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terça-feira, 30 de junho de 2020

DERALDO LIMA UMA MISTURA DE ARTISTA E MECENAS

A figura icônica de Deraldo Lima com sua barba e  
cabelos brancos longos e trajes multicoloridos
.
 O sertanejo  batizado com o nome de  Deraldino Batista Lima , mais conhecido como Deraldo Lima,  nasceu na cidade de Inhambupe, que dista 153 Km de Salvador, e tem uma população hoje estimada em 40 mil habitantes. Seus pais tinham  poucos recursos e muitos filhos.  Era o décimo primeiro , sendo que depois dele nasceram mais quatro, perfazendo um total de 15 irmãos .
Ainda criança sofreu um acidente com o incêndio de uma rede , então seus avós vieram buscá-lo e o levaram para a fazenda Serra do Aporá. Ainda jovem  veio para Salvador. Aqui Deraldo Lima fez amizade com um  estudante de  Medicina que o aconselhou a abrir uma galeria de arte, onde pudesse reunir  amigos e expor seus trabalhos de  arte. Foi assim que em 1963  fundou  a Galeria dos Novos ,  na Rua Alfredo Brito 33, hoje conhecida como a Porta do Carmo. Ai se apresentaram gratuitamente no início de suas carreiras Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ederaldo Gentil, Edil Pacheco e muitos outros. Depois abriu o Arts Bar na mesma Rua Alfredo Brito nº 8, sendo que na frente montou sua  galeria arte e nos fundos um restaurante.  Bar este  que continuou  a ser muito frequentado por estudantes, intelectuais como Jeová de Carvalho , e os artistas  Carlos Bastos, Sante Scaldaferri, dentre muitos outros. Era uma espécie de bar cult onde poetas populares, atores sem muita expressão frequentam , recitavam os seus versos e faziam suas apresentações, e muitos deles eram gays. Também sua galeria e bar funcionaram na rua Rui Barbosa . Nesta época já era conhecido até na Rússia, Estados Unidos, em vários países da Europa e América do Sul.
A Galeria 13, na Rua do Gravatá 37, era
o local  
de encontro com a arte .
     DIFICULDADES 
Devido a frequência acentuada de homosexuais sempre era alvo de batidas policiais através da então Delegacia de Jogos e Costumes,que funcionava na Rua da Misericórdia . Sob o pretexto que era necessário de uma licença especial os policiais apareciam depois de denúncias anônimas. O famoso policial Manoel Quadros ,que aterrorizou Salvador nos anos 70, esteve algumas vezes por lá acompanhado de outros policiais.
Por não ter fins lucrativos enfrentou dificuldades, passando algumas temporadas fechado ou tendo que mudar para outros endereços
.O chamado Centro Histórico era uma área degradada habitada por uma população carente, e em várias ruas os velhos prédios  eram ocupados por prostíbulos.
Já com o nome de Galeria 13, Deraldo Lima se transferiu para a Rua Ignácio Accioly , 23, ,  hoje  funciona  uma pousada. Finalmente,  se estabeleceu no prédio onde também morou com uma tia por vários  anos na Rua do Gravatá , 37.  
 Com sua espessa barba branca, cabelos longos e camisas multicoloridas Deraldo Lima se tornou uma figura icônica do Centro Histórico e nos meios artísticos, especialmente entre os artistas que não tinham acesso às grandes galerias e circuitos de arte sofisticados. Na época que fundou sua Galeria dos Novos, em 1963, existiam duas galerias na Cidade a Querino e a Bazarte que expunham geralmente artistas consagrados . Ele era um porto seguro para os jovens e artistas sem recursos para  que pudessem se expressar e expor sua arte. Um animador cultural que tinha uma capacidade enorme de ouvir e de ajudar os artistas que o procuravam.
Deraldo não tinha religião inclusive certa vez disse que religião tem duas coisas : engana o povo e quem as dirige vive bem às custas dos outros. Assumiu sua homossexualidade já com idade avançada, e disse que ficou bem mais feliz .
Tinha comprado uma casa no subúrbio em São Tomé de Paripe , onde cultivava uma pequena horta. Estava feliz porque a zona rural sempre lhe atraía. Ao subir numa escada para consertar o telhado de Eternit caiu ,  e só foi encontrado morto 24 horas horas depois. Deraldo faleceu com mais de 80 anos de idade em 4 de abril de 2014 , e foi sepultado no Campo Santo.

