - Exposição Expo-Bananas, no ICBA e na Galeria Cañizares, ambas em Salvador; 1997 - Exposição Individual na Galeria Cañizares; 1997 - Executa um dos painéis e participa da montagem do Museu de História Natural da CETREL, em Camaçari, Bahia; 1998 - Monta a Exposição sobre o Ano de 1968, no ICBA, Salvador; 1998 - Monta a Exposição da XXV Jornada Internacional de Cinema, Salvador; 1999 - Monta e participa da Exposição Retrospectiva dos Anos 70, no ICBA, Salvador; 1999 - Faz o cenário do show De Caixote e Lampião, do compositor Sérgio Ricardo, no ICBA, em Salvador; 2000 - Exposição coletiva na Galeria de Arte Mokiti Okada, em São Paulo. 

Um belo Xangô em óleo sobre tela que
o artista expôs no  Centro Cultural da
CEF no ano 2000.
Na mostra que fez no ano 2000 juntamente com sua amiga Edsoleda Santos intitulada Bahia: Mito, Magia e Rendas... no Conjunto Cultural da Caixa Econômica ele escreveu este texto: "Salvador é uma Cidade sábia. Velha e sábia. De um saber antigo e sobrenatural. Um ponto de convergência de culturas e civilizações. Vindo de Itaparica, aos sete anos de idade, entrei nesta Cidade pelo mar e pelas mãos de meu pai. Aos meus olhos, de criança, a Cidade vista do mar parecia derramar-se sobre a Baía de Todos os Santos, envolta numa atmosfera fantástica de formas, cores, sons, cheiros e sabores próprios. Uma Cidade impossível de ser e, no entanto, sendo. Descobri, com o tempo, que também era uma Cidade rica. Não apenas de uma riqueza palpável, dourada, mas de uma riqueza maior, ancestral, visceral, que borbulha no ar que se respira, embriagando e transformando as pessoas. Que se renova a cada beco, a cada esquina, a cada criatura. Uma Cidade infinita, que caminha impecável rumo ao infinito, grávida de si mesma, senhora de si e de seu poder. Hoje, diante dela, sou criança ainda, temeroso do seu poder, fascinado pelo seu esplendor, consciente da minha ignorância diante de seu saber. Entrei na Cidade do "Salvador da Bahia" pelo mar e pelas mãos do meu pai, que me levou a conhecer suas ruas, seu povo e seus mistérios". A sua produção diminuiu porque deixou de trabalhar para cuidar de seu pai e da mãe. Sendo que seu pai morreu em 1996 e a mãe em 2005. Em seguida foi retomando paulatinamente sua produção e até agora está em plena atividade, cada vez mais maduro e criativo.

                                                           REFERÊNCIAS

O depoimento de Carlos Bastos em dezembro de 1999 ilustra bem a obra e o jeito de ser de Paulo Rufino. Vejam: "Como todo pintor de talento, é modesto e tímido na vida. É ousado na pintura. Precisando de um ajudante para pintar o imenso painel da Assembleia Legislativa da Bahia, ninguém poderia fazê-lo melhor do que ele. Me foi recomendado por Juarez Paraíso. Pensando e pintando do mesmo jeito, sem bom desenho e habilidade aceitavam tudo o que eu pedia com a maior humildade. Sem sua ajuda não completaria o painel. Tão agradecido, coloquei sua figura entre os maiores baianos. Ele está ao meu lado, no topo do painel, imortalizado como fez o grande muralista do século XVIII Tiepolo, que sobreviveu através dos tempos, graças aos seus ajudantes modestamente escondidos entre os grandes. Obrigado Paulo Rufino". 

Ao lado um detalhe do maravilhoso painel de autoria de Carlos Bastos na Assembleia Legislativa da Bahia onde Paulo Rufino aparece  no alto levando uma pernada de um anjo. 

Juarez Paraíso em nanquim
 feito na técnica bico de pena .
Já o artista plástico e professor Emérito da UFBA Juarez Paraíso  escreveu em 1978 sobre Paulo Rufino: "Nos seus trabalhos, explora e domina sutis evocações tonais, emanando de suas figuras uma luminosidade irradiante, efusiva, graças a concentração periférica de negros e grises transparentes. Suas figuras são entidades sobrenaturais corporificadas e dimensionadas nos mistérios da vida e da morte, nas virtudes e nos predicados do próprio homem, no seu caráter universal. O movimento em potência substitui o movimento real e o ritmo assume a devida importância na gratificante leitura das formas. A probidade com que interpreta os Orixás é consequência do seu amadurecimento individual e de sua incomum propriedade mediúnica. À sua sensibilidade criativa, à sua percepção de artista plástico, acrescente-se uma personalidade voltada para a vida espiritual e para a reflexão. Paulo Rufino de Mattos, na sua simplicidade, possui um cristalino e extraordinário caráter e os seus trabalhos refletem a sua força e a sua dignidade".

