quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O IMAGINÁRIO TROPICAL NA VISÃO DE 3 ARTISTAS - 27 DE OUTUBRO DE 1986


JORNAL A TARDE SEGUNDA-FEIRA, 27 DE OUTUBRO DE 1986.

                  O IMAGINÁRIO TROPICAL NA VISÃO DE TRÊS ARTISTAS

Os artistas baianos Chico Liberato, Juraci Dória e
Sante Scaldaferri.
Como diria um autêntico, nordestino esta exposição “é de arrepiá”. Nada menos que três criaturas voltadas para a cultura nordestina estão expondo juntos. O velho Sante Scaldaferri com suas barbas brancas e sua finada cabeleira... O Chico Liberato que veio montado em seu boi Aruá com os chifres afiados, bufando e colocando os galegos que habitam esta cidade para correr.
É o Juraci Dória que depois de expor aqueles couros espichados no sertão de Canudos resolveu trazer os beatos e beatas, aquelas figuras fortes que vestem preto anos a fio em memória de um parente próximo que se foi. Assim, andando entre vaqueiros, touros e caminhos pontilhados de mandacarus e gente escuta um som de sofrimento, mas de Fortaleza. A gente vê nas cores vivas que derramam um pouco de vida naquela terra esturricada onde quase não é possível sobreviver. A temática está no sangue de cada um deles, mesmo deste italiano de araque que é tabaréu até no jeito de andar.
O Homem Porco na Festa do
Divino, de Sante, 1986.
São amigos. Destes que curtem o mesmo cigarro de corda e comem num saco de linhagem a farinha seca com carne do sertão. Porém, conservam a sua individualidade plástica. Vêem com os olhos agudos e se expressam com grandiosidade. Erudição fica como pano de fundo, porque na realidade sua linguagem expressa o sentimento de um poço sofrido que mal tem o que comer e não lhe permitiram que conhecesse erudição. A sabedoria desta gente é como água límpida de um tanque ou de uma barroca que enche na época das trovoadas. É desta gente que eles nos falam. É este povo que eles enfocam numa linguagem plástica que é universal.
 Eles estão expondo até o dia 28 no Escritório de Arte da Bahia, que fica no prédio do Salvador Praia Hotel. Deixo para você texto inserido no catálogo que escrevi falando sobre a arte destes três nordestinos:
“Estamos diante de três artistas que trazem a marca inconfundível de sua gente.Vivem e trabalham separadamente, mas estão unidos na essência, cada um procurando expressar a sua individualidade. Três nordestinos acostumados a enfrentar as longas estiagens de dificuldade com criatividade. Agora eles estão mostrando 21  telas onde podemos sentir a grandiosidade de uma arte regional que é universal na sua mensagem.Nos traços, nas cores cruas e na temática o espectador pode fazer uma leitura dentro do plano do seu conhecimento.É a transmutação de sentimentos expressada através de figuras às vezes grotescas ou mesmo bem comportadas. A variação está exatamente fundamentada nesta dicotomia que o homem traz dentro de si: suas características pessoais que são fruto de herança e os valores acrescidos na convivência, na experiência da vida.
Encontro Cordial, de Chico
Eles habitam o universo sertanejo como participantes ativos  e observadores sensíveis e, assim, vão captando os elementos necessários para o processo de transposição. Ai é que entra exatamente a individualidade de cada um deles. Sante Scaldaferri apresenta as suas figuras grotescas nos jogando na cara, muitas vezes o que de ruim procuramos esconder, e Juraci Dória expressa situações rurais onde as pessoas estão mais bem comportadas. Já o Chico Liberato chega com suas figuras mistas de bichos e homem enriquecidas pelas fantasias, tão esquecidas por aqueles encarregados de estudar a nossa cultura. As fantasias do homem do sertão carregam toda uma gama de expressividade, de entendimento próprio do mundo, que precisam ser olhados com maior profundidade.
Fantasia Sertaneja, de Juraci Dória
O Chico sabe disto, daí a sua linguagem plástica nos tocar com muita intensidade não permitindo que fiquemos alheios.
O drama humano, o drama do homem sertanejo, que é diverso do drama do homem da cidade , é cheio de momentos de tristeza e também de grandeza. Com obstinação e com os olhos voltados para as coisas do espírito eles vão percorrendo os caminhos espinhentos da vida.
As situações expressas por Juraci Dória e as fantasias enriquecem a obra de Chico Liberato. Por falar em Liberato é preciso dizer que ele estava com os olhos voltados para a Sétima Arte. Esqueceu por algum tempo os pincéis e agora está pintando como nunca. Seus últimos quadros são muito expressivos e apresentam composições muito detalhadas. Um trabalho forte como as coisas do sertão.”

