Certo dia, que não lembro a data, alguém me levou para conhecer uma coleção de obras do artista que um colecionador tinha num prédio localizado no Jardim dos Namorados. O colecionador era o médico Fernando Spínola, dono do Hotel Paulus. Ele construiu um |
Newton Silva com seu mestre Presciliano Silva. |
prédio ao lado que transformou num museu particular. Possuía na época em que visitei mais de 150 obras do mestre Newton Silva, onde pude ver uma bela Via Sacra, e obras retratando as sacristias, claustros, naves e fachadas dos principais templos barrocos de nossa Salvador. Ocupava quase todo o primeiro andar com as obras que ele se dispôs a colecionar em tamanhos grandes . Newton Raymundo Silva ou Newton Silva, como o conhecemos .Com o falecimento do Fernando Spínola a família vendeu as obras , dizem que a preços abaixo do mercado, e atualmente estão espalhadas por galerias e colecionadores particulares . A informação que tenho é que a viúva não gostava de obras de arte, talvez até devido a compulsão do esposo em adquirir muitas obras de um mesmo artista . No alto uma foto do mestre que não gostava muito de ser fotografado. |
Desenho "Portaria da Igreja de São Francisco - Hora do Almoço". |
O artista nasceu em 1918 e concluiu seu curso de pintura na Escola de Belas Artes em 1939, e já em 1942 ocupa o cargo de Assistente da Cadeira de Desenho de Modelo na própria Escola. Neste período recebeu o prêmio Legado de Caminhoá. Em 1954 ganha um Prêmio de Viagem para o Rio de Janeiro no IV Salão Bahiano de Belas Artes, e presta concurso para Livre Docente da cadeira de Desenho Artístico, sendo nomeado por Getúlio Vargas. Ganha outros prêmios e realiza várias exposições sendo a última em 1995 na Galeria Cañizares. Aos 77 anos de idade ainda estava em atividade e declarou numa entrevista que "Há 50 anos que venho lutando para fazer uma coisa tolerável. Acho que consegui, mas sei que ainda é pouco. Esta minha ansiedade à pintura, à arte acadêmica , à arte de modo geral é um pouco ingrata. Ela reclama muita coisa , o artista precisa de muito estudo, de dedicação, de entusiasmo, para conseguir ir em frente. Não acredito em sensibilidade. O artista é sensível quando ele sabe executar. Não cheguei ainda à minha maturidade. Entrou na Escola de Belas Artes , juntamente com Mendonça Filho que foi ser Diretor, e em companhia dos artistas considerados na época realistas entre eles Jair Brandão e Emídio Magalhães. Foi um discípulo muito ligado ao mestre Presciliano Silva, e chegou a pintar em seu atelier no Boulevard Suiço, no bairro de Nazaré. Ele era uma espécie de assistente e fazia muitos desenhos que depois eram pintados pelo seu mestre Presciliano Silva. Suas obras tem um rico detalhamento, o jogo de luz e sombra, a perspectiva bem definida. Enfim, são obras dignas de serem apreciadas e perpetuadas.
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Frade rezando na igreja de São Francisco. |
Consta que o Presciliano costumava chamar alguns alunos de mais talento ou mesmo àqueles que enfrentavam alguma dificuldade para adquirir materiais para pintar e com eles ficava píntando e repassando seus ensinamentos. A compra de materiais naquela época era custosa porque as tintas, pincéis, lápis e papéis de qualidade eram importados e custavam caro. Aos que não podiam comprar ele cedia com discrição e muito boa vontade. Todos sabem que o atelier de Presciliano era um espaço aberto e que ele recebia visitantes e clientes com tranquilidade. Nos Salões das Letras e Artes , conhecidos como os Salões da Ala, que eram realizados em Salvador por Carlos Chiacchio anualmente, quase sempre na primavera, durante os anos 1937 a 1948 o Newton Silva participou de alguns deles. Embora muitos artistas continuassem apresentando suas obras clássicas alguns já mostravam os caminhos da Arte Moderna na Bahia. Entre eles Newton Silva, Jair Brandão, Diógenes Rebouças, Carl Brussel, Abrahão Kosminsky e Célia Calmon. O próprio Carlos Chiacchio não aderiu logo ao modernismo que chegou a dizer que eram "deformações à reação aos valores tradicionais". Natural este tipo de reação dentro do contexto da época.
