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Leonardo Alencar tendo ao fundo uma obra de sua autoria .Foto Google. |
Jornal A Tarde - Artes Visuais Sábado, 3 de maio de 1975 .
(texto reescrito)
O mar exercia uma grande influência na pintura do sergipano-baiano
Leonardo Alencar. Assim, ele ia criando seus pescadores, peixes e barcos em
seu ateliê, cuja janela descortina a praia de Amaralina. É o casamento entre o
criador e a temática que diariamente estão em perfeito contato. Agora ele está
trabalhando para sua próxima exposição que será realizada no corrente mês, na Galeria
Cañizares, onde mostrará 40 gravuras inéditas com a temática pescador, e todas
realizadas no seu segundo ateliê que fica na praia do Jauá. Ele explica
o seu fascínio pelo mar dizendo “sempre fui muito fascinado pela presença do
mar e do homem no mar. Hoje por exemplo, vejo com tristeza duas máquinas
destruindo e aniquilando o mar e o pescador. A primeira delas é a indústria, a
tecnologia que lança diariamente toneladas de detritos os mais diversos, e, a
segunda é o turismo que traz como consequência a quebra da ingenuidade, do
calor e aconchego da gente simples que é o pescador. Sua vida está cada vez
mais difícil porque os peixes estão mais longe da beira da praia, devido
a poluição e o barulho das cidades. Assim, sua vida além de mais difícil, corre
maior risco porque são obrigados a viajar por várias milhas em busca do
sustento.”
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Obra Papagaios com Cajus, óleo sobre tela, de 1982. |
Seu
trabalho artístico sempre foi calcado numa realidade brasileira e Leonardo Alencar participou ativamente do movimento artístico há poucos anos atrás. Hoje, muita gente
pensa que Leonardo Alencar se afastou. Mas, para esses que pensam assim ele
diz: “Quando se fala em participar da vida artística baiana, lembro-me que
existe uma política muito séria entre os chamados pintores acadêmicos e os
jovens. Acontece que eu era um jovem pintor e tive uma participação ativa nos
mais variados setores em busca de uma oportunidade para a arte que fazíamos
naquela época. Assim, organizamos seminários, palestras, debates, íamos aos
jornais para divulgar nosso trabalho. Hoje vejo que não exerço uma participação
intensa porque realizo o meu trabalho no ateliê e faço minhas exposições. Mas,
isto não significa que tenha me ausentado de um compromisso ou mesmo que não
devo participar do movimento artístico baiano. Devo dizer que tenho um imenso
respeito pelos pintores jovens, e constantemente procuro discutir tudo aquilo
que é novidade. O que não aceito é a presença de grande número de pintores que
erradamente são chamados de primitivos. Sim, erradamente porque muitos deles
são primários e não primitivos. Considero primitivos autênticos e
representantes de uma cultura popular os que criam ex-votos, fazem tabuletas de
circos mambembes, os quais não receberam nenhuma influência dos apelos visuais
do mundo moderno. Basta dizer que normalmente recebemos centenas de apelos
visuais e fora outras circunstâncias que envolvem o homem. Ora, um indivíduo
que mora em Salvador já sofreu grande ataque assistindo televisão, indo ao
cinema, lendo jornais e revistas, vive numa cidade urbana, não pode ser um
autêntico primitivo. Certamente os seus valores e costumes já sofreram grande
alteração, daí não aceitar esta confusão estabelecida entre o primário e o
primitivo”.
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Mini obra a óleo sobre Eucatex , de 1976 |
Disse ainda
Leonardo Alencar que estava um pouco ausente da vida artística baiana, porque
durante três dias da semana está viajando para Aracaju, atendendo a um chamado
da Universidade Federal de Sergipe, onde ministra um curso de Desenho. É um
trabalho – diz Leonardo Alencar - muito importante porque estou levando para
aquele Estado técnicas que muitos não conheciam. Hoje estamos com um grupo que
trabalha em continuidade, uma espécie de laboratório onde fazemos pesquisas e
estudos.”Leonardo
Alencar ministrou por três meses um curso de xilogravura e atualmente ensina Desenho
e pintura, em regime de ateliê livre. Considera este seu trabalho semelhante
aquele feito pelo artista e gravador Hansen Bahia há uns quinze anos atrás.” E
conclui – Acredito que a participação do artista não pode ser medida com
fronteiras, pois ela tem que ser globalizada. É por isto que ainda estou
participando”.
