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sábado, 27 de janeiro de 2024

ANUNCIAÇÃO E SUA ARTE GESTUAL INSPIRADA NO COTIDIANO

O artista Anunciação ao lado
de uma obra de sua autoria
 em acrílica sobre tela.
O artista Anunciação com o vigor de sua juventude  já tem uma história de vida razoavelmente diversificada porque nasceu em Jacobina e passou sua infância na roça, já foi garçom, ajudante de pedreiro, vigilante, trabalhou nas obras do metrô, mas a arte sempre foi seu ideal. Quando trabalhava de garçom no bar alemão Bier Dorf, no Shopping do Aeroclube Plaza Show, em Salvador, duas clientes que depois soube que eram professoras de arte, viram ele rabiscando um desenho enquanto um músico animava os clientes do restaurante cantando e tocando violão. Ao flagrar  desenhando as duas senhoras disseram “menino você está se perdendo” e sugeriram que procurasse as Oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia. Elas forneceram o endereço do museu que ele logo depois foi procurar saber como poderia se inscrever. Conseguiu se matricular e foi aluno de Isa Moniz, que na época ministrava aulas de Desenho de Observação e  Bete ensinava Criatividade em Artes Plásticas, além de ter aulas de Arte Contemporânea  e de gravura  . Isto foi nos anos 2003 e 2004.

Anunciação fala de sua trajetória até
abraça a arte.
O seu nome de batismo é Sérgio Silva da Anunciação, filho de Deusdete Brito e d.Faustina Silva da Anunciação. Nasceu no dia 8 de setembro de 1976, em Jacobina, no interior da Bahia, e ainda bebê sua mãe foi morar no município de Ilhéus no povoado de Maria Jape, que era um antigo quilombo, onde seu avô cultivava cacau. “Meu avô materno era negro e minha avó branca de olhos verdes parecia uma espanhola e nesta mistura minha mãe saiu  negra/ cabocla. Já o meu pai é branco e tem os olhos azuis”, falou Anunciação. Disse ele ainda que seu avô era da cidade de Irará e migrou para a região o sul da Bahia quando surgiu a chamada febre do cacau. Lá conseguiu adquirir umas terras e viveu o resto da vida da cultura do cacau. Como podemos ver nesta conversa é um exemplo de que o Brasil é o país da miscigenação, embora nas últimas décadas por questões puramente ideológicas querem impor e incentivam a discriminação.

A agradável visita inesperada da Aninha , 
 presença importante no Centro Histórico.
Como o ateliê do Anunciação é na Rua das Laranjeiras, número 3, no Pelourinho,a entrevista foi interrompida com a chegada inesperada da Aninha Franco, poeta e uma incentivadora incansável da cultura local, além de na sua República viver rodeada de livros onde recebe seus convidados para ler, falar de Literatura e degustar pratos de uma culinária especial. Registramos a presença de Aninha Franco e prosseguimos conversando com o Anunciação sobre sua trajetória. Ele permaneceu no povoado de Maria Jape até os onze anos de idade e estudou em escolas em Ilhéus, e em Itabuna, na Escola Ciso, que era evangélica, onde sua mãe conseguiu uma bolsa de estudos. Foi então que veio morar no subúrbio de Plataforma com seus tios onde terminou seus estudos no ginásio e por lá permaneceu até os vinte e sete anos de idade, quando resolveu sair e morar no bairro da Caixa D’água. Foi trabalhar de garçom no Restaurante alemão Bier Dorf, no shopping Aeroclube e  permaneceu por lá três anos. 

Obra Visões em acrílica sobre tela.
Em seguida retornou para a casa de seus tios em Plataforma e juntamente com um
amigo abriram o restaurante Mabamariscada no subúrbio. Durante três anos tocaram o restaurante até ser acometido de um problema de saúde e teve que se desfazer. Quando se recuperou foi procurar emprego e conseguiu nas obras de construção do metrô de Salvador como ajudante de pedreiro. Se qualificou na empresa, evoluiu e ocupou um  cargo técnico na AGO, que era o setor que administrava as obras. Quando saiu trabalhou um período de vigilante e finalmente em 2016 decidiu vir morar no Pelourinho. Disse que a decisão foi tomada quando um certo dia estava sentado no sofá de sua casa, ainda recebendo o seguro desemprego, e veio a ideia de que tinha que abraçar a carreira de artista. Ao olhar várias telas pintadas e amontoadas debaixo da cama onde dormia fortaleceu a sua ideia, e assim pegou as telas e  seus pertences e  alugou num pequeno espaço de um prédio na Rua do Carmo onde instalou o seu ateliê. Dois meses depois o senhorio pediu o espaço de volta. Foi aí que veio para a Rua das Laranjeiras, número 3, onde está até hoje.

                                                   SUA ARTE

Obra Cacau. Aí Anunciação retrata  homens 
que labutam na lavoura cacaueira na Bahia.
Quando lhe pedi para falar de sua arte Anunciação disse fazer arte Bruta (Art Brut) expressão que foi criada por Jean Dubuffet no ano de 1945 para “designar a arte produzida por criadores livres da influência de estilos oficiais, incluindo as diversas vanguardas, ou imposições do mercado de arte”. Dubuffet via nesses criadores – oriundos de fora do meio artístico, a exemplo dos hospitais psiquiátricos e os autodidatas isolados não doentes - a forma mais pura de arte. Citava o suíço Adolf Wölfli (1864-1930), que viveu num asilo de alienados desde 1895 até sua morte, era visto
 por ele como o autor símbolo da arte bruta.