                                                          REGISTROS

Aqui Deraldo em sua casa no subúrbio
de  Salvador de São Tomé de Paripe.
Publiquei em minha coluna  no jornal A Tarde algumas notas sobre a Galeria 13  que então ficava na Rua Ignácio Accioly , 23. Aqui mostro dois registros. Fiz outras publicações sobre as atividades da galeria  na coluna que  sempre foi aberta a todos os artistas que me procuravam ou quando recebia seus catálogos de exposição. Atualmente está na internet e continua aberta a todos que desejarem anunciar suas exposições ou novos trabalho no endereço:  reynivaldobritoartesvisuais.blogspot.com

1-SUIÇO NA GALERIA 13
"Palco de inúmeros encontros entre artistas de vanguarda e, especialmente, abrigo para aqueles que não conseguem presença constante na mídia, a Galeria 13, na época, dirigida por Deraldo Lima, localizada na Rua Ignácio Accioly ,23, esteve fechada por algum tempo, com a mudança do proprietário para o subúrbio. Agora, ela está sendo reaberta, com a mostra do suíço Jan Wrambeck e uma novidade - um pequeno bar e restaurante. Às terças e aos sábados, serão oferecidas comidas típicas e européias, portanto, é mais um local para encontros informais entre artistas e boêmios. Lá, pode-se falar inglês, dinamarquês, sueco, alemão, italiano e português, pois o pessoal dialoga em todos esses idiomas. Então, o papo sobre arte tem novamente a Galeria 13 como referência. Quanto ao trabalho do sueco Wrambeck, é de vanguarda, pode ser exibido em qualquer grande galeria de uma metrópole. Ele utiliza óleo sobre tela, acrílica e colagens." Publiquei em 26 de junho de 2001.

2-ENTALHES DE COSME NASCIMENTO
"A Galeria 13 apresenta a primeira exposição individual de entalhe do artista baiano Cosme Nascimento.
São 20 trabalhos que pertencem a diversas fases artísticas, desde o ano de 1975. Cosme afirma não possuir uma consciência plena de suas verdadeiras influências, embora me digam que elas estejam enraizadas na arte negra.
Além de entalhador ele é também pintor, já tendo um acervo de quase 80 quadros a óleo, guardados no atelier que funciona em sua própria residência. Os trabalhos que compõem a exposição da Galeria 13 foram executados com apenas dois instrumentos: formão e guiva." Publiquei em 26 de julho de 2013.
3-No Facebook tem uma página com estes dizeres "A Galeria XIII é uma página virtual."
"Não mais funciona fisicamente. Seus membros que ainda resistem tentando trazer de volta seu espaço físico, se encontram todo último sábado de cada mês em Stella Maris. Através do Coletivo G13 Art & Poesia que é nosso grupo de atores, poetas e artistas plásticos, escritores, músicos, bailarinos e dançarinos entre muitas outras artes.Tentamos resgatar o antigo espaço físico que ora se encontra fechado. Não perdemos o foco que nosso querido amigo Deraldo Lima tinha em mente: resgatar o espaço para proclamar todas as artes da cidade do Salvador para o mundo. Essa ainda é a meta."

