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segunda-feira, 21 de junho de 2021

MEMÓRIA DE UDO KNOFF VAI SENDO APAGADA

Vemos o mural de autoria de Udo Knoff e o
teto destruído da casa onde morou e trabalhou
.
 
 Para todos que acompanham as artes   plásticas em   nossa Bahia  vemos com   tristeza o que  aconteceu   com a casa e   as oficinas do grande ceramista Horst   Udo Erich Knoff que nasceu em 1912   na Alemanha   e faleceu em 1994 em   Salvador. Viveu 56 anos em   nossa   Cidade, tendo chegado no ano de 1938.   Tudo   foi destruído, e hoje só resta um   mural que fica em     frente a casa em   ruínas. Este mural poderia ser   removido e integrado ao acervo do Museu que existe   em seu nome, e que também neste momento     encontra-se fechado.
Recebi várias   fotografias   feitas por um artista  que ficou indignado com esta situação, inclusive tenho informações que várias peças de autoria de Udo Knoff , como era mais conhecido,  teriam sido  jogadas no lixo, que  algumas pessoas  recolheram  para seus acervos, e  outras pegaram para vender.      Pessoas que trabalharam nas oficinas lembram que  vários artistas baianos quando eram convidados para fazer um mural de azulejos ou de outras  obras  ligadas a cerâmica recorriam a Udo Knoff , a exemplo de Carybé, Jenner Augusto, Lênio Braga, Sante Scaldaferri ,Genaro de Carvalho dentre outros. Muitos desses artistas que  contavam com os serviços do grande ceramista deixaram lá desenhos, esboços, projetos , pinturas, etc.  Tudo isto pode ter desaparecido. 
A oficina está em ruínas 

Numa conversa que mantive por telefone com sua filha Patrícia ela me  confirmou que não existe mais nada lá. Disse que  seu marido também  faleceu, e que ela e seus irmãos não se interessaram em dar  prosseguimento  ao trabalho que seu pai Udo Knoff desenvolvia. Portanto,  só resta o Museu no Pelourinho, já que o acervo e as oficinas  na  residência  do artista não mais existem.

Ainda existe no Centro Histórico , no Pelourinho, na Rua Frei  Vicente,  número 3 , o Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica que  reúne a  coleção particular do artista de azulejos dos séculos XVII , XVIII,  XIX e  XX de origem portuguesa, inglesa, francesa, holandesa , mexicana  e  belga, além de telhas vitrificadas, jarros e reproduções de azulejos antigos, em sua maioria de casarões que foram demolidos. Também você  pode apreciar  painéis, telhas de beiral, ferramentas, maquinário, objetos e  fotografias. O artista  escreveu o livro Azulejos na Bahia , que foi lançado  em 1986 pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. Ensinou também  cerâmica na Escola de Belas Artes, da Ufba.

Museu Udo Knoff está
fechado faz tempo.
 Este museu portanto reúne uma coleção valiosa   do  ponto de vista histórico e   cultural, inclusive peças e objetos   confeccionados pelo grande ceramista nas   oficinas que mantinha no bairro de   Brotas, e nas atividades educacionais que   periodicamente  promovia nas   dependências do   próprio museu. No museu   ainda estão arquivados   documentos do artista,   como   desenhos e anotações   as quais permitirão no   futuro estudos mais  sobre a importância de sua obra.

 Estive  no dia 12.6.2021 no Centro Histórico com o objetivo de visitar o   Museu Udo Knoff. Encontrei inexplicavelmente todos os museus fechados, e   não consegui nem autorização para tirar uma foto das obras do ceramista   expostas . O que pude fazer foi fotografar sua fachada e apelar para outras   fontes a fim   de concluir este texto. Dizem que ao vender sua coleção ele   acreditava ser  a   melhor forma de preservá-la , além de concretizar um de   seus sonhos que   era   a existência de um espaço de oficinas como meio de   educar e difundir a   arte   da azulejaria em nossa Bahia. Acontece que as más   administrações nos   últimos anos têm desprezado os museus baianos, e o   Museu Udo Knoff está   fechado há vários meses sem perspectiva de abertura. As informações são   desencontradas. Uns dizem que estaria passando por reformas e também que foi fechado por causa da pandemia. À esta altura não se justifica permanecer fechado, basta criar protocolos para visitação. Já tinha enviado um e-mail pedindo informações e não me responderam. É assim que eles estão tratando a cultura em nossa Bahia. 

