ARTES VISUAIS
JORNAL TRIBUNA DA BAHIA–Salvador,segunda-feira,15 de julho de 1985
VARIEDADES
“GERAÇÃO 70
Mas não é tudo. Você ainda vai ouvir o bom som do Sexteto do Beco, ampliando o musical com o visual de muita coreografia contemporânea Made in Salvador.
Uma indagação inicial é logo feita: todos querem saber quais os critérios que afirmaram os dez nomes que vão entrar na mostra “Geração 70” , organizada pelo crítico de arte Reynivaldo Brito com a colaboração do professor Ivo Vellame. O próprio Vellame que auxiliou o curador da exposição na escolha dos nomes concorda que é preciso que ocorra um prolongamento dessa Geração 70 com acréscimo de outros artistas. Cita de imediato mais dez nomes representativos da década de 70. Como Juracy Dórea, Márcia Magno (gravadora) Almandrade ou Decaconde. Fica para a próxima mostra, espera Ivo Vellame professor há 23 anos na Escola de Belas Artes da UFBA. Reynivaldo Brito considera que o limite de verba foi um bloqueio, mas não vacila em dizer que escolheu os dez mais significativos. ( Foto acima de Reynivaldo Brito)
Os artistas selecionados para a Geração 70 são realmente de melhor qualidade: Zivé Giudice, Guache, Murilo, Bel Borba, Chico Diabo, Fred Schaeppi, Florival Oliveira, Maso, Justino Marinho e o escultor da turma, Astor Lima. Como foram escolhidos, Reynivaldo Brito conta logo, logo. “Os critérios foram os de profissionalização/produção e qualidade da criação”. Brito que é responsável pela coluna de Artes Visuais em “A Tarde” há 12 anos, diz antemão que a afetividade não entrou na “dança”. “Eu realmente esqueci o lado da amizade e parti para o lado profissional. Sofri realmente muitas pressões, é bom que se diga, de pessoas que apresentavam listas com sugestões e até exigências de colocações deste ou daquele nome. Confesso que reagi a todas as pressões.’’
CONVITE
Toda essa estória de se agitar um pouco de artes na cidade, surgiu a partir de um convite da Fundação Cultural do Estado, com apoio do Banco Econômico, ao jornalista Reynivaldo Brito. Foi exatamente o Coordenador de Museus, Heitor Reis, que lhe destinou uma empreitada artística, acreditando no seu pique para o trabalho e sua disponibilidade para as coisas da arte: fizeram-lhe dar quase um sim absoluto. Um senão: ele exigia liberdade total para a escolha dos artistas da Geração 70 de acordo com o curador da mostra, a única interferência foi mesmo a financeira. “A verba que a Fundação dispunha, limitava de certa forma o número de artistas e só pude trabalhar com 10 nomes”. A ausência de um nome feminino na triagem da mostra tem dado o que falar. Reynivaldo Brito não se abala com as críticas e diz logo o seu ponto de vista, destoante inclusive da opinião do crítico Ivo Vellame. Diz ele “Dentro da Geração de 70 não tem uma mulher que se destacasse nas artes plásticas baianas. As representativas ou são anteriores ou posteriores a essa geração da mostra. Nós temos grandes artistas mulheres, mas por coincidência, elas não estão enquadradas na Geração 70” .
OUTROS
Mais receptivo foi o professor de História da Arte, Ivo Vellame. Ele considera que seria cabível realizar mais duas mostras com o pessoal significativo de 70; dando logo muitos nomes: inclusive de artistas mulheres. Ele fez questão de registro: Márcia Magno, Bartira, Almandrade, Leonardo Celuque, Cesar Romero, Juracy Dórea, José Araripe, Humberto Vellame, Decaconde, José Artur Antoneto, Ângela Cunha e outros e outros. Vellame que também desempenhou um papel na seleção dos nomes (ele escalonou três dezenas) colaborando com Reynivaldo Brito na triagem inicial, acha que uma instituição cultural como a Fundação Cultural a não pode alegar falta de verba para fomentar justamente a cultura: e bota fé na continuidade dessa primeira mostra.
O valor artístico dos que entraram, não é motivo de polêmica, mas sim a ausência de mais nomes. Enquanto não se definem os próximos passos das próximas mostras (ainda nem bem foi realizada a primeira), Reynivaldo Brito e Ivo Vellame, analisam e se emocionam falando da obra desses artistas da Geração 70. Jovens, artistas com mais de 25 anos e menos de 40. Para ambos os críticos, a única identidade entre os dez, é quanto à contemporaneidade (sentido do novo) da sua obra. Vellame não esconde que está visceralmente ligado ao surgimento desses jovens e desata a falar. “apostei nessa geração pelo sentido do novo, de contemporaneidade de suas obras, pela garra em contestar as formas gastas; pelo sentido de denúncia social e por sua capacidade de abrirem os olhos para outras gerações. Esses artistas conhecem a criação de outros, artistas e inovam a partir desse conhecimento”. Para Reynivaldo Brito, esse conteúdo de contemporaneidade da Geração 70, vira um bloqueio “porque muitas vezes está fora do alcance da média das pessoas.