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Óleo sobre tela "Refeitório da Igreja de São Francisco." |
NO ATELIER DO MESTRE
No dia 28 de maio de 1990 escrevi um artigo sobre uma visita que fiz ao atelier do professor Newton Silva, que funcionava na rua ao lado do Fórum Rui Barbosa, no Campo da Pólvora , com o título "Mestre Newton Silva expõe após 12 anos de ausência". Vejam : "Invadi o sossego do mestre. Exatamente foi esta a sensação que senti ao entrar no atelier do mestre Newton Silva que aos 74 anos de idade continua pintando sem parar. Calmo e meticuloso ele vai construindo o seu mundo pictórico onde surgem os belos tetos das sacristias e outros interiores de nossas igrejas. Uma pintura imorredoura, dessas que atravessam os séculos e causam espanto e admiração pela sua grandiosidade, pela técnica, pelo conhecimento da perspectiva e composição. Uma pintura que poucos eleitos conseguem realizar, e, para nossa felicidade, temos na Bahia uma dessas figuras raras que, isolado no seu atelier , na Rua do Tingui, assiste do alto da sua majestade o tempo passar. O que lhe interessa são os interiores ricos de elementos plásticos, onde guarda os segredos do passado.
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Desenho " Mendigos nº 3 " , sem data |
Quando digo que ele trabalha sem pressa é porque os grandes artistas sempre acham que suas obras estão inacabadas . A cada olhar têm sempre algo a modificar . Isto é fruto de uma auto crítica rígida , onde todos os elementos que compõem as suas obras são refletidos com muito vagar. E o mestre Newton Silva na sua simplicidade vai inserindo ou retirando elementos até que a obra seja levada por um colecionador mais apressado. Fico realmente sem entender é como uma obra tão importante não recebia dos órgãos responsáveis por nossa cultura uma atenção especial. Não posso entender porque muita gente não conhece o seu trabalho , a sua dedicação pela arte, a sua visão plástica, a sinceridade com que desempenha o seu papel em registrar na tela a riqueza dos nossos templos tão ricos! |
Newton Silva pintando. Esta foto rara foi feita por um parente sem ele ver. |
Aposentado como professor de Desenho das Escolas de Belas Artes e depois Arquitetura , agora pode dedicar-se com mais intensidade à sua arte. Já está preparando uma exposição de seus quadros .Será uma oportunidade ímpar dos jovens artistas , dos que gostam de arte de conhecerem um pouco mais da arte de Newton Silva. A última exposição que fez foi em 1970, em Brasília . De lá para cá ficou produzindo e vendendo tudo que fazia a colecionadores. O artista era irmão do jurista Adhemar Raymundo da Silva, que foi professor da Faculdade de Direito da Ufba e ministro do Superior Tribunal de Justiça - STJ, era mestre em Direito Penal e Direito Processual Penal. Adhemar tinha um temperamento hiperativo, enquanto Newton era calmo, paciente. Podemos dizer que tinham temperamentos opostos, no sentido de um ser muito ativo e o outro mais tranquilo. Seu filho Marcelo Silva conta que ele foi o modelo de Cristo na Via Sacra que estava no museu particular de Fernando Spínola. A sua mãe fez uma roupa especial que vestiu e ficava posando para o pai . Lembra que na época tinha o cabelo grande e era jovem . "Ai perguntei ao meu pai: sou eu que vou posar de Cristo vestindo esta roupa? Daí ele respondeu : É você mesmo! Então fiquei várias horas, em dias alternados posando, e ele pintando ".
