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O artista Anderson AC falando da sua arte. |
O
artista Anderson AC é um dos novos nomes da arte baiana que trafega em várias
linguagens como a pintura, graffiti, colagem, fotografia digital, vídeo e a arte
postal. Fez nos últimos anos uma série de trabalhos focados nas imagens e
documentos familiares, e nas lembranças de suas vivências no bairro onde
residia com seus pais. Este arcabouço lhe serve para reflexões e
posicionamentos que transfere para sua arte, a qual efetivamente tem um forte conteúdo
de contestação dessa realidade que vivemos de exclusão social. É uma pessoa de fácil
diálogo que se expressa com clareza sobre seus objetivos e o seu papel de
artista dentro desta sociedade que vive em constante transformação. Não fica
esperando as coisas acontecerem, ao contrário, Anderson AC faz as coisas
acontecerem. Criou em 2015 a Pinacoteca do Beiru onde instalou seu ateliê e
toca um projeto com o objetivo de aproximar a comunidade local com as artes
visuais. Ele vem compartilhando o espaço e o seu conhecimento de quinze anos de
estrada de artista visual com os moradores, especialmente com os jovens. O
espaço ainda não está totalmente construído, mas o Anderson AC na medida do
possível vai trabalhando para a realização deste seu sonho. A
Pinacoteca fica localizada na rua Direta de Tancredo Neves, no fim da Estrada
das Barreiras, em Salvador. O bairro do Beiru é um dos mais populosos da Cidade
e compõe uma área onde residem muitos trabalhadores de múltiplas atividades
tanto fabris como de serviços.
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Graffiti feito por Anderson AC na Estrada do Coco, Litoral Norte da Bahia, em 2017. |
O artista Anderson AC começou, a exemplo de muitos
jovens oriundos dos bairros de periferia, a pichar os muros e fachadas de
imóveis abandonados ou subutilizados da Cidade. Era para ele a maneira de ter
uma visibilidade pela sociedade. Disse que se orgulhava ao ver a sua caligrafia
ali gravada mostrando a sua presença. Da pichação solitária passou a se juntar
com outros pichadores. Se reuniam na Ladeira de São João, no bairro do Beiru,
local que denominaram de Gotham City. Ali discutiam e escolhiam os locais a
serem pichados, e saíam em grupo cada um deixando por onde passava a sua marca.
Esses registros para Anderson AC trazem uma significância de protesto, uma
linguagem política. Esta fase da pichação durou de 1990 a 1995. Da pichação chegou ao graffiti nos anos 2000,
e se juntou ao coletivo 071 Crew fazendo várias intervenções nos
muros e fachadas de imóveis de Salvador. Este período em que pichou e grafitou
deixou nele alguns traumas resultantes de episódios que vivenciou quando foi
flagrado algumas vezes por policiais, e isto certamente reflete no seu discurso
poético e em sua arte até os dias de hoje.
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Pichadores e grafiteiros reunidos na Gotham City, no bairro do Beiru, em Salvador, 1990. |
Um vizinho que ele chamava de tio era um
entalhador famoso e tinha uma barraca ao lado do Mercado Modelo, na Cidade
Baixa. Vendo a situação do jovem o chamou para trabalhar com ele. Tratava-se do
entalhador José Garcia Hegouet, que assinava apenas Hegouet, e até hoje vários
estabelecimentos comerciais na área do Centro Histórico ostentam placas de sua
autoria, e também fazia entalhes que eram vendidos no interior do Mercado
Modelo. Certo dia um amigo deste seu tio conversando na barraca falou das
Oficinas do MAM e dos cursos que ali eram ministrados. Foi aí que o Anderson AC
prestou a atenção na conversa e resolveu procurar saber como fazia para se
matricular num desses cursos. Conseguiu a matrícula e foi ser aluno de Zu
Campos aprendendo a fazer entalhes e esculturas. Em seguida cursou cerâmica com
Bethânia Vargas, Desenho com Isa Moniz e passou a vivenciar a dinâmica do
Museu. Aos sábados ia para os shows de jazz realizados no Solar do Unhão e lá
reencontrava inclusive seus colegas da pichação.
