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Guel diante de seu última obra |
minha reação foi de surpresa ao ser
apresentado à produção artística de Guel Silveira realizada das últimas
décadas. Estive com ele em 1978 e de lá para cá vi algumas publicações em
jornais de exposições realizadas aqui e em outras capitais. Mas, tinha
conhecimento que Guel teria decidido largar a pintura e passara a se dedicar à
pecuária criando gado na região de Vitória da Conquista, onde passou a morar
com sua família. Foram treze anos nesta atividade e o que levou a esta ruptura
foi um fato que lhe deixara chateado porque ao realizar uma exposição em
Recife, foi publicado um texto sobre a exposição e trocaram o seu nome pelo do
pai Jenner Augusto. Foi um choque, e ele resolveu parar para pensar um pouco se
deveria continuar trabalhando com arte. Porém, Guel Silveira é muito mais do
que o filho de um artista plástico famoso. Guel Silveira é um artista na essência da
palavra, tem criatividade, sabe mexer com as formas, tintas e outros materiais.
Possui além de formação acadêmica, na Escola de Belas Artes da UFBA, onde
estudou com grandes mestres baianos, também frequentou os ateliers de Calazans
Neto, aprendendo a xilogravura, e no atelier de Mário Cravo Jr. Participou de
um curso promovido pelo meu saudoso amigo Sante Scaldaferri, ministrado no
Teatro Castro Alves, na época em que funcionou o Museu de Arte Moderna da Bahia
no foyer daquela casa de espetáculos, nos idos dos anos 60. Depois de décadas de trabalho ele está com seus últimos trabalhos intitulados de Dobras saindo do plano rumo ao tridimensional. Em breve veremos esculturas abstratas e geométricas criadas pelo artista. Sua produção artística nada tem a ver com o que produzia seu pai. São completamente distintas. E ponto final nisto! |
Xilogravura de 1974,de Guel |
Anos depois, já
no ano de 2001, Sante Scaldaferri escreve: "Surge um pintor que de há
muito tempo conhece técnica, sabe pintar e faz pintura de boa qualidade
apresentada em diversas exposições, que pesquisou muito, fez pintura abstrata,
que sempre procurou um caminho, que têm muita sensibilidade e outros
predicados, porém, nesta exposição, ele nos mostra tudo que estava latente
dentro de si, e que agora começa a aflorar. Mudou tudo: a temática, o discurso
e a escrita. Ele consegue transfigurar, ironizar, reinterpretar, e colocar a
realidade e os fatos que o cercam, de uma forma pessoal e contemporânea. Este é
um texto de um pintor, sobre a exposição de outro, com muito orgulho)
colega."
Portanto, tem uma sólida formação e
disciplina de trabalho, que faltam a muitos artistas. Diariamente, sai de sua
casa e vai para o atelier localizado num amplo apartamento no Morro do Gato, em
Salvador, onde cria suas obras. Guel Silveira não gosta de limites e de ficar
preso a determinadas temáticas. Hoje pode pintar uma marinha, amanhã uma
natureza morta e depois vai para as dobras e colagens misturando temáticas e
materiais.
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"Violeta Varonil", obra feita em spray 1984. |
Fiquei também surpreendido com a
quantidade de catálogos e livros escritos sobre sua obra. Portanto, estamos
diante não do filho de um pintor famoso. Estamos diante de um artista que sabe
o que quer, tem uma obra consolidada, e importante, registrada para a
posteridade. É muito meticuloso, diria até um pouco tímido, porque sua obra já
deveria ser muito mais conhecida dos brasileiros e, particularmente dos
baianos, e está necessitando urgente ganhar novos espaços. Tem qualidade, são
pinturas feitas dentro da técnica e não àquela pintura chapada que muitas vezes
encontramos por aí.
Relembra Guel Silveira que foi muito
profícua a convivência com os grandes artistas modernistas baianos "porque
cada encontro era um aprendizado." Aos 18 anos já frequentava o atelier de
Calazans Neto, o querido Calá, que passava as informações necessárias para que
criasse suas gravuras as quais eram impressas na prensa do mestre, no atelier
que funcionava na casa de Calá no bairro de Itapuã. Depois comprou uma prensa e
posteriormente alugou um espaço no bairro da Boca do Rio, por sinal vizinho ao
amigo e contemporâneo Mário Cravo Neto, o Mariozinho, o grande fotógrafo
reconhecido mundialmente, que nos deixou prematuramente.
