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sábado, 25 de janeiro de 2025

JUDITE PIMENTEL QUANDO A ARTE SUPERA TRAGÉDIAS

Judite pintando em
Porto do Mato, interior
de Sergipe.
A artista Judite Pimentel é muito prestigiada e premiada  nos meios artísticos e intelectuais, porém não é muito conhecida do grande público. Ela já expôs na sede da ONU, em Nova Iorque,  bienais  e tem obras em importantes coleções particulares. Sua produção é inspirada nos grandes mestres da pintura do período dos séculos V a XV  a exemplo  de Hieronymus Bosch, dentre outros. Na conversa que tivemos ao telefone revelou a sua preferência em pintar rostos. Ao observar suas obras sentimos uma sensação de tristeza, sofrimento, loucura, crueldade e noutras certa ternura, suavidade. Sua vida é marcada por dificuldades e certamente o que vivenciou e ainda vivencia se reflete nesta sua forma de se expressar através da arte. Em 2020 ela    expôs no Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória, em Salvador, intitulada “L’Amour Fou!” - traduzindo Amor Louco - considera que foi a mais importante que fez até agora. Foram trinta e seis pinturas, dez peças de instalação e um vídeo. Ela selecionou em três séries: Mania de Explicação, inspirada no livro de Adriana Falcão; Velha Infância, com representação de bonecas antigas de 
Judite estampa no rosto
um pouco de alegria.
louça; Retratos. Estudou até o último ano na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia e de lá para cá vem na medida do possível se dedicando à pintura. Atualmente está enfrentando problemas de saúde e por isto não vem pintando  como gostaria. Desde que esccolheu o povoado sergipano de Porto do Mato, município de Estância, com o objetivo de descansar e viver uma vida mais simples e por ter um  custo de vida mais baixo. Desde que chegou conseguiu pintar poucas  telas. Disse que está com sua visão comprometida necessitando ser submetida a uma operação de catarata, porém antes precisa controlar a diabetes. Falou ainda que inicialmente queria ser arquiteta e chegou a fazer o vestibular, mas não conseguiu ser aprovada. Não pensava em ser pintora, porque tinha conhecimento das dificuldades desta profissão e do sofrimento que passaram os grandes mestres da pintura para ter uma sobrevivência digna. Mas, a pintura chegou e se instalou e deste dia em diante nunca conseguiu recuar. Mesmo com todas os obstáculos que já enfrentou e ainda enfrenta a guerreira Judite Pimentel está disposta a continuar a sua trajetória.

                             QUEM É

Judite trabalhando numa obra em 2017.
Seu nome de batismo é Judite Nascimento Pimentel, nasceu em Feira de Santana, Bahia, no dia vinte e dois de outubro de 1964.Filha de José Augusto Pimentel e Valterlina Melo Nascimento. Aprendeu as primeiras letras na Escola Municipal Edelvira de Oliveira, em Feira de Santana.Quando completou nove anos de idade seu pai veio a falecer e a família teve que se transferir para a cidade de Itanhém. Ali permaneceram durante três anos na casa dos seus avós maternos. Retornaram para Feira de Santana, e em seguida para Brasília, onde já adulta foi trabalhar como caixa numa rede de supermercados. Voltaram para Feira de Santana e depois foram morar em Itamaraju, no sul da Bahia, e lá também trabalhou. Continuou estudando e trabalhando e ao concluir o curso colegial fez vestibular em 1979 para Arquitetura, sendo aprovada na segunda opção a Escola de Belas Artes, da UFBA. Estava no último ano quando conheceu um professor de Filosofia, Luiz Izidoro que é uma pessoa envolvente, culto, estudioso e avesso à academia, contou Judite Pimentel. Ele a convenceu e outros jovens a largar as faculdades e se transferirem para o Rio de Janeiro e lá criaram um grupo de estudos que funcionava no Parque Lage. Neste curso de Filosofia conheceu 
Seis obras de Judite reunidas onde
vemos rostos que gosta de pintar.
Carlos Eduardo de Albuquerque Maranhão, conhecido por Sarda, que era um músico famoso. Depois de alguns meses de namoro resolveram morar em São Paulo. Deste relacionamento nasceu sua única filha a Júlia de uma gestação prematura de seis meses, pesando 870 gramas. O Sarda continuava com sua vida desregrada envolvido em drogas e depois do nascimento de Júlia o casamento durou apenas oito meses. Judite e a filha Júlia se mudaram para o Rio de Janeiro para a casa de Nara, a avó da menina e depois alugaram um apartamento no bairro de Humaitá. Foi nesta época que apareceram os primeiros sinais de depressão na Júlia. Após algumas tentativas e pedidos de perdão de Sarda para salvar o relacionamento tudo foi em vão. Terminou se viciando em crack e foi viver na cacrolândia, em São Paulo. Os ex-colegas do Colégio Santo Inácio conseguiram resgatá-lo da cracolândia e o internaram numa clínica de recuperação, mas ele não resistiu vindo a falecer em 2017, aos 46 anos de idade.  Hoje a Júlia está com 24 anos de idade, tem dificuldade de locomoção e sofre de problemas psiquiátricos. Este drama é contado em detalhes numa bela reportagem publicada em 2017 no jornal O Globo, pelo jornalista Caio Barreto Briso sobre a Júlia.