Além de conter inúmeras peças de autoria de Udo Knoff  tem muitos azulejos que ele recolheu durante sua existência de demolições de casarões do período colonial. Em 1994 , o então Banco do Estado da Bahia, o Baneb como era mais conhecido, adquiriu parte de sua coleção e inaugurou o Museu Baneb de Azulejaria e Cerâmica Udo Knoff . Cinco anos depois o Baneb foi privatizado e o acervo foi doado ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia ( Ipac) , que inaugurou o museu em 2003 .

O Museu é composto por dois ambientes , sendo que a exposição Azulejaria na Bahia contém materiais da arte da cerâmica e do azulejo , além de apresentar uma visão cronológica da existência do azulejo dos séculos XV ao XX, incluindo sua chegada ao nosso país no século XVII.

O museu conta ainda com fotografias de prédio revestidos com azulejos confeccionados nas oficinas de Udo Knoff, que foram destruídas recentemente. Esses trabalhos são frutos de projetos de artistas os quais recorriam ao Udo para confeccionar os azulejos.

O grande ceramista em seu atelier de Brotas.
                            QUEM ERA

O ceramista Horst Udo Enric Knoff nasceu na  Alemanha,  , na cidade de Halle , em 20 de  maio de 1912  e faleceu em Salvador no dia 7 de junho  de 1994. Era filho de fazendeiros Erich Alfred Wilhem  Knoff e Klara Von Muller Knoff. Chegou a estudar  agronomia , quando conheceu a estudante de Belas Artes  Ivotici Becker Altmayer ,chegando a se matricular em  Belas Artes. Porém devido a proibição de cursar duas  faculdades, terminou optando por Agronomia onde se  diplomou. Em 1948 casou-se com Klara Von Muller e  por volta de 1950 veio morar no Rio de Janeiro, e passou  a trabalhar na Cerâmica Duvivier , em Jacarepaguá. Daí se apaixonou pela arte de cerâmica e passou a fazer alguns cursos de especialização, e em 1952 a convite do professor Carlos Eduardo da Rocha veio fazer uma exposição de obras em óleo sobre tela na então Galeria Oxumaré, que funcionava no Passeio Público. Gostou da Bahia e veio de vez morar na Avenida D. João VI, em Brotas, onde manteve durante anos cinco fornos para a queima de suas peças e de outros artistas. No ano de 1960 por indicação do professor Mendonça Filho foi contratado pelo reitor Edgard Santos para lecionar na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Oito anos depois passou a recolher antigos azulejos de casarões em demolição, formando um acervo considerável. Em 1975 foi para Portugal e em Lisboa coletou material suficiente para finalizar sua pesquisa no Museu Madre Deus, hoje conhecido por Museu do Azulejo. Em 1986 publicou o livro Azulejos da Bahia.

Uma vista parcial do museu Udo Knoff
 quando estava funcionando.
 O saudoso Udo Knoff trabalhou não apenas criando   suas peças, mas também como executor de   importantes projetos de vários artistas consagrados.   Quando o paraense Lênio Braga foi convidado para   fazer um mural para a Rodoviária de Feira de   Santana foi ele quem fez os azulejos. O mesmo   aconteceu com vários murais de Carybé como o   existente na Casa de Jorge Amado, os que   emolduram a fachada do Banco do Brasil, na   Cidade   Baixa. Também fez trabalhos para o artista   sergipano  Jenner Augusto que tem murais no   edificio do Banco do estado de Sergipe e da Energisa. Cito ainda os artistas Genaro de Carvalho, Floriano Teixeira, Calazans Neto, dentre outros. Portanto, quando os artistas eram convidados a criar um mural lá era convocado o Udo Knoff para executar os azulejos que os comporiam. 