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Em 1999 mostra naturezas- mortas |
Escrevi em 1978 no jornal a Tarde na minha
coluna Artes Visuais: "Disse certa vez um político mineiro que "o
homem não tem culpa de três coisas na vida: a cor da pele, o sobrenome que
carrega, nem o lugar onde nasceu." Esta frase é suficiente para
entendermos que Guel teve a felicidade de nascer no meio de um forte movimento
artístico modernista que vivia a Bahia, e isto deve ser celebrado. Aqui este
movimento se fortaleceu tendo como um dos principais incentivadores o grande
escritor Jorge Amado que era um agregador de amizades que duraram enquanto
viveram. Foi neste ambiente salutar que se formou a personalidade artística de
Guel vendo àqueles mestres do modernismo baiano atrair inclusive artistas de
outros países e estados como o Floriano Teixeira, do Maranhão, e seu próprio
pai que era sergipano, Carybé vindo da Argentina e Hansen Bahia, da Alemanha,
dentre outros.
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Nesta marinha em acrílica sobre tela me chama a atenção a transparência e a luminosidade . |
O artista Guel Silveira começou com uma
pintura abstrata e depois passou pelo figurativo. Atualmente está desenvolvendo
uma série de obras que ele chama de Dobras inspiradas na arte milenar dos orientais
e asiáticos de dobrar, os famosos origamis. A delicadeza desta arte, que reproduz
animais e mesmo objetos, nos remete a delicadeza e leveza do fazer.
Como disse anteriormente, só mesmo as pessoas meticulosas, calmas e
persistentes conseguem realizar bem esta arte. Assim Guel Silveira vai
calmamente criando suas obras utilizando materiais diferentes em pequenos e até
mesmo minúsculos pedacinhos de papel e outros materiais para compor uma obra.
Sempre nas formas que cria podemos ver de longe a uma referência com um animal
marinho e mesmo com a paisagem iluminada da orla do bairro do Rio Vermelho, em
Salvador, onde cresceu e viu começar a florescer a sua arte.
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"A Inquisição", também em acrílica e tela. |
O curioso é que mesmo interrompendo suas Dobras
para pintar marinhas e até mesmo abstratos notamos que existe uma certa
coerência nesta passagem e como que se completam para formar este conjunto,
aparentemente complexo, mas harmônico. As cores quase sempre caminham dentro de
uma ideia maior que é de expressar livremente o sentimento do ambiente em que
vive. E quando seu assistente o Paulo Sérgio foi pacientemente apresentando as
obras fui também observando que elas embora tenham unidade não repetem a
maioria dos elementos que as compõem. Portanto, uma demonstração da
elasticidade de sua criação.
Uma das características da forma de
trabalhar de Guel Silveira é que além de pintar ao mesmos obras usando o
abstracionismo e o figurativo ele nunca está satisfeito com o quadro que teria
concluído. Ao olhar sempre volta e faz algumas modificações retirando ou
introduzindo novos elementos. A sua intenção é que a obra realmente tenha tudo
que ele imaginou em momentos diferentes. Sempre foi assim quando começou com as
gravuras, depois com a técnica do spray, com a pinturas em acrílico sobre tela
e agora com as dobras onde faz recortes, colagens e pintura na mesma obra,
utilizando alguns tipos de materiais como juta, cartonado, papéis lisos,
estampados e reciclados e Arches, este muito utilizado pelos seus colegas
artistas para pintar aquarelas, além de pedaços de placas de isopor full. Portanto,
além da criação pictórica tem esta coisa do fazer, da habilidade manual de um
artesão que vai construindo o meticulosamente o seu mundo dentro de uma
dimensão de intimidade com os diversos materiais.
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Pintou e ainda pinta inspirado nas pinaúnas,que existiam em grande número nos arrecifes das praias do bairro do Rio Vermelho. |
A propósito de suas Dobras o próprio Guel
Silveira escreveu :Dobras: Virar, revirar, dobrar, transpor em múltiplas viras.
/ Buscar todas as viradas de cada esquina, de cada rua, de cada labirinto, de
todos os avessos / Tudo na vida é dobra. / O que não pode ser dobrado é fixo,
estático, não se multiplica, não dá sombra, não revela, também não esconde. /
Não ilumina, não mostra a intensidade da luz. / Não amplifica, não reverbera e
nem vibra / É oco, não ecoa, não transmuta. /...