                     ESCULTURAS DE MARGARITA  FERRÉ

Margarita Ferré, nascida em Barcelona, é uma escultora que traz a marca catalã.Ela mostra peças monumentalistas, fiéis a expressão do íntimo humano: o drama e o cotidiano. “ A Fila, A Entrega , Repouso, Adeus,Euforia,são alguns entre seus tantos trabalhos que nos revelam, por uma alusão proporcional, momentos e movimentos profundamente humanos: formas humanas geometrizadas, isoladas ou em grupos, leves, altas, livres ou enlaçadas, expressando independência de autonomia sensual em cada ato.

                                             ESTRANHOS VISITANTES


Um salão de nos artistas recebeu a visita de duas figuras “ilustres”. Eles vieram de locais diferentes: Um chama Polaris e desceu em pleno Corredor da Vitória montado num desses disquinhos voadores que sempre são vistos por aficionados das histórias em quadrinhos. O outro é Fazedor de Versos Quebrados, desses que pagam para que sejam incluídos em antologias de qualidade duvidosa. Seu nome Patus.
Ambos resolveram visitar um Salão e escrever sobre arte!Daí saiu uma porção de sandices coisas das outras galáxias e de porta de botequim. Deitaram falácias sobre os artistas, discorreram sobre técnicas e até deram conselhos...
O extraterreno chegou a fazer a leitura de um quadro onde agride o artista dizendo que o jovem queria um trabalho para inscrever-se de qualquer forma num Salão. Segundo Polaris depois de pintar um velho de costas resolveu jogar os pincéis contra a tela salpicando de tintas. Compreendendo até certo ponto a ignorância do extraterreno com a nossa arte realmente ele não desenvolveu a capacidade de compreender e de fazer uma leitura de uma obra de arte. Sempre escreveu e viu coisas de outras galáxias e bichos pré históricos.
A sua presença assusta. Aliás vivemos assustados com a invasão dessas estranhas figuras de cores luminosas e que se deslocam com rapidez. Ficamos apavorados principalmente quando eles resolvem meter o nariz exatamente numa coisa tão sensível como a arte.Que eles continuem vasculhando os céus e escrevam sobre pegadas de animais pré históricos. Mas escrever sobre arte, não.E, este não, deve ser repetido em coro,com veemência , assim evitaremos as distorções dos fatos, de lermos sandices e evitamos que desrespeitem os artistas. Basta citar que acredita que o número de visitantes de uma exposição pode ser medido por um livro colocado na entrada de um Museu. Ele não sabe ou talvez até sopraram maldosamente para ele. Esqueceram de dizer que a grande maioria dos visitantes não assina livro. Isto só ocorre quando o funcionário pede ao visitante que deixe ali sua assinatura gravada.
Quanto aos amadores é preciso saber que aqui na Terra ninguém começa artista profissional. Todos dão os primeiros passos e muitos começam como amadores e logo depois são bons profissionais. Felizmente o Polaris não habita esta Galáxia. Á esta altura ele já deve ter voltado em seu disquinho voador e deve estar fazendo novas leituras e blasfemando pelo que não sabe.
Ah! Ia esquecendo de falar do poetinha de versos quebrados. Pensei até que fosse parente dos nossos antepassados lusos. Mas, depois descobri que não é. Pouco tenho a falar sobre ele. Apenas que é um pobre terráqueo e que gosta de blasfemar contra o teatro, assassina a Poesia, o Cinema e agora as Artes Plásticas. É eclético e não tem rumo...
Finalmente, para nós que somos daqui e que compreendemos as mensagens plásticas dos artistas, o Salão dos Novos é um sucesso. Somente no dia da abertura tinham mais de 700 pessoas e 2 mil já visitaram. O Salão revelou muitos talentos e deu oportunidade a 287 artistas de mostrarem o que estão fazendo.
O resto é conversas de Polaris e Patus, dois personagens estranhos e mal informados.


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