BELAS ARTES
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Obras de autoria de Anderson AC, 2021. |
Fez o primário na Escola Rosa de Carvalho, na
Ladeira do Ypiranga, 85, na Cidade Nova. A escola já não existe, e no imóvel
funciona hoje a Academia Champion, onde são treinados os mais famosos lutadores
brasileiros de muay thai. Quando estudava o ginasial
no CEEPS, que
funcionava no bairro do Campo da Pólvora, pichou a fachada da instituição e sua
mãe teve que pagar para repintar. Terminou sendo expulso da escola, e foi depois
concluir o curso médio no Instituto Isaias Alves, no bairro do Barbalho. Ao concluir o ensino médio decidiu fazer
vestibular de Licenciatura em Desenho para a Escola de Belas Artes, da
Universidade Federal da Bahia. Lá também reencontrou vários colegas oriundos da
rua do movimento de pichação e da grafitagem. Disse com orgulho “somos a
primeira turma que veio deste movimento de rua para a academia entre eles estão
Márcio MFR, Marcelo Dimk, Ananda Nahu, Rodrigo Izolag,
(nike) Marcos Costa (Spray Cabuloso), dentre outros.”
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Este díptico é uma representação dos caminhos perigosos que percorreu até sua arte ser reconhecida.
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Sua passagem pela academia foi marcada também
por interrupções do curso a ponto de ter que se matricular por três vezes.
Deixou a Licenciatura de Desenho e Plástica quando viu que teria dificuldade de ensinar numa escola formal. Foi então que resolveu se transferir para o Curso
de Bacharelado em Artes Plásticas. Demorou mais de cinco anos para concluir a
graduação na EBA, porque segundo ele, o graffiti estava em alta no mundo
inteiro, ganhando maior visibilidade e
até reconhecimento. Os grafiteiros passaram até a ser chamados por pessoas do
marketing de grandes corporações, principalmente para ambientar locais de
eventos de marcas de roupas. Adiantou Anderson AC que “nosso trabalho era
original. Eu mesmo fazia uns desenhos neoconcretos circulares inspirados na
obra de Rubem Valentim.” Quando perguntei se sempre faziam seus graffitis a noite ele revelou que não, muitas vezes saíam por volta de cinco ou
seis horas da manhã, porque inclusive era a hora melhor para fazer as
fotografias dos graffitis que faziam por causa da luz. Nesta época surgiram os Salões Regionais
Bahia e eles participaram. Mas, a rua era o principal objetivo, a plataforma preferida
para se expressarem.
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Obra Arqueologia do Agora - Selfie na Trilha Para Uma Nova Trilha, de 2022. |
Chegaram a fazer um mural para o Ministério
da Cultura, na lateral do prédio da Caixa Econômica Federal, da Avenida Sete de
Setembro, trecho do Orixás Center, que dá para o Politeama. Este trabalho
anunciava o início do Plano Nacional de Cultura. Reconhece que a visibilidade
foi muito significativa. Lamentou “que os salões regionais acabaram, e reconhece
que existe hoje uma tentativa de retomar, mas ainda tímida. Também houve uma iniciativa
de fazer nova bienal da Bahia, mas não prosperou”. Tem esperança que esses
eventos voltem a acontecer, e mesmo que o circuito de arte venha a florescer com
a mesma pujança e significado dos anos 90. Contou certo dia no
ano de 2010 estavam pintando um mural na orla e parou um rapaz e começou a
conversar. Depois soube que era o Daniel Rangel, atual Diretor do Museu de Arte
Contemporânea da Bahia. Criou um relacionamento profissional passando o Daniel a fazer algumas curadorias de exposições do artista.