 No Brasil temos representantes deste estilo de arte inclusive foi muito importante o trabalho da psiquiatra Nilze da Silveira, que descobriu vários desses artistas . No entanto ao examinar com mais calma a arte de Anunciação vemos que tem realmente conexões com Arte Bruta porque ele pega muitos materiais no lixo como papelão, madeira de demolição, plástico e restos de construção e aproveita para transformá-los em arte. Vi no seu ateliê pedaços de concreto quebrados e presos por um vergalhão onde ele fez uma pintura. E mostrou-me uma obra que  fez a partir de um caixote de tomates. Porém, ao ver outras obras senti a presença da influência do pintor americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) que ficou famoso com seus grafites espalhados pela cidade de Nova Iorque. Hoje muitos artistas pelo mundo afora se inspiram na sua arte.

Exu na visão do artista.
Certamente a arte de Anunciação é composta de elementos da influência de Basquiat, mas traz somada o espírito de nossa cultura, e num pequeno portfólio que distribui aos visitantes do seu ateliê escreveu que “a arte é o meu mundo, local onde posso traduzir meus sentimentos e o meu amor de maneira livre e original”. A temática que explora é dividida em dois olhares distintos. Um para fora, onde retrata o cotidiano da Bahia, e outro mais intimista quando olha para dentro de si mesmo, que chama de arte Caveira, extremamente visceral. Portanto sendo um artista autodidata que não frequentou a academia ele se expressa seguindo a sua intuição com liberdade total. E o foco são os personagens que convive diariamente na área do Pelourinho como os batuqueiros, capoeiristas, baianas do acarajé, boêmios, malandros, gente do candomblé, dentre outros. Como nasceu na roça e morou muitos anos no subúrbio estes locais também são retratados em sua obra porque permanecem no seu imaginário.

Obra da série Futebol e  o colecionador 
baiano que mora em Nova Iorque .
Já participou de exposições no Museu Afro, no Restaurante Cuco Bistrô, da Casa Conceito Social, e nas edições do Feira Internacional Literária do Pelourinho - Flipelô, tem uma exposição permanente de suas obras lá na Gamboa, no Morro de São Paulo, o Hostel Mama África II, tem obras em coleções particulares daqui e de fora. Tem uma coleção de obras sobre o futebol que o colecionador baiano que mora em Nova Iorque encomenda e leva. O colecionador é o Wilson Egídio que tem uma ong e um projeto chamado de Futebol Favela e trabalha com jovens da comunidade da Boca do Rio. Esta ong é dona do Sport Clube Camaçariense que é um clube baiano de futebol, que surgiu no município de Camaçari, no estado da Bahia. Suas cores são vermelho e o branco. Foi campeão do Campeonato Baiano de Futebol de 2003 - Segunda Divisão, a principal conquista da equipe. O time tem uma sede no bairro de São Marcos, em Salvador, onde segundo o Wilson Egídio “temos toda uma infraestrutura montada para os atletas treinar e pretendemos continuar trabalhando para reforçar ainda mais o nosso time. Disputamos o Campeonato Baiano da Segunda Divisão e a Copinha, em São Paulo”. Entusiasmado com a arte feita por Anunciação Wilson Egídio pretende realizar uma exposição de suas obras nos Estados Unidos. Vamos torcer para que esta ideia se concretize e sua arte seja também mostrada aos americanos.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

EXPOSIÇÃO DE MÁSCARAS AFRICANAS NO PELOURINHO

 

Uma linda máscara da exposição no
Solar do Ferrão, no Pelourinho
.
Ao caminhar pelo Pelourinho e passar pelo   Centro Cultural Solar Ferrão , na Rua Gregório de Mattos, 45, deparei-me com uma bela exposição de máscaras africanas de vários países. É uma exposição que precisa ser vista por todos aqueles que gostam de arte e da cultura africana. Fiquei ainda mais impressionado ao saber que todas elas pertencem ao acervo do próprio museu e estavam guardadas na reserva técnica da instituição. Esta coleção de Máscaras Geledés tem exatos 1.039 objetos e foi doada por um colecionador italiano chamado Claudio Massela, que morreu em 2007. Ele viveu na África por longos anos e fez esta importante coleção e teria decidido doar à Cidade por ter uma identidade cultural com o continente africano. A curadoria é de Nívia Luz, mestre em Cultura e Gestora do Instituto Oyá e de Adriana Cravo, diretora do Solar Ferrão .

Estas máscaras têm simbologia e significados sagrados em alguns povos africanos, principalmente na Nigéria, Benin e Togo. Originalmente Geledés representa uma forma de sociedade secreta feminina de caráter religioso existente nas sociedades tradicionais Yorubá. Elas expressam o poder feminino sobre a fertilidade da terra, a procriação e o bem-estar da comunidade. O patrimônio oral Geledés foi proclamado em 2001 e inscrito em 2008 na Lista dos Bens Culturais Imateriais da Humanidade pela UNESCO. A curadora Nívia Luz disse que a exposição tem uma identidade com a Bahia e que “o reflexo Geledés está no cotidiano de Salvador. É como olhar no espelho e ver os inúmeros rostos desconhecidos que transitam pelas ruas e singram pelas águas os contornos mais bonitos dos ancestrais”.

Esta máscara representa 
um búfalo e é usada em
cerimônias dos mortos.
Já a Adriana Cravo, diretora do Museu Solar do Ferrão  refuta que as máscaras sejam representações primitivas ligadas às forças destrutivas. Para ela esta ideia de “primitiva contrasta com as complexas tecnologias e tratamento das formas em madeira, que foram desenvolvidas ao longo dos milênios e ao contrário de serem ligadas a forças destrutivas, as máscaras africanas são usadas para promover o bem da comunidade, uma vez que participam de celebrações religiosas que exaltam e clamam pela saúde, fartura, bem-estar e harmonia social”.

