JORNAL A TARDE SEGUNDA-FEIRA, 27
DE OUTUBRO DE 1986.
O IMAGINÁRIO TROPICAL NA VISÃO DE TRÊS ARTISTAS
Os artistas baianos Chico Liberato, Juraci Dória e Sante Scaldaferri. |
É
o Juraci Dória que depois de expor aqueles couros espichados no sertão de
Canudos resolveu trazer os beatos e beatas, aquelas figuras fortes que vestem
preto anos a fio em memória de um parente próximo que se foi. Assim, andando
entre vaqueiros, touros e caminhos pontilhados de mandacarus e gente escuta um
som de sofrimento, mas de Fortaleza. A gente vê nas cores vivas que derramam um
pouco de vida naquela terra esturricada onde quase não é possível sobreviver. A
temática está no sangue de cada um deles, mesmo deste italiano de araque que é
tabaréu até no jeito de andar.
O Homem Porco na Festa do Divino, de Sante, 1986. |
Eles estão expondo até o dia 28 no Escritório de Arte da Bahia, que fica no prédio do Salvador Praia Hotel. Deixo para você texto inserido no catálogo que escrevi falando sobre a arte destes três nordestinos:
“Estamos
diante de três artistas que trazem a marca inconfundível de sua gente.Vivem e
trabalham separadamente, mas estão unidos na essência, cada um procurando expressar
a sua individualidade. Três nordestinos acostumados a enfrentar as longas
estiagens de dificuldade com criatividade. Agora eles estão mostrando 21 telas onde podemos sentir a grandiosidade de
uma arte regional que é universal na sua mensagem.Nos traços, nas cores cruas e
na temática o espectador pode fazer uma leitura dentro do plano do seu
conhecimento.É a transmutação de sentimentos expressada através de figuras às
vezes grotescas ou mesmo bem comportadas. A variação está exatamente
fundamentada nesta dicotomia que o homem traz dentro de si: suas
características pessoais que são fruto de herança e os valores acrescidos na
convivência, na experiência da vida.
Encontro Cordial, de Chico |
Fantasia Sertaneja, de Juraci Dória |
O
drama humano, o drama do homem sertanejo, que é diverso do drama do homem da
cidade , é cheio de momentos de tristeza e também de grandeza. Com obstinação e
com os olhos voltados para as coisas do espírito eles vão percorrendo os caminhos
espinhentos da vida.
As
situações expressas por Juraci Dória e as fantasias enriquecem a obra de Chico
Liberato. Por falar em Liberato é preciso dizer que ele estava com os olhos
voltados para a Sétima Arte. Esqueceu por algum tempo os pincéis e agora está
pintando como nunca. Seus últimos quadros são muito expressivos e apresentam
composições muito detalhadas. Um trabalho forte como as coisas do sertão.”
Margarita
Ferré, nascida em Barcelona, é uma escultora que traz a marca catalã.Ela mostra
peças monumentalistas, fiéis a expressão do íntimo humano: o drama e o
cotidiano. “ A Fila, A Entrega , Repouso, Adeus,Euforia,são alguns entre seus
tantos trabalhos que nos revelam, por uma alusão proporcional, momentos e
movimentos profundamente humanos: formas humanas geometrizadas, isoladas ou em
grupos, leves, altas, livres ou enlaçadas, expressando independência de
autonomia sensual em cada ato.
ESTRANHOS
VISITANTES
Um
salão de nos artistas recebeu a visita de duas figuras “ilustres”. Eles vieram
de locais diferentes: Um chama Polaris e desceu em pleno Corredor da
Vitória montado num desses disquinhos voadores que sempre são vistos por
aficionados das histórias em
quadrinhos. O outro é Fazedor de Versos Quebrados, desses que
pagam para que sejam incluídos em antologias de qualidade duvidosa. Seu nome
Patus.
Ambos
resolveram visitar um Salão e escrever sobre arte!Daí saiu uma porção de
sandices coisas das outras galáxias e de porta de botequim. Deitaram falácias
sobre os artistas, discorreram sobre técnicas e até deram conselhos...
O
extraterreno chegou a fazer a leitura de um quadro onde agride o artista
dizendo que o jovem queria um trabalho para inscrever-se de qualquer forma num
Salão. Segundo Polaris depois de pintar um velho de costas resolveu jogar os
pincéis contra a tela salpicando de tintas. Compreendendo até certo ponto a
ignorância do extraterreno com a nossa arte realmente ele não desenvolveu a
capacidade de compreender e de fazer uma leitura de uma obra de arte. Sempre
escreveu e viu coisas de outras galáxias e bichos pré históricos.
A
sua presença assusta. Aliás vivemos assustados com a invasão dessas estranhas
figuras de cores luminosas e que se deslocam com rapidez. Ficamos apavorados
principalmente quando eles resolvem meter o nariz exatamente numa coisa tão
sensível como a arte.Que eles continuem vasculhando os céus e escrevam sobre
pegadas de animais pré históricos. Mas escrever sobre arte, não.E, este não,
deve ser repetido em coro,com veemência , assim evitaremos as distorções dos
fatos, de lermos sandices e evitamos que desrespeitem os artistas. Basta citar
que acredita que o número de visitantes de uma exposição pode ser medido por um
livro colocado na entrada de um Museu. Ele não sabe ou talvez até sopraram
maldosamente para ele. Esqueceram de dizer que a grande maioria dos visitantes
não assina livro. Isto só ocorre quando o funcionário pede ao visitante que
deixe ali sua assinatura gravada.
Quanto
aos amadores é preciso saber que aqui na Terra ninguém começa artista profissional.
Todos dão os primeiros passos e muitos começam como amadores e logo depois são
bons profissionais. Felizmente o Polaris não habita esta Galáxia. Á esta altura
ele já deve ter voltado em seu disquinho voador e deve estar fazendo novas
leituras e blasfemando pelo que não sabe.
Ah!
Ia esquecendo de falar do poetinha de versos quebrados. Pensei até que fosse
parente dos nossos antepassados lusos. Mas, depois descobri que não é. Pouco
tenho a falar sobre ele. Apenas que é um pobre terráqueo e que gosta de
blasfemar contra o teatro, assassina a Poesia, o Cinema e agora as Artes
Plásticas. É eclético e não tem rumo...
Finalmente,
para nós que somos daqui e que compreendemos as mensagens plásticas dos
artistas, o Salão dos Novos é um sucesso. Somente no dia da abertura tinham
mais de 700 pessoas e 2 mil já visitaram. O Salão revelou muitos talentos e deu
oportunidade a 287 artistas de mostrarem o que estão fazendo.
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