Translate

domingo, 5 de setembro de 2021

JURACI DÓREA NA 34ª BIENAL DE SÃO PAULO

As duas Cartas para Ângela 

 O feirense Juraci Dórea está participando   da   34ª Bienal de São Paulo. Nasceu em Feira   de   Santana e lá reside até hoje. Em 1961 veio   para Salvador e nesta época foi um momento   em que a arte baiana se renovava principalmente depois da realização de duas bienais em Salvador, quando artistas de vários estados vieram para expor seus trabalhos mostrando diversas tendências da arte. Em 1973 começa a se dedicar com mais regularidade às artes visuais e esta retomada foi com o tema dos Vaqueiros quando criou inúmeras  obras. Paralelamente, começa a pesquisar o couro, que está intimamente ligado à vida dos vaqueiros.  Os trabalhos estão sendo mostrados em dois locais em pavimentos diferentes. As Cartas para Ângela que têm 1,60 cm x 2,20m estão expostas no terceiro piso. Nestas cartas ele procura estabelecer um diálogo da História da Arte com o sertão e a memória. As duas cartas lembram escritas antigas onde  registravam fatos que aconteceram em épocas passadas. Já as obras de couro  seus  estandartes  estão expostos  no segundo piso. Também, tem 20 fotografias, diários e outros materiais produzidos por Juraci Dórea. Representam  portanto, uma síntese dos 40 anos de seu trabalho inspirado na gente e coisas do sertão. 
Juraci e os estandartes
Prestou muita atenção na resiliência, na solidariedade  e na capacidade dos sertanejos em enfrentar as adversidades de um clima hostil. Veio a série Terra e passou a pensar em mostrar no ambiente próprio onde as coisas que via estavam acontecendo, e foi se  apropriando das coisas rústicas do sertão. As pessoas  tinham uma atitude respeitosa em relação aos trabalhos , mesmo não conseguindo entender completamente o propósito daquilo. Os trabalhos da série Terra eram feitos em as esculturas em couro e as pinturas em carvão sobre placa, e também com um pouco de tinta industrial terminando com estas figuras emblemáticas tão presentes nas capas de livrinhos de cordel. 
Sua arte atraía pessoas da roça.
Esta escultura é do projeto Terra.

O artista  fez a série de obras que denominou Estandartes do Jacuipe, em 1974 ,onde vários deles foram expostos  a céu aberto na região banhanda pelo Rio Jacuípe. Muitos  foram reutilizados por pessoas das roças para consertar a indumentária dos vaqueiros, as selas, as bainhas de facão, a botas ,sapatos, as luvas,perneiras  etc. O artista quando expôs seus estandartes sabia da efemeridade em relação ao tempo, mas não  da possível reutilização pelas pessoas que moram no entorno onde eles foram instalados. Confessa que ficava sensibilizado com as conversas das pessoas que se acercavam de seus estandartes falando de suas impressões. Os estandartes do ponto de vista formal  tentam recriar os símbolos, e as ferramentas dos vaqueiros. Os trabalhos eram vistos de uma forma visceral. Ele considera que " o melhor lugar para  expor é no sertão. O sertão é um grande museu".

Juraci Dórea e sua colega a
artista Carmela Gross.
"Esta minha ida para expor no sertão foi porque a gente mandava os trabalhos para participar de salões e bienais fora, e isto custava caro. Muitas das obras nem eram devolvidas, mesmo depois de recusadas por uma comissão qualquer. Isto foi na década de 80, foi também uma atitude política minha reagindo pela dominação da região Sudeste que na realidade escreve a História da Arte em nosso país". Salientou que "isto não é ressentimento, apenas uma constatação ".
Ele destacou que ficou muito satisfeito com o cuidado da curadoria da Bienal paulista com as obras . O curador geral é Jacopo Crivelli Visconti, e os demais curadores adjuntos e convidados são: Paulo Miyada,Carla Zaccagnini,Francesco Stocchi, Ruth Estévez, Ana Roman e Divina Prado.





segunda-feira, 23 de agosto de 2021

VAVÁ FOTOGRAFOU A SOCIEDADE E A CIDADE

Vavá com o pai seu Jonas,  com Clélia sua
 companheira e colega, e ele em pé com seu
instrumento de trabalho de uma vida inteira
.
A maioria das pessoas  o conhecia por Vavá   fotógrafo da elite da sociedade . Poucos sabiam e ainda  sabem o seu   nome verdadeiro, que ele mesmo não gostava de   revelar. Chamava-se Albervaldo Silveira Tavares   dos Santos , e era filho Vivaldo Tavares dos   Santos, também fotógrafo,  e sua mãe Albertina   Maria da Silveira Tavares. Daí este nome estranho   da combinação de Alber da mãe Albertina e Valdo   do pai Vivaldo, e que também ele deixou um trabalho iconográfico através de suas fotos de grande qualidade dos recantos de nosssa Salvador. Eu também sofro deste mal porque   meu nome Reynivaldo vem Rey de Reynaldo,   meu   pai, e Nivaldo de minha mãe Nivalda.   Muitos não acertam escrever ou falar. Sou   chamado de Reinaldo, Renivaldo, Ronaldo,  e por   ai vai. Voltando ao nosso personagem ele nasceu   em 27 de maio de 1929, portanto, se vivo estivesse   estaria hoje com 92 anos de idade.Este geminiano marcou sua presença documentando diariamente tudo de importante que acontecia na sociedade baiana, e sempre olhava adiante para registrar a Cidade. Sabia entrar e sair com a sutileza necessária para estar presente em eventos fechados. Passou sua adolescência no bairro do Rio Vermelho , morando na Rua Fonte do Boi," numa enorme casa 
Esta foto ele fez do alto de um prédio na
Avenida Estados Unidos e Rufiniano dos
Santos o ajudou.
junto ao Morro do Conselho, na época livre de construções. Só existia o Hospital da Criança, que funcionava no Morro de Menino Jesus juntamente com a maternidade  Nita Costa, ( abandonados há mais de 30 anos)  e alguns campos de golfe e de futebol. O bonito prédio abandonado fica em frente a praia do Buracão, hoje muito frequentada pelos jovens. Tenho uma foto rara datada de 1907, que meu amigo o artista Washington Salles me presenteou, o Vitória jogando contra o Santos Dumond num campo no Rio Vermelho.  