Estas máscaras Geledés normalmente descritas que “são utilizadas por membros de uma instituição tradicional Yorubá para cultuar de forma coletiva o poder ancestral feminino. Elas são compostas por uma parte em madeira esculpida na forma de uma cabeça humana ou de animal. A parte de madeira, que fica na cabeça como um capacete, geralmente fixa-se um prolongamento de fibras, tecidos ou roupas. As ‘Geledés’ são usadas para aplacar a ira das Ìyàmì, uma das mais importantes e perigosas divindades do candomblé. Elas são poderosas e ligadas à fartura nos campos e à fertilidade das mulheres. É um culto às mães ancestrais. Essas grandes senhoras são consideradas o maior símbolo do poder feminino da cultura Yorubá.” Não deixe de visitar. A mostra ficará aberta durante todo o verão em horário comercial.

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 20 de janeiro de 2024

O ÚLTIMO CHAMAMENTO DE CHICO VIEIRA

Os amigos do artista Chico Vieira se despedem
 cantando no seu sepultamento.
E
sta foto registra o momento em que os amigos do artista Chico Vieira,  cantavam na tarde  de ontem, dia 19.01.2024, no cemitério Quintas dos Lázaros,  em sua homenagem. Chico era artista durante 24 horas e quando não estava pintando, tocando e cantando ele andava pelas ruas do centro da Cidade fazendo seus exercícios físicos e foi assim que sentiu-se mal, o internaram, mas não resistiu vindo a falecer no último dia 18. Seu amigo e parceiro o cantor Roque Peixoto que anima os visitantes e locais com sua voz e violão no Pelourinho, e a quem Chico chamava carinhosamente de Negão cantou uma última canção que o Chico Vieira chegou cantarolando no dia 17. Lembrou Roque que perguntou o porquê daquela música e ele respondeu com seu jeito direto: Porque eu gosto,  e passaram a cantar. Durante o sepultamento Roque Peixoto o homenageou cantando a mesma música e os demais amigos acompanharam. É uma música de Gilberto Gil, não é das mais conhecidas, e não consegui saber o nome. Depois outro amigo cantou Canção da América, de Milton Nascimento, que diz: "Amigo é coisa pra se guardar/ Debaixo de sete chaves / Dentro do coração / Assim falava a canção que na América ouvi / Mas quem cantava chorou / Ao ver o seu amigo partir."
Os amigos ainda lembraram  alguns casos e de seu jeito de ser e  dizer: "Vamos embora Porra!" Foi assim que  nos despedimos deste artista que deixa uma lacuna naquele ambiente de cores, sons, alegria e sofrimento que é o microcosmo Pelourinho.

Fiz esta foto na tarde do último dia 10 em seu
ateliê e ele estava muito feliz por ter sido
 lembrado.Enviou-me  material até dois dias
 antes de falecer. Adeus meu amigo!
O Chico Vieira batizado como Francisco Carlos Vieira Borges era um desses personagens baianos que você encontra no Centro Histórico de Salvador com os cabelos desgrenhados, a barba crescida e camiseta colorida, de bermudas e empunhando uma sandália japonesa. Nasceu e se criou naquele ambiente do Pelourinho portanto era uma pessoa completamente integrada aquele espaço e  um dos autênticos representantes da fauna local. Gostava de batucar e tomar umas cervejinhas para alegrar. Mas, por trás desta figura singular tinha um artista vigoroso e experiente que já tinha vivido alguns anos na Europa e lá estudou em importantes instituições. Em 1971 ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Alemanha frequentar a Escola de Belas Artes de Berlim onde ficou até 1974, e em 1975 ganhou outra bolsa de estudos para cursar Gravura em Metal concedida pelo Governo Português na Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Lá conheceu sua esposa Ana Ortigão com quem tem três filhos, todos morando em Portugal. O Chico Vieira sempre gostava de identificar suas obras dentro de uma visão antropológica, talvez numa clara influência dos ensinamentos do mestre Vivaldo Costa Lima . Quando pintava pessoas sempre dizia que a obra é da série Antropologia Visual, principalmente se tinha alguma participação dessas pessoas que residem ou trabalham na área do Centro Histórico. Até os vídeos que fazia quando ocorria um evento o Chico Vieira me enviava e lá estava escrito Antropologia Visual. Enquanto a sua obra propriamente dita ele classicava de um abstracionismo tropical porque ali estão inseridos elementos que marcam muito nossa situação cultural e geográfica.

O artista Chico Vieira na janela  
do ateliê. Foto de Luciana Brito.
10.01.2024.

Era o último dos filhos do casal Carlito Vieira Borges e Clarissa Azevedo Reis, porque seus pais tiveram cinco filhos e todos os quatro irmãos já haviam falecido. Nasceu em 4 de outubro de 1948 na Ladeira de São Francisco, número 3, em Salvador, quando a área ainda estava completamente degradada e ali funcionava o que chamamos de baixo meretrício. Durante a entrevista rindo Chico Vieira disse que sua mãe era uma espécie de agiota e emprestava dinheiro a juros para as prostitutas e outras pessoas que viviam ali. Estudou o primário e o ginásio em escolas da área na Escola Urânia da Bahia e na Escola São Lourenço. Quando sua mãe faleceu tinha apenas 14 anos de idade. Na juventude participou do movimento estudantil contra a ditadura militar, e também do tropicalismo que dominou a Bahia, dos carnavais na Praça Castro Alves e frequentou nas tardes de domingo as sessões dos cinemas Jandaia, Pax e Tupi na Baixa dos Sapateiros. Em 1966 seus parentes resolveram colocá-lo na Escola de Aprendizes Marinheiros, que funciona na Cidade Baixa, em Salvador. Foi muito importante para sua formação porque tinha excelentes professores além de disciplina e formação do cidadão. Ficou na Marinha por três anos e concluiu o segundo grau.

