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quarta-feira, 15 de julho de 2020

GALERIA BAZARTE E O MISTÉRIO DO SEU CASTRO

O prédio onde funcionou a Bazarte,
atualmente uma loja de materias de
construção.
O comerciante paulista do bairro do Brás  José Marques Castro ou seu Castro, como
era chamado por todos , era uma figura diferenciada que chegou aqui na década de 50. Montou uma loja de roupas masculinas, na Avenida Joana Angélica, na esquina que fica em frente onde funcionava a Faculdade de Direito,  antes de ser transferida para o Vale do Canela. Tempos depois foi se enfronhando com o movimento cultural baiano.  Abriu sua Galeria Bazarte, na Rua Politeama de Cima, nº 34, no bairro do Politeama . Resolveu abrir  em contragosto de sua esposa. Passou a exercer seu trabalho de marchand vendendo obras dos principais artistas da época , a maioria professores da Escola de Belas Artes. Eles frequentavam a galeria e alguns quase diariamente iam trocar ideias . Não era uma galeria como as demais. Muito simples em suas instalações e ainda misturava artistas acadêmicos,  primitivos , santeria e até mesmo obras de cerâmica dos oleiros de Maragogipinho.
Dizem que ele pintava e gostava de restaurar imagens. Mas, mesmo aos mais íntimos se negava a mostrar seus trabalhos de arte.
Entusiasmado com o Novo Expressionismo que efervescia no sul do país, especialmente em São Paulo  começou a receber artistas jovens em sua galeria  avaliando e orientando. Alguns  em situação econômica mais difícil  acolheu no mesmo prédio onde funcionava sua galeria.
Em pouco tempo a Bazarte tornou-se um ponto de encontro e um centro de referência de artistas não apenas plásticos,mas também atores, cantores ,fotógrafos, cineastas e dançarinos .Tinha  bar e um pátio onde as pessoas ficavam conversando sobre arte. O curioso é que seu Castro não tinha aquela preocupação primordial com o lucro, ele objetivava movimentar o cenário artístico local. Isto lhe trazia uma satisfação imensurável.
                                          ROMPIMENTO
Foi a época em que um grupo de artistas rompeu com o academicismo que reinava na Escola de Belas Artes e passou a criar obras dentro de uma visão modernista. Assim a presença de Castro foi de extrema importância  porque reuniu  artistas integrantes  e de fora da EBA. Entre estes artistas estavam  Jamison Pedra, Juarez Paraíso,  o argentino Reinaldo Ekenberger  , Edison da Luz, Sônia Castro (1934-2015) , Terciliano Jr , o alemão, de Hamburgo, Karl Heinz Hansen,( que depois adotou o nome Hansen Bahia) ,  o outro alemão Adam Firnekaes,Eurico Luiz, Carlos Estivalet e também cantores como Edil Pacheco, o cineasta Kabá Gaudenzi, dentre outros.
Como escreveu o saudoso cineasta  Kabá Gaudenzi em 25 de maio de 1996 no suplemento cultural do Jornal A Tarde  a galeria Bazarte "era um centro de intercâmbio de linguagens e convivência transgeracional e humanística".
Coincidindo com este período foi criado o Museu de Arte Moderna que passou a funcionar no foyer do Teatro Castro Alves. Sua fundadora foi a arquiteta Lina Bo Bardi, o qual depois foi transferido para o Solar do Unhão ,onde está até hoje.Lá você pode apreciar importantes obras de arte como também uma bela escada de madeira de autoria da arquiteta unindo os dois pavimentos do edifício .
O artista Juarez Paraíso em foto
datada de 1971.Reprodução.
O mestre Juarez Paraíso teve uma participação e presença importante na Galeria Bazarte e ele relembra assim:
 "Embora de suma importância para a “internacionalização da arte moderna na Bahia”, Cidade do Salvador, a Segunda Geração de Artistas Plásticos Modernos, Geração 60, pode ser considerada como a Geração Esquecida, espremida pelos nossos famosos pioneiros modernistas, Geração 50 e os governos militares, principalmente a partir do AI-5. 
Para a formação desta importante Segunda Geração de artistas modernos da Bahia, contribuíram os artistas mais ligados à Escola de Belas Artes e aqueles que frequentavam, mais assiduamente, a Galeria Bazarte do seu Castro , ex-comerciante tornado Galerista, por opção de vida , sensibilidade e amor às artes plásticas. Lembro-me que o seu Castro, como era mais chamado, dava abrigo, moradia, aos artistas que precisavam. A galeria tornou- se uma verdadeira república de artistas, com um único benfeitor,  em lugar do “marchand “, o seu Castro.  Este abnegado benfeitor dos artistas , principalmente emergentes, também tinha um enorme e valioso terreno em Jauá que franqueou aos artistas, com a condição de que fossem lá morar nos lotes doados.
A sua intenção e esperança era formar uma comunidade exclusivamente de artistas . Artistas consagrados como João José Rescala, restaurador e professor da EBA, também ganhou o seu lote. O sonho dissolveu-se, diante da incompreensão e ganância de alguns, que chegaram inclusive a vender os terrenos doados.
 Concorrendo com a EBA,  a galeria Bazarte tinha também uma   prensa de xilogravura, utilizada na realização de xilos que compuseram edições de importantes álbuns, que contam a história da gravura na Bahia . Um dos artistas formados na galeria Bazarte , Terciliano Jr., ainda possue alguns destes álbuns.
Muitos foram os artistas que, umbilicalmente, fizeram parte e foram beneficiados pela Confraria criada e liderada pelo seu Castro, dentre eles Jamison Pedra. Kabá, Edison da Luz , Terciliano Jr. , Sônia Castro, Gley Melo, Renato da Silveira, Celuque, Reinaldo Eckenberger e  Emanoel Araújo."
Também foi na Bazarte que a conhecida Escola Baiana de Gravura, criada na Escola de Belas Artes, contou com o  seu incentivo, e os artistas iniciantes a oportunidade de trabalhar  e terem suas obras divulgadas com a publicação de  seis álbuns de gravuras ."
Ai o criativo Edison da Luz,
sempre disposto a polemizar. 
Para lembrar um pouco desta época conversei também com o artista Edison da Luz, hoje com 80 anos, e continua produzindo e polemizando. Ele lembra que neste período o movimento cultural baiano estava em plena evolução e "o seu Castro ajudou muitos de nós, inclusive hospedando alguns no prédio onde funcionava a galeria. "Seu Castro gostava muito de realizar workshops com artistas de várias tendências discutindo e dando suas impressões sobre a arte feita naquela época. Eram momentos de debates calorosos e muito enriquecedores."
Disse que o primeiro contato com o seu Castro ocorreu numa visita que fez   à Galeria  levando algumas gravuras que tinha feito na Escola de Belas Artes. Lá chegando mostrou ao marchand e incentivador da arte que " gostou  dos meus trabalhos, e daí em diante passei a frequentar  durante vários anos". Prossegue  Edison da Luz afirmando que "o seu Castro orientou vários artistas, hoje famosos, alguns já se foram, mas a sua importância para a arte baiana foi fundamental."
A maioria das escolas de Belas Artes , inclusive a da Bahia, foi criada tendo como espelho a École de Beaux Artes de Paris. Certamente o espírito do academicismo dominava todas elas. Porém, nos anos 60 já existia em todo o país movimentos visando o rompimento com esta corrente. Assim o Novo Expressionismo e outras correntes surgiam com toda a força. Foi neste momento de procura de novas formas de expressão que o seu Castro  passou a exercer sua influência aqui.