Lembra sua irmã Teresinha Tavares, que gosta de fazer poesias , e me prestou estas informações sobre Vavá , que ele gostava quando criança de subir e descer os morros, andar de bicicleta pedalando até o Primeiro Arco, que ficava onde hoje está a Avenida Garibaldi, e também até o Farol da Barra para ver o andamento das obras do conhecido edifício Oceania, onde ele depois teve um studio.

 
Barcos em Alagados 
Começou a fotografar a partir dos 13 anos de  idade após  seu pai Vivaldo adquirir a Foto Royal, na década de 40. Esta Foto ficava na Rua da Misericórdia. Ele era muito curioso e foi assim que aprendeu a fotografar, revelar e imprimir as fotografias que fazia. Alguns anos depois o pai comprou a Foto Jonas, que ficava no  edificio de número 51, na Avenida Sete de Setembro,  no primeiro andar, e aí funcionava também o atelier do pintor Jaime Hora, o J. Hora. A Foto Jonas tinha como slogan a "A fotografia  da elite baiana" a qual  foi consumida por um incêndio, que destruiu todos os equipamentos e fotografias . Daí seu Jonas foi se estabelecer no primeiro andar onde funcionava a Farmácia Luz, na Rua  Carlos Gomes, próximo ao Mercado das Flores. Não consegui encontrar registro deste incêndio.

Já profissional trabalhava com uma máquina de fole e o flash era de magnésio e quando disparado dava uma pequena explosão e deixava uma nuvem de fumaça no salão. Às vezes as fagulhas provocavam pequenos incêndios em cortinas e outros objetos de fácil combustão. Numa entrevista que ele deu à jornalista Cyntia Nogueira disse que mesmo com estas limitações técnicas a "coluna social naquela época tinha muito mais glamour. A gente só fotografava as pessoas da sociedade, as famílias tradicionais,tinha muita gente importante". Ele trabalhou durante 20 anos para as colunistas do Diário de Notícias, que pertencia ao grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand.

Bela foto vendo o antigo Mercado
Modelo, destruído por  incêndio.
O seu pai Vivaldo ficou conhecido por seu Jonas e era um bamba na fotografia de stúdio , e assim conquistou o mercado  de álbuns de formatura e casamentos.  Por muitos e muitos anos fez álbuns de formatura de professoras do Instituto  Central de Educação Isaias Alves, ICEIA que fica no bairro do Barbalho, e foi abandonado por este Governo do Estado. Fez também álbuns de médicos, dentistas, advogados, engenheiros, arquitetos, farmacêuticos e contadores . Enfim, de muitos profissionais que se formavam. Também, registrou muitos casamentos de gente rica . Foi neste ambiente que o nosso Vavá cresceu.

É importante dizer que Vavá não fotografou apenas a sociedade baiana e celebridades . Fez centenas de
fotos de nossas igrejas, do casario colonial, de praças, ruas , monumentos ,de paisagens marinhas, de nossa orla marítima, inclusive fotos aéreas e painéis de até cinco  metros quadrados. Lembra Rufiniano dos Santos, conhecido por Rufino, que trabalhou 18 anos no Foto Jonas que Vavá foi contratado pelo professor e etnógrafo Vivaldo Costa Lima para fotografar todo o Centro Histórico , antes da recuperação. Ele com sua equipe trabalhavam nas manhãs dos domingos. Lembra Rufino "a gente ia de casarão em casarão carregando escadas  fotografando tudo desde a 

Segundo Roberto Macedo trata-se de
 Marta Vasconcelos desfilando
em carro aberto.
 a fachada e as ruas pegando os nomes para identificar para o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia - Ipac-Ba." Eles devem ter este acervo conservado até hoje. Este levantamento ajudou em todo o processo de recuperação do Centro Histórico que foi promovido pelo governador Antônio Carlos Magalhães."

Como acontece com muitos acervos de artistas plásticos e fotógrafos com a sua morte em 6 de julho de 2003 muitas de suas fotos e negativos se perderam e algumas estão em caixas na residência de uma sobrinha de sua companheira Clélia Matos  , que também era fotógrafa, e muitas vezes ia ao seu lado trabalhando. Ele está sepultado no Cemitério do Campo Santo. Antes Clélia fora casada com o deputado federal João Alves de Almeida, e teve um filho, o Roosevelt Almeida, que chegou a expor na Panorama Galeria de Arte, já falecido. Ela foi uma cantora das noites baianas, e ajudou muito a Vavá quando passaram a conviver. 

Dr. Jorge Calmon ao lado de
Anna Georgina numa exposição
.
Existiam e existem fotógrafos que documentaram e documentam os principais eventos da Cidade   entre eles  Waltério Pacheco Silva , o chinês Sun-Sun So e outros, mas Vavá era o preferido. Ele fornecia fotos para as colunistas Isolda Menezes, Regina Coeli, Sylvia Borges, já falecidas, e  principalmente para Terezinha Muricy ( de Mayo),    July e Janete Freitas. Todos sabem que muitas vezes era July quem recebia em primeira mão as fotos , e ela exigia  exclusividade, porque sua coluna era publicada diariamente em A Tarde, o jornal de maior circulação do Norte e Nordeste , no que era atendida. A propósito vejam o depoimento de Janete Freitas, que há 25 anos escreve a coluna social do no jornal a Tribuna da Bahia :

"Vavá Tavares, ou somente Vavá, foi o fotógrafo que dominou a cena social de Salvador nas década de 80 até os meados de 90. Meu relacionamento com ele começou como cliente fotografada aos quinze anos, dançando com o namoradinho, cinturinha bem fina, anáguas na saia rodada, sorriso caprichado para o registro de Vavá, caminho garantido para a publicação nas colunas sociais importantes da época. Mais tarde nos tornamos parceiros eu  colunista social inteiramente dependente de suas fotos para
O Pelourinho onde vemos uma
carroça com seu condutor.
tornar minha página bonita e bem informada. Estou me referindo à época em que cronista social que se prezasse levava para as festas um caderninho onde anotava quem estava acontecendo e tinha que esperar ansiosa as fotografias para ilustrar seus textos. As que eram tiradas por ele chegavam primeiro que as dos outros, atestando seu senso de profissionalismo. Isso sem alarde, calmo e tranquilo. Só deixou boas lembranças eternizadas nos seus preciosos e disputados cliques."