Na conversa
que tivemos numa tarde ensolarada em seu atelier disse que sofreu alguma influência dos artistas o paulista Arthur Luiz Piza que nasceu em 13.01.1928
e faleceu em 26.05.2017 na França / Ile de
France / Paris. Do cearense Antônio Bandeira nascido em 26 de maio de 1922 e falecido em Paris, 6 de
outubro de 1967), e também dos mestres nipo-brasileiros Manabu Mabe
(1924-1997) e Kazuo Wakabayashi (nasceu em 1931) e Tikashi
Fukushima,(1920-2001) que os conheceu frequentando sua casa.
Vejo também um
distanciamento completo da sua produção e do que fazia o seu pai, que era um
figurativo, enquanto o Guel Silveira tende mais para o abstrato, e
mesmo quando se inspira numa singela piraúna ou ouriço do mar, como é conhecida
em outros locais do litoral brasileiro, ele consegue transmutar este molusco e
representá-lo dentro de sua linguagem abstrata. E aqui reproduzindo as sábias
palavras do caro Geraldo Edson de Andrade, escritas em 2012, infelizmente Edson
está em outra dimensão. Veja: "A linguagem abstrata não é tão fácil como
costumam afirmar os diletantes. Uma composição abstratizante pode conter, sim,
elementos reais quando transfigurados pela sensibilidade do artista que nela
expressa não somente sua catarse interior nela inserida memória e afetividade.
Há, pois sensível ligação entre formas e cores com sentimento e emoção
norteando as intenções de Guel nas mais recentes pinturas".
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Esta obra ele estava trabalhando nela quando cheguei ao seu atelier para iniciar a nossa conversa. |
Outra surpresa foi saber que Guel Silveira
era amigo do poeta Thiago de Mello com quem privou desta amizade alguns dias em
sua casa construída às margens de um rio em plena floresta Amazônia. Aí lembrei
de um episódio que vivi no final dos anos 1960 quando fui ao Rio de Janeiro
participar de um congresso estudantil realizado na Faculdade Cândido Mendes, e
o então agentes do DOPS, que era o temido Departamento de Ordem Político e Social
apareceram com várias viaturas cercando o prédio da Faculdade. Foi exatamente
logo após o poeta Thiago de Mello, que estava todo vestido de branco, acabara
de recitar vários poemas de cunho político para nós estudantes. Foi um momento
sublime, interrompido com a possibilidade de sermos presos e levados para a
sede do DOPS. Felizmente o então reitor da Faculdade o professor Cândido Mendes
era um homem muito querido e respeito interveio e lá pela madrugada as viaturas
começaram a sair. Foi um alívio geral.
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Guel ao lado de seu amigo o poeta Thiago de Mello na sua casa doada por Lúcio Costa em plena floresta amazônica, onde passou alguns dias. |
Mas, voltando a falar desta amizade o Guel
Silveira esteve algumas vezes na casa que foi construída e doada ao poeta
Thiago de Mello pelo arquiteto Lúcio Costa, aquele mesmo que juntamente com
Oscar Niemeyer construiu a ilha da fantasia, a nossa Brasília. A casa fica às
margens do rio no município de Barreirinha e o acesso é feito de barco.
A propósito o poeta dedicou alguns
versos em ocasiões distintas sobre a obra pictórica do Guel Silveira. Escolhi
esses versos e aqui os transcrevo: "É nas cores que está a linguagem
poética de Guel. / Como a moça da janela, o pássaro no vento, a doçura no
pêssego. / No convívio com elas, amoroso e constante aprendeu sozinho / o que o
mestre Albee ensinou na sua teoria das cores. / Passa horas, tem vez que
atravessa o dia na frágua palheta, / trabalhando só para encontrar a sua cor
mágica. / Recordo que respondeu Rodin, quando o poeta Rilke, jovem, ?
