Chico Vieira trabalhando em seu atelier |
Obra da atual produção do artista |
Era o
último dos filhos do casal Carlito Vieira Borges e Clarissa Azevedo
Reis, porque seus pais tiveram cinco filhos e todos os quatro irmãos já
haviam falecido. Nasceu em 4 de outubro de 1948 na Ladeira de São Francisco,
número 3, em Salvador, quando a área ainda estava completamente degradada e ali
funcionava o que chamamos de baixo meretrício. Durante a entrevista rindo Chico
Vieira disse que sua mãe era uma espécie de agiota e emprestava dinheiro a
juros para as prostitutas e outras pessoas que viviam ali. Estudou o primário e
o ginásio em escolas da área na Escola Urânia da Bahia e na Escola São
Lourenço. Quando sua mãe faleceu tinha apenas 14 anos de idade. Na juventude
participou do movimento estudantil contra a ditadura militar, e também do
tropicalismo que dominou a Bahia, dos carnavais na Praça Castro Alves e
frequentou nas tardes de domingo as sessões dos cinemas Jandaia, Pax e Tupi na
Baixa dos Sapateiros. Em 1966 seus parentes resolveram colocá-lo na Escola de
Aprendizes Marinheiros, que funciona na Cidade Baixa, em Salvador. Foi muito
importante para sua formação porque tinha excelentes professores além de
disciplina e formação do cidadão. Ficou na Marinha por três anos e concluiu o
segundo grau.
OPTOU PELA ARTE
Naquela época a Escola de Belas
Artes da Universidade Federal da Bahia funcionava num prédio em estilo colonial
na Rua 28 de Setembro, portanto no Centro Histórico, e foi quando em 1968 ele
fez o vestibular sendo aprovado. Também estudava no curso livre de alemão no
Instituto Cultural Brasil-Alemanha, que até hoje funciona no Corredor da
Vitória, atualmente com o nome de Instituto Goethe. Enquanto estudava trabalhou
na restauração do Museu do Carmo e participava das feiras de arte do Terreiro
de Jesus, em Salvador. Também chegou a expor suas obras nas feiras de artes das
praças da República, em São Paulo, e da General Osório, no Rio de Janeiro.Chico Vieira em seu ateliê do Pelourinho.
Toda esta
sua trajetória contou com o apoio irrestrito do professor Vivaldo Costa Lima,
já falecido, que foi o homem que liderou a restauração da área nos governos de
Antônio Carlos Magalhães e nos subsequentes. Eles iniciaram e concluíram grande
parte da reforma do Centro Histórico de Salvador. Com muita competência e
determinação Vivaldo Costa Lima defendia que os moradores locais deveriam
permanecer e para isto criou uma política de qualificação profissional. Para as
crianças tinham vários programas com vistas a criar condições de uma
sobrevivência digna. Trabalhei no início da recuperação do Centro Histórico
juntamente com o meu amigo o saudoso Gey Espinheira que era o responsável pelos
programas sociais. Nos formamos em Ciências Sociais na mesma turma da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, da UFBA, que funcionava na Av. Joana Angélica
onde hoje está o Ministério Público Estadual. Como eu tinha também a formação
em Comunicação trabalhava na Assessoria de Imprensa. Vivaldo era etnógrafo, um
homem culto e muito temperamental. Presenciei alguns embates dele por discordar
de orientações vindas dos governos federal e estadual porque tudo era feito de
comum acordo entre o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
-IPAC e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
O professor
Vivaldo Costa Lima procurava de todas as formas proteger os locais e quem
cuidava desta parte, deste contato direto era o Gey Espinheira por ser uma
pessoa calma e que compreendia inclusive a resistência de alguns moradores que
eram contra a reforma. A situação local era tão caótica que lembro que o
fotógrafo Magno Cardoso, ia fazer a documentação dos imóveis em ruínas e tinha
que ser acompanhado de algum segurança porque senão a máquina era roubada.
Poucos tinham a coragem de andar pelo Maciel de Cima e Maciel de Baixo e outras
ruas do Centro Histórico. Em outra ocasião eu estava fazendo uma reportagem com
um fotógrafo da revista Manchete, do Rio de Janeiro, quando apareceu um ladrão
e tentou arrebatar a sua máquina fotográfica Rolleyflex. Não conseguiu e entrou
num daqueles casarões em ruínas. Até hoje o Centro Histórico ainda oferece
perigo para os locais e visitantes.Chico falando do chamamento que
acreditava ter recebido.