EVOLUÇÃO
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Anderson AC com criança exibindo obra que fez no projeto na Pinacoteca do Beiru. |
Chegou o momento de transferir e registrar a arte analógica
que faziam pichando e grafitando para a
arte digital. Primeiro usaram a plataforma Orkut e depois o Fotolog. Foi quando
passaram a publicar seus graffitis e desenhos . Ganharam mais ainda visibilidade. Lembra Anderson AC que “só podia
colocar no Fotolog uma imagem por dia e tinha os horários determinados para postar.”
Segundo a Wikipedia o Orkut foi uma rede social filiada ao
Google criada em 24 de janeiro de 2004 e desativada em 30 de setembro
de 2014. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükökten, engenheiro
turco do Google. O alvo inicial do Orkut era os Estados Unidos, mas a
maioria dos usuários foram do Brasil e da Índia. Já o Fotolog foi desativado em 2019, apesar de ter sido uma rede
social muito popular no início dos anos 2000.
Estas duas ferramentas digitais foram importantes
para os grafiteiros baianos porque passaram a conhecer outros grafiteiros não
apenas brasileiros como também do exterior. Neste intercâmbio chegaram a viajar
para outros estados, e também vieram uns do Rio de Janeiro para cá do Grupo
Mutirão Mete Mão. |
Objeto de parede feito a partir de tessituras e folhas retalhadas, 2025. |
Passaram a conhecer toda uma rede de grafiteiros e fizeram um
intercâmbio durante três anos. Circularam em mais de trinta bairros de Salvador
com o Grupo 071 levando a cultura de rua para seus moradores, e tinha inclusive
uma sonorização especial chamada Ministério Público. Portanto, mesmo
matriculado em Belas Artes ele continuava atuando na grafitagem, e se considera
mais um autodidata influenciado pela cultura de rua do que pela academia. Demorou
cerca de cinco anos para se graduar devido a sua atividade como grafiteiro,
problemas pessoais e outras intercorrências que aconteceram, inclusive chegou a
quebrar o tornozelo necessitando de uma intervenção cirúrgica para colocação de
alguns pinos. Atualmente montou um segundo ateliê no
Edifício Cidade de Aracaju, na zona do Comércio, na Cidade Baixa, em Salvador,
e lá passa grande parte do seu tempo envolvido em suas criações. Seu trabalho
vem a cada dia sendo mais apreciado e elogiado, participando de eventos
importantes como exposições aqui, em outros estados e no exterior , e da Feira
de Arte SP, que acontece todos os anos em São Paulo. RASGOS E
TIRAS
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O artista em seu ateliê na Cidade Baixa diante de uma trama que está tecendo para uma nova obra. |
Sua arte é
repleta de hitórias e
lembranças de suas vivências inclusive sempre está presente em suas
falas a tragédia que vivenciou com o envolvimento de seu único irmão com as
drogas, resultando na sua morte. Na conversa que tivemos quando lhe indaguei
porque ele após pintar a tela faz rasgos e tiras dando a princípio a ideia aos
desavisados de que não ficara satisfeito com o resultado da pintura. Porém, não
é nada disto, ele com este gesto intencional faz a desconstrução do suporte tradicional da obra. Isto
começou como resultado de sua observação e da sensibilidade que lhe é inata.
Vejamos: Seu irmão deixou um filho que foi criado pela esposa. Depois do
falecimento do pai seu sobrinho o procurou, ocasião em que aproveitou para
fotografá-lo. Com as fotografias em mãos resolveu pintar o sobrinho utilizando um
pedaço de lona velha de caminhão como tela, que tinha encontrado abandonado num
desses locais onde grafitou. No momento que estava pintando percebeu que o
pedaço de lona tinha um rasgo, e ao terminar ficou refletindo sobre o efeito
daquele rasgo na sua pintura. Nominou a obra de Ferida Aberta – Mateus Conhece
a Tua História, e até hoje mantém a pintura no acervo da Pinacoteca do Beiru. Daí
foi um passo para que passasse a rasgar e depois cortar em tiras os suportes de suas obras.
