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sábado, 11 de janeiro de 2025

A NATUREZA NA OBRA DE LEONARDO ALENCAR

 Leonardo Alencar tendo ao fundo
uma obra de  sua autoria
 .Foto Google.

Jornal A Tarde - Artes Visuais Sábado,  3 de maio de 1975 .
(texto reescrito)

O mar exercia uma grande influência na pintura do sergipano-baiano Leonardo Alencar. Assim, ele ia  criando seus pescadores, peixes e barcos em seu ateliê, cuja janela descortina a praia de Amaralina. É o casamento entre o criador e a temática que diariamente estão em perfeito contato. Agora ele está trabalhando para sua próxima exposição que será realizada no corrente mês, na Galeria Cañizares, onde mostrará 40 gravuras inéditas com a temática pescador, e todas realizadas no seu segundo ateliê que fica na praia do Jauá. Ele explica o seu fascínio pelo mar dizendo “sempre fui muito fascinado pela presença do mar e do homem no mar. Hoje por exemplo, vejo com tristeza duas máquinas destruindo e aniquilando o mar e o pescador. A primeira delas é a indústria, a tecnologia que lança diariamente toneladas de detritos os mais diversos, e, a segunda é o turismo que traz como consequência a quebra da ingenuidade, do calor e aconchego da gente simples que é o pescador. Sua vida está cada vez mais difícil porque os peixes estão  mais longe da beira da praia, devido a poluição e o barulho das cidades. Assim, sua vida além de mais difícil, corre maior risco porque são obrigados a viajar por várias milhas em busca do sustento.

Obra Papagaios com Cajus, óleo sobre
tela, de 1982.  
Seu trabalho artístico sempre foi calcado numa realidade brasileira e Leonardo Alencar participou ativamente do movimento artístico há poucos anos atrás. Hoje, muita gente pensa que Leonardo Alencar se afastou. Mas, para esses que pensam assim ele diz: “Quando se fala em participar da vida artística baiana, lembro-me que existe uma política muito séria entre os chamados pintores acadêmicos e os jovens. Acontece que eu era um jovem pintor e tive uma participação ativa nos mais variados setores em busca de uma oportunidade para a arte que fazíamos naquela época. Assim, organizamos seminários, palestras, debates, íamos aos jornais para divulgar nosso trabalho. Hoje vejo que não exerço uma participação intensa porque realizo o meu trabalho no ateliê e faço minhas exposições. Mas, isto não significa que tenha me ausentado de um compromisso ou mesmo que não devo participar do movimento artístico baiano. Devo dizer que tenho um imenso respeito pelos pintores jovens, e constantemente procuro discutir tudo aquilo que é novidade. O que não aceito é a presença de grande número de pintores que erradamente são chamados de primitivos. Sim, erradamente porque muitos deles são primários e não primitivos. Considero primitivos autênticos e representantes de uma cultura popular os que criam ex-votos, fazem tabuletas de circos mambembes, os quais não receberam nenhuma influência dos apelos visuais do mundo moderno. Basta dizer que normalmente recebemos centenas de apelos visuais e fora outras circunstâncias que envolvem o homem. Ora, um indivíduo que mora em Salvador já sofreu grande ataque assistindo televisão, indo ao cinema, lendo jornais e revistas, vive numa cidade urbana, não pode ser um autêntico primitivo. Certamente os seus valores e costumes já sofreram grande alteração, daí não aceitar esta confusão estabelecida entre o primário e o primitivo”.

Mini obra a óleo sobre Eucatex , de 1976
Disse ainda Leonardo Alencar que estava um pouco ausente da vida artística baiana, porque durante três dias da semana está viajando para Aracaju, atendendo a um chamado da Universidade Federal de Sergipe, onde ministra um curso de Desenho. É um trabalho – diz Leonardo Alencar - muito importante porque estou levando para aquele Estado técnicas que muitos não conheciam. Hoje estamos com um grupo que trabalha em continuidade, uma espécie de laboratório onde fazemos pesquisas e estudos.”Leonardo Alencar ministrou por três meses um curso de xilogravura e atualmente ensina Desenho e pintura, em regime de ateliê livre. Considera este seu trabalho semelhante aquele feito pelo artista e gravador Hansen Bahia há uns quinze anos atrás.” E conclui – Acredito que a participação do artista não pode ser medida com fronteiras, pois ela tem que ser globalizada. É por isto que ainda estou participando”.