“Trata-se de uma obra que exige da pessoa uma capacidade de fazer uma leitura”. O trabalho de arte tem signos próprios (cor, forma, composição, e outros elementos); que muitas vezes, por falta de informação o sujeito é incapaz de fazer uma “leitura”; resultando em uma falsa recusa da análise, ou falta de emoção; mas Reynivaldo não duvida: “Esse é um trabalho de qualidade que veio para ficar. É um trabalho que vai marcar a História da arte baiana”.
MUDAR
Ivo Vellame se deteve um pouco na reflexão quanto ao aspectos de identificação que reafirmam o título da mostra, ou seja, Geração 70. “uma coisa que bem identifica esses nomes é a vontade de mudar, de mexer com a arte baiana. Cada um deles, contudo, conserva a sua própria personalidade/identidade artística; o que é muito característico da arte atual.
Nos dias de hoje, não é possível, mesmo se trabalhando em um mesmo local, se apresentar um trabalho com características muito próximas; a exemplo do Cubismo. Isso não representa, entretanto que eles não receberam influências. “Quem não deve a quem nesse mundo?” questiona Vellame; concordando com Reynivaldo Brito, na análise das trilhas que esse pessoal tem tomado.
“Todos receberam influências de artistas consagrados, mas todos se libertaram e revelam a sua própria marca. ’‘Quem não conhece, por exemplo, um Zivé?. Pela forma, pela cor, pelos elementos da obra”? questiona Reynivaldo.
O sucesso e a efervescência da mostra do próximo dia 25 de julho no Museu de Arte da Bahia. São coisas certas. Quem diz é o organizador da Geração 70; garantindo que a mostra não será mais uma exposição ou uma coletiva de artistas emergentes. Ele diz com a convicção de quem está vivenciando o processo de organizar uma mostra de arte com esperança de ver o fruto crescer. Afinal, não é todo dia - há quanto tempo não acontece alguma coisa do porte em Salvador?-que se pode contemplar um conjunto dos nossos mais novos artistas. O Museu de Arte da Bahia vai se transformar no palco de múltiplas criações; desmistificando de certa forma a idéia de museu como “baú de quinquilharias” ou “sinônimo de paradeiro cultural, imagens marcantes nos dias de hoje. Miseen-scéne é convidativa. Além da presença dos artistas livres para qualquer “dois dedos de prosa” sobre seus trabalhos, quem for até ao museu, vai se deparar com muito visual e um bom som do Sexteto do Beco. Bailarinas não vão faltar. Serão três espetáculos- relâmpagos de dança (duração média de cinco minutos). A dançarina Lilia Serafim fará o solo com uma peça intitulada “Toada para o Infinito” depois será a vez da bailarina Lia Rodrigues entrar na dança; fechando o espetáculo com a apresentação do grupo Tran-Chan, com as criativas coreografias de Leda Muhana e Bete Greber. Em seguida o Sexteto do Beco afina seus instrumentos e o sax de Paulinho Andrade faz a festa. A mostra prossegue e a música promete distrair a moçada. Cada artista vai apresentar cinco obras e você pode contemplá-las; ouvindo um som de um pessoal jovem. Como você que ama o novo, em busca de novos signos.
ZIVÉ GIUDICE, O CONTESTADOR
Zivé Giudice, um dos dez nomes da mostra Geração 70 revelou que não é um contestador apenas nos seus pastéis, guaches e aquarelas; denunciando a “parafernália atômica” questionando a “lógica oficial” e outras formas políticas de autoritarismo. Zivé é daqueles que não deixam as coisas por menos, e brada mesmo o que pensa. Zivé está na batalha da pintura desde 74 (sua primeira exposição individual) e rejeita por isso mesmo, qualquer alusão de “artista emergente”. Reafirmando a frase do crítico e organizador da mostra, Reynivaldo Brito, de que “todo artista é um contestador”, Zivé rechaçou de uma vez por todas o termo: “Quando se deixa de ser emergente?.... É quando se é um acadêmico”?....
Tomou fôlego, em seguida e falou do seu processo criativo com muito prazer. O que ele não pode aceitar é a classificação de emergente. Ele diz logo por que. “estou produzindo há 10 anos têm gente na mostra que está na batalha há 15 anos. Não somos emergentes”. A realização dessa primeira mostra Geração 70, tem um valor para Zivé; se satisfazer à posteriori uma condição. Ele abre logo o jogo. “Só vou acreditar mesmo na intenção dessa mostra, se houver um prolongamento dessa primeira.
Existem muitos outros nomes que representam a década de 70. Não quero negar as pessoas que estão na mostra. Me identifico com essas pessoas, não rechaço o trabalho de ninguém; mas acho que a Geração 70 deveria se referendar em outras pessoas. De qualquer modo, tem muito mais gente que trabalha assiduamente e que devia estar junto com os escolhidos.