                                                                   OPTOU PELA ARTE

Obra abstrata e figura
humana
.
Naquela época a Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia funcionava num prédio em estilo colonial na Rua 28 de Setembro, portanto no Centro Histórico, e foi quando em 1968 ele fez o vestibular sendo aprovado. Também estudava no curso livre de alemão no Instituto Cultural Brasil-Alemanha, que até hoje funciona no Corredor da Vitória, atualmente com o nome de Instituto Goethe. Enquanto estudava trabalhou na restauração do Museu do Carmo e participava das feiras de arte do Terreiro de Jesus, em Salvador. Também chegou a expor suas obras nas feiras de artes das praças da República, em São Paulo, e da General Osório, no Rio de Janeiro.

Toda esta sua trajetória contou com o apoio irrestrito do professor Vivaldo Costa Lima, já falecido, que foi o homem que liderou a restauração da área nos governos de Antônio Carlos Magalhães e nos subsequentes. Eles iniciaram e concluíram grande parte da reforma do Centro Histórico de Salvador. Com muita competência e determinação Vivaldo Costa Lima defendia que os moradores locais deveriam permanecer e para isto criou uma política de qualificação profissional. Para as crianças tinham vários programas com vistas a criar condições de uma sobrevivência digna. Trabalhei no início da recuperação do Centro Histórico juntamente com o meu amigo o saudoso Gey Espinheira que era o responsável pelos programas sociais. Nos formamos em Ciências Sociais na mesma turma da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da UFBA, que funcionava na Av. Joana Angélica onde hoje está o Ministério Público Estadual. Como eu tinha também a formação em Comunicação trabalhava na Assessoria de Imprensa. Vivaldo era etnógrafo, um homem culto e muito temperamental. Presenciei alguns embates dele por discordar de orientações vindas dos governos federal e estadual porque tudo era feito de comum acordo entre o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia -IPAC e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Chico Vieira falando de sua
trajetória artística
.
O professor Vivaldo Costa Lima procurava de todas as formas proteger os locais e quem cuidava desta parte, deste contato direto era o Gey Espinheira por ser uma pessoa calma e que compreendia inclusive a resistência de alguns moradores que eram contra a reforma. A situação local era tão caótica que lembro que o fotógrafo Magno Cardoso, ia fazer a documentação dos imóveis em ruínas e tinha que ser acompanhado de algum segurança porque senão a máquina era roubada. Poucos tinham a coragem de andar pelo Maciel de Cima e Maciel de Baixo e outras ruas do Centro Histórico. Em outra ocasião eu estava fazendo uma reportagem com um fotógrafo da revista Manchete, do Rio de Janeiro, quando apareceu um ladrão e tentou arrebatar a sua máquina fotográfica Rolleyflex. Não conseguiu e entrou num daqueles casarões em ruínas. Até hoje o Centro Histórico ainda oferece perigo para os locais e visitantes.

                                                              CHAMAMENTO

Obra de Chico da série
abstracionismo tropical  

Voltando ao Chico Vieira depois desta permanência na Europa ele contou que seus parentes daqui da Bahia ficaram preocupados porque não dava notícias. Na época sua família morava no bairro de Castro Neves, em Salvador. Foi então que um irmão seu conseguiu uma fotografia 3 x 4 dele que estava num álbum de quando servia na Marinha do Brasil e levou até o seu tio Antônio Vieira, que chamava de tio Tonho que era pai de santo em Maragogipe, no interior da Bahia. O tio amarrou a foto no pé de um pombo e fez um “trabalho” pedindo para que ele voltasse. Revelou ainda o Chico Vieira “que no ano de 1976 um dia estava numa praia em Portugal com a família quando recebi inexplicavelmente uma espécie de chamamento e decidi voltar para Salvador." Falou ainda que seu tio Tonho todos os anos no dia do  aniversário em 11 de agosto, ele fazia um ritual com matança de animais e isto ficou marcado em sua infância.

.
 Chico Vieira trouxe a mulher e os filhos, um menino e duas meninas.” Foram morar em Itaparica e lá construíram uma casa em Barra Grande onde moraram de 1983 a 1986. Nesta época pinta obras contando a História do Brasil de 1500 a 1900, concluindo em 1987 utilizando a técnica mista e de colagens e inicia o Projeto Pró-Índio. Vivia da pintura e da ajuda da família da esposa. Um dia o sogro já idoso veio a Salvador com a intenção de leva-los para Portugal porque ele precisava dividir os bens que tinha. Foi aí que Chico Vieira concordou que ele levasse o menino para lhe fazer companhia. O Chico Vieira botou o pé firme e não aceitou voltar. Tempos depois a esposa teve que retornar a Portugal com as duas filhas e estão por lá até hoje. Nesta obra ao lado vemos sua habilidade no desenho e no uso das cores.Obra feita en nanquim e aquarela sobre papel fabriano que ele denominou de Cabeça Ecológica.