                                                      DIFÍCIL

Obra Pássaro Verde, mini quadro a óleo 
sobre Eucatex.
O artista Leonardo Alencar também está fazendo algumas obras  tendo o cavalo como temática. Ele acha que a forma do cavalo é uma das mais difíceis de ser executada em termos plásticos. “Além do mais, é preciso ver que os animais que retrato transmitem tudo aquilo que penso e vejo da vida. A propósito, estou preparando um álbum onde aparecerão os cavalos mais importantes entre os quais: Silver, do Zorro, de Napoleão Bonaparte, Átila e outros. O cavalo sempre teve participação muito importante para a humanidade, como meio de transporte em tempos de paz e na guerra. Até na Alquimia o cavalo está presente e o vejo a figura do cavalo selvagem aquele que melhor representa o artista, um criador. O cavalo selvagem sou eu e todos que têm força de criar”. Quanto aos peixes, estou trabalhando numa série de 25 trabalhos a óleo. Acho que é a forma plástica mais fácil, porém de grande conotação simbólica. Mas creio que a relação plena e objeto na figura do peixe é muito difícil e exige uma participação criadora muito forte. Aí o artista tem de dar tudo de si para uma boa composição plástica”.

                                             ARTE CONTEMPORÂNEA

Esta foto  feita em Sergipe quando ele
fez 70 anos de idade. Estava contente
com a nova exposição.
Foto Google.
Falando sobre arte contemporânea Leonardo Alencar declarou que dentro de poucos anos retornará ao cavalete. Esta volta não diz nada de reflexão e sim uma maneira de humanização.Como membro do Instituto de Arte Contemporânea de Londres, Leonardo Alencar afirma que o instituto está obrigando os seus integrantes a trabalhar com o cavalete.” Porque do contrário ficamos naquele momento em que se fundem o artista e o projetista industrial. Assim aparecem os múltiplos e a natureza é desprezada pelo artista. Aparecem os múltiplos e o artista esquece a realidade social em que vive. É certo que a arte contemporânea, a arte cinética ou qualquer nome que dermos não perde a sua importância e o sentido de pesquisa. O que afirmo é que ela chegará a um ponto de saturação e haverá o retorno à natureza. Ela deve ser estudada e pesquisada, mas não reflete nossa realidade brasileira. Assim a arte industrializada terá que recorrer à arte de cavalete como forma de abrir os seus caminhos para a humanização”.

Obra a óleo sobre tela Mulher. 
- A arte é um processo de sublimação. Não devem existir fórmulas. Ela traz ´- segundo alguns teóricos um sentido de complexo de Édipo, de volta às origens. No entanto o artista plástico precisa conhecer tudo que está sendo feito no campo das artes plásticas. Deve desenhar e pintar muito, mas também ler para ter informações. É por isto que olho com muito carinho a arte contemporânea, os jovens artistas. Procuro também fazer onde os meus desenhos do meu jeito. É uma extensão espontânea da minha própria personalidade, pois somente assim surge a individualidade representem uma continuidade a criação no meu trabalho de arte.”Seu temperamento inquieto resultava em certos problemas familiares. Mas o que queria o menino Leonardo era pintar. Assim partiu para a cidade no interior de Alagoas à beira do São Francisco onde foi trabalhar com um mestre de obras pintando paredes de uma igreja. Teve um professor de desenho o Valter Barros , que foi o responsável por uma verdadeira revolução da arquitetura do Nordeste. Este professor morreu jovem, mas não desanimou Leonardo. Ele aprendera com o mestre de obras Olívio Martins a respeitar seu material de trabalho, lavando os pincéis, lavando os recipientes onde  guardava as tintas. Mas, sua família continuava irredutível. Uma família de juristas que tinha um filho com grande facilidade para aprender línguas não entendia porque ele insistia ser pintor. Queriam transformá-lo num diplomata ou talvez num professor de línguas, nunca num artista. Mas, Leonardo não desistiu e passou a exercer outras atividades paralelas como locutor de rádio, rádio ator, produtor, adaptador de novelas, chegando a aterrorizar o Estado com um trabalho de adaptação que fez. Mesmo assim o dinheiro que conseguia ganhar em grande parte era aplicado na arte. Em 1967 começou a ter suas primeiras experiencias com a cenografia. Houve um concurso no Teatro Amador em Sergipe e teve a oportunidade de conhecer Pascoal Carlos Magno. Fazendo cenografia viajou por alguns estados e conheceu a Bahia. Ficou encantado com nossas praias e com o cheiro do mar e o azul do céu de
O Peixe , bela xilogravura de Leonardo .
Salvador. Sabia que ia voltar. Acontece que em 1960 foi apresentado por seu tio Emilio Fontes a Vasconcelos Maia, então Diretor de Turismo. Assim realizou sua primeira exposição no Belvedere da Sé.  Depois passou dois anos como bolsista da Biblioteca Pública, que era dirigida por Péricles Diniz, grande incentivador das artes na Bahia. Nesta mesma época, foi ao Rio de Janeiro onde realizou uma exposição individual na Biblioteca Nacional. Quando terminou a bolsa de estudos já trabalhava no ateliê de Mário Cravo e Jenner Augusto muito lhe ajudou.

