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Vinícius S/A em seu ateliê nos Perdões. |
Estive
visitando o ateliê do artista visual Vinicius S/A e fiquei impressionado com os
materiais e ferramentas de trabalho que utiliza para criar suas obras
contemporâneas. Ao invés de encontrar pincéis, espátulas, cavalete, telas e
outros suportes tradicionais o que vi foram vasilhames de vidros com produtos
químicos, grandes seringas, tubos de ensaio com petróleo, milhares de bojos de
lâmpadas, arames, serras, máquinas de cortar e soldar, ou seja, um misto de
laboratório químico e oficina com ferramentas as mais diversas. Vi também a sua
grande capacidade inventiva e as soluções que vai buscando a cada dificuldade
que se apresenta para realizar a sua obra. Ele cria até ferramentas para
executar e facilitar o seu trabalho. Lembra o sexagenário Professor Pardal aquele
personagem das histórias em quadrinhos da Disney que inventa máquinas e ferramentas.
O Vinicius S/A não vive na cidade de Patópolis, e sim na Rua dos Perdões em
pleno centro histórico de Salvador, Bahia. Ele lembrou que desde criança tinha facilidade em desmontar e criava seus próprios brinquedos
utilizando restos de materiais de construção para fazer entalhes, esculturas
e mesmo objetos usados nas apresentações de peças de teatro que promovia com
seus amigos do bairro.
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Vinícius S/A criando mais uma obra. |
O artista é discursivo e fala com fluidez
sobre seu trabalho, dedicação e desenvolvimento com o fazer artístico. Revelou
ter escolhido o nome artístico de Vinicius S/A por ter um espírito empreendedor
e que isto lhe permite buscar formas de ser remunerado garantindo a
continuidade de sua produção artística. Tem conhecimentos de Química, Física e
Matemática que aprendeu quando estudou Geofísica, na Universidade Federal da
Bahia, durante um ano e meio, e posteriormente abandonou o curso para fazer
vestibular para a Escola de Belas Artes e seguir sua carreira de artista
visual. Hoje vive de sua arte procurando novas maneiras de se
expressar através de materiais que se depara ou busca. Comercializa suas obras exclusivamente através a Darzé Galeria de Arte. Agora está também envolvido
num projeto de pintura, depois de alguns anos dedicado às obras conceituais. Já fez duas experiências e diz ter encontrado o caminho para
prosseguir na sua pesquisa. Ele não está usando as tintas, pincéis ou
espátulas que normalmente os artistas utilizam, e sim produtos químicos e obtém
as cores e as composições através das reações químicas e físicas desses
produtos que ele vai espalhando nos suportes através de grandes seringas. Até o
tempo de secagem é diferenciado porque alguns produtos ao serem misturados
precisam de um tempo determinado para que a reação se complete.
SUAS OBRAS
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Eutubo da exposição Neopanóptico. |
Vemos
que o artista não larga mão da racionalidade do cálculo e assim pressupõe o que
pode acontecer daquela ideia. Esta racionalidade está também ligada
intrinsicamente à sua habilidade artesanal que exige muita paciência e disposição. O que resulta é uma obra contemporânea conceitual impregnada de
beleza e poesia. Em 2019 apresentou na Caixa Cultural em São Paulo a sua
exposição intitulada de Neopanóptico que
é um objeto onde o espectador vê e é visto de vários ângulos ao se apresentar
através dessas imagens em rede. Trata-se de um objeto que faz a multiplicação da
imagem numa reflexão sobre uso da tecnologia e materiais cotidianos pelo homem
contemporâneo. Este termo panóptico remonta ao século XVIII e pode ser visto
nos prédios arredondados que hoje estão sendo erguidos nas cidades, a exemplo
de um hospital construído recentemente aqui em Salvador. O princípio é que as
pessoas são observadas por outras ou outro sem perceberem. Dizem alguns
estudiosos que o panoptismo está vindo forte na sociedade contemporânea.