  EXPOSIÇÕES

O artista Paulo Rufino Mattos, natural de Itaparica, ingressa na Escola de Belas Artes da UFBA em 1970.Em 1973, realiza sua primeira exposição individual na Galeria Berlinda. Participa de diversas mostras coletivas, não só na Bahia como em diversos estados do Brasil, a exemplo de:1973 - Feira da Bahia organizada pela Bahiatursa em São Paulo ; 1975 - Feira da Providência no Rio de Janeiro.
1972 - Jogos Olímpicos em Belém do Pará ; 1975 - Congresso Internacional da Asta no Rio de Janeiro ; Exposição de Artes Negras da Bahia no ICBA ;1976 - Artistas Contemporâneos na Galeria Cañizares ; Coletiva inaugural da Galeria Geraldo Rocha, em Vitória da Conquista-BA ;  Coletiva Clube Cajueiro em Feira de Santana-BA ; 1977 - Expo-Poemas, Poemas-Cartazes na Galeria do SENAC; 1979 - Realiza a segunda mostra individual na Galeria Cañizares ;1980/1989 - Ensina Litografia nas Oficinas de Expressão Plástica do Museu de Arte Moderna da Bahia ; 1981 - Baía de Todos os Santos, Quatro Artistas no MAM ; 1982 -Três Artistas na Galeria Grafitti, Maceió – Alagoas; 1982 - Executa o cenário Pra não ser trapo nem lixo, Grupo de Dança Contemporânea da UFBA ; 1983 - Circuito de Artes Plásticas do Nordeste, MAM ;1984 - Painel Coletivo na Biblioteca Central da UFBA ; 1984/85 - Trabalha como cenógrafo do filme Jubiabá de Nelson Pereira dos Santos ;1988 - Realiza o cenário da Opera Negra- comemorativa do centenário da abolição ;1992 - 'A Religiosidade na Arte Baiana Contemporânea, Galeria ACBEU ; 1994/95 - Trabalha com o artista plástico Carlos Bastos no novo mural da Assembleia Legislativa da Bahia. Restaura e executa murais para diversos artistas, a exemplo do mural em vidrotil no Memorial de Irma Dulce, de autoria do artista Juarez Paraiso ;1996 - Expo-bananas, ICBA e Cañizares; 1997 - Individual na Galeria ACBEU; Executou um dos painéis e participou da montagem do Museu de História Natural da Cetrel ;1998 - Monta a exposição sobre o ano '1968' no ICBA; 1998 - Monta a exposição da XXV Jornada Internacional de Cinema;1999 - Monta e participa da retrospectiva dos *Anos 70* no ICBA ; Cenário do show "De Caixote e Lampião" do compositor Sérgio Ricardo no ICBA ;2000 - Exposição coletiva de Desenhos na Galeria de arte Mokiti Okada ; 2000 – Bahia, Mito, Magia e Rendas no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal da Bahia; 2005 – Arte , Galeria do Hotel Sofitel, no Rio de Janeiro; 2005 – Exosição no Hotel Sofitel de Salvador-Ba; 2006 – Exposição no Hotel Vela Branca, Porto Seguro-Ba. Ilustrou vários livros.

 

 

    sábado, 17 de junho de 2023

    MESTRE ZU CAMPOS O PEDREIRO QUE VIROU ESCULTOR

    Zu Campos com  seu primeiro entalhe .
    Desde jovem que acompanhava o seu pai que era mestre de obras e levava seus filhos para aprender uma profissão. Muitas casas de moradores da Cidade de Vitória da Conquista foram construídas sob a orientação de Júlio Campos de Oliveira e com a mão de obra de seus filhos. Ele ensinava aos filhos vários ofícios no ramo da construção civil. Um deles era Jesuíno Campos de Oliveira, o mestre Zu Campos, conhecido por suas esculturas e entalhes que estão em museus e coleções particulares espalhadas por este Brasil afora e até no exterior. Mas, ao completar vinte anos de idade no ano de 1958 decidiu vir para Salvador tentar a vida e até 1964 jogou futebol no quadro de atletas do Galícia Esporte Clube. Paralelamente foi trabalhar de pedreiro no Museu de Arte Sacra da Bahia. Curioso ficava observando as formas das belas imagens que compõem o acervo do museu e assim passou a rabiscar os primeiros desenhos tentando copiar. Com o passar dos anos exerceu as funções de porteiro, guia e às vezes quando o diretor do museu o beneditino Clemente Maria da Silva Nigri tirava uns dias de férias e ia para a Alemanha sua terra natal o Zu Campos ficava tomando conta do museu. Chegou a fazer alguns desenhos e pinturas de imagens. Porém, certo dia estava em sua casa na Ladeira de Santa Tereza, número três , nos idos de 1966 quando um grupo de artistas pernambucanos tinha vindo para Salvador participar de uma exposição numa galeria que funcionava na Avenida Sete de Setembro - não lembra o nome - e estavam com problemas de arranjar um espaço onde pudessem trabalhar. Ele ofereceu seu ateliê na Ladeira de Santa Tereza, número três ,  e assim eles vieram e já trouxeram suas ferramentas. Aí passaram a criar as peças para a exposição e Zu Campos  observando e conversando sobre a arte do entalhe e de esculpir com os pernambucanos. Eles faziam esculturas e entalhes em madeira. Como já manejava algumas ferramentas na sua profissão de pedreiro resolveu arriscar fazer um entalhe. Pegou um pedaço de janela antiga de demolição, e assim surgiu o seu primeiro entalhe que guarda até hoje com muito cuidado.
    Mestre Zu Campos ao lado de uma de suas esculturas. 