Mais nove obras da Judite
Pimentel que lembram pintores
na era medieval .
A artista Judite Pimentel, portanto, depois da morte do Sarda retornou
para Feira de Santana e em vez de reclamar passou a fazer quentinhas para vender. Agora está neste povoado de Porto do Mato, em Sergipe, onde abriu uma lojinha chamada de Barcarola e expõe algumas obras, de sua autoria , objetos do artesanato local e fornece café da manhã , almoço e jantar  aos turistas que por lá aparecem . Na conversa que tivemos declarou que  já está ficando cansada pela ausência de pessoas com quem possa manter uma conversa sobre outros assuntos que não aqueles rotineiros sobre os afazeres domésticos. Disse que desde criança era uma pessoa muito produtiva e até peça infantil tentava montar. “Fui companheira de minha mãe, depois que meu pai faleceu”. Lembrou que certo dia ao passar por uma loja viu um pequeno piano exposto. Chorei querendo o tal piano, mas minha mãe não tinha dinheiro pra comprar.  No Natal ela me presenteou com um pianinho de brinquedo. Estava na 5ª série primária e na escola tinha aulas de Música e rapidamente aprendi a ler partituras. No ano seguinte ganhei uma lousa e passei a fazer alguns desenhos. Em seguida minha mãe me deu um caderno de Desenho continuei desenhando rostos e castelinhos. Fiz o vestibular para Belas Artes e vim morar na Residência Feminina da UFBA, no bairro do Canela. Paralelamente estudava Inglês e depois através de uma amiga me matriculei na Aliança Francesa e aprendi um pouco do Francês. Falou que foi muito importante a sua ida para o Rio de Janeiro porque potencializou seus conhecimentos com a participação em grupos de estudos da História da Arte, Pintura e Música no Parque Lage.

Gosta de pintar rostos dos personagens
em grandes telas circulares.
 Mas, com o nascimento da Júlia em 2001 o seu foco mudou porque ela nasceu prematura e com problemas de saúde e precisando de lá para cá de sua presença durante 24 horas. Está pensando em mudar para Salvador ou  São Paulo e iniciar uma série de obras em formato de círculo. Adiantou que não é fácil encontrar telas circulares em Salvador e por isto está mais inclinada a ir morar na capital paulista. 
  Ela envolve seus rostos com chapéus, rendas, arminhos e outros adereços antigos e as cores que usa remetem às pinturas dos primeiros grandes mestres com tons suaves. Quando em 2020 expôs no Museu de Arte da Bahia declarou que a pintura nunca foi uma escolha pessoal “Ela se deu. Se algum pintor me causou dúvidas, eu diria que foram os grandes pintores, por saber que seria um caminho difícil demais, mas nunca consegui recuar. A alma humana sempre me intrigou”.