Terciliano Jr em seu
atelier tem boas
lembranças .
                   
                        HOMENAGEM

O artista Terciliano Jr. ao completar 50 anos de atividades artísticas  em 1972 fez uma exposição, no Sesc, de Pompeia, em São Paulo , juntamente com o escultor Chico Diabo, já falecido. Nesta exposição ele prestou uma homenagem ao seu Castro  e escreveu este texto  no catálogo:
"Há 30 anos atrás a Bahia estava com o céu azul mais do que o normal . O sol brilhava de forma tão grandioso que os paralelepípedos da Ladeira do Pelourinho refletiam as fachadas dos casarões de antanho como um espelho. O mar era uma explosão de cores em fusão marítima, a água ao mesmo tempo era clara e transparente dando para ver Yemanjá lá no fundo com os peixes acariciando seus cabelos . A lagoa do Abaeté cercada de verde com as flores amarelas protegida por Oxóssi. O céu azul protegido por Oxalá, a areia alva, a água negra da cor da minha pele, serviam como composição da beleza de Oxum. Todos os negros ,brancos e mulatos baianos cantavam para todas as divindades radicadas na Bahia pela chegada de um branco,preto e mulato paulista que seria batizado, adotado e confirmado por todos os deuses afro-baianos. J. Castro era o seu nome.Ou seu Castro como todos nós o chamávamos .Tornou-se filho da Bahia, amigo e companheiro dos artistas e intelectuais baianos. Fundou a Galeria Bazarte . E de lá nasceram Reinaldo Eckenberger, Terciliano Jr., Emanoel Araújo,Chico Diabo, Edy Star, Edison da Luz, Kennedy Bahia, Kabá Gaudenzi, Luana ( manequim),Carlos Henrique e Eurico Luiz. Os que passaram João José Rescala, Raimundo Oliveira, Sônia Castro, Reinaldo Brito,Gley Melo, Jamison Pedra e muitos outros. Amigo de Genaro de Carvalho, Juarez Paraíso e Jorge Amado, tendo por este último uma grande admiração.
Ele descobriu um recanto poético baiano, e o pretendia transformar numa vila
Gravura de Sônia Castro
do Álbum nº 4
residencial dos artistas em Arembepe Em uma tarde ensolarada e cercada de beleza por todos os lados no local citado, ouviu através o ronco do mar,auxiliado pela brisa que existe algo de maravilhoso por ali.Era uma Atlântida que existe ( ou existia, porque ele se foi com seu Castro) e ele ia mostrar para a Bahia e o mundo, a sua existência.O próprio Gilberto Gil ouviu o relato do seu Castro. J. Castro foi um fruto paulista  para a alimentação cultural baiana.Ramificou sua sabedoria os pincéis, formões e palavras para que as pessoas dessem continuidade , e depois criassem seus caminhos em traços,formas e composições para o mundo. A Bahia ficou de luto. O terreiro de Amoreira lá em Itaparica foi reivindicado por todos os Orixás para a cerimônia de Egun. O acervo da Bazarte só recordações de um prelúdio de glória".

Em 2008 o artista Terciliano Jr. foi homenageado pela Academia de Artes e Ciências e Letras de Paris, pelos relevantes serviços prestados à Cultura brasileira, principalmente a baiana.
O cantor e compositor baiano Edil Pacheco lembra que seu Castro gostava muito de samba e  das presenças do maestro Carlos Lacerda, da dupla Tom e Dito . Se apresentou algumas  vezes por lá ,e sempre era um ambiente onde se respirava arte.Também não tem nada registrado sobre a Galeria como fotos, programas , cartazes etc.
O artista Renato da Silveira lembra que esteve poucas vezes na Bazarte numa delas participando de um debate sobre "Arte pela Arte",  contra a arte engajada. Disse que entre os debatedores estava o consagrado tapeceiro Genaro de Carvalho. Sua atuação na época era montando exposições nas faculdades. Diz que expôs na Faculdade de Economia ( que ficava na Praça da Piedade), na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas ( funcionava na Avenida . Joana Angélica, onde onde está o Ministério Público) e na Faculdade de Arquitetura, entre outras. Lembra da atuação do seu Castro e de seu interesse em ajudar novos talentos. 

                                      MISTERIOSO
Reprodução de  foto do
 seu Castro com  cigarro
preso nos lábios.