    Tomou a iniciativa de fazer o vestibular para a Escola de Belas Artes da UFBA e na Universidade Católica do Salvador, mas optou pela federal que era gratuita enquanto a Católica cobrava CR$ 200,00 pela mensalidade. Fez o curso de Graduação em Artes Plásticas, e  tempos depois durante vinte e quatro anos ensinou escultura e entalhes na Oficina de Expressão Artística, do Museu de Arte Moderna da Bahia, no Solar do Unhão, em Salvador. Enquanto isto fazia suas exposições aqui, no eixo Rio de Janeiro, São Paulo, além de outros estados e até no exterior. Hoje é tratado carinhosamente como Mestre Zu Campos por ter repassado seus conhecimentos para centenas de alunos, e muitos estão aí produzindo sua arte. Lembro que um dos alunos  foi o também conquistense Edmilson Ribeiro, já falecido, que era também um grande artista do entalhe. Tenho no meu acervo um entalhe e um oratório de rara beleza feitos por Edmilson Ribeiro, onde está presente a influência do mestre.

                                                           QUEM É

    O Zu Campos no seu ateliê em Santa Tereza sendo filmado
    por uma equipe da televisão alemã onde foi expor.
    Faz questão de dizer que entrou como pedreiro e foi depois aproveitado como guia e do Museu de Arte Sacra da Bahia e isto influenciou na temática de sua obra que é baseada em temas religiosos. Foram muitos anos andando naqueles corredores silenciosos do mosteiro e convivendo com centenas de imagens de santos, anjos e querubins. Embora seja um caboclo forte, parrudo como se diz no popular, tem um temperamento doce, calmo e plácido que combinou perfeitamente com o silêncio do um mosteiro secular. Nasceu em 9 de março de 1939, em Vitória da Conquista, filho de Júlio Campos de Oliveira, Maria Vitória de Oliveira, e o casal teve oito filhos, sendo quatro homens e quatro mulheres. 

    Zu Campos e um detalhe do painel que ficava na televisão
    Itapoan e  santos feitos por ele expostos no ateliê no Areal.
    Nos anos que  trabalhou com seu pai e lembra que ainda com quinze anos já era oficial de pedreiro e que foi um aprendizado muito bom porque aprendeu a lidar manualmente com muitas  das ferramentas que veio  utilizar em sua arte. Ao completar vinte anos resolveu vir para Salvador, jogou futebol do Galícia Esporte Clube , mas a arte foi mais forte e decidiu ser artista. E o trabalho de pedreiro  no Museu de Arte Sacra da Bahia foi suficiente para fortalecer esta ideia. Passou desenhar as imagens sacras e depois leu muito enquanto exercia a função de guia do museu, e em consequência "virei fazedor de santos", diz brincando.  Se desenvolveu tanto que passou a viajar pelo Brasil afora para ensinar sua arte escultórica. Tem um trabalho diferenciado como entalhador porque ele fazia sulcos profundos que lhe permitiam criar perspectiva e diferentes planos. Você olha um entalhe de Zu Campos e observa que ele faz uma rua, um beco em baixo-relevo, dando movimento com as figuras humanas que compõem a sua obra. Ainda tem a parte da pintura, porque  ao términar de esculpir pintava o casario, a rua e as figuras humanas ou religiosas que esculpia na madeira. Outro detalhe é que durante todo o tempo que trabalhou dava preferência ao uso de madeiras vindas das demolições de casarões coloniais. Era nesta madeira carcomida pelo tempo e abandonada que criava suas esculturas e entalhes. 