Fazendo uma busca nas edições do Jornal A Tarde meu ex-colega Rubem O. Coelho   , do Departamento de Pesquisa, encontrou alguns registros. No domingo dia 18 de   setembro de 1983 Therezinha de Mayo em sua coluna Sete Dias anuncia uma exposição de posters que ele iria fazer na quarta-feira seguinte, portanto dia 21, no edifício Portela Lima, na Rua Marquês de Leão, na Barra. Vavá, segundo a colunista, "torna-se a cada dia um homem de bem através de um fotógrafo sonhador e sem ambições materiais". Foram posters de mulheres da sociedade baiana.

No 30 de junho de 2003 o jornal A Tarde publica nota de outra exposição dele desta vez na Praça Jorge Amado, do shopping Iguatemi.  "Vavá expõe 100 fotos e mostra técnica pioneira que batizou de Tela Print e diz que vai tentar vender para a Kodak e Fuji. Utilizando uma fina tela de acrílico ele prensa com verniz na película da foto, conseguindo um efeito próximo de uma pintura, ficando impermeável e aumentando a durabilidade " Também, expôs fotos com 180 graus tiradas de máquinas japonesas e russas, embora quase sempre estava com uma máquina Rollieflex  nas mãos. 

Foi a despedida de Vavá porque ele veio a falecer no dia 6 de julho de 2003 e a mesma Therezinha  Cardoso  fez o registro de sua morte no domingo seguinte, dia 13 de julho, escrevendo "Trabalhando por arte mais que por dinheiro, Vavá viveu pobre. Não teve casa nem carro próprios porque não sabia vender seu trabalho. Mas, sabia fazer amigos, tornar seu nome respeitado, circular em sociedade sem se infiltrar na intimidade das pessoas, enfim, tornar-se o fotógrafo de duas gerações".

Quero ainda registrar que antes dos governos de esquerda as famílias pobres e de classe média costumavam enviar seus filhos por volta dos 14 a 15 anos de idade para aprender uma profissão em alguma oficina mecânica, num stúdio de fotografia, numa alfaiataria, carpintaria , barbearia etc. Portanto, quando saíam da escola iam aprender uma profissão. Foi assim que se formaram muitos fotógrafos, alguns tive a oportunidade de trabalhar no jornal A Tarde, e eles aprenderam a profissão no Foto Jonas : Antônio Queirós, Rufiniano dos Santos, Guilherme Oliveira, João Marinho ( hoje contador), Paulo Cavalcanti, Abmael Silva, Geraldo Ataíde, Antônio Carlos Santana  e Oduvaldo ( falecido).




                                   

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

JAYME HORA DEIXOU OBRA INESQUECÍVEL

Registro raro de Jayme Hora pintando .Fotos cedidas por Anna Georgina.
Vou falar hoje de um grande artista, aluno de Presciliano Silva, e que tem uma produção considerável com uma técnica de desenho e pintura de qualidade. Trata-se de Jayme Hora , o J. Hora, que pintou e desenhou  as igrejas, mosteiros, conventos, ruas, praças e a orla de Salvador, além de outros recantos escolhidos por ele para retratar . 
Muitas de suas obras são tão perfeitas que lembram fotografias, outras feitas de espátulas são mais densas, mas sempre mostrando sua alta capacidade em trabalhar com as nuances do claro-escuro. Ele não apenas retratava como acrescentava algo que enxergava  com sua sensibilidade artística. Deixou aí uma obra iconográfica de grande valor cultural e histórico. Foi premiado em vários salões daqui e do eixo Rio-São Paulo . Um excelente desenhista, condição essencial para se tornar um grande pintor . Mesmo assim nunca perdeu a sua simplicidade de encarar a vida. Era um simplório por natureza, gostava de uma bebida quente, tinha um temperamento dócil e explosivo em determinados momentos. Sua arte pode ser vista nos museus, galerias e em leilões virtuais de arte. Portanto, é um artista que embora tenha falecido em 1977,  há 44 anos, suas obras continuam sendo comercializadas com certa frequência e têm uma valorização razoável no mercado de arte.

Jayme Hora com Fernando Alves, Ismael de Barros,
e o pintor Cardoso e Silva, em 1967, na Panorama
Galeria de Arte.
Existem poucos registros sobre a trajetória de vida e pictórica do artista Jayme Hora, que assinava J.Hora, embora ele tenha sido  premiado muitas vezes aqui , no Rio de Janeiro e em  São Paulo. Não consegui ainda apurar com certeza  se realmente nasceu em  Nazaré das Farinhas , onde ele confessa que chegou à cidade aos seis anos de idade, mas não especifica exatamente de onde viera. O que importa é que  Nazaré das Farinhas ele adotou como sua cidade  de nascimento. Fui ao site da Cidade e só encontrei informações do jogador Vampeta, e nada sobre o grande artista que hora escrevo. Portanto, está na hora do pessoal ligado à cultura resgatar e fazer a devida homenagem a este grande artista. Ele nasceu no ano de 1911 e morreu  aos 66 anos de idade, em 1977.  Sua esposa Mariá faleceu em março deste ano aos 110 anos. Disse Maria José a viúva do pintor José Arthur que foi Jayme Hora  o incentivador para seu ele pintar, inclusive era o padrinho do seu filho Leonardo. Mariá Hora  , a viúva do artista , rasgou as fotos e doou obras e outros pertences antes de morrer. Não deixaram herdeiros. 
Esta é a maior tela a óleo que já vi de Jayme
Hora .Tem 3 ms x 2,1 ms, de 1949. É uma vista
do Carmo . Fica na sede da antiga Companhia 
 Progresso. Ele pintou aos 38 anos de idade.
Graças a amigos e  ex-colegas pude fazer um levantamento das atividades deste artista .Sua primeira mostra foi realizada no Clube Comercial , localizado até hoje na Avenida Sete de Setembro, no ano de 1938.Após sua morte obras de sua autoria integraram a exposição intitulada 100 Artistas Plásticos da Bahia  realizada no Museu de Arte Sacra, no ano de 1999. O primeiro registro que encontrei data da edição do jornal A Tarde de 15 de agosto de 1951 numa pequena nota falando da sua exposição do Belvedere da Sé, local onde hoje está a Cruz Caída, de autoria de Mário Cravo Jr. . Nesta sua exposição  apresentou 61 obras entre óleos sobre tela e desenhos feitos com crayon  , a qual ficou aberta ao público até o dia 18 do mesmo mês.