O encontrei envolvido em outro processo criativo de usar as tiras para fazer tramas,
e em seguida passa a pintar. O efeito visual e plástico é muito bom. Como
podemos observar o Anderson AC sempre está procurando novos caminhos, novas
maneiras de mostrar a sua arte através de suportes que rompem com o
tradicional.
TRAJETÓRIA E EXPOSIÇÕES
O artista
Anderson AC nasceu em vinte e nove de junho de 1979 no bairro da Baixa do
Bonfim, na Cidade Baixa, em Salvador. Foi registrado com o nome de Anderson
Alves Cunha, filho do funcionário do Banco Econômico da Bahia Antônio dos Anjos
Cunha e d. Vera Lúcia Alves Cunha. Seu pai era gráfico e trabalhava na
tipografia do banco. Destacou que tem como uma das boas lembranças de seu pai é
que ele era organizado e tinha uma caligrafia muito bonita. Com a intervenção do Banco Central em 1995 no Banco
Econômico, que completara 160 anos de funcionamento, a família enfrentou
dificuldades. Nesta época, ainda criança, sua família foi morar no bairro da
Cidade Nova perto de seus avós maternos. Casou teve uma filha, e hoje já no seu
segundo relacionamento teve mais duas filhas, e fez questão de ressaltar a
importância da família como um lastro de afetividade. |
Obra Vaidosa, spray,acrílica sobre lona de algodão, de 2012-2019. |
Consta no seu portfólio que a partir de 2007
participou de uma coletiva do Grupo 071 Crew chamada de Original Vandal Style; 2010
- Exposição - A Três
Pontes, na II Trienal de Luanda; 2011 -A Mostra Arte Lusófona
Contemporânea, no Memorial da América Latina, em São Paulo-SP; Afetos Roubados
no Tempo, no Centro Cultural da Caixa, em Salvador-BA; Exposição Muros,
coletiva que reuniu onze grafiteiros baianos, na Galeria do Ferrão, no Pelourinho,
também em Salvador-BA; Exposição em Évora, Portugal fez uma ocupação / intervenção na sala do Capítulo, no Convento
de São Francisco, Montemor o Novo, em Portugal; Exposição Álbum de Família , na
Galeria Soso de Arte Contemporânea
Africana, em São Paulo-SP; em Estrasburgo,
França, na Galeria do Conselho da Europa; participou da SP Arte. Foi aí que o
galerista baiano Paulo Darzé prestou a atenção em seu trabalho, e a partir de
2012 passou a ser representado por ele até hoje. Mostrou muita gratidão ao galerista,
ressaltando que este relacionamento está sendo muito importante para continuar
a sua trajetória; 2013 – Exposição Circuito Triangulações , no
Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife-PE; Exposição no Museu Nacional
da República , em Brasília-DF; Exposição na Galeria Paulo Darzé, Salvador-Ba; 2016– Exposição O Diário de Bordo ou o Livro dos Dias, Galeria Agora, no Conselho
da Europa, Estrasburgo, França; Em 2017 fez uma exposição que chamou O Diário de Bordo
ou O Livro dos Dias, na ACBEU - Associação Cultural Brasil-Estados Unidos ; em 2019
Anderson AC apresentou sua Pintura Muralista, num dos pilares da resistência
artística visual da arte negra no Brasil, o Museu AfroBrasil, em São Paulo.
Segundo escreveu na época o curador e Diretor do Museu o artista Emanoel Araújo:
“Anderson AC é um artista baiano proeminente com uma potente produção marcada
pela pintura grossa e expressionista, e a relação entre murais urbanos e a
consciência sobre as contradições de um mundo cheio de diferenças sociais, e
estranhezas religiosas.” NR- As fotos são de autoria de Reynivaldo Brito, Lígia Aguiar e do arquivo digital do artista.
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