quinta-feira, 25 de junho de 2020

IVO VELLAME E SEU ENTUSIASMO PELOS NOVOS TALENTOS

Ivo Vellame, (primeiro à direita)
À  esquerda vemos  Reynivaldo Brito,o Reitor da Ufba,
  professor Luis Fernando Macedo Costa. Não consegui
identificar os demais que aparecem na foto.
Conheci Ivo Vellame no Colégio Salesiano  , localizado no bairro de Nazaré, em Salvador, Bahia ,  nos idos dos anos 50 quando era um dos internos da chamada divisão dos Menores. Existiam três divisões a dos Menores, Médios e Maiores. Esta separação era feita pelos padres salesianos com o objetivo de evitar conflitos , hoje conhecidos por buillyngs ,que acontecem durante o relacionamento entre  crianças e adolescentes. 
Ivo Vellame, aos 30 anos.
O professor Ivo Vellame ensinava no curso ginasial as disciplinas História e Geografia. Sempre entusiasmado por tudo que fazia, lembro do seu  esforço em transmitir conhecimentos a mim e meus colegas, a maioria de origem do interior do Estado. Não éramos muito estudiosos e disciplinados, embora o Salesiano primasse por uma disciplina rígida , fora dos padrões de hoje.
Depois fui encontrá-lo como professor de História da Arte, da Escola de Belas Artes, da UFBA, onde chegou a ser seu Diretor, além de Pró-reitor de Graduação da Universidade Federal da Bahia. Nesta ocasião trabalhava no jornal A Tarde e o professor Ivo com seu entusiasmo natural , sempre trazia um aluno ou um novo talento que  entendia  merecer incentivo. 
Certa vez me levou durante uma tarde ensolarada  para conhecer um jovem que trabalhava com spray  e aerógrafo na garagem de sua casa, no bairro do Canela. Confesso que naquele instante não saí muito entusiasmado pelo que vi. Porém, o entusiasmo de meu ex-professor, e então  amigo Ivo era tanto, que resolvi ficar calado. Tomei as anotações necessárias e fiz um pequeno texto para a minha coluna de Artes Visuais. O Professor Ivo estava certo. Atualmente este jovem, que tateava os seus primeiros passos, foi estudar na Escola de Belas Artes, e é um dos mais talentosos artistas da sua geração.
Participei como jurado de vários Salões Universitários que  promovia, bem como  de outros eventos que ocorreram nos anos 70 e 80. Sempre estávamos conversando através do telefone  ou em  encontros casuais. Mesmo àqueles que tiveram pouco contato pessoal com Ivo Vellame puderam ver sua atuação em seus escritos nos catálogos de exposições e mesmo nas reportagens de jornais e revistas.
Ivo Vellame era  um desses personagens envolvidos com a Arte feita na Bahia , a qual  não cansava de procurar maneiras de incentivar. Sabemos que este segmento cultural transita num ambiente de  divergência e concorrência , onde grupos se estabelecem naturalmente  por afinidades filosóficas, ideológicas e conceituais. Muitas vezes esses grupos são antagônicos e se repelem. O professor Ivo com seu jeito singular conseguia transitar entre esses grupos sempre procurando uma participação mais abrangente e democrática . Nasceu em 2 de janeiro de 1930 e faleceu aos 65 anos de idade, em 16 de agosto de 1995.

DEPOIMENTOS - 
Malba ,  viúva de Ivo Vellame
Malba Vellame - " É fácil falar sobre Ivo Vellame, professor, Diretor da Escola de Belas Artes, Pró-Reitor e Crítico de Arte reconhecido nacionalmente. Um estudioso e dedicado às Artes Plásticas. Suas aulas eram apaixonantes porque ele prendia a atenção pela maneira de dissertar a matéria e por sua empolgação, que contaminava os ouvintes. Eu mesma fui sua aluna na Belas Artes, depois de casada,  e posso atestar o que digo.
Contribuiu de modo intenso na formação dos artistas das gerações das décadas de 70 e 80 como Zivé, Murilo, Guache Marques, Bel Borba e tantos outros. Foi um excelente pai e um ótimo avô. Era alegre e gostava de dançar o que fazíamos na Boite Kirsch, no Ondina Apart Hotel, e de frequentar o  Bar Canoa, no então Hotel Meridian. Nasceu no dia 2 de janeiro de 1930 e faleceu em 16 de agosto de 1995 aos 65 anos de idade, e tinha  muita vida para viver".