    Zu Campos jovem com entalhe numa
    velha janela carcomida pelo tempo
    .
    Tem seis anos que não mais trabalha com madeira, e isto aconteceu após ser acometido por um câncer de mama. Foi operado e de lá para cá vem se submetendo a um tratamento continuado, e o médico recomendou  não  continuar trabalhando com madeira. Diante desta dificuldade de fazer esforço físico está agora fazendo umas pinturas que lembram seus entalhes. Sempre os temas populares e religiosos surgem com as cores primárias, alegres. Já produziu umas trezentas dessas pinturas, diz sua esposa Maria Luiza Fontes, com quem está casado a cinquenta e quatro anos, tem um filho e uma neta. Está atualmente residindo no Areal de Baixo, número onze. Saiu da Ladeira de Santa Tereza,  onde residiu por várias décadas porque o ambiente nos arredores ficou pesado com a presença de muitos usuários de drogas e prostituição. A sua atual moradia ele adquiriu há mais de quarenta anos e agora vem reformando devagar. É um verdadeiro museu de esculturas, painéis e entalhes, inclusive o belo painel que ele fez e que ficava na entrada do prédio da TV Itapoãn está lá porque quando foi adquirida pelos dirigentes da  Igreja Universal os novos donos exigiram a sua retirada porque o painel é de temas do candomblé.

     Em 1977 escrevi: "A Via Crucis de Zu Campos : Zu Campos é o pai de uma gama de entalhadores baianos. Mestre no ofício de entalhar. Zu desliga-se do Museu de Arte Sacra e passa a viver do fruto do seu trabalho. Daí vieram várias exposições aqui e fora do Estado. Os sulcos feitos na madeira tornaram-se mais profundos num caminho natural em busca de novos espaços. A escultura passou a ser sua preocupação e, hoje, Zu Campos inicia vamos assim dizer sua carreira de escultor. 

    Ele próprio diz das dificuldades que encontrou para fazer suas primeiras esculturas e conseguir formas equilibradas. Recentemente esteve em Brasília e Belém do Pará a convite de órgãos culturais dando aulas de entalhe. Formou uma escola que ganha e vence nossas fronteiras. Embora com essa imensa atividade, Zu Campos é um artista cuidadoso e meticuloso. Todas as peças que faz são documentadas fotograficamente e os desenhos que lhes dão origem são guardados. Tem uma preocupação desesperada em não se repetir."

                                                          EXPOSIÇÕES

    Pinturas em guache feitas após ser proibido
    de trabalhar esculpindo madeiras.
    Fez sua primeira exposição na inauguração do Teatro Castro Alves em 4  de março de  1967. Lembra que aconteceu um fato curioso é que na abertura da exposição ele foi barrado na porta porque era exigido terno e gravata para a solenidade. Mesmo insistindo que era o artista que estava expondo não conseguiu entrar. No dia seguinte providenciou um terno e gravata e assim pode ver a sua própria exposição montada no foyer do Teatro Castro Alves. Ministrou cursos de entalhe na Associação Mineira de Imprensa - A.M.I, em Belo Horizonte; em 1972; Ministrou Curso de Entalhe no Teatro Paiol, em Curitiba e em 1973 na Esphera Galeria, em Porto Alegre, em 1973.

    COLETIVAS: 1967 - Exposição na Toca de Arte, no Rio de Janeiro; 1967 - Exposição na Galeria G.H, no Rio de Janeiro; 1969 - Participou da 2ª Bienal de Artes Plásticas da Bahia; 1970 - Exposição Artistas do Nordeste - na A Galeria, em São Paulo; 1970 - Exposição Artistas da Bahia - na A Galeria, em São Paulo; 1972 - Participou do 4º Salão de Verão, no Rio de Janeiro; 1972 - Participou da Exposição do Sesquicentenário da Bahia; 1973 - 5º Participou do 5º Salão de Verão no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.

    Zu Campos no seu ateliê.
    INDIVIDUAIS : 1967 - Exposição no foyer do Teatro Castro Alves, em Salvador, Bahia; l967 - Exposição na Galeria Montmartre  , no Rio de Janeiro; 1968 -1970 - Exposições na A Galeria, em São Paulo; 1971 - Exposição na Galeria Chica da Silva, no Rio de Janeiro; 1972 - no Teatro Paiol, da Fundação Cultural de Curitiba, no Paraná, 1973- Esphera Galeria, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; 1973- Exposição na Galeria Montparnasse Jorgestyle, no Rio de Janeiro; 1973- Exposição no Hotel Machado, em Governador Valadares, Minas Gerais; 1974 - Exposição no Touring Club do Brasil, em Brasília ; 1974 - Exposição na Galeria Valença Veículos, em Brasília; 1974 - Exposição na Associação Mineira de Imprensa - AMI, em Belo Horizonte; 1975 - Exposição no Teatro da Paz, da Fundação Cultural de Belém, Belém , do Pará; Exposição na Assembleia Paraense , em Belém do Pará; 1975 - Exposição na Escola de Belas Artes ,da UFBA, Salvador, Bahia ;1977 - Exposição Marinhas no Clube Naval;1976 -Exposição no III Concurso Nacional de Artes Plásticas-Caixego, Goiânia , Goiás; 1977 - 1º Salão de Verão, Salvador, Bahia; 1977 - Exposição na Beto Galeria , Salvador; 1977 - Exposição na Muldu Art., Salvador, Bahia; Exposição na Galeria Paço das Artes, em São Paulo -1978 - I Confronto de Escultores, na Panorama Galeria de Arte, Salvador Bahia. 