Assim, a pintura de Leonardo Alencar pode ser dividida, do ponto de vista técnico em duas partes: antes de vir à Bahia e depois de conhecer inclusive, técnicas de mistura de tintas, melhoria do desenho etc. Já do ponto de vista de motivação não houve qualquer mudança, apenas ele pintou as cores da cidade mágica que é Salvador. É por isto que ele chega a ver com certo pessimismo o que chamou de assistindo passivamente a desumanização de quanto ao movimento artístico baiano, ele considera como de paralização. “estamos que vivendo um hiato que vai definir os artistas da nossa geração como: José Maria, Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Emanoel Araújo e outros. O mercado é o suporte de um movimento artístico e no momento por enquanto não existe, é insignificante. Além de achar que nós estaremos no clímax do processo criador daqui a alguns anos”.

                                           QUEM É

Outro peixe sendo pintado por Leonardo
Alencar. Foto Google.
O artista  Leonardo Fontes de Alencar nasceu em 7 de abril de 1940 na cidade de Estância, em Sergipe. É filho de Clodoaldo de Alencar e Eurydice Fontes de Alencar. Seu interesse pela pintura começou desde criança seu primeiro contato foi com as revistas de histórias em quadrinhos que eram muito populares na época. Mas, foram as obras de J. Inácio e Álvaro dos Santos e Florival dos Santos que lhe despertou a vontae de continuar pintando. Recebeu o incentivo do professor Jordão Oliveira, e aqui nos anos 60 fez sua exposição. No ano seguinte expôs na Escola Nacional de Belas Artes, na Galeria Macunaíma, no Rio de Janeiro. De volta a Salvador ganha uma bolsa de estudos para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Depois em 1963 foi estudar cenografia na Escola de Teatro, da UFBA.

O Pato, xilogravura de Leonardo Alencar.
Graças a amizade com o colecionar alemão Ernst August Esteves viajou para a Europa onde foi artista residente num programa das indústrias Teves. De 1971 a 1974 morou em Londres, vindo residir em Salvador até os anos 80. Casou-se pela terceira vez em 82 com Racilda Aragão de Alencar, que passou a cuidar da produção de suas exposições. Teve quatro filhos em casamentos anteriores. Em 91, ilustrou o livro O Homem de Branco, do escritor baiano Adonias Filho, que foi editado somente na Inglaterra, com o título The Man in White. Passou a ser membro em 1997 do Metropolitan Museum of New York.

O artista plástico Leonardo Fontes de Alencar faleceu no dia 1º de outubro de 2016 em um hospital de Aracaju, em Sergipe. Segundo familiares, ele estava internado há mais de um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), por causa de uma infecção causada por complicações em uma cirurgia de câncer de pele. Sua  esposa Cacilda Aragão de Alencar com quem viveu por  34 anos disse na ocasião “que estava cuidando dele com muito carinho. E que ele transmitia paz enquanto viveu.”

 

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