Professor Juarez Paraíso

Juarez Paraíso - "Ivo Vellame era professor no Ginásio Baiano de Ensino, dirigido pelo notável educador Hugo Balthazar da Silveira. Ivo ensinava História e eu Trabalhos Manuais e Desenho, no curso noturno. Dos nossos constantes encontros e conversas, nasceu uma sólida amizade. Ivo Vellame era também funcionário do Centro de Estudos Afro-Orientais criado em 1959, por Agostinho da Silva, no reitorado de Edgard Santos. Disse-me que, por motivos pessoais, estava se desligando do CEAO, ocasião na qual o convidei para ensinar na Escola de Belas Artes. Como seria apenas uma transferência, e pela confiança nas minhas escolhas, o Diretor da escola, o professor e pintor Mendonça Filho, atendeu ao meu pedido. Eram tempos dos anos de 1960, quando a Escola estava abandonando as antigas metodologias do realismo-acadêmico e adotando novas teorias e práticas criativas. A cadeira de História da Arte era ensinada pelo notável professor Conceição Menezes, e, como não havia disponibilidade imediata, Ivo ficou como meu assistente da Cadeira de Modelo Vivo. Ficou encarregado de organizar uma pequena biblioteca com livros referentes a presença do modelo vivo no desenho e na pintura. Mas foi um mero pretexto para a sua presença na Escola, que se concretizou definitiva, até o seu falecimento.  Neste interregno, sua presença tornou-se importante, imprescindível, não só para a Escola, como Diretor (1976-1980) e professor de História da Arte, mas também para o cenário artístico baiano, como Crítico de Arte. Ocupou uma importante função no Departamento Cultural da UFBA, foi responsável pelo Salão Nordestino de Artes Plásticas, Salões Universitários de Artes Plásticas e Visuais, 1° Feira de Arte Experimental, e muitos outros importantes acontecimentos. Fui brindado com uma crítica sua sobre os meus trabalhos de Arte."


Fernando Freitas Pinto-" Ivo Vellame foi um importante professor, historiador da Arte Contemporânea,  da Escola de Belas Artes, Critico de Arte e Pró- Reitor de Graduação da Universidade Federal da Bahia.
Tive o privilégio da sua amizade e de vivenciar   a sua cátedra .Escrevia com inteligência e fluência nas avaliações e valorizações das Artes Plásticas e Visuais, nos contextos da estética, técnica, historicidade, ideia criativa e beleza. Temas esses que também geravam boas discussões que deixaram saudade!!
Tenho dois belos escritos de sua autoria que fazem parte da minha memória artística e guardo também boas recordações e lembranças de sua amizade.
Ivo, faleceu em 1995, aos 65 anos , deixando um legado de sabedoria, intelecto e amor à família, a Arte e a Cultura." 
Na foto vemos da direita para esquerda Ivo, sua esposa Malba, Graça Bittencourt e Fernando Freitas Pinto.

Bel Borba - "Nosso saudoso Ivo Vellame foi meu professor de História, no colégio Antônio Vieira,
O artista Bell Borba
quando eu tinha 12 anos de idade. Só nos reencontramos quando  me visitou no atelier do Canela, seis anos depois, e na ocasião me fez o convite para uma exposição individual na Galeria Cañizares , da Escola de Belas Artes da UFBA. Exposição essa que seria o meu primeiro vernissage em 1975.
Por diversas vezes o professor Ivo  fez a defesa de artistas baianos no início de suas carreiras estimulando, promovendo e premiando jovens talentos aqui, e em diversos outros estados do Brasil.
Durante muitos anos Ivo Vellame  acompanhou minha produção com seu olhar experiente, análise e crítica construtiva. Foi muito importante para me situar no início da minha carreira,  principalmente graças a ele  voltei minha atenção para fora da Bahia, e comecei a participar os salões nacionais, em diversos estados do Brasil, e até fora do país , conquistando destaque e prêmios ."
O artista Zivé Giudice 