 
Capa do catálogo de sua  individual na
Panorama Galeria de Arte, em 1967
.
No ano seguinte surge uma revelação interessante é que o jornalista Ethel Moreira o encontrou subindo a Rua Chile carregando seus apetrechos de pintura, e na conversa que mantiveram registrou e publicou na edição do jornal A Tarde do dia 24 de agosto de 1952. Disse o Jayme Hora que " a pintura vai mais ou menos. Precisa antes de tudo  da ajuda de todos nós, principalmente do Poder Público, que deve incentivar a rapaziada nova por meio de prêmios". Ele se referia a realização de salões e outras formas de premiação para incentivá-los. Declarou ainda Jayme Hora  "a mocidade que gosta do pincel não vem recebendo estímulo. Por isso, devemos levantar-lhe o ânimo por meio de prêmios, pois os jovens artistas  de hoje serão fatalmente grandes mestre de amanhã". Mas, a revelação principal é que o artista Jayme Hora fazia seleção de jovens que queriam ser artistas e gostavam de pintar, e   mensalmente promovia excursões em locais de nossa Cidade e periferia para juntos pintarem. Ele conseguia até materiais de pintura para distribuir com os que não podiam comprar. Na reportagem de Ethel Moreira ele fala sobre estas excursões que sempre ocorriam aos
Obra "Alfândega Velha", onde hoje está  o
Mercado Modelo, tem 1,31 m x 0,81cm.
domingos . Ao ser questionado se havia acabado com as excursões domingueiras ele fez um gesto com a cabeça como a dizer que estava sem realizá-las. Depois de alguns segundos respondeu que "seu jornal tem me auxiliado muito, e  trabalhei com afinco para selecionar o pessoal e arranjar material de pintura. Gastei muitas energias e dinheiro também, com o intuito de fazer , como se faz no Rio de Janeiro".

Falou ainda que foram realizadas muitas excursões , coroadas de êxitos, "coisa sem precedente em nossa Capital". Para em seguida se queixar da falta de ajuda: Ninguém me ajudou , ou melhor fui até criticado, mas não dei importância às críticas dos que não sabiam o que estavam falando". As minhas excursões não morreram. Vou reorganizar o pessoal para no próximo mês metermos mãos à obra a fim de que a Bahia possa se igualar com os outros centros mais adiantados do Brasil".

Em janeiro de 1953 conquistou a Medalha de Ouro,  no Salão da Sociedade dos Artistas Nacionais - SAN, realizado no Rio de Janeiro com um desenho . O registro no jornal não especifica qual o desenho e se foi feito em crayon sobre papel ou tecido, como ele costumava realizar. Depois  recebe outro prêmio no Salão Nacional de Belas Artes, também no Rio de Janeiro, com a obra "Dunas de Itapoan", que segundo comentários da época a obra é tão perfeita que parece uma fotografia. Em seguida uma exposição foi realizada no Palácio Rio Branco e este registro foi feito na coluna Artes & Artistas, na edição  do jornal a Tarde de 1º de março de 1953, onde o autor diz que " toda sua obra exposta é digna de aplausos, porque  reflete o talento do seu autor". Quem assina é Yoroastral, um pseudônimo de algum crítico ou jornalista.

Em outubro de 1953 recebe outra Medalha de Bronze,  no Salão de Belas Artes, em São Paulo com a obra "Interior do Convento de São Francisco,Bahia" onde podemos ver o claustro do convento , cuja obra foi muito apreciada e elogiada. Neste salão  apresentou algumas obras a óleo sobre tela e desenhos em crayon, concorrendo com artistas de todo o país. 

Obra sem título. Óleo sobre tela com 
72 cm x 80 cm.
No ano de 1956 , exatamente no dia 3 de abril o jornal registrou que Jayme Hora havia arrebatado dois prêmios. No 7º Salão Nacional de Belas Artes, prêmio este oferecido pela Casa Cavalier, no Rio de Janeiro, e o segundo no 20º Salão Paulista de Belas Artes onde conquistou a Medalha de Prata . O jornalista que escreveu a nota disse que "são prêmios muitos justos contemplando o mérito e o trabalho artístico do pintor patrício cuja vocação para as Belas Artes se revelou entre nós desde a mocidade".

Outra exposição foi realizada no Belvedere da Sé ,onde outrora funcionava a Sutursa , que era a Superintendência do Turismo de Salvador, da qual o escritor Vasconcelos Maia, foi seu superintendente por vários anos. A exposição foi aberta no dia 3 de agosto de 1957 onde Jayme Hora apresentou 16 óleos sobre telas e vários desenhos . Naquela ocasião ele já tinha ganho cerca de 10 prêmios em salões e mostras realizadas aqui e no sul do país. 

Finalmente, o último registro que encontrei data de 28 de agosto de 1957 de um encontro casual com o jornalista Alexandre Lopes Bittencourt. Ele fala da mostra realizada no Belvedere da Sé , quando destacou os desenhos feitos em crayon sobre tecido, sem uma mancha sequer. Lembrou que o próprio mestre Presciliano Silva disse a Jayme Hora "Você possui bastante talento!". Sabe-se que o artista acompanhava seu mestre nas suas idas às igrejas, conventos e outros locais ajudando no que fosse possível. Obras grandiosas do mestre ele presenciou sua execução. Era também muito amigo do pintor e professor Raymundo Aguiar.