lhe
perguntou o que era preciso para ser um grande artista: /-Primeiro nascer
artista e depois trabalhar , trabalhar e trabalhar". E em outra ocasião escreveu o poeta Thiago
de Mello: "Faz tempo considero que não deve haver discórdia / entre o
artista e a pessoa... Os dois são um só / Guel Silveira, belo artista, um homem
bom".Atualmente Guel Silveira está expondo vários trabalhos da série Dobras, na Galeria Zeca Fernandes, localizada na Rua Alameda dos Mulungus, 83, Praça dos Eucaliptos, bairro Caminho das Árvores. Guel está também expondo várias obras no evento de decoração Casas Conceitos, que está sendo realizado no bairro de Santo Antônio Além do Carmo , no Centro Histórico de Salvador. É um evento que reúne arquitetura, decoração, arte e entretinimento e estará aberto até 30 de outubro. Está instalado na Escola Divino Mestre, um antigo centro de ensino que não funciona há 20 anos. A área te, 3 mil metros quadrados e o evento tem três ambientes. Vale a pena conferir. Ao lado o convite da outra exposição, que você ainda pode visitar na Praça dos Eucaliptos.
PRINCIPAIS EXPOSIÇÕES
Em 1974- A Galeria
⁃ São Paulo ⁃ Panorama de Arte Atual
Brasileira; Exposição no Museu de Arte
Moderna de São Paulo; Mostra no Diário de Notícias ⁃ Salvador ; Novarte Bahia ⁃ Feira de Santana-Ba; 1975 ⁃ Museu do Estado da Bahia ⁃ Salvador 1976 ⁃ A Galeria ⁃ São Paulo ⁃ Galeria Agora ⁃ Rio de Janeiro ; 1977 ⁃ Panorama Galeria de Arte ⁃ Salvador ⁃ Oscar Seráfico Galeria de Arte ⁃ Brasília ⁃ Galeria Grossman ⁃ São Paulo ⁃ Galeria AMI- Belo Horizonte 1978 ⁃ Galeria Grossman ⁃ Salvador ⁃ Augusto Rodrigues Galeria de Arte ⁃ Recife ⁃ Galeria AMI- Belo Horizonte ; 1979 ⁃ Kattya Galeria de Arte ⁃ Salvador 1980 ; Galeria Casablanca ⁃ Rio de Janeiro; 1995 ⁃ Espaço de Arte Jenner ⁃ Salvador; 1997 ⁃ Galeria Valeria Vidigal ⁃ Vitória da Conquista-BA ; 1998 ⁃ Museu Galeria de Arte Caetano Veloso ⁃ Santo Amaro-BA ; 1999 ⁃ Espaço de Arte Jenner ⁃ Salvador ⁃ Exposição de lançamento do livro 100 Artista Plásticos ⁃ Salvador ⁃ Arte Salvador 450 anos ⁃ Museu de Arte Moderna da Bahia ; 2000 ⁃ Manolo Saez ⁃ Curitiba (Edição Especial Correio da Bahia); 2001 ⁃ Espaço de Arte Jenner ⁃ Salvador; 2007 ⁃ Manoel Lorenzo Galeria de Arte ⁃ Salvador ; 2008 ⁃ Fundação Gregório de Matos ⁃ Salvador 2009 ⁃ Câmara dos Deputados ⁃ Brasília ; 2011 ⁃ Museu Rodin Bahia ; 2012 ⁃ Tramas Galeria ⁃ Rio de Janeiro ⁃ Zeca Fernandes Escritório de Arte; ⁃ Ilustração do livro "Tieta do Agreste" ⁃ Jorge Amado ⁃ Galeria Jenner Augusto ⁃ Sergipe ,Aracaju (SE); O Exercício Livre da Memória -
Adilson Santos - P55 Edições - 2013- Salvador-(BA); 50 anos de
Arte na Bahia - Uma Homenagem a Matilde Matos - Edições EPP- MCM ,Salvador
- BA; Um sentir sobre as artes visuais de Sergipe - 50 artistas - Coleção
Mario Brito - Ed. Jornal O Capital LTDA - ME , Aracaju (SE); Riolan-
Desenhos, Gravuras e Pinturas - Edição Faz Cultura do Governo do Estado
da Bahia , Salvador - BA; Jenner Augusto - Cores de Uma Vida - Org. Mario
Britto e Zeca Fernandes - Ed. Sociedade Semear - Banco do Brasil ; Guel Silveira- Verdades do Inconsciente - Ed. Santa Marta - Salvador - BA; 2015-
Exposição Entre Obras e Dobras, na Galeria Jenner Augusto, em Aracaju-SE ; 2022-
Exposição Obras e Dobras na Galeria Zeca Fernandes, Salvador-Ba.
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