Zivé Giudice - "Um diretor e professor comprometido conceitualmente com a Escola de Belas Artes e um democrata. Quando cheguei à Escola , na década de 70, dois professores, de pronto, mantive um permanente diálogo; Juarez Paraíso e Ivo Vellame. Os dois representavam de modo efetivo, uma ideia de contemporaneidade da instituição, na construção de um currículo que incorporasse o pensamento e os conceitos contemporâneos das  artes plásticas. Ivo era um incansável na articulação com outros centros acadêmicos e com a própria UFBA, representada pela  Coordenação de Extensão, para a consolidação dos Salões Universitários. Logrou êxito nos seus pleitos. Salvador sediou importantes salões durante sua gestão. Na segunda metade dos anos 70, tivemos a ideia de criarmos um atelier coletivo num dos galpões, o Nº 9, depois do expediente das aulas. Fui conversar com Ivo Vellame para que autorizasse o acesso à Escola. Estávamos em pleno governo militar, e como se sabe, estudantes reunidos fora do período de aula, era terminantemente proibido. Ivo, com seu espírito democrata, fazendo advertência para não nos excedermos, liberou. Nesse galpão se originou, por afinidades conceituais, e por afeto, o que se conhece como Geração 70. Ivo Vellame, deu um fundamental contribuição à EBA, administrativa e conceitualmente falando."


Caetano Dias - " Cursei Letras na UCSAL e não Artes Plásticas na EBA, uma pena porque  perdi a oportunidade de ter ampliado as minhas possibilidades de percepção e compreensão do universo da arte com pessoa tão positiva, cordial e de grande sensibilidade, especialmente no campo das artes visuais.  Mesmo nos poucos  momentos de convivência com ele na EBA, ousaria dizer que  foi uma bússola na minha vida artística, por tanta franqueza, empatia e saber. 
Esses instantes foram de  fundamentais ensinamentos, e também na leitura de seus escritos que balizaram o meu percurso artístico, poderia afirmar que cursei a Escola de Belas Artes em brevíssimos pontos de generosidade com o grande mestre." A foto ao lado o autorretrato do artista




quarta-feira, 10 de junho de 2020

IVO NETO PRESERVA NOSSO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Ivo Neto copiando um azulejo português.
O    Ivo Neto é um dos últimos pintores voltados a retratar as belezas do rico patrimônio histórico e religioso que a nossa Bahia ainda  tem. Como um monge passa horas e horas  enclausurado no silêncio dos mosteiros , conventos e nas  igrejas copiando pacientemente seus ricos azulejos, a grandiosidade de sua arquitetura e as lindas imagens . Sem a preocupação de realizar uma documentação sistêmica ele dá uma inestimável contribuição para que no futuro as gerações que virão possam lembrar deste seu trabalho preservacionista. 
 É bom ressaltar que é um dos bons restauradores que existe em nossa na Bahia , inclusive já foi realizar trabalhos de restauração em outras cidades e até fora de nosso Estado . Disse o artista que "em Salvador participei dos restauros do plenário da Câmara Municipal, do Palácio Rio Branco, Catedral Basílica, igreja de São Raimundo, altares da igreja de São Francisco e Assis .Trabalhei ainda em Cairu, Santo Amaro, Cachoeira, Feira de Santana, e também nas cidades de Maceió e Penedo, no estado de Alagoas."
Ao falar de Ivo Neto sempre me vem à memória ele sentado num banco ou numa cadeira diante de  seu cavalete . Na mão  um lápis para  rabiscar  as curvas dos floreios , figuras e o casario que compõem cada um daqueles azulejos portugueses que enfeitam as grossas paredes dos prédios históricos e religiosos da velha Bahia. 
O artista faz retratos de religiosos
Também aproveita para fazer retratos de importantes personalidades e religiosos que dirigem estas congregações . Realiza seus trabalhos em óleo sobre tela, acrílica , nanquim e pastel seco , além do seu trabalho de restauro. 
Em resumo este é o foco principal da produção deste artista nascido em Salvador, que há trinta e cinco anos  vem calmamente transferindo para suas telas e papéis o rico acervo histórico e religioso da nossa terra. Antes do confinamento Ivo Neto me informou que estava fazendo uma releitura em acrílica sobre tela e aquarelas dos azulejos portugueses no claustro de Convento São Francisco de Assis, que fica no Terreiro de Jesus, em Salvador.