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A instalação Lágrimas de São Pedro tem 15 mil lâmpadas e pesa 2 toneladas. |
Muitos
baianos e turistas já viram a exuberante instalação Lágrimas de São Pedro
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Acalento ao Sertão Nordestino que
está na Galeria Mercado, localizada no subsolo do prédio do Mercado Modelo, na
Cidade Baixa, em Salvador, Bahia e que vem provocando reações as mais diversas
nos visitantes por seu impacto visual. Esta obra foi apresentada inicialmente
em 2005, já percorreu algumas capitais e até mesmo cidades no exterior, porém
agora foi ampliada e conta com 15 mil lâmpadas. Foi um trabalho hercúleo a sua execução
envolveu mais de sessenta pessoas durante quatro meses. Devido a proximidade
do mar e por estar no subsolo do antigo prédio da Alfandega, hoje o Mercado
Modelo, ele teve de tomar algumas medidas como substituir a água das lâmpadas
por vaselina líquida visando maior durabilidade. As obras de Vinicius S/A têm
uma característica é que são também muito artesanais basta dizer que a obra Lágrimas de São Pedro composta de 15 mil lâmpadas e cada uma passou por cerca de vinte processos até
ficar pronta. A ideia surgiu de suas experiências vividas e também de memórias
da infância no sertão, onde percebeu a importância da chuva para o nordestino.
Viu também que aqui na cidade grande as chuvas são vistas por muita gente como
incômodo pelos alagamentos , desabamentose outros transtornos que ocorrem nos períodos chuvosos
devido a ocupação desordenada.
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A Moita é um espaço privado onde a liberdade é exercida em toda a sua plenitude. |
É
de sua autoria o objeto móvel que aparece durante o verão nas festas populares e também no
Carnaval chamado de A Moita.
Feito de palhas e galhos de árvore com estrutura de arame e rodas, o que lhe dá
mobilidade. Diz Vinicius S/A que é um local onde tudo pode acontecer. Remete à expressão de “ficar na moita”, ou seja, o indivíduo fica escondido observando
ou fazendo algo sem ser percebido. Na A Moita
do Vinicius S/A você exerce a liberdade em toda sua plenitude. Trata-se de
um espaço privado em meio a multidão, e hoje que estamos vendo nossas
liberdades sendo usurpadas precisamos de muitas moitas para continuar vivendo
neste país Pindorama.
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Projeto Guindastes que fez na Alemanha. |
Ao
ser selecionado para uma residência artística durante três meses em Frankfurt,
na Alemanha, em 2020, realizou juntamente com Jovan Mattos o projeto Guindastes que previa a instalação de uns guindastes que transportariam mercadorias de um local para os
navios ancorados num porto. A ideia
surgiu porque eles estavam hospedados perto de uma área portuária onde haviam
muitos containers que eram transportados para navios cargueiros. O projeto
previa a instalação de dezenas de guindastes que funcionariam automaticamente
durante 24 horas numa clara reflexão sobre a atividade cada vez mais mecanizada
que altera a paisagem urbana e a vida das pessoas, inclusive aumentando o
desemprego no mundo.
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Aí vemos o Alçapão que colocou com o Coletivo Meio-Fio na Av. Contorno. |
Fez
uma intervenção com a participação de outros artistas chamados de Alçapão
no mural criado por Bel Borba das gaivotas voando. Ele e seus colegas
instalaram um grande alçapão inspirados nos alçapões usados no interior para pegar passarinhos.
Esta intervenção chamou muito a atenção de quem passava pela Avenida Contorno,
quase em frente ao Museu de Arte Moderna da Bahia.
Também
gosta de fazer direção de arte e juntamente com Larissa Luz fez um
clipe musical intitulado de Iemanjá é Preta |
A Iemanjá É Negra parece andar sobre as águas do mar em Caboto,Candeias-Bahia. |
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Contou que foi para o sítio que fica na Região Metropolitana de Salvador e no
dia combinado levou um grande balaio cheio de objetos relacionados ao orixá,
além de um atabaque. Saiu do sítio o dia ainda amanhecendo e rumou para a
localidade de Caboto, município de Candeias, na Bahia, e quando viu o mar
imaginou a Iemanjá Preta flutuando sobre as águas. Tinha levado um banco de
plástico e colocou no mar até ficar coberto pelas águas e a atriz subiu dando a
impressão nas filmagens que ela flutuava sobre as águas.