Óleo sobre tela , de 95 cm x 75 cm

Nesta sua entrevista  revela que foi para Nazaré das Farinhas com seis anos de idade. "Frequentei o Colégio do jornalista Ferreira Cunha. Logo aprendi a carutujar como caixeiro da loja Nova Itália, que ficava defronte dos Arcos, hoje Praça Coronel José Bittencourt.Dono de um lápis amarelo no papel rabisquei cavalos, barracos e a locomotiva que passava beirando o rio."

 Observando seus desenhos Alexandre Torres o convidou para fazer em letras garrafais os cartazes dos filmes que seriam exibidos no Cine Fênix.  O jornalista termina falando da simplicidade do artista que é refletida em suas obras quando ele retratava as paisagens, as igrejas, os mosteiros e conventos, o casario, a orla marítima e cenas do cotidiano da Cidade. Chama Jayme Hora de "o Príncipe do Desenho", não comete sortilégios de curvas nem exibe planos com traços ziguezagueantes .Segurança de técnica no executar tons coloniais, no difícil efeito claro-escuro, nos ambientes evocativos. Compõe massas de notas suaves".

Colhi também alguns depoimentos de pessoas que conheceram de perto o pintor Jayme Hora para  que possamos deixar para as futuras gerações informações colhidas de fontes primárias sobre este grande artista. Portanto ,  além de apreciar suas belas e importantes  obras iconográficas passamos conhecer mais sobre este homem singular franzino, baixinho e feio, que gostava de uma pinga. Vou começar com minha amiga Anna Georgina , dona da  Panorama Galeria de Arte que é  uma das fontes primárias mais importantes sobre o movimento de arte nas últimas décadas na nossa Bahia. 

Certa vez ela foi com seu pai Euler Cardoso ao atelier de Jayme Hora que criava um gato de estimação.
 O artista  estava pintando em seu cavalete com a palheta de tintas do lado quando o gato chega e faz xixi
 em cima das tintas.
Ele mistura as tintas com o mijo do gato e continuou pintando . Virou para Euler e Anna e disse mais ou menos
 assim em tom de brincadeira : Foi bom que meu quadro vai ficar mais valorizado. 
Outro que teve muito contato com ele foi o pintor Edvaldo Assis, que tem seu atelier no bairro da Saúde. Lembra Edvaldo que trabalhava na época no jornal o Diário de Notícias, o qual funcionava na Rua Carlos Gomes,  próximo do atelier de Jayme Hora que era localizado no prédio na Avenida Sete ,número 51 ,onde funcionava a Foto Jonas, no térreo tinha as vitrines com velhas fotos, e o studio ficava no primeiro andar. No segundo andar era o atelier de Jayme Hora. "O Jayme era um pouco temperamental , e quando estava bebendo variava  seu humor. Ele passava sempre  na Galeria Sue, que ficava nas imediações, e era tratado muito bem por sua proprietária . Mesmo assim quando ficava aborrecido a chamava de " maldita". Noutra ocasião revela Edvaldo chegou uma cliente para buscar uma obra, que tinha encomendado e adiantado 50% do valor. Parece que ele prometera entregar tal dia. Como não havia ainda concluindo a obra  a senhora reclamou . Ele prontamente devolveu o dinheiro que havia recebido.

Obra  Figura e Barcos, com 46 cm x 38 cm, óleo 
sobre placa.
Falei também com uma figura icônica do mercado de arte o ex-galerista e marchand Francisco Miguez que era o braço direito de Sue Krutmam , já falecida, que foi dona da Galeria Sue, localizada no primeiro andar ,  no edifício Basbaum ,na Ladeira de São Bento, em cima da Loja Lobrás, mais conhecida por 4.400. Francisco conviveu  com Jayme Hora e lembra da dificuldade na época em comercializar obras de pintores acadêmicos porque a arte moderna dominava tudo.  Ele revelou que Jayme passou alguns anos na Escola de Belas Artes,  e não conseguia ser aprovado. Lembrou ainda quando ele ganhava algum dinheiro costumava ir para o Rio de Janeiro, e já comprava as passagens de ida e volta. Quando o dinheiro acabava vinha embora. Algumas vezes telefonava para a esposa  Mariá Hora mandar pegá-lo no aeroporto porque estava sem um tostão nos bolsos. Disse que Jayme era  educado, brincalhão, e gostava de uma pinga ,além de fumar muito. De vez em quando sumia, e quando aparecia sempre vinha com algumas obras que eram adquiridas por d. Sue.  Em 1987 Sue Krutmam foi embora para São Paulo, porque seu esposo que era gerente da Lobrás adoeceu, e passou a galeria para Francisco Miguez que ficou até 1991 , quando fechou diante das dificuldades criadas pelo Governo Collor de Mello.














segunda-feira, 21 de junho de 2021

MEMÓRIA DE UDO KNOFF VAI SENDO APAGADA

Vemos o mural de autoria de Udo Knoff e o
teto destruído da casa onde morou e trabalhou
.
 
 Para todos que acompanham as artes   plásticas em   nossa Bahia  vemos com   tristeza o que  aconteceu   com a casa e   as oficinas do grande ceramista Horst   Udo Erich Knoff que nasceu em 1912   na Alemanha   e faleceu em 1994 em   Salvador. Viveu 56 anos em   nossa   Cidade, tendo chegado no ano de 1938.   Tudo   foi destruído, e hoje só resta um   mural que fica em     frente a casa em   ruínas. Este mural poderia ser   removido e integrado ao acervo do Museu que existe   em seu nome, e que também neste momento     encontra-se fechado.
Recebi várias   fotografias   feitas por um artista  que ficou indignado com esta situação, inclusive tenho informações que várias peças de autoria de Udo Knoff , como era mais conhecido,  teriam sido  jogadas no lixo, que  algumas pessoas  recolheram  para seus acervos, e  outras pegaram para vender.      Pessoas que trabalharam nas oficinas lembram que  vários artistas baianos quando eram convidados para fazer um mural de azulejos ou de outras  obras  ligadas a cerâmica recorriam a Udo Knoff , a exemplo de Carybé, Jenner Augusto, Lênio Braga, Sante Scaldaferri ,Genaro de Carvalho dentre outros. Muitos desses artistas que  contavam com os serviços do grande ceramista deixaram lá desenhos, esboços, projetos , pinturas, etc.  Tudo isto pode ter desaparecido. 
A oficina está em ruínas 

Numa conversa que mantive por telefone com sua filha Patrícia ela me  confirmou que não existe mais nada lá. Disse que  seu marido também  faleceu, e que ela e seus irmãos não se interessaram em dar  prosseguimento  ao trabalho que seu pai Udo Knoff desenvolvia. Portanto,  só resta o Museu no Pelourinho, já que o acervo e as oficinas  na  residência  do artista não mais existem.

