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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

INSTALAÇÃO CAIXA PRETA

INSTALAÇÃO CAIXA PRETA 

Durante o período em que fiquei na Penitenciaria Lemos Brito, em Salvador-BA. de 2000 aos meados  de 2003, tentei amenizar àqueles dias trabalhando e atraindo alguns internos para o mundo das artes. Pintamos várias fachadas das celas com elementos de referência de cada um. Por exemplo, se o preso era um músico pintávamos  temas  identificados com sua preferência.
Passei três meses para conseguir a liberação do material de pintura, e na época contei com a força de alguns amigos que solicitaram  a liberação através de reportagens nos jornais , e conversas com a diretoria da penitenciária.
Vários dos presos estavam mexendo pela primeira vez com tintas e papéis, os quais foram  doados por um amigo dono de uma grande  empresa gráfica .O resultado foi um diário de imagens que pintamos em preto e branco.
Nos momentos que batia a angústia por estar ali tolhido da minha liberdade trabalhava intensamente .Isto pode ser visto nos traços mais vibrantes , nervosos até,e quando estava mais tranquilo pintava com poucos traços .São registros de momentos bem diferentes .Quando não tinha a tinta  vermelha  cheguei pintar com sangue, e quando faltava o marrom com  café! 
As fachadas das celas eram coloridas dando assim alguma alegria ao Pavilhão .Nos dias de visitas promovia oficinas de arte para as famílias, principalmente, para distrair as crianças filhos dos internos. 
A Instalação Caixa Preta foi confeccionada com papéis em forma de um labirinto com vários desenhos meus e dos internos , além de fotografias que registraram os momentos da prisão,  e matérias de jornais que saíram durante o período em que estive preso. É sonorizada com músicas de reggae, que era a preferência musical dos internos. Este tipo de som rolava de dia e parte da noite nas celas dos presidiários. 
Produzi várias obras durante o período ,e também, objetos com materiais encontrados por lá . Fiz questão de deixar estas obras na penitenciária. 
Quando  comecei a pintar as fachadas das celas fiquei um pouco receoso de como os internos poderiam reagir. Porém, apenas um deles chegou a me censurar, quando pintei um auto retrato na fachada da minha cela .Passados alguns dias, este mesmo interno  pediu para pintar o seu retrato  na fachada .Ele já tinha quase trinta anos  de encarceramento e tinha sido condenado por assaltar bancos.
Esta instalação  foi exposta no Mam-Ba, em 2004 e ganhou o Prêmio Braskem de Cultura e Arte.
Durante a exposição  encontrei várias pessoas emocionadas, e até chorando , quando reconheciam como sendo o autor me abraçavam e diziam com dificuldade que estavam muito emocionadas . 
Acredito que a cadeia não recupera ninguém, mas a arte sim,pode ser um dos caminhos da ressocialização.

Desde 2004 não mostrei este trabalho em nenhum outro local , porque o meu desejo é que alguma fundação ou espaço cultural adequado adquirisse para que ficasse exposta permanentemente. Desta forma um público maior e mais diversificado tomaria conhecimento de uma obra que foi realizada por um artista em um local adverso ,que é a penitenciária. É um diário de imagem singular expressivo, onde o artista deixou brotar suas emoções, suas angústias e até o desespero da perda da liberdade através uma instalação plural que cabe ser mostrada em qualquer lugar do mundo!

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

MORRE O ARTISTA CEARENSE SÉRVULO ESMERALDO

Sérvulo foi um dos pioneiros da arte cinética
Morreu ontem , dia 1º,aos 87 anos, o artista cearense Sérvulo Esmeraldo, depois de sofrer um acidente vascular cerebral ( AVC).Estive com ele na sua última exposição aqui em Salvador, na Galeria Paulo Darzé quando  mostrou suas belas esculturas. Conhecido como  "o poeta das linhas "vai deixar mais uma laguna no mundo das artes que sempre registra perdas ,mas sua obra permanecerá para sempre nos museus, nas coleções públicas ou particulares.Veja a matéria que escrevi em 5 de dezembro de 2014,sobre a exposição do Sérvulo Esmeraldo:
SÉRVULO ESMERALDO EXPÕE EM SALVADOR
São  mais de 50 anos de dedicação à arte. Um cearense que saiu de seu canto , a cidade do Crato ,e foi para a Europa onde passou boas temporadas trabalhando, aprendendo, mantendo contatos e amizades com artistas importantes.É um criador nato que pensa e elabora com cuidado quase científico o que vai resultar da sua ideia inicial. Desenha e imagina posições e os materiais que vai utilizar para concretizá-la. Neste seu processo criativo  nos apresenta uma série de volumes, que colocados em determinados locais nos leva a criar uma infinidade de imagens.São representações de papéis feitos de aço trefilado e outros metais que parecem voar nas paredes; são estruturas circulares dobradas ,côncavas ou convexas dispostas no chão, que nos dão a sensação de que podem ser manuseadas, criando pessoalmente outras possibilidades de composições;são junções de elementos que se lançam ao espaço em busca de altura; são volumes que se dobram e outros que deixam suas sombras como se fossem a continuidade da obra.

A vontade que a gente tem é de tocá-las e manuseá-las criando nossas próprias formas. É uma produção que prima pela racionalidade.Sua formação  certamente influencia na sua criação, embora a sensibilidade demonstrada na sua produção  foge um pouco do concretismo mais apurado.
Nascido no Crato, em 1929, Sérvulo Esmeraldo é escultor,gravador,ilustrador e pintor.Em sua biografia está registrado que começou como um artista dedicado à xilogravura. Em seguida foi residir em São Paulo,e logo depois fundou o Museu da Gravura em sua cidade natal.
Sua primeira viagem à Europa foi através uma bolsa do governo francês, onde foi estudar em Paris litografia na École Nacionale Supérieure des Beaux-Artes e, em seguida, inicia seu trabalho em metal.
Nos anos 60 participa do movimento cinético, quando cria obras movidas pela eletricidade estática.
Volta em 78 para Fortaleza e começa a trabalhar com chapas de aço produzindo suas esculturas com planos dobrados e pintados.Em 1986 organiza a 1ª Exposição de Escultura Efêmera de Fortaleza e passa a criar relevos que  sugestionam encontro de faces. 
Agora Sérvulo Esmeraldo com toda sua experiência com os materiais utiliza a geometria para suas construções e volumes vazados que são muito apropriadas para a gente observá-las no silêncio de uma tarde. Ai surgem diante de nós as possibilidades de girar, de dobrar, de mudar de lugar e assim vão surgindo em nossas viagens imaginárias novas obras. É como se fosse um exercício lúdico, um aprendizado inesgotável.
Sérvulo Esmeraldo ao centro ladeado por mim
e o pintor,italiano Gianfranco D'Andrea
 Estive presente na abertura da mostra na galeria Paulo Darzé oportunidade que troquei algumas poucas palavras com o artista. Embora em algumas fotos  apareça com o semblante fechado é uma pessoa de fácil acesso e cordial. Falou  de sua estadia na Europa e pouco lembrava que já foram realizadas aqui algumas exposições com suas obras. O que importa é que ele está ai firme produzindo e tendo a satisfação de ver e ouvir que sua obra está sendo apreciada por um público amplo.
Outro aspecto importante salientar é que embora já tenha mais de oitenta  anos de idade sua obra é de uma contemporaneidade ímpar. Pode figurar em qualquer museu ou coleção importante da arte contemporânea feita no mundo .Ele é um protagonista e um criador antenado com  o que acontece ao seu redor.