                                                                
                                    SUA  HISTÓRIA

Lembra que deu seus primeiros passos no universo da arte através de seu pai o pintor Ivan Lopes nos idos de 1975.  Completou  35 anos como profissional , e seu atelier fica em sua residência no bairro de Cosme de Farias.
É graduado em Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, e sempre faz questão de ressaltar a importância dos professores Ailton Lima  ( Desenho de Observação) e Ivo Vellame (História da Arte) , ambos falecidos,  os quais tive o prazer de conhecer .
Tela da sede do Museu Eugênio
Teixeira Leal 
Ele diz que os museus de Arte Sacra da Bahia, Eugênio Teixeira Leal e da Santa Casa de Misericórdia estão bem estruturados. Lamenta o fechamento do Museu da Cidade do Salvador, onde tem uma obra de sua autoria no acervo. Tem ainda obras nos acervos do  Convento de São Francisco de Assis e no Museu Eugênio Teixeira Leal.
Falando sobre o mercado de arte baiano disse que neste momento encontra-se muito fraco, e que sua arte é mais valorizada por visitantes de outros estados e até do exterior. 
Defende que é preciso maior segurança  e que a Prefeitura precisa liberar os artistas para pintar e comercializar suas obras de arte   na área do Centro Histórico. Também entende que as secretarias de Cultura do Estado e da Prefeitura poderiam investir na capacitação dos profissionais da área do restauro para que a manutenção dos monumentos históricos e religiosos seja feita diariamente. Assim, evitaria muitos danos, alguns até irrecuperáveis, devido a demora das  ações de restauração.