                                                                   REFERÊNCIAS

    Zu Campos no ateliê da Ladeira de Santa Tereza esculpindo.
    Vários críticos escreveram sobre a obra de Zu Campos e escritores e poetas. Estes textos de Jorge Amado e de Vinicius de Moraes foram escritos nos idos de 1978. Veja o que escreveu o escritor Jorge Amado que era um grande apreciador e incentivador das artes: "Alguns obtêm sucesso fácil, quase sem esforço. Outros devem entregar-se de corpo e alma ao trabalho, romper o coração, sangrar sobre a obra construída. Os primeiros vão com o primeiro vento, só os últimos permanecem. Zu Campos é um deles, nas cores de seus santos e de seus anjos há sangue dos homens, derramado. Não será ele próprio um anjo barroco, escuro anjo baiano fugido de uma igreja grávida de ouro para ir dançar num terreiro de candomblé em honra dos orixás? Um mágico, um guerreiro, um professor, um amigo, um artista da Bahia, dos mais sérios e mais legítimos, Zu Campos".

    O mestre Zu Campos em plena forma trabalhando.
    Já o poeta Vinicius de Moraes escreveu: "Zu Campos tem as mãos fortes, e amigas.Quando ele aperta a sua mão, você sente a pressão de sua ternura humana na palma, e você se comove com seu modo simples e honesto de transmiti-la através da pele. Essa ternura penetra também a madeira que ele entalha, a madeira rugosa e curtida que ele cata por ai, em demolições, velhos objetos que ele renova com seus instrumentos de trabalho, antigas portas jogadas fora das quais surge um ingênuo mundo de beleza; ingênuo, sim, mas com muita arte e sabedoria, pois a meu ver Zu Campos, já transcendeu o primitivo; é, a bem dizer um escultor de baixos relevos coloridos de gosto popular, mas com grande artesanato. Um poeta da arte de entalhar, Zu Campos, cujo lirismo se revela na feliz combinação de formas e cores, e em lindos achados de figuras e perspectivas que dimensionam a gravura bem para lá da matéria sobre a qual é trabalhada. Um artista de grande pureza, Zu Campos. Um bom homem simples e tranquilo, em merecedor do sucesso que vem atingindo".

     

    sábado, 10 de junho de 2023

    O MUNDO MÁGICO DA CERÂMICA DE HILDA SALOMÃO

    Foto 1. Hilda Salomão em seu ateliê com materiais.
    Foto 2. Hilda com detalhe de um painel.
    Foto 3. Hilda ensinando a arte da cerâmica a uma aluna.
    O barro está presente na vida do homem desde os tempos imemoriais e está registrado no livro Gênesis 2:7 que "o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da Vida". Ainda no Gênesis 3:0 "Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado: porque você é pó e ao pó voltará". Também em todas as escavações arqueológicas de antigas civilizações são encontrados restos de objetos utilitários feitos de barro, inclusive no Egito antigo os faraós eram sepultados em sarcófagos de barro e grandes potes serviam para guardar as partes moles após a mumificação de seus corpos. Foi neste universo de possibilidades que fui ao encontro de uma artista que vive com suas mãos habilidosas manuseando o barro para criar belas esculturas e painéis dando-lhes a nobreza de uma obra de arte. Seu nome tem origem bíblica Hilda Salomão, porque Salomão significa pacífico, foi o segundo filho do Rei David de Israel, e escolhido aos quinze anos de idade para substituir seu pai. Fiz estas referências históricas e biblícas para mostrar que existe uma ligação muito antiga e profunda entre o homem e o barro. E a profissão de ceramista requer uma intimidade com este material encontrado na natureza e que é utilizado de várias formas. Aqui vamos tratar da transformação do barro ou da argila em obra de arte. 

    Foto 1. Uma bela pintura de rosas de Hilda Salomão.
    Foto 2. Escultura em cerâmica com vários elementos.
    A artista Hilda Salomão vem de uma linhagem de ceramistas porque sua avó  materna e sua mãe exerceram esta profissão, e ela desde criança foi envolvida neste ambiente mexendo   com a argila e elaborando pequenas peças que lhe serviram de brinquedo. Portanto, quando em 1974 já adulta resolveu fazer o vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia sabia que buscava ampliar seus conhecimentos e focar na cerâmica. Nesta época ainda existia um forte preconceito com relação à profissão de ceramista porque muita gente a classificava como uma atividade artesanal de simples fabricação de objetos utilitários. Porém, a cerâmica foi se desenvolvendo com a introdução do trabalho escultórico e surgimento de outras possibilidades, e hoje é reconhecida como uma forma de linguagem artística tal como acontece com a pintura, a gravura e a escultura. Surgiram grandes nomes da arte universal como Pablo Picasso, Joan Miró e outros que criaram muitas obras de cerâmica, que hoje têm alto valor no mercado de arte. Aqui no Brasil se notabilizaram o pernambucano Francisco Brennand (1927-2019), e na Bahia o mestre Horst Erich Udo Knoff, (1912-1994) o russo que migrou para o Brasil e fixou residência em Salvador, no bairro de Brotas, onde tinha o seu ateliê e uma pequena indústria de azulejos artísticos. Ele foi um dos professores de Hilda Salomão.