Judite em sua Barcarola .
A artista Judite Pimentel fala Inglês e Francês e tem uma formação intelectual sólida. Desde que chegou a Porto do Mato, no interior de Sergipe, vem sentindo a falta de pessoas com formação semelhante para que possa falar de Filosofia, de Pintura, Literatura e outros assuntos que lhes dão satisfação e alimentam o seu espírito. A sua lojinha  chama-se  Barcarola, inspirada no   poema do poeta chileno Pablo Neruda A Barcarola. Vejam o poema aqui traduzido porque vale a pena ler: 
 A Barcarola - “(O vento frio corre compacto como um peixe /e golpeia os talos da aveia. / Ao rés do solo vive /um movimento múltiplo e delgado. / O dia está nu. / O fulgor de novembro como uma estalactite lisa e azul decide a pompa do estio. / É verão. / E as lanças do vento interminável/ perfuram o favo do espaço amarelo:/olvido ao ver correr a música na aveia/a abóbada implacável do meio-dia. / Escuta, /mulher do sol, meu pensamento. Toca/com teus pés o tremor fugitivo do solo./ Entre a relva cresce meu rosto contra o verde,/
Pablo Neruda, poeta chileno.
através de meus olhos cruzam as espadanas/e bebo com a alma velocidade e vento.)/Mas eu, o cidadão de um tempo gasto e roído, de ruas direitas,/que vi converter-se em incêndio, em detritos, em pedras queimadas, em fogo e em pó,/e depois voltar da guerra o soldado com mortes em cima e embaixo,/e outra vez levantar a cidade infeliz colando cimento às ruínas/e janela e janela e janela e janela e janela/e outra porta outra porta outra porta outra porta outra porta/até o duro infinito moderno com seu inferno de fogo quadrado,/pois a pátria da geometria substitui a pátria do homem./ Viajante perdido, o regresso implacável, a vitória de pernas cortadas,/a derrota guardada em um cesto como uma maçã diabólica:/este século em que me pariram também, entre tantos que já não alcançaram,/que caíram, Desnos, Frederico, Miguel, companheiros/sem trégua ao meu lado no sol e na morte,/estes anos que às vezes ao cravar a bandeira e cantar com orgulho aos povos me apontaram com sanha os mesmos que eu defendi com meu canto/e quiseram atirar-me à fossa mordendo minha vida com as mesmas ferozes mandíbulas do tigre inimigo./(Os inseguros temem a integridade, golpeiam/ então minhas costas com pequenos martelos,/ 
querem assegurar o lugar que lhes toca,/porque medo e soberba sempre estiveram juntos/e suas acusações são suas únicas medalhas.)/ (Temem que a violência desintegre seus ossos/e para defender-se vestem-se de violência.)/ (Veja o testemunho mudo de depois de amanhã,/recolha os pedaços da torre calada/e quanto me tocou da crueldade inútil./
Obra de 2021 em acrílica sobre tela .
Compreenderá? Talvez. /Os tambores estarão rotos, e a buzina estridente será pó no pó./A felicidade te acompanhe,/companheiro, a felicidade, patrimônio futuro que herdarás de nosso sangue encarniçado.)/Em minha barcarola se encontram voando os pregos do ódio/ com o arroz negro que os invejosos me dão em seu prato/e devo estudar a linguagem do corvo, tocar a plumagem,/ olhar nos olhos dos insaciáveis e dos insaciados e no mesmo páramo das imundícies terrestres/arrojar as censuras de agora e as adulações de então./ Cantando entre escórias o canto reluz na taça de minha alma/e tinge com luz de amaranto o crepúsculo aziago,/eu só sustento a taça de sangue e a espada que canta na arena/e provo o sal em meus lábios, a chuva em minha língua e o fogo recebo em meus olhos,/cantando sem pressa nem pausa, coroado pelas nevascas./Porque em cima e em torno de mim se sacode como uma bandeira/longitudinal, o capítulo puro de minha geografia,/e do Taltal platinado pela camanchaca13 salobre até Ruca Diuca coberto por trepadeiras e salgueiros-chorões,/eu vou estendendo entre montes e torres calcáreas minha vertiginosa linhagem,/ sem dúvida acossado pela trêmula fragrância do trevo,/ talvez inerente produto do bosque na chuva no inverno/pelas estradas molhadas onde passou uma serpente vestida de verde, de todas as maneiras, sem ser conduzido pelas aventuras do rio com seu batalhão transparente/percorro as terras contando os pássaros, as pedras, a água,/e me retribui o Outono com tanto dinheiro amarelo /que choro de puro cantor derramando meu canto no vento."

                                                       EXPOSIÇÕES

Podemos observar que sempre
busca inspiração nas obras dos
grandes mestres da pintura.
Em  1993 – Exposição na Galeria do Aluno – Escola de Belas Artes da UFBA; 1995- Exposição Camomila, na Associação Brasil-Estados Unidos- ACBEU, Salvador Bahia;   3ª Bienal do Recôncavo em São Félix-Ba, ganhou o Prêmio de Requisição; 2001 – Exposição na Galeria da Universidade Estácio, no Rio de Janeiro; 2003/5 – Exposições na Casa dos Pescadores, em Búzios, Estado do Rio de Janeiro; 2008/9 – Exposição em Brasília na Galeria Patrícia Yunes Escritório de Arte; 2011 - Exposição na Galeria da ONU, em New York, Estados Unidos; Bienal de Cerveira, Portugal; 2011/ 2012 – Duas exposições nas Galerias Gaivota, Vila do Gaya, cidade do Porto, Portugal ; 2014 – Exposição na Galeria Mali Villas-Boas, em São Paulo; 2015/16 –; 2017 – Exposição Olhares para Matilde  - 90 Anos de Vida;  2019/2020 – Exposição L’Amour Fou ! , Museu de Arte da Bahia- MAB, Salvador-Bahia; 2023 – Exposição Coletiva Fabulações Visuais , na ACBEU, onde ela apresentou a obra Paragordas, numa tela circular de 2000.
NR -Pode haver alguma imprecisão de  data nas exposições que realizou porque a artista não tem um curriculo organizado .Tive muita dificuldade ao pesquisar para apresentar estas que publico. O número de coletivas é bem maior.

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