sexta-feira, 5 de junho de 2020

JACY BRITTO UMA INCENTIVADORA DA ARTE

Jacy Britto a grande incentivadora
 da arte baiana.
Hoje vou falar aqui de uma figura emblemática da arte baiana que foi a galerista Jacy Britto, que com sua Galeria O Cavalete , fundada em 1971, localizada no bairro do Rio Vermelho e depois em Ondina. Durante anos a fio promoveu e ajudou jovens artistas a se firmarem no mercado de arte. Lembro de sua figura pequena e forte com um cigarro eternamente entre os dedos procurando dar atenção a todos que chegavam para participar da abertura de uma nova exposição. Ela promovia anualmente uma Feira de Arte e expunha os quadros e esculturas no jardim defronte a sua galeria reunindo obras de artistas que expuseram na mesma durante aquele ano e também outros que democraticamente queriam se inscrever. A primeira Feira de Arte foi realizada em 1976.
Jacy não era uma simples galerista que comercializava obras de arte, e sim uma pessoa antenada que orientava os artistas, ajudava a selecionar as obras a serem expostas e mostrava caminhos a seguir. Enfim, fazia também o importante papel de educadora, inclusive dirimindo possíveis atritos entre os artistas seus amigos. 
Convite da II Feira de Arte
em dezembro de 1977.
Lembro de algumas exposições promovidas por Jacy Britto  entre elas a  do  italiano Antonello L'abbate em 1974; do artista e poeta pernambucano Augusto Rodrigues em 1975; Adelson do Prado e J. Cunha   em 1975;do  feirense  Carlo Barbosa em 1976; Carl Brussel , Leonel Brayner e dos escultores Tati Moreno e Margareth Moura todos em 1977; Gilberto Salvador em 1978; Carlos Bastos em 1979;em 1983 ela promoveu uma exposição coletiva chamada Papel reunindo vários artistas entre eles o Almandrade ;Claudio Tozzi em 1984, além de uma coletiva reunindo  12 artistas para comemorar os 13 anos de fundação da galeria chamada "Rio-Bahia nas Águas das Artes", entre eles Justino Marinho , Zivé Giudice, Bel Borba , Anísio Dantas , Chico Diabo e  Jadir Freire ; Asênsio em 1985; Lígia Milton em 1986;Aprígio em 1987; Mário Cravo e Caetano Dias em 1989, dentre muitas outras.
Enfrentou com determinação durante anos as dificuldades impostas pelo incipiente mercado de arte baiano , com seus altos e baixos. Sempre com um sorriso nos lábios a querida Jacy acolhia a todos com o seu carinho quase maternal. Vi muitos artistas que hoje seguem suas carreiras vitoriosas sendo acolhidos por Jacy, que muitas vezes comprava seus quadros a fim de garantir-lhes a sobrevivência, mesmo estando o mercado em momentos de recessão. 
 Sérgio Velloso, Chico Diabo  Jacy Britto , 
Liane Katsuki e Justino Marinho. 
É importante lembrar o contexto quando  nosso país passou  durante os anos que se seguiram à chamada abertura democrática a conviver  com vários planos econômicos e  inflação galopante. Muitos destes planos foram catastróficos para a economia do país , e assim piorava o mercado de arte.
As pessoas ficavam preocupadas com a própria sobrevivência , e como a arte não é um produto de primeira necessidade, deixavam logo de adquirir obras de arte. Assim muitas galerias fecharam suas portas, e a Jacy Britto continuava firme no seu propósito de lançar novos artistas e de comercializar arte.
Jacy Britto faleceu no ano passado no dia 8 de maio. Não fui ao seu sepultamento porque estava ausente de Salvador , e lamento não estar presente para prestar-lhe a última homenagem, o que agora faço aqui para que fique registrado o nome desta figura ímpar, que tanto fez pela arte da Bahia.

DEPOIMENTOS :

O mestre Juarez Paraíso
Juarez Paraíso - " O universo das galerias de arte ultrapassa os limites de sua função comercial e alcança a esfera da educação artística. O surgimento da arte moderna na Bahia, nos anos 40,contou apenas com alguns espaços expositivos e uma única galeria de arte , a Galeria Oxumaré, que funcionava no mesmo prédio do então Hotel Plaza , na Vitória. Nos anos sessenta , surgiram duas importantes galerias a Quirino e a Convivium. Mas, nos anos setenta , um dos destaques coube à Galeria O Cavalete, de Jacy Britto   , Dona Jacy, como era melhor chamada. Estimada por todos os artistas, a sua educação e gentileza, a distinguia como uma verdadeira dama das artes plásticas. Dedicada principalmente aos artistas baianos , foram centenas de exposições de artistas já consagrados , mas principalmente de artistas jovens, emergentes ou não. As exposições eram sempre bem preparadas e bastante concorridas , devido a dedicação e o profissionalismo de Dona Jacy. E lá estiveram de Mário Cravo Jr.  à maioria dos artistas da década de 70."

Leonel Brayner 
Leonel Brayner - "Minha primeira exposição em Salvador foi em 1977 na Galeria O Cavalete de Jacy Brito. Ela  não era apenas uma galerista e marchand, mas sobretudo uma apaixonada pelas artes e pelos artistas. Além de prestigiar seus trabalhos criava uma amizade quase maternal com todos eles. Certamente eu não seria o pintor que hoje sou se não tivesse tido o apoio e amizade de Jacy em meus primeiros dias nesta abençoada terra de Nosso Senhor do Bonfim. Jamais a esquecerei."
Leonel Mattos
Leonel Mattos - "Uma grande marchand, incentivadora e gostava de reunir os artistas todas as tardes na sua galeria. Realizei três exposições individuais na Galeria O Cavalete  e numa delas Jacy adquiriu todos os quadros, com o objetivo de ajudar a seguir o meu caminho. Entendo que a Bahia deve uma justa homenagem dando um nome de uma rua a Jacy Britto ou de um espaço cultural. Os baianos precisam valorizar mais seus verdadeiros valores ",
Zivé Giudice 