Ainda existe no Centro Histórico , no Pelourinho, na Rua Frei  Vicente,  número 3 , o Museu Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica que  reúne a  coleção particular do artista de azulejos dos séculos XVII , XVIII,  XIX e  XX de origem portuguesa, inglesa, francesa, holandesa , mexicana  e  belga, além de telhas vitrificadas, jarros e reproduções de azulejos antigos, em sua maioria de casarões que foram demolidos. Também você  pode apreciar  painéis, telhas de beiral, ferramentas, maquinário, objetos e  fotografias. O artista  escreveu o livro Azulejos na Bahia , que foi lançado  em 1986 pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. Ensinou também  cerâmica na Escola de Belas Artes, da Ufba.

Museu Udo Knoff está
fechado faz tempo.
 Este museu portanto reúne uma coleção valiosa   do  ponto de vista histórico e   cultural, inclusive peças e objetos   confeccionados pelo grande ceramista nas   oficinas que mantinha no bairro de   Brotas, e nas atividades educacionais que   periodicamente  promovia nas   dependências do   próprio museu. No museu   ainda estão arquivados   documentos do artista,   como   desenhos e anotações   as quais permitirão no   futuro estudos mais  sobre a importância de sua obra.

 Estive  no dia 12.6.2021 no Centro Histórico com o objetivo de visitar o   Museu Udo Knoff. Encontrei inexplicavelmente todos os museus fechados, e   não consegui nem autorização para tirar uma foto das obras do ceramista   expostas . O que pude fazer foi fotografar sua fachada e apelar para outras   fontes a fim   de concluir este texto. Dizem que ao vender sua coleção ele   acreditava ser  a   melhor forma de preservá-la , além de concretizar um de   seus sonhos que   era   a existência de um espaço de oficinas como meio de   educar e difundir a   arte   da azulejaria em nossa Bahia. Acontece que as más   administrações nos   últimos anos têm desprezado os museus baianos, e o   Museu Udo Knoff está   fechado há vários meses sem perspectiva de abertura. As informações são   desencontradas. Uns dizem que estaria passando por reformas e também que foi fechado por causa da pandemia. À esta altura não se justifica permanecer fechado, basta criar protocolos para visitação. Já tinha enviado um e-mail pedindo informações e não me responderam. É assim que eles estão tratando a cultura em nossa Bahia. 

Além de conter inúmeras peças de autoria de Udo Knoff  tem muitos azulejos que ele recolheu durante sua existência de demolições de casarões do período colonial. Em 1994 , o então Banco do Estado da Bahia, o Baneb como era mais conhecido, adquiriu parte de sua coleção e inaugurou o Museu Baneb de Azulejaria e Cerâmica Udo Knoff . Cinco anos depois o Baneb foi privatizado e o acervo foi doado ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia ( Ipac) , que inaugurou o museu em 2003 .

O Museu é composto por dois ambientes , sendo que a exposição Azulejaria na Bahia contém materiais da arte da cerâmica e do azulejo , além de apresentar uma visão cronológica da existência do azulejo dos séculos XV ao XX, incluindo sua chegada ao nosso país no século XVII.

O museu conta ainda com fotografias de prédio revestidos com azulejos confeccionados nas oficinas de Udo Knoff, que foram destruídas recentemente. Esses trabalhos são frutos de projetos de artistas os quais recorriam ao Udo para confeccionar os azulejos.

O grande ceramista em seu atelier de Brotas.
                            QUEM ERA

O ceramista Horst Udo Enric Knoff nasceu na  Alemanha,  , na cidade de Halle , em 20 de  maio de 1912  e faleceu em Salvador no dia 7 de junho  de 1994. Era filho de fazendeiros Erich Alfred Wilhem  Knoff e Klara Von Muller Knoff. Chegou a estudar  agronomia , quando conheceu a estudante de Belas Artes  Ivotici Becker Altmayer ,chegando a se matricular em  Belas Artes. Porém devido a proibição de cursar duas  faculdades, terminou optando por Agronomia onde se  diplomou. Em 1948 casou-se com Klara Von Muller e  por volta de 1950 veio morar no Rio de Janeiro, e passou  a trabalhar na Cerâmica Duvivier , em Jacarepaguá. Daí se apaixonou pela arte de cerâmica e passou a fazer alguns cursos de especialização, e em 1952 a convite do professor Carlos Eduardo da Rocha veio fazer uma exposição de obras em óleo sobre tela na então Galeria Oxumaré, que funcionava no Passeio Público. Gostou da Bahia e veio de vez morar na Avenida D. João VI, em Brotas, onde manteve durante anos cinco fornos para a queima de suas peças e de outros artistas. No ano de 1960 por indicação do professor Mendonça Filho foi contratado pelo reitor Edgard Santos para lecionar na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Oito anos depois passou a recolher antigos azulejos de casarões em demolição, formando um acervo considerável. Em 1975 foi para Portugal e em Lisboa coletou material suficiente para finalizar sua pesquisa no Museu Madre Deus, hoje conhecido por Museu do Azulejo. Em 1986 publicou o livro Azulejos da Bahia.

Uma vista parcial do museu Udo Knoff
 quando estava funcionando.
 O saudoso Udo Knoff trabalhou não apenas criando   suas peças, mas também como executor de   importantes projetos de vários artistas consagrados.   Quando o paraense Lênio Braga foi convidado para   fazer um mural para a Rodoviária de Feira de   Santana foi ele quem fez os azulejos. O mesmo   aconteceu com vários murais de Carybé como o   existente na Casa de Jorge Amado, os que   emolduram a fachada do Banco do Brasil, na   Cidade   Baixa. Também fez trabalhos para o artista   sergipano  Jenner Augusto que tem murais no   edificio do Banco do estado de Sergipe e da Energisa. Cito ainda os artistas Genaro de Carvalho, Floriano Teixeira, Calazans Neto, dentre outros. Portanto, quando os artistas eram convidados a criar um mural lá era convocado o Udo Knoff para executar os azulejos que os comporiam. 