DIFÍCIL
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Obra Pássaro Verde, mini quadro a óleo sobre Eucatex. |
O artista
Leonardo Alencar também está fazendo algumas obras tendo o cavalo como temática. Ele acha que
a forma do cavalo é uma das mais difíceis de ser executada em termos plásticos.
“Além do mais, é preciso ver que os animais que retrato transmitem tudo aquilo
que penso e vejo da vida. A propósito, estou preparando um álbum onde
aparecerão os cavalos mais importantes entre os quais: Silver, do Zorro, de
Napoleão Bonaparte, Átila e outros. O cavalo sempre teve participação muito
importante para a humanidade, como meio de transporte em tempos de paz e na
guerra. Até na Alquimia o cavalo está presente e o vejo a figura do cavalo
selvagem aquele que melhor representa o artista, um criador. O cavalo selvagem
sou eu e todos que têm força de criar”. Quanto aos
peixes, estou trabalhando numa série de 25 trabalhos a óleo. Acho que é a forma
plástica mais fácil, porém de grande conotação simbólica. Mas creio que a
relação plena e objeto na figura do peixe é muito difícil e exige uma
participação criadora muito forte. Aí o artista tem de dar tudo de si para uma
boa composição plástica”.
ARTE
CONTEMPORÂNEA
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Esta foto feita em Sergipe quando ele fez 70 anos de idade. Estava contente com a nova exposição. Foto Google. |
Falando
sobre arte contemporânea Leonardo Alencar declarou que dentro de poucos anos retornará
ao cavalete. Esta volta não diz nada de reflexão e sim uma maneira de
humanização.Como membro
do Instituto de Arte Contemporânea de Londres, Leonardo Alencar afirma que o
instituto está obrigando os seus integrantes a trabalhar com o cavalete.”
Porque do contrário ficamos naquele momento em que se fundem o artista e o
projetista industrial. Assim aparecem os múltiplos e a natureza é desprezada
pelo artista. Aparecem os múltiplos e o artista esquece a realidade social em
que vive. É certo que a arte contemporânea, a arte cinética ou qualquer nome
que dermos não perde a sua importância e o sentido de pesquisa. O que afirmo é
que ela chegará a um ponto de saturação e haverá o retorno à natureza. Ela deve
ser estudada e pesquisada, mas não reflete nossa realidade brasileira. Assim a
arte industrializada terá que recorrer à arte de cavalete como forma de abrir
os seus caminhos para a humanização”.
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Obra a óleo sobre tela Mulher. |
- A arte é
um processo de sublimação. Não devem existir fórmulas. Ela traz ´- segundo
alguns teóricos um sentido de complexo de Édipo, de volta às origens. No
entanto o artista plástico precisa conhecer tudo que está sendo feito no campo
das artes plásticas. Deve desenhar e pintar muito, mas também ler para ter
informações. É por isto que olho com muito carinho a arte contemporânea, os
jovens artistas. Procuro também fazer onde os meus desenhos do meu jeito. É uma
extensão espontânea da minha própria personalidade, pois somente assim surge a
individualidade representem uma continuidade a criação no meu trabalho de
arte.”Seu
temperamento inquieto resultava em certos problemas familiares. Mas o que
queria o menino Leonardo era pintar. Assim partiu para a cidade no interior de
Alagoas à beira do São Francisco onde foi trabalhar com um mestre de obras
pintando paredes de uma igreja. Teve um professor de desenho o Valter Barros ,
que foi o responsável por uma verdadeira revolução da arquitetura do Nordeste.
Este professor morreu jovem, mas não desanimou Leonardo. Ele aprendera com o
mestre de obras Olívio Martins a respeitar seu material de trabalho, lavando os
pincéis, lavando os recipientes onde guardava as tintas. Mas, sua família continuava
irredutível. Uma família de juristas que tinha um filho com grande facilidade
para aprender línguas não entendia porque ele insistia ser pintor. Queriam transformá-lo
num diplomata ou talvez num professor de línguas, nunca num artista. Mas,
Leonardo não desistiu e passou a exercer outras atividades paralelas como
locutor de rádio, rádio ator, produtor, adaptador de novelas, chegando a
aterrorizar o Estado com um trabalho de adaptação que fez. Mesmo assim o
dinheiro que conseguia ganhar em grande parte era aplicado na arte. Em 1967 começou
a ter suas primeiras experiencias com a cenografia. Houve um concurso no Teatro
Amador em Sergipe e teve a oportunidade de conhecer Pascoal Carlos Magno.
