INSTALAÇÃO CAIXA PRETA
Durante o
período em que fiquei na Penitenciaria Lemos Brito, em Salvador-BA. de 2000 aos
meados de 2003, tentei amenizar àqueles dias trabalhando e atraindo
alguns internos para o mundo das artes. Pintamos várias fachadas das celas com
elementos de referência de cada um. Por exemplo, se o preso era um músico pintávamos
temas identificados com sua
preferência.
Passei três
meses para conseguir a liberação do material de pintura, e na época contei com a
força de alguns amigos que solicitaram a liberação através de reportagens
nos jornais , e conversas com a diretoria da penitenciária.
Vários dos
presos estavam mexendo pela primeira vez com tintas e papéis, os quais foram doados por um amigo dono de uma grande empresa gráfica .O resultado foi um diário de
imagens que pintamos em preto e branco.
Nos momentos que batia a angústia por
estar ali tolhido da minha liberdade trabalhava intensamente .Isto pode ser
visto nos traços mais vibrantes , nervosos até,e quando estava mais tranquilo pintava com
poucos traços .São registros de momentos bem diferentes .Quando não tinha a tinta
vermelha cheguei pintar com
sangue, e quando faltava o marrom com café!
As
fachadas das celas eram coloridas dando assim alguma alegria ao Pavilhão .Nos dias
de visitas promovia oficinas de arte para as famílias, principalmente, para
distrair as crianças filhos dos internos.
A
Instalação Caixa Preta foi confeccionada com papéis em forma de um labirinto
com vários desenhos meus e dos internos , além de fotografias que registraram
os momentos da prisão, e matérias de jornais que saíram durante o período em que estive
preso. É sonorizada com músicas de reggae, que era a preferência musical dos internos.
Este tipo de som rolava de dia e parte da noite nas celas dos presidiários.
Produzi várias
obras durante o período ,e também, objetos com materiais encontrados por lá . Fiz questão de deixar estas obras na penitenciária.
Quando comecei a pintar as fachadas das celas fiquei
um pouco receoso de como os internos poderiam reagir. Porém, apenas um deles chegou a me censurar,
quando pintei um auto retrato na fachada da minha cela .Passados alguns dias, este mesmo interno pediu para pintar o seu retrato na fachada .Ele já tinha quase trinta anos de encarceramento e tinha sido condenado por assaltar bancos.
Esta instalação foi exposta no Mam-Ba, em 2004 e ganhou o Prêmio Braskem
de Cultura e Arte.
Durante a exposição encontrei várias pessoas emocionadas, e até chorando ,
quando reconheciam como sendo o autor me abraçavam e diziam com dificuldade que
estavam muito emocionadas .
Acredito
que a cadeia não recupera ninguém, mas a arte sim,pode ser um dos caminhos da
ressocialização.
Desde 2004
não mostrei este trabalho em nenhum outro local , porque o meu desejo é que
alguma fundação ou espaço cultural adequado adquirisse para que ficasse exposta permanentemente. Desta forma um público maior e mais diversificado tomaria
conhecimento de uma obra que foi realizada por um artista em um local adverso ,que
é a penitenciária. É um diário de imagem singular expressivo, onde o artista
deixou brotar suas emoções, suas angústias e até o desespero da perda da liberdade através uma
instalação plural que cabe ser mostrada em qualquer lugar do mundo!