                     ORIGEM 

A palavra azulejo significa pedra cintilante ou polida, e é uma tradição maometana  que data de 894 . Os azulejos revestem a mesquita de Sidi Okba , em Kairouan, com elementos vindos de Bagdá. Também são presença na Pérsia , hoje Irã, onde desde o século XII houve uma grande expansão de sua produção  sendo exportados para toda Península Ibérica. Foram os portugueses que trouxeram os azulejos para o Brasil no século XVII, sendo logo aceitos para revestimento dos casarões por ser esmaltado e portanto impermeável resistente às intempéries . Um detalhe interessante que é na região Nordeste onde se encontra até hoje a maioria  de azulejos no Brasil. Esta é a Mesquita de Sidi Okba, Kairouan, na Tunísia, onde os azulejos foram usados inicialmente.









sábado, 12 de junho de 2021

O OUTONO INSTIGANTE DE LEDA CATUNDA

Capa do catálogo da exposição 
 Hoje vou falar de uma artista paulista que está inserida nos   grandes circuitos da arte moderna. Não produz uma arte como a   maioria das pessoas está acostumada a apreciar. É uma arte que   rompe com o tradicional, que pode não agradar a um ou outro  , mas que   provoca, instiga. Para falar de Leda Catunda e sua   exposição  Outono ora na Galeria Paulo Darzé , em Salvador,   Bahia,  não é preciso navegar nas águas da Baía de Todos os   Santos, nas alucinações ideológicas de alguns de que vivemos   num  governo autoritário, e muito menos na obviedade de que   toda arte é uma criação. Já sabemos que sem criação não existe   literatura ou qualquer outra manifestação artística, inclusive arte   moderna.
Percorri com Paulo Darzé a exposição olhando cada detalhe de suas obras e  senti que ali foi empregada uma força extraordinária no  ato de criar. Leda costura, cola, pinta, sequencia materiais, superpõe ,ultrapassa os limites do suporte, enfim é uma liberdade total exercida por esta artista de grande talento. Confesso que saí da galeria tendo uma compreensão de quanto uma artista pode expressar toda sua criatividade com uma liberdade total. Outro sentimento que tive foi a vontade de tocar nas obras, muitas das quais são verdadeiros objetos plásticos. O toque cuidadoso faz parte e complementa  o olhar  para sentir mais profundamente  as obras de Leda Catunda ora expostas .

  Quando falamos  em outono lembramos da estação quando  as   árvores perdem suas folhas e começam a  serem levadas  ao   sabor  dos ventos. Primeiro elas vão ficando amareladas  e   começam a cair muitas vezes num ritmo frenético, noutras mais devagar, a depender de cada espécie de árvore. Lembro de ter visto no Central Park, em Nova York ,as trilhas cobertas por folhas amareladas de carvalhos, ciprestes  e de outras árvores típicas da América . É um espetáculo bonito, porque as árvores perdem as folhas para enfrentar o rigor do inverno que se aproxima. Coisas da natureza. 

Artista Leda Catunda
Sempre nos meus vários anos que escrevo sobre arte e artistas deixo claro que não sou um crítico de arte, e sim um jornalista que gosta e registra os eventos de arte. Não busco palavras difíceis, porque tenho como objetivo que a pessoas que se dispõem a ler o que escrevo entendam do que estou tratando . Poderia até usar palavras não muito usuais  no vocabulário da maioria das pessoas, porque tenho conhecimento para isto. Porém , evito. Escrevo com objetividade jornalística buscando a compreensão, e não complexidade da linguagem, a distorção dos fatos, e a mentira como vemos hoje no Jornalismo em todo o mundo, especialmente aqui no Brasil. Pode parecer para alguns algo simplório, que continuem pensando assim.

Mas, vamos falar da exposição  Outono, de Leda Catunda . Estive frequentando durante anos muitas da bienais internacionais realizadas na capital paulista e fora daqui, salões nacionais e locais , já visitei  museus por este mundo afora. Para cada tela, escultura ou outro objeto de arte que olhei sempre procurei examinar com vagar e muitos me emocionaram , outros nem  tanto. Lembro que ao ficar diante da escultura de Davi, de Michelangelo ,  em Florença, na Itália,  senti grande emoção. Sensação indescritível. 

 Céu com Sol, em
 acrílica sobre tecido
O que vejo nas atuais obras de Leda Catunda são resultado ou desdobramento das assemblages  que despertam estranhamento nas pessoas que não estão acostumadas com este tipo de abordagem artística. Ela não usa objetos como brinquedos, peças de máquinas, mas elementos que cria e os dispõe superpostos.  Sabemos que não existem regras para a entrada do artista no seu mundo de criação. As ideias muitas vezes vão surgindo aleatoriamente e os resultados surpreendem até o autor. Quantos quadros, esculturas e outras formas de arte foram destruídos por seus autores por não gostarem dos resultados obtidos? Milhares, temos certeza. Isto demonstra que as ideias vão fluindo e levando o artista para caminhos e soluções nunca experimentados. Ai está o fascínio da criação.

Nas obras expostas  Leda Catunda não utiliza uma variedade de objetos . Vejo que trabalhou com tela e tecidos usando ainda tintas acrílica e esmalte para dar o colorido desejado e deixar que o observador  de sua arte viaje com percepção e sensibilidade neste universo plástico . A princípio pode até lhe causar espanto, mas a tendência é que procure a compreensão, a aceitação ou não. O que importa é que suas obras instigam as pessoas a pensar e a reagir.  

Obra Montanha 
 Criar durante uma pandemia que se abate sobre todo o Planeta certamente haverá alguma influência nas obras a serem produzidas por qualquer artista . É previsível, tendo em vista que estamos todos afetados por este vírus ainda de natureza desconhecida, inclusive da sua origem, embora tenham sido registrados na  China os primeiros casos de mortes. Leda diz que diante deste clima de medo  sentiu que "a pintura plana não era suficiente para expressar ideias, e assim através desses elementos construtivos fui buscando um corpo com uma forma própria para as obras".