QUEM É
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Vinicius S/A. trabalhando no ateliê. |
O
Vinicius S/A nasceu em cinco de setembro de 1983 em Salvador. É
filho de José Ronaldo Teixeira de Almeida e de Pedrina Silva Almeida , e foi
estudar em escolas primárias do bairro do Stiep que estava em plena expansão com surgimento de condomínios para os
empregados da Petrobras além da construção de vários prédios voltados para a
classe média. Com seis anos de idade perdeu a mãe e isto prejudicou um pouco os
estudos. Estudou o primário na Escola Montaigne, já fechada. Michel Eyquem de
Montaigne, conhecido por Montaigne foi um filósofo renascentista e escritor
erudito francês. Estudou em outras escolas até que foi para o Colégio Estadual Thales de Azevedo, no bairro de Costa Azul, onde concluiu o segundo grau.
Seu
pai tinha uma bomboniere no bairro da Boca do Rio, em Salvador, Bahia, e desde
cedo Vinicius foi trabalhar fazendo serviços externos como por exemplo levando
documentos em cartórios, bancos e outras instituições. Lembra que conheceu bem
jovem o Comércio da Cidade Baixa, Avenida Sete de Setembro e o centro da cidade
do Salvador, e que muitas vezes fazia esses percursos andando. “Eu era uma
espécie de office boy da bomboniere de meu pai. Foi um
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O artista está fazendo experiências com produtos quimícos para suas novas
pinturas. |
bom aprendizado e isto
me fortaleceu para enfrentar as dificuldades da vida”.
Desde pequeno que tinha esta tendência de mexer com objetos e por
isto era chamado pelos colegas de o Rei da Gambiarra e Professor Pardal. Disse
que passava muito tempo na rua, mas que sabia escolher bons amigos e foi um
deles o hoje músico Lucas Moreira que o incentivou a fazer Artes Plásticas.
Quando estava estudando Geofísica declarou que “se sentia como mais um agente
que iria contribuir para exploração e o caos no Planeta. Como nunca fui
de estudar muito, porém sempre fui um bom aluno.”
Quando
estava estudando Geofísica um dia tomando banho decidiu que “não queria se
formar para ficar embarcado numa plataforma da Petrobras durante quinze dias.
Decidi que não era isto que buscava pra minha vida. Fiquei inicialmente com a
ideia de fazer Antropologia e meu amigo o atual músico Lucas Moreira me disse:
“Vini você é um artista, tem que fazer é Artes Plásticas”. Neste ínterim foi
visitar uma exposição no Museu de Arte da Bahia e se deparou
com a obra do artista francês Édouard Manet
(1832-1883) e ficou impressionado e impactado com a obra de uma mulher com um jarro.
Assim a arte foi mais forte e terminou fazendo
vestibular em 1998 para Licenciatura em Artes Plásticas e Desenho na Escola de
Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Foi aí que se encontrou e hoje é
um dos jovens artistas que mais vem se destacando no cenário local e nacional.
Durante sua permanência na EBA teve a orientação da professora Celeste Warner
que lhe abriu os horizontes levando para exposições e apresentando obras
contemporâneas e seus autores. Quanto à escolha de seu nome Vinicius S/A adiantou
que herdou este talento de seus antepassados de procurar empreender e que ao
escolher ser artista visual queria viver dignamente e financeiramente com o
fruto do seu trabalho autoral . Ao chegar na EBA notou que seus professores e colegas tinham muitos sobrenomes europeus e que o seu era muito comum no Brasil. Daí adotou o Vinicius S/A para se identificar artisticamente.