O NOVO
Com uma coisa Zivé não fez restrições. Com relação à análise de que o sentido do novo é o ponto de união da Geração 70. Estilos, escolas, tudo isso é negado peremptoriamente. “O novo é tratado por mil e um ângulos.
Isso é o que une determinados grupos que tem investido em fazer arte; compreendendo o novo com uma coisa corajosa de romper e denunciar.
É o elo de buscar o contemporâneo; é a manifestação de arte que se convulsiona a cada dia. Zivé que no momento está inclusive, expondo no Salvador Praia Hotel, até o dia 21 de Julho,contudo, não esconde o seu fascínio pelo barroco. “ “““Não o barroco baiano, mas o barroco no que se refere ao tratamento da forma, o seu modelar e organização do espaço”“““. “Sou fascinado pelo barroco e meu trabalho tem uma ressonância nisso”. Até onde o homem é a parte do seu trabalho artístico é questão bem resolvida pelo artista. “O homem é a parte em todos os sentidos. O homem sempre foi o alvo do meu trabalho sob uma ótica de denúncia, questionando as forças opressoras e cerceadoras do seu mundo. Por isso mesmo, vejo meu trabalho como político, porque preocupado com as nossas condições culturais. É um trabalho que denúncia a violentação dos nossos dias; questionando e desmitificando a “lógica oficial”, negando “os pretensos pés no chão” do homem racional dos nossos dias. Muitos dos seus desenhos mostram figuras antropomórficas sem sustentação como o pé; figuras hierárquicas excluídas do espaço da lógica formal. Zivé conclui a “leitura” do seu trabalho:
“Faço a antítese dessas afirmações oficiais e dominantes”.
DITADURA
Zivé faz questão de se colocar como um artista preocupado com o político.
Afinal não é para menos. Como os nove outros, Zivé vem criando a partir da década de70, período áureo da ditadura no país; o que sem dúvida é um bom caminho para se entender a marca contestatória da sua obra. Zivé aumenta o papo. “ “““A política é a busca da felicidade e não admito que qualquer produção artística seja desvinculada do discurso político”“““. Não admito a produção aleatória”. Ele se recorda dos idos de 76. “ Em se recorda dos idos de76. “Em 76 pelas circunstâncias dos fatos, o diretório acadêmico e a associação de classe estavam mofados,. Reativamos esses espaços, retirando o seu mofo e se deu o movimento universitário, a UNE; tudo isso é referência para meu trabalho” . Zivé Judice já participou de dezenas de exposições, já ganhou diversos prêmios e certamente é daqueles que veio para ficar. E crescer com as arte que lhe pegou pela mão em Jitaúna, onde nasceu sob o signo de Áries, em 4 de abril.
Pelo lado dos artistas excluídos da Geração 70, falou Márcia Magno; que apesar de se refutar a cobrar da Fundação Cultural nova Mostra, não se furta da fazer críticas e ponderações. Márcia Magno discorda do processo de seleção dos dez nomes e dá uma sugestão em cima . “ Não se justifica de que o limite de verba seja uma razão. Que, pelo menos então fossem sorteados dez nomes”. Mas a gravadora vai além e diz mesmo que a Mostra somente teria valor se aglutinasse no mínimo um grupo de 20artistas da década de70.
CONSIDERAÇÕES DO CURADOR
Lendo hoje (2012) algumas matérias que saíram na época sobre a Geração 70, a exemplo desta que publico acima, fico cada vez mais convencido do acerto de ter escolhido àqueles dez nomes para participar da mostra. Idealizamos que seria a primeira e, que em seguida faríamos mais duas outras. Acontece que o orgulho das pessoas que esperam estar sempre ocupando os primeiros lugares da fila, terminou por criar um clima desfavorável . Vieram declarações injustas e inoportunas e então decidi que não iria mais me meter naquela empreitada.
É bom ficar registrado que nem eu e tampouco Ivo Vellame recebemos qualquer remuneração por organizar a mostra. Ao contrário, trabalhamos muito voluntariamente, em prol das artes plásticas na Bahia.As pessoas que ficam por ai arrotando erudição,copiando de enciclopédias, citando autores em outras línguas ou mesmo plageando o Google ,acredito que por mais que insistam em negar ou tentar fazer esquecer a Geração 70 ela sempre será lembrada como um marco na História recente da Artes Plásticas da Bahia. Outra coisa : afirmar que a limitação de recursos não é um argumento plausível para expor apenas 10 artistas é uma afirmação no mínimo inconsequente. Quem já realizou algum evento sabe muito bem quanto o recurso determina até onde você pode ir.
Vejam vocês que depois desta mostra memorável , nem mesmo os inconformados fizeram nada que viesse suplanta-la até os dias de hoje!.
Vejam vocês que depois desta mostra memorável , nem mesmo os inconformados fizeram nada que viesse suplanta-la até os dias de hoje!.