                     ORIGEM 

A palavra azulejo significa pedra cintilante ou polida, e é uma tradição maometana  que data de 894 . Os azulejos revestem a mesquita de Sidi Okba , em Kairouan, com elementos vindos de Bagdá. Também são presença na Pérsia , hoje Irã, onde desde o século XII houve uma grande expansão de sua produção  sendo exportados para toda Península Ibérica. Foram os portugueses que trouxeram os azulejos para o Brasil no século XVII, sendo logo aceitos para revestimento dos casarões por ser esmaltado e portanto impermeável resistente às intempéries . Um detalhe interessante que é na região Nordeste onde se encontra até hoje a maioria  de azulejos no Brasil. Esta é a Mesquita de Sidi Okba, Kairouan, na Tunísia, onde os azulejos foram usados inicialmente.









sábado, 12 de junho de 2021

O OUTONO INSTIGANTE DE LEDA CATUNDA

Capa do catálogo da exposição 
 Hoje vou falar de uma artista paulista que está inserida nos   grandes circuitos da arte moderna. Não produz uma arte como a   maioria das pessoas está acostumada a apreciar. É uma arte que   rompe com o tradicional, que pode não agradar a um ou outro  , mas que   provoca, instiga. Para falar de Leda Catunda e sua   exposição  Outono ora na Galeria Paulo Darzé , em Salvador,   Bahia,  não é preciso navegar nas águas da Baía de Todos os   Santos, nas alucinações ideológicas de alguns de que vivemos   num  governo autoritário, e muito menos na obviedade de que   toda arte é uma criação. Já sabemos que sem criação não existe   literatura ou qualquer outra manifestação artística, inclusive arte   moderna.
Percorri com Paulo Darzé a exposição olhando cada detalhe de suas obras e  senti que ali foi empregada uma força extraordinária no  ato de criar. Leda costura, cola, pinta, sequencia materiais, superpõe ,ultrapassa os limites do suporte, enfim é uma liberdade total exercida por esta artista de grande talento. Confesso que saí da galeria tendo uma compreensão de quanto uma artista pode expressar toda sua criatividade com uma liberdade total. Outro sentimento que tive foi a vontade de tocar nas obras, muitas das quais são verdadeiros objetos plásticos. O toque cuidadoso faz parte e complementa  o olhar  para sentir mais profundamente  as obras de Leda Catunda ora expostas .

  Quando falamos  em outono lembramos da estação quando  as   árvores perdem suas folhas e começam a  serem levadas  ao   sabor  dos ventos. Primeiro elas vão ficando amareladas  e   começam a cair muitas vezes num ritmo frenético, noutras mais devagar, a depender de cada espécie de árvore. Lembro de ter visto no Central Park, em Nova York ,as trilhas cobertas por folhas amareladas de carvalhos, ciprestes  e de outras árvores típicas da América . É um espetáculo bonito, porque as árvores perdem as folhas para enfrentar o rigor do inverno que se aproxima. Coisas da natureza. 

Artista Leda Catunda
Sempre nos meus vários anos que escrevo sobre arte e artistas deixo claro que não sou um crítico de arte, e sim um jornalista que gosta e registra os eventos de arte. Não busco palavras difíceis, porque tenho como objetivo que a pessoas que se dispõem a ler o que escrevo entendam do que estou tratando . Poderia até usar palavras não muito usuais  no vocabulário da maioria das pessoas, porque tenho conhecimento para isto. Porém , evito. Escrevo com objetividade jornalística buscando a compreensão, e não complexidade da linguagem, a distorção dos fatos, e a mentira como vemos hoje no Jornalismo em todo o mundo, especialmente aqui no Brasil. Pode parecer para alguns algo simplório, que continuem pensando assim.

Mas, vamos falar da exposição  Outono, de Leda Catunda . Estive frequentando durante anos muitas da bienais internacionais realizadas na capital paulista e fora daqui, salões nacionais e locais , já visitei  museus por este mundo afora. Para cada tela, escultura ou outro objeto de arte que olhei sempre procurei examinar com vagar e muitos me emocionaram , outros nem  tanto. Lembro que ao ficar diante da escultura de Davi, de Michelangelo ,  em Florença, na Itália,  senti grande emoção. Sensação indescritível. 

 Céu com Sol, em
 acrílica sobre tecido
O que vejo nas atuais obras de Leda Catunda são resultado ou desdobramento das assemblages  que despertam estranhamento nas pessoas que não estão acostumadas com este tipo de abordagem artística. Ela não usa objetos como brinquedos, peças de máquinas, mas elementos que cria e os dispõe superpostos.  Sabemos que não existem regras para a entrada do artista no seu mundo de criação. As ideias muitas vezes vão surgindo aleatoriamente e os resultados surpreendem até o autor. Quantos quadros, esculturas e outras formas de arte foram destruídos por seus autores por não gostarem dos resultados obtidos? Milhares, temos certeza. Isto demonstra que as ideias vão fluindo e levando o artista para caminhos e soluções nunca experimentados. Ai está o fascínio da criação.