Na obra Céu com Sol, tanto o céu quanto o sol são como se fossem detalhes, e os vários elementos superpostos lembram línguas  onde predominam as cores verdes e azuis. Foi produzido em acrílica sobre tecido, e também nos remete a tapetes  de retalhos que estamos acostumados a ver . Mas, esta obra tem refinamento de uma artista que conhece o seu ofício, e também repassa para os jovens os seus ensinamentos perceptivos e o fazer da arte .

Como a leitura de uma obra de arte permite várias interpretações, lembrei da construção de um romance onde o autor descreve seus personagens, e se você perguntar a vários leitores como idealizam tal personagem vamos perceber que cada um cria seu próprio personagem, tais as diferenças de percepção. Esta mesma visão serve para a leitura  das obras expostas pela Leda Catunda.

Defendo a importância das referências e o respeito pelo passado. Não existe presente sem passado. Para acompanharmos a evolução é preciso entender o passado. Nada começa do zero. Vi recentemente movimentos extremistas querendo destruir museus e estátuas de navegadores portugueses e espanhóis. A História tem que ser vista dentro do seu contexto de tempo. Claro que não concordamos hoje com a maneira e as formas desses colonizadores  tratarem pessoas e a própria terra. Mas, temos que ver o contexto e a época. No criminoso incêndio do Museu Nacional, de perda inestimável para o nosso país, li manifestações absurdas de extremistas achando uma coisa trivial o fogo consumir milhares de objetos históricos e de arte. Inclusive o responsável pelo museu era um extremista que está fugido da Justiça. Coisas do nosso Brasil. 

 Tigrão, esmalte  e
acrílica sobre tecido. 
As obras expostas são uma demonstração da presença do passado. Primeiro vieram as pinturas ruprestes nas paredes das cavernas, nos couros de animais , nas tábuas durante a Idade Média , nas telas de tecidos e noutras plataformas todas servindo para os artistas expressarem sua imaginação e sentimento. Já Leda Catunda escolheu o tecido , partindo de um desenho foi colando os elementos que compõem brilhantemente as suas obras.  Parabéns à artista e ao galerista Paulo Darzé por trazer esta importante exposição para nossa Salvador. 

Lembro que nos anos 80 houve um explosão de artistas em todo o mundo fazendo assemblage , que é um termo francês que significa montagem. Assim, os artistas reuniam os mais diferentes objetos de plástico, tecidos, madeiras, ferro e com cola , solda ou até pregos fixavam numa placa de madeira, plástico , tecido ou metal e expunham. É bom salientar que os objetos reunidos representavam algo novo, mas conservavam sua originalidade. 

Quem usou pela primeira vez a assemblage foi o artista francês Jean Dubuffet  que nasceu em 1901 e faleceu em 1985. Era adepto do dadaísmo, que era um movimento vanguardista  surgido no início do século passado. A palavra dadaísmo  vem da palavra dadá que não significa nada, embora aqui no Brasil muita gente tem este apelido afetivo. 

Já o movimento dadaísmo surgiu exatamente em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial como contestação aos valores culturais vigentes. Uma das características principais das obras dos dadaistas é que elas são desconexas, sem um sentido aparente, uma forma de protesto contra o absurdo da guerra.



segunda-feira, 24 de maio de 2021

O MÉDICO QUE TAMBÉM ENSINOU A PINTAR

Na foto  vemos o Colégio dos Jesuítas, em 1808,
no Terreiro de Jesus, hoje funciona a Faculdade 
 de  Medicina. Esta obra foi feita em carvão sobre 
papel com  60 cm x 164 cm  é datada de 1956.   
    
O médico Octávio Torres  era um  profissional conceituado em Salvador nos idos de 1910,especialista em doenças tropicais,  mas tinha uma outra habilidade que era a arte de desenhar. Ele deixou registrado em seus desenhos feitos a carvão de algumas cenas da Cidade do Salvador no início do século XX. Era natural da Vila Santa Izabel do Paraguaçu, hoje município de Mucugê, onde   nasceu em 25 de setembro de 1885. Estudou Medicina  sendo diplomado em 1909, tornando-se depois  professor Catedrático de Patologia Geral, em 1912.                                                                           
Imagem de Octávio
Torres ,na Faculdade
de Medicina da UFBA.
O desenhista Octávio Torres frequentou  também o Liceu de Artes e Ofícios, e estudou na Escola de Belas Artes os cursos de pintura, escultura e arquitetura, sendo que este último não chegou a concluir, interrompendo no segundo ano. Ganhou uma bolsa de estudos  para os Estados Unidos indo estudar na Universidade de Harvard , Instituto Rockfeller e  no laboratório bacteriológico na cidade de Washington. Tem mais de 250 publicações científicas, literárias e biografias. Aposentou-se após 44 anos de serviço, e faleceu em Salvador no dia 31 de maio de 1963.
  No livro Vultos da Medicina Brasileira, o autor Carlos Silva Lacaz escreveu sobre Octávio Torres :

"Que os moços saibam enaltecer a obra científica e social do professor Octávio Torres, brasileiro dos mais ilustres, trabalhador infatigável, o grande animador da campanha pró-lázaros em terras da Bahia". 
Vemos ai a Praça dos Veteranos ,também em 
carvão feito pelo médico pintor e desenhista
Ensinou na Escola de Belas Artes a disciplina Anatomia e Fisiologia Artísticas após concurso que prestou em 1932. Lembra o professor Juarez Paraíso que "Octávio Torres era da geração dos professores da década de 1930 e 1950 . Ele foi substituído por Aldemiro Brochado  que fez um brilhante concurso para Livre Docente na cadeira de Anatomia Artística . Brochado não desenhava bem. Fui convidado por ele para dar aulas de Desenho , dizendo que tinha sabido que eu era o melhor professor de Desenho da EBA. Eu respondi, dizendo que isto não era verdade , mas que, de qualquer forma, esperava que ele fosse um ótimo aluno . Resultado , ele tirou 10 na prova de Desenho Artístico , para assombro de todos , inclusive de três professores do Rio de Janeiro."