MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA
20
DE AGOSTO A 26 DE SETEMBRO
Texto Reynivaldo Brito
Estive no atelier improvisado de
Leonel Mattos numa antiga casa na Rua da Castanheda e fiquei impressionado com
a capacidade de produção do artista.
Nervosamente ele ia retirando de
um local mais alto e estendendo em minha frente, no chão, centenas de folhas
com desenhos, fotos e reportagens colados. As folhas são imensas, resultado de
colagens de páginas inteiras de jornal com as bordas pintadas de preto. Ao
terminar de mostrá-las estava diante de mim um monte, formado por aquelas
grandes folhas. Fiquei parado a imaginar a cena terrível de Leonel preso. Ai me
veio a imagem de um tigre bravo aprisionado numa pequena jaula, andando de um
lado para outro, sem parar. Imediatamente surgiu uma segunda imagem em meu
pensamento. Uma imagem vibrante, nervosa e explosiva. Imagem que era traduzida
em ações gestuais rápidas e firmes. E, aparecia Leonel com canetas e pincéis
observado com curiosidade, espanto ou admiração por outros colegas de presídio.
Lembrei-me que mesmo naquela
adversidade o artista cria. Foi aí que a ficha caiu e voltei a examinar e
avaliar a importância daquela obra que estava ali amontoada diante de meus
olhos. Obra cujo projeto arrebatou merecidamente o Prêmio Braskem de Artes
Plásticas, que ele denominou Caixa Preta.
Para mim ver ele produzindo estes
trabalhos foi como se abrisse uma caixa de belas surpresas.
Na primeira foto Leonel e eu na loja Wine & Music. Em seguida um conjunto de fotos de sua produção no presídio. \Flagrantes de sua vida .
Na primeira foto Leonel e eu na loja Wine & Music. Em seguida um conjunto de fotos de sua produção no presídio. \Flagrantes de sua vida .
Para termos uma idéia da
grandiosidade desta obra vou traduzir os seus números. São 601 desenhos de
Leonel, 86 de seus colegas de presídio, 18 feitos por crianças parentes dos
internos, e mais 7 por seu filho de 10 anos, 38 por Das Brita, 21 por Carlos
Alberto, 24 por Meu Nego e 37 por “49” ,
seus colegas de prisão; Isa, sua mulher tem 5, e mais 210 fotografias feitas no
presídio durante sua permanência e 26 reportagens publicadas nos jornais
enfocando a sua arte e sua vida na prisão.
As folhas têm 1.20 por 1.80m e
serão utilizadas como suporte através de pedaços de cami e unidas por grandes
ilhós e cordas de nylon formando labirintos e paredes por onde as pessoas
poderão circular para observar os desenhos, pinturas, fotos e reportagens.
Muita gente vai ficar perdida sem saber por onde sair.
Muitos dos desenhos trazem
mensagens e tons sombrios. Outros apresentam algum colorido, porém com a marca
da falta de liberdade. Tem uma série de desenhos com predominância verde.
Enquanto esteve no presídio esses
desenhos eram levados e guardados por seu irmão João, sendo alguns alvos de
cupins. Os estragos não são consideráveis, porém, fazem parte da obra,
inexoravelmente.
Diria que esta obra é um diário
onde estão registradas as alegrias e, principalmente, os momentos de angústia,
que de certa forma acompanhei daqui de fora, preocupado com a integridade
física de Leonel Mattos.
Ele passou um ano e três meses no
Corpo III, sendo posteriormente transferido para o Corpo IV, ficando por 30
dias, na Penitenciária Lemos de Brito, em Salvador, onde cumpriu o resto da
pena, até ser liberado pela Justiça graças ao seu comportamento e entendimento
das autoridades presidiárias, especialmente do Dr. André Barreto, diretor do
presídio, e judiciária através do magistrado Dr. Rilton Góes. Este Corpo IV é
um pouco pior que o anterior.
Mas foi no Corpo III onde ele
pintou com os demais presos as fachadas das celas e muitos dos trabalhos
expostos nesta exposição. No Corpo IV fez apenas um trabalho com as crianças e
duas fachadas de celas.
Durante o período de sua prisão o
visitei na Lemos de Brito e nos comunicávamos quase toda semana ou através do
telefone ou por cartas que ele escrevia em qualquer papel que aparecesse em sua
frente. As cartas geralmente traduziam o seu espírito angustiado, querendo
livrar-se daquele pesadelo em que havia se metido. Tenho uma admiração especial
pela obra de Leonel Mattos, porque ela brota límpida, como a água que sai das
pedras de uma montanha. É uma obra de sentimento, de vibração, de mensagens
simbólicas muito fortes. São símbolos e traços gestuais que representam a
emoção de pintar, que valoriza a pintura enquanto pintura, e surgem na tela
composições que parecem emitir sons empolgantes como os da 9ª. Sinfonia de
Beethoven.
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