                                                                  TRAJETÓRIA

    Foto 1. Capa do livro do mestre Djalma De Vicenzi.
    Foto 2. A avó  e pioneira Autinha Boaventura Leite.
    Foto 3. Hilda  jovem trabalhando com sua mãe Ângela.
    Comecei criança brincando com a cerâmica e em seguida passei a ajudar fazendo pequenas intervenções nas peças que elas produziam. Depois fiz o primário no Colégio das Mercês, na Avenida Sete de Setembro, em Salvador e posteriormente cursei o secundário do Colégio Dois de Julho, no bairro da Fazenda Garcia, também em Salvador. Fiz o vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, em 1974, onde tive a oportunidade de ser aluna de grandes mestres entre eles Juarez Paraíso, que além de professor da disciplina Desenho abria nossas cabeças com informações sobre o que acontecia ao nosso redor, o professor Ailton Lima que me ensinou a trabalhar com pastel, Emidio Magalhães grande mestre da pintura. Me interessei durante minha permanência na EBA de entrar em contato com a Filosofia e Psicologia graças as aulas do professor Romano Galleffi. Aí quando formei fui me dedicar aos cursos de cerâmica que minha mãe dava porque ela queria se dedicar às suas pesquisas. Portanto, já saí da EBA para ensinar e fui obrigada a estudar muito,"disse Hilda Salomão. Também durante o curso houve uma integração entre as escolas de Teatro, Música, Dança e Arquitetura. Isto possibilitou a troca de informações, de conhecimento, inclusive tinha uma disciplina chamada Integração Artística. Lembra sempre da importante recomendação do professor Juarez Paraíso ao dizer que o artista aprende no exercício do fazer. E tem seguido isto e principalmente com a sua imersão no  ateliê. Diariamente está trabalhando no ateliê procurando criar e observar tudo ao seu redor. 

    Foto mostra como eram concorridas as Oficinas de Arte.
    Foi ensinar nas Oficinas de Expressão Plástica do Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM-Ba ao lado dos professores Juarez Paraíso, Chico Liberato, Zu Campos,  dentre outros. Disse Hilda Salomão que permaneceu no MAM-Ba durante quase trinta anos até se aposentar e foi uma experiência rica porque o professor tem sempre que estar estudando, especialmente nestes tempos de redes sociais onde as informações fluem com mais rapidez e intensidade. Paralelamente as aulas que ministrava continuava produzindo. Sua casa num condomínio do bairro de Stela Maris, em Salvador, Bahia,  é um verdadeiro museu de cerâmica onde as paredes, móveis e prateleiras exibem esculturas e objetos feitos em argila numa variedade impressionante. É o registro vivo de uma vida inteira dedicada a arte da cerâmica. É uma artista da terceira geração de uma família de ceramistas e assim ela vai deixando suas pegadas para que possamos olhar e admirar a capacidade criativa que tem.

    A artista Hilda Salomão em seu ateliê de trabalho.
    Aos 68 anos de idade Hilda Salomão mostra uma disposição que muitos jovens não têm, acostumados a se encastelarem nos sofás de seus apartamentos ou casas. Ela cedo já está se movimentando cuidando de suas plantas e já tem em mente que vai ao seu ateliê mexer com a argila. Durante às terças-feiras ministra aulas porque sente a necessidade de transmitir a sua experiência para outras pessoas. Considera uma benção dominar esta técnica que lhe permite mexer com a argila, o fogo e o tempo , de descobrir cores e maneiras de pintar e a respeitar o tempo. Sim, porque  a cerâmica exige obediência ao tempo de secar, ao tempo de queima e ao tempo de abrir o forno que chega a mais de mil graus centígrados. Aí pode ser surpreendida por uma bela obra bem queimada ou por cacos de uma cerâmica que durante a queimada se espatifou. Vemos que é um trabalho visceral que exige manejar a argila com as mãos sentindo sua elasticidade e viscosidade,  passa para a fase da criação das peças e em seguida para esmalte e queima.

    Hilda Salomão disse que seu ateliê é um verdadeiro parque de diversão e o ceramista vive momentos de êxtase, de aceitação e até mesmo de desapego quando acontece perder uma peça que fez com tanto gosto e esmero e aconteceu que se esfacelou durante a queimada. São momentos diferenciados e inclusive de pessoa a pessoa. “Quando estou fazendo uma escultura de argila por exemplo a peça não deixa a gente esquecer dela, porque se passar do ponto já não dá para trabalhar. É uma relação muito íntima do ceramista com a obra que está criando. É hora do recomeço e acho o ceramista um verdadeiro operário”.