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Obra que seu filho readquiriu, retratando crianças. |
Outra história que recorda é que o pai pintou um quadro com várias crianças quando ele tinha por volta de uns sete anos. Acompanhou desde o desenho a todas as fases subsequentes até que o quadro ficou pronto. O pai colocou na parede ,e Marcelo criou um relacionamento emocional com a obra, apesar da pouca idade. Tempos depois o pai disse que ia vender a tela e vendeu. Marcelo revela que até chorou. E que seu pai o aconselhou a não se apegar a uma obra de arte, e "profetizou": um dia você poderá ainda encontrar este quadro. Já adulto, reencontrou o quadro na Galeria da Barra, e o adquiriu de volta, o qual guarda com muito carinho. "Este trabalho não me escapa mais. É feito sobre uma placa de Eucatex e gosto muito", me disse Marcelo , emocionado. Ele tem ainda uma coleção importante de desenhos do pai. Já tentaram comprar , mas até agora se nega a vender. Todos sabem que Newton Silva era um mestre no desenho .No livro Elizabeth Maia Fernandes traça alguns aspectos da vida do mestre, e ressalta no prefácio o bom humor e a paciência com que era recebida todas às vezes que o procurava para colher dados para seu livro. Isto foi nos idos de 1995, e o professor já estava com 77 anos de idade, e em plena atividade. Ele veio a falecer em 1997. dois anos depois aos 79 anos de idade.
atelier de Presciliano não se fazia apenas
no plano do trabalho artístico, repetiu-se
nas relações interpessoais, recebia amigos,
clientes, vizinhos e raramente alunos. Selecionou aqueles alunos em que percebia
talento especial como Emídio Magalhães, Diógenes Rebouças, Humberto Peixoto,
Jacyra Oswald, Raimundo Newton da Silva, Carlos Augusto Bandeira, que se tornaram
professores da universidade, e ainda Colete Pujol19.
A professora da Escola de Belas Artes da UFBA, Odete Valente lembrou que Presciliano
“convidava os alunos mais pobres para irem ao seu atelier, dava-lhes tintas, pincéis,
telas, tudo isto discretamente. As tintas eram estrangeiras, coisa aliás que exigia de
todos nós. Só sabíamos de sua generosidade pelos próprios beneficiados”.2
atelier de Presciliano não se fazia apenas
no plano do trabalho artístico, repetiu-se
nas relações interpessoais, recebia amigos,
clientes, vizinhos e raramente alunos. Selecionou aqueles alunos em que percebia
talento especial como Emídio Magalhães, Diógenes Rebouças, Humberto Peixoto,
Jacyra Oswald, Raimundo Newton da Silva, Carlos Augusto Bandeira, que se tornaram
professores da universidade, e ainda Colete Pujol19.
A professora da Escola de Belas Artes da UFBA, Odete Valente lembrou que Presciliano
“convidava os alunos mais pobres para irem ao seu atelier, dava-lhes tintas, pincéis,
telas, tudo isto discretamente. As tintas eram estrangeiras, coisa aliás que exigia de
todos nós. Só sabíamos de sua generosidade pelos próprios beneficiados”.2
A comunicação exterior - interior do
atelier de Presciliano não se fazia apenas
no plano do trabalho artístico, repetiu-se
nas relações interpessoais, recebia amigos,
clientes, vizinhos e raramente alunos. Selecionou aqueles alunos em que percebia
talento especial como Emídio Magalhães, Diógenes Rebouças, Humberto Peixoto,
Jacyra Oswald, Raimundo Newton da Silva, Carlos Augusto Bandeira, que se tornaram
professores da universidade, e ainda Colete Pujol19.
A professora da Escola de Belas Artes da UFBA, Odete Valente lembrou que Presciliano
“convidava os alunos mais pobres para irem ao seu atelier, dava-lhes tintas, pincéis,
telas, tudo isto discretamente. As tintas eram estrangeiras, coisa aliás que exigia de
todos nós. Só sabíamos de sua generosidade pelos próprios beneficiados”.2