                                                                                                                                                                                             LEMBRANÇAS

Foto 1. Carteira de estudante de
 Berlim. Foto 2. Do curso de
Gravura em Metal, Lisboa.
De sua permanência em Portugal  lembrou que Lisboa estava numa efervescência social, política e cultural muito grande. Foi a época da chamada Revolução dos Cravos e da independência de várias colônias portuguesas na África.  Tinha a Casa de Angola, em Lisboa e  lá conheceu vários líderes revolucionários africanos entre eles Samora Moisés Machel. Foi um líder moçambicano socialista que liderou a Guerra da Independência de Moçambique e seu primeiro presidente após a independência em 1975 e morreu em 1986. Disse o Chico Vieira que vivenciou muito do movimento na Revolução dos Cravos.  Atestam os livros de História que "Foi um levante militar e popular que ocorreu em Portugal, no dia 25 de abril de 1974, e encerrou a longa ditadura liderada por Antônio Salazar. Nos anos 1970, os portugueses enfrentavam uma grave crise econômica, o que gerou insatisfação com o governo português. Além disso, as lutas pela independência das colônias portuguesas na África fizeram com que essa insatisfação se intensificasse."

                                           EXPOSIÇÕES

Painel em homenagem a Baiana do
Acarajé, que desapareceu em 2021.
Sua primeira exposição individual foi realizada em 1973 em Berlim, entre os anos de 1977, e em  80 participa da Bienal de São Paulo e fez uma exposição individual no ICBA, em Salvador; em 1981 retorna à Europa e faz exposições em Berlim e Lisboa. Em 1986 expõe no Museu da Cidade do Salvador, que funcionava no casarão no Largo do Pelourinho, ao lado da Casa de Jorge Amado. Em 1993 saiu da ilha de Itaparica e decidiu retornar ao Pelourinho e instala o seu ateliê, e aí volta a se entrosar com o movimento artístico local; em 1997 participa da exposição coletiva Pinte o Pelô e também em 1999 de outra coletiva na cidade de Mineapolis, nos Estados Unidos chamada de Expo 500 anos; em 2000 de uma mostra na Galeria do IPAC; 2000 de uma coletiva de artistas brasileiros chamada de Encontros do Fim do Mundo, em Algarve, Portugal; de 2001 a 2003 participa de várias exposições coletivas e individual no Algarve, Portugal; 2003 fez uma individual na Casa 8, em Salvador, Arte Espontânea Brasileira; em 2007 lança o álbum de gravura em metal Abstracionismo Tropical, em Genebra, na Suíça; participa da instalação Pintou Natal no Pelô e em 2012 fez uma exposição de pinturas na Casa da Nigéria da Bahia comemorativa do quarto aniversário de inauguração .

Registros   do trabalho que fazia com
  as crianças do Pelô e chamava de 
 Antropologia Social.
O economista Dilton Machado escreveu um texto sobre a trajetória de Chico Vieira que aqui reproduzo em parte: "Todo este mosaico vivencial se traduziu naquilo que Chico Vieira denominou como abstracionismo tropical, expressão manifestada através de pinturas que saltam das telas em cores e formas que refletem predominantemente a brasilidade decorrente de nossas origens africanas e indígenas. " E continua: É gratificante sentar na Rua do Açouguinho, em frente ao seu ateliê, e observar o impacto que sua obra causa nos passantes, sejam eles baianos, turistas estrangeiros, emergentes das classes C e D, privilegiados com maior poder aquisitivo, intelectuais letrados, estudantes em formação, idosos, adultos, jovens, crianças e até os muito doidos que circulam perdidos pela área parecendo não conseguir desgrudar da sensação hipnótica e convidativa que seu trabalho produz".

 

 

 


sábado, 13 de janeiro de 2024

O PELOURINHO TEM O SEU PICASSO AFRO

Menelaw Sete com obras em seu ateliê
no Pelourinho
.
Vou falar hoje do artista Menelaw Sete. Ele é ágil, articulado,organizado,  falante,
performático e vaidoso.Sem dúvidas é o artista baiano mais conhecido fora de nossas fronteiras e que mais usa as redes sociais. Já fez exposições em vários países, foi entrevistado por jornalistas de publicações importantes daqui e do exterior, tem alguns documentários e outras publicações feitas sobre sua obra. Criou um personagem e quando pedi para fazer umas fotos ao lado de  algumas de suas obras expostas no ateliê imediatamente vestiu um casaco muito colorido. Assim fica fácil identificá-lo como o Menelaw Sete. Inconfundível. Com toda esta bagagem ele relembrou que fui o primeiro a escrever sobre o seu trabalho. “Você fez a minha primeira crítica como Jorge Ramos”, disse rindo. Isto foi em abril de 1990 quando apareceu na redação de A Tarde acompanhado do arquiteto Sérgio Fontes, meu conhecido, para falar sobre a exposição que iriam fazer na Galeria Panorama, que nesta época funcionava na Rua Nelson Galo, nº 19, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Menelaw Sete assinava como Jorge Ramos, seu nome de batismo, e pintava casario, festas tradicionais e personagens populares. Infelizmente seu colega o arquiteto e expositor o Sérgio Fontes foi uma das vítimas desta violência que vive a nossa Bahia . Ele estava num caixa eletrônico e foi reclamar da demora quando o usuário que era um policial civil partiu de lá e deu-lhe um soco no peito matando-o instantaneamente.