                                                              QUEM É

    Hilda Salomão ao lado de uma das paredes do seu ateliê.
    Seu nome completo é Hilda Maria Leite Salomão, nasceu em 7 de março de 1955, em Salvador, Bahia. Filha de Ângela Boaventura Leite Salomão e seu pai Geraldo dos Reis Salomão, era contador. A infância foi no bairro do Canela onde morava no Edifício Padre Feijó, e avó Autinha Boaventura Leite, na Rua Claudio Manoel da Costa, 16, vizinha do prédio onde ela residia. Passou boa parte da infância com sua  avó que tinha seu ateliê na casa onde residia e sua mãe sempre estava ao lado trabalhando com ela. Conta que sua avó Autinha Leite trabalhava fazendo chapéus, bordados e flores, e era casada com o português Matheus Villa Chã Leite. Mas, ficou viúva muito cedo com três crianças, e suas cunhadas mandavam da Europa revistas com figurinos para ela variar seus produtos. Um dia ao ler uma dessas revistas deparou com uma reportagem sobre cerâmica. Ficou imediatamente atraída e resolveu procurar saber se tinha alguém que dava curso em Salvador. Não conseguiu nenhuma informação e foi então que apelou para um irmão que morava no Rio de Janeiro que lhe informou que lá havia um professor chamado Djalma de Vicenzi. Decidiu tomar um avião e ir para Rio de Janeiro, isto entre os finais dos anos quarenta, e lá comprou um forno, as ferramentas de ceramista e todos os materiais necessários para iniciar sua produção.  De volta começou a fazer suas peças, e quando o forno chegou instalou e fez sua primeira formada. Aí nascia uma família que já vai na terceira geração de ceramistas. “Veja que é algo que estava no destino”, diz Hilda Salomão. O professor carioca trabalhava na verdade com porcelana e deu a sua avó o conhecimento da cerâmica porque ele também dominava esta arte. Sua avó conheceu aqui o professor Udo Knoff e esta amizade permaneceu até o seu falecimento, trocando informações e experiências sobre a arte da cerâmica que o professor dominava e tinha uma pequena indústria no bairro de Brotas. 

    Painel de cerâmica sobre
    madeira O Homem e a Pipa.
    Acompanhou a evolução da arte da cerâmica nos últimos cinquenta anos e lembra que a literatura existente sobre a cerâmica era em inglês ou alemão, e isto dificultava porque quem se interessasse tinha que saber uma dessas línguas. Até os meados do século passado a cerâmica era vista apenas como objetos utilitários   as panelas, potes, porrões, moringas, fruteiras, pratos e vários outros. Também alguns artesãos faziam bonecas, bois, cavalos, e vieram as esculturas de cangaceiros e santos  dos ceramistas pernambucanos tendo à frente o mestre Vitalino Pereira dos Santos, e outros objetos representando coisas da zona rural. Mas, aos poucos a linguagem da cerâmica se desenvolveu e passou a ser considerada uma obra de arte a escultura feita de argila. Atualmente com seu reconhecimento consolidado a cerâmica está presente na arquitetura não apenas como um elemento de arte para decorar, mas sendo parte integrante do projeto arquitetônico.  A Hilda Salomão por exemplo cria uns painéis onde utiliza a madeira de suporte e ali trabalha com pasta de cerâmica, argila, gesso e verniz. Finalmente, surge um belo painel que pode ser colocado na parede igual a um quadro de tela pintado com acrílica. Também pode ser criado um mural artístico de cerâmica dividindo ambientes. As possibilidades são muitas, estou aqui apenas exemplificando que hoje é grande a utilidade e funcionalidade da arte da cerâmica.

    Falando de sua experiência nas Oficinas de Expressão Plástica do MAM-BA iniciada a partir de 1989 lembra que era uma coisa sensacional porque os cursos eram livres e se inscreviam gente de todas as classes sociais e de diferentes níveis educacionais e até analfabetos. Foi aí que observou que na hora da criação o nível educacional nem sempre servia para impulsionar o aprendizado porque algumas pessoas sem muita instrução facilmente aprendiam e tinham mais habilidade em moldar a argila. O aluno de mais conhecimento tem uma compreensão melhor das referências, porém na hora do fazer valia o que naturalmente tem mais capacidade de criar. 