Nas obras expostas  Leda Catunda não utiliza uma variedade de objetos . Vejo que trabalhou com tela e tecidos usando ainda tintas acrílica e esmalte para dar o colorido desejado e deixar que o observador  de sua arte viaje com percepção e sensibilidade neste universo plástico . A princípio pode até lhe causar espanto, mas a tendência é que procure a compreensão, a aceitação ou não. O que importa é que suas obras instigam as pessoas a pensar e a reagir.  

Obra Montanha 
 Criar durante uma pandemia que se abate sobre todo o Planeta certamente haverá alguma influência nas obras a serem produzidas por qualquer artista . É previsível, tendo em vista que estamos todos afetados por este vírus ainda de natureza desconhecida, inclusive da sua origem, embora tenham sido registrados na  China os primeiros casos de mortes. Leda diz que diante deste clima de medo  sentiu que "a pintura plana não era suficiente para expressar ideias, e assim através desses elementos construtivos fui buscando um corpo com uma forma própria para as obras".

Na obra Céu com Sol, tanto o céu quanto o sol são como se fossem detalhes, e os vários elementos superpostos lembram línguas  onde predominam as cores verdes e azuis. Foi produzido em acrílica sobre tecido, e também nos remete a tapetes  de retalhos que estamos acostumados a ver . Mas, esta obra tem refinamento de uma artista que conhece o seu ofício, e também repassa para os jovens os seus ensinamentos perceptivos e o fazer da arte .

Como a leitura de uma obra de arte permite várias interpretações, lembrei da construção de um romance onde o autor descreve seus personagens, e se você perguntar a vários leitores como idealizam tal personagem vamos perceber que cada um cria seu próprio personagem, tais as diferenças de percepção. Esta mesma visão serve para a leitura  das obras expostas pela Leda Catunda.

Defendo a importância das referências e o respeito pelo passado. Não existe presente sem passado. Para acompanharmos a evolução é preciso entender o passado. Nada começa do zero. Vi recentemente movimentos extremistas querendo destruir museus e estátuas de navegadores portugueses e espanhóis. A História tem que ser vista dentro do seu contexto de tempo. Claro que não concordamos hoje com a maneira e as formas desses colonizadores  tratarem pessoas e a própria terra. Mas, temos que ver o contexto e a época. No criminoso incêndio do Museu Nacional, de perda inestimável para o nosso país, li manifestações absurdas de extremistas achando uma coisa trivial o fogo consumir milhares de objetos históricos e de arte. Inclusive o responsável pelo museu era um extremista que está fugido da Justiça. Coisas do nosso Brasil. 

 Tigrão, esmalte  e
acrílica sobre tecido. 
As obras expostas são uma demonstração da presença do passado. Primeiro vieram as pinturas ruprestes nas paredes das cavernas, nos couros de animais , nas tábuas durante a Idade Média , nas telas de tecidos e noutras plataformas todas servindo para os artistas expressarem sua imaginação e sentimento. Já Leda Catunda escolheu o tecido , partindo de um desenho foi colando os elementos que compõem brilhantemente as suas obras.  Parabéns à artista e ao galerista Paulo Darzé por trazer esta importante exposição para nossa Salvador. 

Lembro que nos anos 80 houve um explosão de artistas em todo o mundo fazendo assemblage , que é um termo francês que significa montagem. Assim, os artistas reuniam os mais diferentes objetos de plástico, tecidos, madeiras, ferro e com cola , solda ou até pregos fixavam numa placa de madeira, plástico , tecido ou metal e expunham. É bom salientar que os objetos reunidos representavam algo novo, mas conservavam sua originalidade. 

Quem usou pela primeira vez a assemblage foi o artista francês Jean Dubuffet  que nasceu em 1901 e faleceu em 1985. Era adepto do dadaísmo, que era um movimento vanguardista  surgido no início do século passado. A palavra dadaísmo  vem da palavra dadá que não significa nada, embora aqui no Brasil muita gente tem este apelido afetivo. 

Já o movimento dadaísmo surgiu exatamente em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial como contestação aos valores culturais vigentes. Uma das características principais das obras dos dadaistas é que elas são desconexas, sem um sentido aparente, uma forma de protesto contra o absurdo da guerra.