A nota que dei e o convite da exposição na
Panorama Galeria de Arte
.
Com seu jeito fácil de se comunicar Menelaw Sete relembra que passou algum tempo sendo um pintor impressionista e que este aprendizado deve ao pintor Almiro Borges, natural de Araci, interior da Bahia. Conheci o Almiro Borges, inclusive divulguei algumas de suas exposições. Era um homem simples e gostava de pintar casario, coisas ligadas as ferrovias, paisagens rurais e marítimas. Ele nasceu em 29 de abril de 1933 e morreu em 2014, em Salvador, quando morava no subúrbio ferroviário. 
Voltando ao Menelaw Sete indaguei o porquê deste nome já que antes assinava suas telas como Jorge Ramos? Foi aí que tive mais uma surpresa quando respondeu “fui ao bairro de Ondina onde fica a escultura Cetro da Ancestralidade, de autoria do Mestre Didi, já falecido, e foi ali que tive uma iluminação para trocar o meu nome. Daí em diante tudo mudou para melhor em minha vida!”

Menelaw Sete terminando uma tela em
seu ateliê
.
O Menelaw Sete gosta de trabalhar em grandes espaços e me disse que ultimamente está pintando em telas de 2m x 2m. Sua obra se destaca pela qualidade da composição e apresenta linhas grossas que vão se entrelaçando num vaivém que resulta em espaços que vai preenchendo de cores fortes e variadas. Tem uma excelente visão espacial dos objetos e figuras humanas e formas que compõem as suas obras, algumas abstratas com tendência ao cubismo e outras ao figurativo, todas são obras contemporâneas e de grande impacto visual.  Quando lhe perguntei se já tinha ouvido e se ficava incomodado quando lhe diziam que de longe sua arte lembra as criadas pelo genial pintor espanhol Pablo Picasso ele riu e respondeu. “Sou o Picasso afro!” Aí é que está a razão da lembrança porque tanto o genial pintor espanhol Pablo quanto o baiano Menelaw Sete beberam na mesma fonte que é a arte das máscaras e ícones africanos.

 Seu ateliê fica na Rua João de Deus, 13,no antigo Maciel de Cima, no Pelourinho, este que é o maior conjunto arquitetônico colonial da América do Sul. Localizado numa esquina de confluência de outras ruas, portanto num ponto estratégico que facilita a visão dos milhares de turistas de todo o mundo que visitam o nosso Centro Histórico. Ele pinta e expõe suas obras na calçada atraindo a atenção de quem passa também pelo diferencial de sua obra em relação a muitos de outros artistas que têm seus ateliês no Pelourinho, porque a maioria faz pintura naif que são adquiridas por turistas como lembranças de suas viagens à Bahia.

                                              PERFORMÁTICO NATO

Aqui interagindo com as peças que
 pintou  e foram colocadas no
 fundo do mar.
É um performático por natureza já tendo feito várias performances  e algumas foram  registradas em documentários a exemplo de uma feita em 2005 debaixo das águas da Baía de Todos os Santos intitulada Lágrimas de Zambi quando expôs vários objetos de cerâmica pintados representando os escravos que eram jogados ao mar na travessia do Atlântico nas viagens  da África para o Brasil. Muitos não aguentavam as condições precárias onde eram aprisionados nas caravelas e morriam e logo depois eram lançados ao mar. O Menelaw Sete vestiu uma roupa de mergulhador e transitou por entre os objetos colocados estrategicamente no fundo do mar. O Zambi é o Deus Supremo do candomblé de origem bantu,e segundo os estudiosos corresponde ao deus Olorum que é reverenciado no candomblé de origem Queto e sincronizado com o Senhor do Bonfim. No candomblé não existe um culto específico para Zambi, apenas os cultos são para seus intermediários chamados de inquices. Não confundir Zambi com o líder negro da revolta dos escravos o Zumbi.

 Já fez uma performance com paraquedistas na ilha de Itaparica em 2006 intitulada Asas da Imaginação. Pintou alguns pequenos aviões, os macacões dos paraquedistas e ele próprio vestiu um daqueles macacões e com seu rosto e mãos lambuzadas de tinta se atirou do alto e os participantes faziam acrobacias até chegar ao solo. Com aquelas acrobacias, os aviões e paraquedistas pintados se formavam no ar várias imagens coloridas. Foto ao lado.

Tem um documentário datado de 2016 de autoria do cineasta italiano Eduardo Veneziano chamado Um Baiano Pirandelliano onde o Menelaw Sete faz outra performance mostrando a sua origem e reclama das dificuldades que enfrentou para chegar aonde está.  Fala do Planeta que sofre a ação nefasta do homem. Revela que sofreu com o caos do Terceiro Mundo, e este documentário foi feito sob o patrocínio da cidade italiana Sciaca Terme. Ao lado Menelaw Sete sendo filmado.

Outro documentário de  2018 é de autoria do cineasta francês Pierre Meynadier chamado  Origem onde ele contracena com a velha ceramista Ricardina Pereira da Silva, mais conhecida por d. Cadu, tem 103 anos de idade, nasceu em 14 de abril de 1920. Ela reside na localidade de Coqueiro, no município de Maragogipe. O documentário foi feito aí nesta localidade que fica nas margens do Rio Paraguaçu e participaram alguns índios da tribo Kiriris que habitam o município de Banzaê,interior da Bahia.Ao lado o artista Menelaw Sete e a ceramista d. Cadu.

No dia 2 de Julho de 2023 acompanhado por uma parte dos músicos da Banda Swing do Pelô fez uma performance em frente ao seu ateliê no Pelourinho, em Salvador, atraindo centenas de pessoas enquanto ele pintava freneticamente uma grande tela com seus traços e cores. 