CHAMAMENTO
Voltando ao Chico Vieira depois
desta permanência na Europa ele contou que
seus parentes daqui da Bahia ficaram
preocupados porque não dava notícias. Na época sua família morava no
bairro de Castro Neves, em Salvador. Foi então que um irmão seu conseguiu uma
fotografia 3 x 4 dele que estava num álbum de quando servia na Marinha do
Brasil e levou até o seu tio Antônio Vieira, que chamava de tio Tonho que
era pai de santo em Maragogipe, no interior da Bahia. O tio amarrou a foto no
pé de um pombo e fez um “trabalho” pedindo para que ele voltasse. Revelou ainda
o Chico Vieira “que no ano de 1976 um dia estava numa praia em Portugal com a
família quando recebi inexplicavelmente uma espécie de chamamento e decidi voltar para Salvador.” Falou
ainda que seu tio Tonho todos os anos no dia do aniversário em 11 de agosto,
ele fazia um ritual com matança de animais e isto ficou marcado em sua
infância.
Chico
Vieira trouxe a mulher e os filhos, um menino e duas meninas.” Foram morar em
Itaparica e lá construíram uma casa em Barra Grande onde moraram de 1983 a
1986. Nesta época pinta obras contando a História do Brasil de 1500 a 1900,
concluindo em 1987 utilizando a técnica mista e de colagens e inicia o Projeto
Pró-Índio. Vivia da pintura e da ajuda da família da esposa. Um dia o
sogro já idoso veio a Salvador com a intenção de leva-los para Portugal porque
ele precisava dividir os bens que tinha. Foi aí que Chico Vieira concordou que
ele levasse o menino para lhe fazer companhia. O Chico Vieira botou o pé firme
e não aceitou voltar. Tempos depois a esposa teve que retornar a Portugal com
as duas filhas e estão por lá até hoje. Nesta obra ao lado vemos sua
habilidade no desenho e no uso das cores. Obra feita en nanquim e aquarela
sobre papel fabriano que ele denominou de Cabeça Ecológica.
LEMBRANÇAS
De sua
permanência em Portugal lembrou que Lisboa estava numa efervescência social,
política e cultural muito grande. Foi a época da chamada Revolução dos Cravos e
da independência de várias colônias portuguesas na África. Tinha a Casa
de Angola, em Lisboa e lá conheceu vários líderes revolucionários africanos
entre eles Samora Moisés Machel. Foi um líder moçambicano socialista que
liderou a Guerra da Independência de Moçambique e seu primeiro presidente após
a independência em 1975 e morreu em 1986. Disse o Chico Vieira que vivenciou
muito do movimento na Revolução dos Cravos. Atestam os livros de História
que “Foi um levante militar e popular que ocorreu em Portugal, no dia 25
de abril de 1974, e encerrou a longa ditadura liderada por Antônio Salazar. Nos
anos 1970, os portugueses enfrentavam uma grave crise econômica, o que gerou
insatisfação com o governo português. Além disso, as lutas pela independência
das colônias portuguesas na África fizeram com que essa insatisfação se
intensificasse.”
EXPOSIÇÕES
Sua primeira exposição individual foi realizada em 1973
em Berlim, entre os anos de 1977, e em 80 participa
da Bienal de São Paulo e fez uma exposição individual no ICBA, em Salvador; em 1981
retorna à Europa e faz exposições em Berlim e Lisboa. Em 1986
expõe no Museu da Cidade do Salvador, que funcionava no casarão no Largo do
Pelourinho, ao lado da Casa de Jorge Amado. Em 1993 saiu da ilha de Itaparica e
decidiu retornar ao Pelourinho e instala o seu ateliê, e aí volta a se
entrosar com o movimento artístico local; em 1997 participa da
exposição coletiva Pinte o Pelô e também em 1999 de outra coletiva na cidade de
Mineapolis, nos Estados Unidos chamada de Expo 500 anos; em 2000 de uma mostra
na Galeria do IPAC; 2000 de uma coletiva de artistas brasileiros
chamada de Encontros do Fim do Mundo, em Algarve, Portugal; de 2001 a
2003 participa de várias exposições coletivas e individual no Algarve,
Portugal; 2003 fez uma individual na Casa 8, em Salvador, Arte
Espontânea Brasileira; em 2007 lança o álbum de gravura em metal Abstracionismo
Tropical, em Genebra, na Suíça; participa da instalação Pintou Natal no Pelô e
em 2012 fez uma exposição de pinturas na Casa da Nigéria da Bahia comemorativa
do quarto aniversário de inauguração .
O economista Dilton Machado
escreveu um texto sobre a trajetória de Chico Vieira que aqui reproduzo em
parte: “Todo este mosaico vivencial se traduziu naquilo que Chico Vieira
denominou como abstracionismo tropical, expressão manifestada através de pinturas
que saltam das telas em cores e formas que refletem predominantemente a
brasilidade decorrente de nossas origens africanas e indígenas.” E continua: É
gratificante sentar na Rua do Açouguinho, em frente ao seu ateliê, e observar o
impacto que sua obra causa nos passantes, sejam eles baianos, turistas
estrangeiros, emergentes das classes C e D, privilegiados com maior poder
aquisitivo, intelectuais letrados, estudantes em formação, idosos, adultos,
jovens, crianças e até os muito doidos que circulam perdidos pela área
parecendo não conseguir desgrudar da sensação hipnótica e convidativa que seu
trabalho produz”.