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Foto 1. O Encontro . Foto 2. Nair no papel de musa inspiradora. Foto 3.O casal na casa do Campo Grande |
"Criar é, sobretudo não morrer", esta frase do grande artista
baiano, nascido em Salvador, Genaro de Carvalho, nos chama a criar, realizar,
fazer enquanto vivemos. É um chamamento que nos convoca a participar. Fico
feliz quando vejo sua companheira por décadas Nair de Carvalho lutando como uma
leoa para preservar a autenticidade de toda obra que Genaro construiu em vida.
São suas tapeçarias, suas pinturas, suas ilustrações e tudo que ele criou. Nair
quer reunir em dois livros, como se fossem "livros tombos", disse ela
com entusiasmo. Um levantamento feito por quem participou e testemunhou. Portanto, uma fonte primária de alto valor. Não lhe contaram, não lhe disseram
foi ela própria que viu, que acompanhou grande parte da trajetória
vitoriosa de Genaro de Carvalho, enquanto criava suas obras de grande valor
artístico, cultural e econômico. Ela lamenta a destruição de vários murais .
Aqui farei também um recorte das memórias que Nair de Carvalho ouviu e
registrou de sua sogra d. Celina Carvalho, de outros parentes e dos amigos mais íntimos relatando os primeiros anos do artista. Foram relatos de terceiros até o
momento que o conheceu em 1955. A partir daí as experiências foram
compartilhadas entre Genaro de Carvalho e Nair até 1971, quando ele faleceu
precocemente aos 44 anos de idade. |
Os primeiros desenhos de Genaro . |
Nair de Carvalho com sua generosidade me enviou o primeiro
volume que ela classificou como uma espécie de "livro tombo", e tem o título de "Tecendo
Memórias, e é dele que vou falar. Ao abrir o livro nas primeiras páginas temos
uma foto em plena juventude do casal celebrando o primeiro encontro em 1955,
que resultou em anos de convivência. Ela mesma escreveu: "Deste encontro
nasceu também um projeto de vida, de amor, de cumplicidade, de arte. Víamos a
quatro olhos. Genaro, o mestre, o mago, de quem eu sabia e queria ser a
inspiração".
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Genaro escolhendo as obras para uma exposição, em 1945. |
Espero que Nair de Carvalho sirva de
exemplo para que os descendentes e herdeiros do legado de outros artistas
baianos dos movimentos acadêmico e modernista tenham o mesmo cuidado e a mesma
dedicação em zelar pelo que eles deixaram de contribuição para a arte baiana e
brasileira.
Sei que o mercado de arte andou capengando nestes últimos anos. Mas, à
medida que a sociedade se desenvolve e se fortalece economicamente a tendência
é que este mercado comece a pulsar com mais força. As pessoas vão adquirir
obras de arte para colocar nas paredes de suas casas e apartamentos. A presença
de uma obra de arte numa casa é uma dádiva, porque quem a observa certamente a
reage de alguma forma. Uns mostrando certo conhecimento, pertencimento, e
outros vão dar opiniões às vezes fora dos padrões estéticos, mas também
importantes. Por que importantes? Porque a obra de arte mexeu com sua |
"Pássaro e dois girassóis", uma bela tapeçaria, de 1968. |
sensibilidade, mesmo que esse indivíduo não disponha de conhecimento e
intimidade com a arte. Lembro ter ouvido de uma senhora que trabalhou em minha casa
depois de observar as obras que tenho nas paredes, ao conversar com o caseiro
comentou: "Este homem deve ser doido! Para que ele quer tantos quadros nas
paredes?". Portanto, as obras de arte mexeram com ela. E depois deste dia,
eu mesmo a presenciei na sala em silêncio olhando os quadros.
Sabe-se que estão aparecendo depois do ressurgimento do mercado de arte muitas obras falsas de artistas baianos e
até de outras praças, principalmente obras que têm facilidade de serem
reproduzidas através de gráficas, usando copiadoras de alta resolução. Já vimos
casos até de discussão de autoria de obra de arte terminar na Justiça. O pior é
que a falsificação é grosseira e ganhou a "boca do povo”, como se diz numa
conversa informal.
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Mural do Hotel da Bahia, em 1952.
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Atenta a este momento a artista Nair de
Carvalho está garimpando as obras de Genaro de Carvalho para reunir nesses dois
"livros tombos." Ao falar comigo ao telefone ela disse que "este
segundo volume será um livro duro, com muitas reproduções das obras de Genaro
de Carvalho, para que as pessoas saibam que essas são as obras verdadeiras
criadas por ele. Tenho visto muitas obras falsas atribuídas a Genaro sendo
comercializadas em galerias e leilões. Fico indignada com isto". Neste seu
primeiro volume no "Tecendo Memórias" ela reproduz inúmeras obras de
Genaro feitas desde os anos 30 até 1968, e trás ainda textos de críticos de arte da época em que Genaro de Carvalho viveu e produziu sua arte de grande valor estético.
OS PRIMEIROS PASSOS
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A casa onde o conheci trabalhando. |
Conta Nair que o Genaro Antônio Dantas
de Carvalho, nasceu no dia 10 de novembro de 1926, na Rua da Gamboa de Cima, em
Salvador. Quando ele fez seus primeiros trabalhos assinava Antônio, e que ela o
aconselhou a mudar para Genaro. Assinava Antônio porque seu pai era um
admirador do arquiteto catalão Antoni Gaudí. Nair relata toda a trajetória de
sua infância e o período escolar. Conta que em 1944 vai estudar no Rio de
Janeiro, no bairro de Belfort Roxo, depois mudou para a Rua Voluntários da Pátria.