Participou de uma performance chamada de Cavalete Elétrico e depois batizada de Pós Tudo  juntamente com o cantor e compositor Carlinhos Brown e o ator Jackson Costa.Depois de algumas apresentações em Salvador foi apresentada em São Paulo com o apoio da Acrilex. Foto 1. Carlinhos Brown, o empresário italiano Ezio Dellapiazza que na sua trajetória artística o apoiou. Foto 2. Carlinhos Brown e Menelaw Sete. Foto 3. As mulheres que contracenaram com os artistas. Foto 4. Carlinhos Brown e Menelaw Sete em plena performance

Foto 1.Publicações daqui e do exterior
falando de sua arte. Foto 2.Bill Clinton
no seu ateliê
. Foto 3. Ao lado  de Oscar
 Niemeyer recebendo homenagem
,da Associação de Magistrados,
no Rio de Janeir.

O Jorge do Nascimento Ramos, este é o nome de batismo do artista Menelaw Sete  foi registrado em 01 de agosto de 1964, no subúrbio de Pirajá, em Salvador. Diz que nasceu no terreiro da Mãe Sabina. É filho de Helena Rita do Nascimento e Jovino Oliveira Ramos que narrou o seu nascimento dizendo que ela foi para o terreiro para ter a criança. Quando nasceu a parteira deu poucos dias de vida. Foi aí que a Mãe Sabina acendeu um charuto e apelou para o Caboclo e deu umas baforadas no rosto da criança. Disse ela que incrivelmente a criança acordou e sobreviveu. Porém tinha a saúde frágil e até os dois anos de idade não andava. Certo dia estava sentado no chão do terreiro da Mãe Sabina, que era um terreiro de Umbanda, quando entraram alguns cachorros brigando e assustado ele levantou e passou a andar a partir daquele dia.
“Minha vida é um pouco complicada porque nasci em Pirajá e só fui registrado poucos anos depois. Acredito que minha idade real está perto dos 64 a 65 anos de idade.  Saímos de Pirajá e fomos morar no bairro da Federação na Rua do Acaçá.” Esta Rua tem este nome porque um vendedor do tradicional Acaçá construiu várias pequenas casas com o dinheiro da venda dos acaçás que é uma comida de origem africana feita de milho branco ou vermelho e enrolado num pedaço de palha de bananeira. Conheci este vendedor de acaçá. Ele saía mercando seus acaçás num tabuleiro de madeira que carregava na cabeça e ao chegar em frente a uma casa que seus moradores costumavam comprar o seu produto gritava o número da residência. “O 28 e 26 vão querer?” Na realidade tratava-se dos números 128 e 126 da Rua do Amparo do Tororó, no bairro do Tororó, em Salvador, ele resumia para ficar mais fácil ser ouvido e assim prosseguia sua jornada. Se não estou enganado o nome dele era Lourival, não tenho certeza. Procurei pesquisar e não encontrei nenhuma referência até agora.

Bela obra que é a  representação de uma
Guernica afro
 
Menelaw Sete passou parte de sua infância no bairro da Graça enquanto sua mãe trabalhava lavando roupas na casa da família Câmara. Na época não tinha máquina de lavar. Sua mãe o matriculou numa escola kardecista no mesmo bairro  e quando terminava seu serviço o pegava e iam para casa. Ele cresceu  e andava meio solto, frequentava a Escola Politécnica e a Faculdade de Arquitetura, que ficam no bairro da Federação. Ia comprar cigarros e guloseimas que os estudantes pediam e assim ganhava uns trocados. Lembra que nos anos 60 realizavam corridas de automóvel na Avenida Centenário e que não perdia uma, onde se destacavam corredores como Lulu Geladeira, Carlos Medrado, Ivan Cravo, Roberto Bahia dentre outros. Também foram de sua época os criminosos De Mola e Zé Garatanha. Menelaw Sete e sua mãe moraram na Rua do Acaçá durante uns cinco anos e depois sua mãe comprou um terreno no subúrbio de Itacaranha. Ela já estava separada do seu pai e foi construindo uma pequena casa, a qual não conseguiu terminar. Nesta época estudou no Colégio Cleríston Andrade e no Colégio Luiz Tarquinio. Entrou para a Marinha do Brasil e seguiu para o Rio de Janeiro. Depois deu baixa e veio para Salvador e passou a ser segurança na agência Central do Banco do Brasil a qual em julho de 1990 sofreu um assalto cinematográfico. Quando lhe perguntei como reagiu com a chegada dos assaltantes fortemente armados, respondeu que “Graças a Deus estava de folga”.

Foto 1.  Livros que ilustrou as capas
 com obras de sua autoria. Foto 2.
Brinca com o neto inglês Ronei. Foto 3.
Escultura em ferro de sua autoria no 
Largo Dois de Julho,Salvador,Bahia.


Enquanto trabalhava no Banco do Brasil já pintava os seus quadros e conseguia vender para alguns aos colegas do banco e outras pessoas conhecidas. Decidiu em 1991 largar o emprego de segurança e se estabeleceu no Pelourinho num pequeno espaço dentro do Hotel Pelourinho e começou sua carreira de pintor. Continuou pintando no estilo impressionista e com outros artistas fundou um grupo teatral chamado Filosofia Vertical e levaram a peça Tubo de Ensaio. A peça foi apresentada no Teatro Raul Seixas, pertencente ao Sindicato do Bancários. Confessa que a experiência de trabalhar com o coletivo é muito difícil e resolveu deixar o teatro e cuidar de sua pintura.