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Obra O Ninho #01, feita de vidro, madeira e nylon, de 2019. |
Começou
numa carreira institucional expondo em salões e bienais, além de participar de
editais. De uns anos para cá a sua produção vem sendo absorvida pelo mercado e
isto lhe deixa mais confiante que está trilhando um caminho promissor. Acha que
“é uma consequência do seu discurso visual, por imprimir uma identidade em tudo
que faz. Assim os colecionadores começaram a se interessar e passou a vender
as suas obras. Ele disse que "existem muitas camadas que as artes visuais tem para oferecer
através de possibilidades para que o mercado absorva a sua produção e
não somente através de galerias. É um ofício de muitas possibilidades. Venho
desde 2005 participando dos salões que eram dirigidos por Francisco Liberato
onde procurava me inscrever e me destacar como artista."
Lamentou que a Bienal do Recôncavo tenha
acabado e que alguns salões, inclusive os regionais passaram por um período sem
serem realizados, e parece que agora estão voltando. Lembrou que a primeira vez
que foi participar de um salão ficou muito envolvido. Nesta época estava
ensinando Educação Artística numa escola e “fiquei indeciso, mas terminei
decidindo largar o magistério para fazer a minha arte. Comecei a aprender a
fazer projetos com Celeste Warner que foi mostrando produções de arte do mundo
inteiro e passei a produzir.”
Disse
ser muito inquieto e que seus pais se conheceram no Centro Industrial de
Salvador, localizado,no municipio de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. Eles vieram do
interior para cá em busca de emprego na indústria e que sua família é muito
envolvida em marcenaria, metalurgia e elétrica e que isto foi sempre presente
em sua vida.
“Não
sou um artista de fases, de trabalhar em tal tema. Aí está mais uma diferença
do meu fazer artístico e a maioria dos artistas originários da academia. Sou
livre e com as percepções de mundo e através da minha relação com os materiais, as ideias vão fluindo. Também sou ou fui um pouco agricultor e penso a partir
da natureza, porém é um tema presente no meu trabalho, mas não me norteia." Vinicius
S /A quer falar sobre o que lhe inquieta com sua experiência estética. Destacou também seu fazer artístico "não é um trabalho panfletário que busque fazer ativismo como estamos
acostumados a ver."
EXPOSIÇÕES E PRÊMIOS
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O Objeto Óptico #02 premiado no XV Salão de Artes Plásticas da Bahia , em 2008. |
A exposição
Lágrimas de São Pedro foi montada
em várias cidades brasileiras e também fora do país, em Frankfurt, na Alemanha e
Las Vegas, nos Estados Unidos. Atualmente virou uma exposição permanente na
Galeria do Mercado, em Salvador, Bahia com grande sucesso de público e crítica.
Outras obras de sua autoria foram premiadas em salões e bienais, a exemplo do Objeto Óptico #02
que foi vencedor do Prêmio Residência Artística Internacional no XV Salão de
Artes da Bahia. A instalação Sorria Você está Sendo Filmado,
premiada no Salão Regional de Artes Visuais da Bahia. A obra O Pulso da Bienal
recebeu Menção Honrosa Especial, na VIII Bienal do Recôncavo. Já participou de
duas residências na Europa na Holanda e Alemanha.
Integra
importantes publicações como o livro Escultura
Contemporânea no Brasil, de autoria de Marcelo Campos,
além de 50 Anos de Arte na Bahia e
Água, Reflexos na Arte da Bahia
ambos de autoria de Matilde Mattos e do livro 30 Contemporâneos
Brasileiros, de Enock Sacramento.
Já
participou de inúmeras exposições coletivas entre elas Ready Made in Brasil,
Utopias e Distopias, e do Projeto Rua -Roteiro Urbano da Arte. Recentemente fez
em 2022 a curadoria da Exposição de Fotografia do NEOJIBA em comemoração aos 15
anos de sua existência. Este
programa já encantou plateias nas oito turnês internacionais que fez em vários países
com concertos primorosos. Mais de doze mil crianças e adolescentes tiveram suas
vidas transformadas por meio do ensino e da prática musical coletiva.