    Foto 1. Escultura de Hilda Salomão A Noiva.
    Foto 2. Escultura em cerâmica Andarilho.
    Foto 3. Escultura O Bailarino.
    A arte da cerâmica mudou tanto que hoje a argila já é fornecida pela indústria que colhe o produto na natureza e faz todo o processamento, e chamam de massa de cerâmica e a sua composição é formada por argilas, quartzo e feldspatoEsta matéria-prima usada para formar o biscoito têm características químicas, mineralógicas e comportamento de queima bem diferentes daqueles usadas na construção civil. Antigamente na Bahia a argila vinha do Recôncavo principalmente da região de Maragogipinho. Esta argila bruta extraída diretamente da natureza precisava ser moída, peneirada para tirar as impurezas e depois secar, novamente hidratada para testar sua elasticidade e viscosidade . A partir daí é que pode ser modelada e depois o ceramista deixa de dez a quinze dias secando. Em seguida pode ser colocada no forno onde permanecerá por umas dez horas até alcançar um mil graus. Ao desligar o forno tem que esperar dois dias para esfriar.  Está pronto o que chamam de biscoito, e agora é preciso dar o acabamento com pintura ou verniz e volta para o forno. Quando sai do forno temos uma escultura de cerâmica.

                                                                EXPOSIÇÕES

    Foto da exposição  na Caixa Cultural, em Brasília, 2006.
    A artista Hilda Salomão já participou de dezenas de exposições coletivas e indviduais.  Vejamos: 1978 -
    Coletiva- Galeria Cañizares SSA-Ba ; 1980- Coletiva xilogravura- MAM Museu de Arte Moderna- SSA-Ba; 1980- Mostra Nacional de Arte Sacra – Cerâmica- T.C.A SSA-Ba; 1981 a 84- Mostra Nacional de Arte Cerâmica- SP-SP; 1982- Coautoria e execução do projeto de decoração da cidade do Salvador – Carnaval 82 ; 1986- I Salão de Arte Metanor-Copenor- Museu de Arte da Bahia SSA- Ba; 1987- Exposição REGISTRO- Tereza Galeria de Arte – SSA-Ba; 1987- 50 anos do SPHAN- Galeria do SPHAN- Cachoeira-Ba; 1988- Exposição coletiva A criança na visão do adulto- TCA- Salvador-Ba ;1988- Pintura e escultura- Galeria Fazarte- SSA-Ba; 1989- Exposição Pintura- Escultura e Instalação – Shopping Barra- SSA-Ba; 1989- Pintura painel- Espaço X- Biblioteca Central- SSA-Ba; 1990- Coletiva Colagens- Galeria ICBa SSA-Ba; 1992 a 95- Exposição cerâmica- Oficinas de arte- MAM SSA-Ba; 1994-Exposição PLURAIS- Museu de Arte Moderna-MAM- SSA-Ba; 1999- Exposição individual- Cerâmica e Pintura- Galeria Atrivm –SSA-Ba; 2000- Exposição individual Painéis de Cerâmica- Bahia Design Center-SSA-Ba; 2001-Exposição na Artefacto - Objetos e Painéis ; 2002-Exposição no 12º Festival Latino Americano de Arte e Cultura –Itália; 2003-Exposição Cerâmica Painéis e Esculturas - Hotel Fiesta- SSA-Ba; 2004-Exposição Terra Cotas da Terra - Conjunto Cultural da Caixa- SSA-Ba; 2005-Exposição Transformação - Cerâmicas- Galeria EBEC- SSA-Ba ; 2005-Exposição VI Mercado Cultural- SSA-Ba; 2006-Exposição Individual –Atávico- Caixa Cultural- Brasília- Brasil ; 2006- Exposição Revelações – Teatro Castro Alves ; 2006 -  Circuito Cultural Banco do Brasil; 2007 - Exposição Mulheres em Movimento- Galeria Cañizares- SSA-Ba ; 2008 -Exposição individual - Transmutação- Galeria
    Triptíco de cerâmica sobre madeira  Trindade.
    EBEC - SSA-Ba; 2008 - Participação no 2º Salão Nacional de Cerâmica - Museu Alfredo Andersen - Curitiba - Paraná ; 2009-Exposição Cerâmica da Bahia - Galeria Cañizares - SSA-Ba ; 2009-Exposição Coletiva do IV Centenário do TJ-Bahia; 2010 - Exposição De Iemanjá às Sereias- Balcão de Artes e Ofícios- SSA-BA; 2010- Exposição Coletiva - Sant’Ana – Museu de Arte da Bahia ; 2011- Coordenadora e Curadora das Oficinas de Expressão Plástica- MAM-Ba; 2012- Curadoria da Mostra Orquestra de Barro - do Curso de Cerâmica - MAM-Ba ; 2013- Recebe Prêmio em Artes Plásticas - Prêmio Barra Mulher; 2014 – Participou da III Bienal da Bahia– de 29 de maio a 7 de Setembro - integrando participação do ateliê no roteiro da programação oficial da III Bienal com a realização e produção do Mural Aberto – Oficina Itinerante aberta ao público que permitiu a participação da comunidade em geral, que permanecerá como Obra Cultural.