Fazendo cenografia viajou por alguns estados e conheceu a Bahia. Ficou
encantado com nossas praias e com o cheiro do mar e o azul do céu de
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O Peixe , bela xilogravura de Leonardo . |
Salvador.
Sabia que ia voltar. Acontece que em 1960 foi apresentado por seu tio Emilio
Fontes a Vasconcelos Maia, então Diretor de Turismo. Assim realizou sua
primeira exposição no Belvedere da Sé.
Depois passou dois anos como bolsista da Biblioteca Pública, que era
dirigida por Péricles Diniz, grande incentivador das artes na Bahia. Nesta
mesma época, foi ao Rio de Janeiro onde realizou uma exposição individual na
Biblioteca Nacional. Quando terminou a bolsa de estudos já trabalhava no
ateliê de Mário Cravo e Jenner Augusto muito lhe ajudou.
Assim, a
pintura de Leonardo Alencar pode ser dividida, do ponto de vista técnico em
duas partes: antes de vir à Bahia e depois de conhecer inclusive, técnicas de
mistura de tintas, melhoria do desenho etc. Já do ponto de vista de motivação
não houve qualquer mudança, apenas ele pintou as cores da cidade mágica que é
Salvador. É por isto
que ele chega a ver com certo pessimismo o que chamou de assistindo
passivamente a desumanização de quanto ao movimento artístico baiano, ele
considera como de paralização. “estamos que vivendo um hiato que vai definir os
artistas da nossa geração como: José Maria, Calasans Neto, Sante Scaldaferri,
Emanoel Araújo e outros. O mercado é o suporte de um movimento artístico e no
momento por enquanto não existe, é insignificante. Além de achar que nós
estaremos no clímax do processo criador daqui a alguns anos”.
QUEM É
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Outro peixe sendo pintado por Leonardo Alencar. Foto Google. |
O artista Leonardo Fontes de Alencar nasceu em 7 de
abril de 1940 na cidade de Estância, em Sergipe. É filho de Clodoaldo de
Alencar e Eurydice Fontes de Alencar. Seu interesse pela pintura começou desde criança
seu primeiro contato foi com as revistas de histórias em quadrinhos que
eram muito populares na época. Mas, foram as obras de J. Inácio e Álvaro
dos Santos e Florival dos Santos que lhe despertou a vontae de continuar pintando. Recebeu o incentivo do professor Jordão Oliveira,
e aqui nos anos 60 fez sua exposição. No ano seguinte expôs na Escola Nacional
de Belas Artes, na Galeria Macunaíma, no Rio de Janeiro. De volta a Salvador
ganha uma bolsa de estudos para a Escola de Belas Artes, da Universidade
Federal da Bahia. Depois em 1963 foi estudar cenografia na Escola de Teatro, da
UFBA.
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O Pato, xilogravura de Leonardo Alencar. |
Graças a amizade com o colecionar alemão Ernst
August Esteves viajou para a Europa onde foi artista residente num programa das
indústrias Teves. De 1971 a 1974 morou em Londres, vindo residir em Salvador
até os anos 80. Casou-se pela terceira vez em 82 com Racilda Aragão de Alencar,
que passou a cuidar da produção de suas exposições. Teve quatro filhos em
casamentos anteriores. Em 91, ilustrou o livro O Homem de Branco, do
escritor baiano Adonias Filho, que foi editado somente na Inglaterra, com o título
The Man in White. Passou a ser membro em 1997 do Metropolitan Museum of New
York.
O artista plástico Leonardo Fontes de Alencar faleceu no dia 1º de outubro de 2016 em um
hospital de Aracaju, em Sergipe. Segundo familiares, ele estava internado há mais
de um mês na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), por causa de uma infecção
causada por complicações em uma cirurgia de câncer de pele. Sua esposa Cacilda
Aragão de Alencar com quem viveu por 34 anos disse na ocasião “que estava cuidando
dele com muito carinho. E que ele transmitia paz enquanto viveu.”
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