Zivé Giudice - "A atividade de galerista e marchand, quando exercida com a nobreza, generosidade, acuidade conceitual e senso crítico como o fazia Jacy Britto, proprietária da Galeria O Cavalete, contribui não só para a ativação do mercado de arte, mas, sobretudo, participa do processo civilizatório, quando divulga e oferece ao público, a produção de seus artistas. Jacy sem perder o senso crítico , foi uma espécie de mãezona dessa geração. Generosa, apaziguadora, mediava sempre os conflitos de ordem estético e conceitual. A Galeria  O Cavalete , durante as décadas de 70 e 80 protagonizou as mais conceituadas exposições de arte contemporânea, de artistas baianos e brasileiros. Figura extraordinária."
O artista Almandrade
Almandrade - "Comecei a frequentar a Galeria O Cavalete em meados da década de 1970, a galerista Jacy Britto sempre foi receptiva com os artistas emergentes e cedeu seu espaço para as nossas primeiras exposições no mercado de arte. Muitos dos artistas surgidos nos anos 70 participaram de exposições na Galeria O Cavalete, eu mesmo participei de algumas coletivas entre o final de 1970 e a década de 80. Jacy Britto com sua generosidade manteve a galeria à disposição de nossos projetos e deu uma contribuição e incentivo na renovação do cenário de Artes Plásticas na Cidade do Salvador."


Sérgio Velloso
Sérgio Velloso - "Jacy Britto, a querida amiga e proprietária da galeria O Cavalete reduto artístico e cultural da cidade nos anos 70 /80 foi uma mulher à frente de seu tempo. De personalidade forte, sensibilidade aguçada, livre de preconceitos, de grande conhecimento artístico e conduta singular na direção de sua famosa casa de arte, como marchand competente e exigente na qualidade dos trabalhos que ali seriam expostos. Não distinguia na maneira de acolher e no trato, os grandes expoentes das artes plásticas , ou os novos talentos que ela sabiamente identificava e lançava no mercado com o seu incentivo e respaldo . Impossível separar a profissional competente  do ser humano especial que habitava naquela figura tão elegante e tão simples na sua maneira educada e delicada de tratar a todos, sem distinção. Os almoços  que ela promovia aos sábados em sua residência , reunindo os amigos para celebrar a vida com arte e alegria , foram momentos marcantes na vida de todos que tiveram a oportunidade de desfrutar daquelas reuniões inesquecíveis sempre homenageando um artista da cidade ou personalidades de fora, de passagem por Salvador. O mundo mudou. O mercado de arte tomou novos rumos e formas, assim muitos não entenderão o sentimento e sensação de que nada será como antes, para quem teve a honra e o privilégio de conviver e trabalhar com figura única e brilhante como
 Jacy. !" 
Justino Marinho
Justino Marinho - "Conheci Jacy Britto na segunda metade dos anos 1970. Era uma pessoa maravilhosa  um ser humano sensacional. Mãe de 6 filhos, e também uma espécie de mãe de dezenas de artistas. Uma pessoa muito importante na minha vida. Foi um marco nas artes da Bahia. Promoveu muitos jovens e realizou grandes exposições. A Galeria O Cavalete funcionou no Rio Vermelho e depois em Ondina. Fiz uma exposição na galeria em 1985.Foi através de Jacy que conheci vários artistas. O então desconhecido pintor Aurelino era assíduo frequentador da galeria,  e foi Jacy uma das pessoas que comprou  seus primeiros trabalhos e iniciou a sua divulgação. Uma curiosidade: Acreditem ou não,  a Janis Joplin e o roqueiro Sergei almoçaram com a turma na casa de Jacy, num dia de sábado. Muitas outras figuras importantes  também almoçaram conosco". 
reynivaldobritoartesvisuais.blogspot.com