Foi estudar no Colégio Andrews e Desenho, com Henrique Campos Cavalheiro, pintor,
desenhista, caricaturista,ilustrador e professor, na Sociedade Brasileira de
Belas Artes". Durante à noite trabalhava no jornal O Globo redesenhando
vinhetas de H.Q. de Pafúncio, D. Marocas e outros. Em 1938, a família, mudou-se para uma
nova casa na Praça do Campo Grande, nº 3, e aos 23 anos de idade recebe o
convite do governador Octávio Mangabeira para realizar o que consideravam na
época "o maior mural das Américas", no então Hotel da Bahia. O mural foi
inspirado em temas baianos, e utilizou a técnica de afresco seco. Levou um ano
e meio para concluir. Nesta época estava estudando na Escola de Belas A|rtes de Paris, quando o governador fez o convite para decorar o Hotel da Bahia que estava em construção. Infelizmente as belas plantas que ele pintou no mezanino do hotel foram apagadas .Conheci o Genaro de Carvalho num
domingo pela manhã quando em companhia de um amigo carioca resolvemos dar uma
caminhada para lhe mostrar de perto a Cidade. Passeamos pelo Campo Grande,
mostrei-lhe o Teatro Castro Alves, o Hotel da Bahia, falei que ali tinha um
lindo mural feito pelo Genaro de Carvalho. Até aquele momento não sabia que ele
residia ali próximo. Ao atravessar a rua para ir até o Passeio Público nos
deparamos com uma casa aberta, parecendo uma galeria de arte, com muitos
pequenos quadros emoldurados na parede. |
"Casario, óleo sobre madeira, de 1940. |
Sendo jornalista curioso e amante da arte fui conferir o que era. Para minha surpresa lá estava o artista Genaro de
Carvalho sentado com um vegetal nas mãos e um estilete cortando para pesquisar
as suas entranhas, e certamente usar numa futura obra. Apreciamos as pequenas obras, que
depois soube que eram os cartuns que ele fazia como modelos para serem
transformados em tapetes. Foi muito gentil, trocamos algumas frases e fomos
embora. Não lembro exatamente o ano exato , mas foi na década de 60.
Em 1954, o tapeceiro francês Jean
Lurçat viu seu mural no Hotel da Bahia e desejou conhecer o autor da obra.
Lurçat é considerado o renovador da arte da Tapeçaria Mural, e o convida para
seu discípulo na cidade de Saint Ceré, na França. Diz Nair de Carvalho que o francês "se surpreendeu a constatar que Genaro já tinha feito muita coisa
em tapeçaria."
CUMPLICIDADE
Porém, ao chegar o ano de 1955 Nair de
Carvalho se transforma "em musa, mulher, companheira e cúmplice na vida e
no amor". No ano seguinte realiza uma série "Igrejas Barrocas", para o sr. Henrique Adler,
dono da fábrica de brinquedos Estrela, que mantinha uma galeria na empresa, com
uma coleção de obras de artistas brasileiros. Em 1968 Nair o convenceu que suas
formas já não tinham aquele vigor da juventude e que não queria mais posar nua.
Mesmo assim ele continuou pintando a série "de Memória". Passou a
desenhar e pintar girassóis e depois vieram novos modelos vivos.
Desta data em diante Genaro e Nair eram presenças constantes nos eventos sociais e culturais que se realizavam em Salvador e até mesmo em outras capitais. Era um casal colunável, como se dizia no jargão jornalista. Nesta época a sociedade baiana costumava promover encontros e festas memoráveis privês que eram registradas nas colunas sociais principalmente na de July, no jornal A Tarde. E sempre o casal Genaro e Nair da Carvalho era presença nas páginas dos jornais.
MORTE PRECOCE
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A última foto. |
Em
maio de 1970 Genaro de Carvalho foi internado na Clínica São Vicente, na Gávea, no Rio de Janeiro por duas vezes portador que era de um aneurisma impossível de ser operado. Atualmente é quase uma operação corriqueira. Voltou
para Salvador e aqui passou por outros tratamentos. Foi proibido de usar qualquer
material que exalasse cheiro, passando a fazer diversos desenhos a lápis para
as séries "Nus Femininos”, "Frutos" e "Flores".
Abandonou suas idas para à Praça Municipal onde gostava de assistir ao pôr do
Sol, sentado numa das cadeiras da Cubana onde tomava um "frapê" de
coco e comia um bolinho da casa. Não pintava mais e fez suas últimas exposições em Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, onde sentiu-se mal, e se recusou a ser internado outra vez. No sábado do dia 2 de julho de 1971, por volta das 10 horas da manhã, entrou em coma até dar seu último suspiro. Portanto, este projeto de Nair de Carvalho é uma justa homenagem a este grande artista, que mesmo tendo falecido precocemente deixou uma obra memorável para ser apreciada e enaltecida pelas futuras gerações. O primeiro volume do " livro tombo" idealizado e narrado por Nair de
Carvalho é rico em detalhes interessantes e de muitas informações repletas de emoções.
Ela mostra toda a trajetória do artista, seus amigos, suas inúmeras exposições
aqui e fora do país, as pessoas importantes que se encantaram com o sua obra.
Além de dezenas de reproduções cobrindo desde os primeiros desenhos até os
últimos trabalhos, quando já estava debilitado. Vale a pena ler.