Foi se desenvolvendo e deixou de pintar casarios, festas populares e outros motivos ligados às tradições baianas e passou a pintar abstratos foi quando sua arte ganhou projeção nacional e internacional. Recentemente esteve em Portugal e na Itália. Em Portugal uma obra de sua autoria ficará em exposição permanente no Museu Santo Antônio, na cidade de Lisboa, enquanto na Itália, na cidade de Sciacca Terme, que fica na Sicília pintou uma obra para a universidade local e tem uma sala especial onde suas obras ficam expostas permanentemente no museu local. Parte superior do formulárioAproveitou sua ida à Europa e visitou sua filha que mora em Londres e  para   pintar, mostrar a sua arte e conhecer outros países.

                                                          ORGANIZADO

Menelaw pintando na exposição
 em Paris,  França,  Galeria
Espaço Cinco, em 2010
.
Disse que resultado  da venda de seus quadros adquiriu o imóvel na Rua João de Deus,13, no Pelourinho, onde tem seu ateliê e um apartamento no bairro Politeama, em Salvador, onde mora com sua esposa Jaci Ramos com quem está casado já mais de trinta anos e têm três filhas e dois netos. Pela manhã vai para o Pelourinho e inicia a sua jornada. Tem uma rotina de começar a pintar pela manhã, “com inspiração ou não tenho que pintar! Só deixo de pintar se estiver com um problema que venha a me preocupar muito”. Entende que tem que produzir para quando uma pessoa interessada em sua arte entrar no seu ateliê tenha à sua disposição várias obras porque uma daquelas certamente vai lhe emocionar e ela vai comprar. “A arte é o encontro. Tem que ter as obras para que as pessoas vejam, analisem e se emocionem”.

Conheceu no Pelourinho um pintor italiano chamado de Gentili que lhe contou uma história interessante. Um marceneiro produzia várias cadeiras e não conseguia vende-las. Certo dia um amigo disse-lhe por que você continua fazendo cadeiras se não consegue vende-las? Mesmo assim o marceneiro continuava a fazer as suas cadeiras. Foi quando chegou na cidade um circo e houve um problema com as tábuas das arquibancadas do circo. Então o dono saiu desesperado procurando onde poderia adquirir cadeiras para substituir as arquibancadas. Foi assim que o marceneiro vendeu de uma só vez todas as cadeiras que tinha produzido. Daí em diante o Menelaw Sete tomou esta lição de forma literal e não parou de pintar as suas telas.

                                                                    PRECONCEITOS

Menelaw Sete ao lado de Almiro
Borges durante um documentário
 feito pela TV Bahia, em Salvador.
Ele reclama que teve que enfrentar vários preconceitos e a arte estava sempre presente em sua vida pintando em pedaços de papelão e compensados que achava. Foi aí que nos anos 70 o pintor Almiro Borges, que era um homem simples e tranquilo foi morar no subúrbio e lhe passou algumas telas, tintas e pincéis além de orientação como pintar. Mostrou livros dos grandes pintores. Tudo era novidade para ele e que na época só “persistia em existir”.

Falou que os oriundos da academia sempre “olharam com certo preconceito para sua arte por não ter frequentado a Escola de Belas Artes.” O fato é que Menelaw Sete cresceu e prosperou como artista e hoje talvez seja o artista baiano que tem mais reconhecimento nacional e internacional. Nas suas telas podemos ver e sentir a presença da cultura africana nas figuras que pinta, nas angulações que lembram as máscaras e ícones que tanto encantam os que têm oportunidade de conhecer. Podemos dizer que Menelaw Sete e o grande Picasso beberam na mesma fonte na cultura africana e que hoje com a globalização tudo é exposto e se multiplica digitalmente.

O Menelaw Sete pinta visceralmente, é um artista que vive a arte durante vinte e quatro horas. Pode não ter o refinamento comportamental e mesmo a erudição dos acadêmicos, mas tudo isto é superado por seu talento e por esta sua capacidade de transcender. Ao vermos ele pintar temos a impressão de que baixou um caboclo ou orixá de um terreiro de Umbanda ou Candomblé e o impulsiona a pintar freneticamente e a gente fica com a sensação de que ele está com uma pressa inexplicável. Tem um controle excepcional dos pinceis, das tintas e dos espaços que estão diante dele. Quando os espaços estão já preenchidos ele não para e repinta por cima e cria novos elementos.

                                                       MICROUNIVERSO

Durante a performance no
Dois de Julho, no Pelourino,
 em 2023.
O Pelourinho é um microuniverso. Se você for ao Pelourinho numa  tarde de verão e não está acostumado ficará chocado com o movimento. Parece que já estamos em pleno carnaval pelo vaivém daqueles personagens únicos, da presença de turistas de todo o mundo falando idiomas os mais diversos. De repente passa uma banda tocando, umas filhas de santo vestidas a caráter, um vendedor de frutas, uma baiana do acarajé. Com as portas do seu ateliê estrategicamente abertas e imensas telas expostas na calçada como produtos de uma feira livre o Menelaw Sete é um dos mais vistos, visitados e solicitados entre os artistas que trabalham na área. Ele já recebeu a visitas de personalidades de várias partes do mundo como Bill Clinton, Peter Fonda, Jô Soares, Gabrielle Lazure, dentre outros. Foi homenageado em 2005 no Rio de Janeiro e recebeu das mãos do arquiteto Oscar Niemeyer um diploma emitido pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro. Já recebeu também honrarias na Itália e Argentina. Fez mais de cinquenta exposições entre coletivas e individuais inclusive expôs na Suíça, Bélgica, França, Itália, Estados Unidos, Portugal, Espanha e Alemanha. Tem obras em museus e coleções particulares em várias partes do mundo. Ele continua pintando freneticamente e tem uma cabeça aberta para novas informações e na busca de novos horizontes.