Podemos dizer que o seu Castro era uma figura realmente ímpar.  Descendente de portugueses , e ao chegar em Salvador na década de 50 montou sua loja de roupas masculinas no início da Avenida Joana Angélica, e um de seus funcionários foi o ator Geraldo Del Rey.
 Resolveu abrir uma galeria de arte em contragosto com sua esposa. Passou a exercer seu trabalho de marchand vendendo obras dos principais artistas da época , a maioria professores da Escola de Belas Artes . Eles frequentavam a galeria e alguns quase diariamente iam trocar ideias com ele.
Depois seu Castro conheceu o Novo Expressionismo paulista e passou a  exercer uma grande influência entre os artistas especialmente os jovens . Acolheu vários deles que moravam nos quartos divididos por tabiques no velho casarão, onde embaixo funcionava a Galeria Bazarte. Também alguns estrangeiros que aportaram aqui neste período foram acolhidos  como o  argentino Reinaldo Eckenberger que morou no prédio da galeria  ainda  frequentada por Hansen Bahia, Carybé e Adam Firnekaes e outros.
O ambiente era de festa e cultura. O bar servia batidas de várias frutas e outras bebidas para a rapaziada , mas o ambiente não tinha drogas. Apenas as bebidas alcóolicas,  afinal estávamos sob a tutela do regime militar.
 Havia um velho piano que sempre era acionado por jovens músicos, especialmente pelo pessoal do Seminário de Música , da Universidade Federal da Bahia. Muitas vezes aos sábados eram exibidos filmes de arte como de Jean-Luc Godard , Ingmar Bergman , Woody Allen,Charlie Chaplin, dentre outros através um projetor que era emprestado pelo então diretor da USIS, que antecedeu a ACBEU, e também funcionava nas imediações.
Gostava de influenciar sempre com o objetivo de divulgar o Novo Expressionismoo  que estava efervescendo no sul do país, especialmente em São Paulo de onde viera.
Publicou seis álbuns de xilos de gravadores baianos , impressos na antiga Empresa Gráfica da Bahia, onde incluía desde artistas primitivos aos que estudavam ou já tinham terminado seus cursos na Escola de Belas Artes da Bahia, alguns inclusive tornaram-se professores de alta relevância como o alemão Adam Firnekaes.
Não satisfeito por acolher e incentivar os artistas ele ocupou um terreno entre em Jauá com o objetivo de criar uma Vila dos Artistas. Assim o escritor Guido Guerra, os artistas Leonardo Alencar, Jamison Pedra , Edison da Luz  ,Terciliano Jr e muitos outros demarcaram seus lotes para a construção de casas. No centro pretendia erguer um grande galpão onde seria a oficina coletiva de criação. Com seu volkwagem transportava materiais com o intuito de tornar seu sonho realidade. Como era uma área desabitada, e as terras devolutas pertencentes ao município de Camaçari foi fácil a sua ocupação.
Jamison lembrou ainda que tanto Caetano como a Gal Costa participaram de vários saraus às sextas-feiras realizadas na Bazarte.
Jamison Pedra jovem , época em que
frequentava a Galeria Bazarte.
Porém, em determinado momento muito entusiasmado com seu novo projeto imaginou que tinha encontrado a Atlântida depois que se deparou com algumas moedas antigas. Seu sonho não se concretizou a maioria das casas não foi construída . Sabe-se que o único que finalizou na época foi o saudoso Guido Guerra.
Lembra Jamison Pedra que ele e seu pai depois lutaram para concluir  a sua casa , e que enfrentou muita dificuldade para regularizar o terreno .
Neste período seu Castro se envolveu   com uma mulher bem mais jovem que ele. Contam que devido ao ciúme com o novo amor passou a não querer receber mais ninguém em sua galeria. Os tempos mudaram, e o  afastamento foi tão grande que não se  sabe ao certo quando  morreu, de quê morreu e onde estaria sepultado. Sabemos que seu Castro era um fumante inveterado e isto certamente deve ter contribuido para sua morte.

                                                  ÁLBUNS DE GRAVADORES 
Foram publicados seis álbuns .Consegui identificar  apenas quatro e a duras penas confirmar os nomes do integrantes desses álbuns  . Ainda vou tentar encontrar os demais, se é que existiram. Mas, soube que os dois outros foram dedicados à Capoeira e o Maculelê.
Capa do Álbum nº1
O álbum de número 01 - intitulado Gravadores Baianos é composto por dez xilogravuras e tem a apresentação de Lydia Borja  e participam os artistas: Reinaldo Eckenberger, Edivaldo Souza, Edison da Luz, Carlos Estivallet,Gilberto Oliveira, Gley Melo, Jamison Pedra, Kabá, Sônia Castro e Terciliano Jr.
Capa do Álbum nº 3
O álbum de número 2 intitulado Temas Populares ,é composto de 20 xilogravuras de artistas primitivos e tem a apresentação do professor Carlos Eduardo da Rocha. Os artistas são: Ana Lúcia, Carlos Henrique, Carmem França,Chico Sampaio ,Laurentino Reis,Pedroso e Vivaldo Sampaio.
O álbum de número 3 intitulado Gravadores Baianos tem a apresentação de Lydia Borja . Os artistas são: Adam Firnekaes, Ângelo Hodrick,Reinaldo Eckenberger, Edison da Luz,Edivaldo Souza, Eduardo Reis, Estivallet, Gley Melo, Jamison Pedra, Kabá Gaudenzi,Sônia Castro,Terciliano Jr. e Thereza.
O álbum de número 4 intitulado São João na Bahia - Textos e Melodias  tem artigos escritos por Adroaldo Ribeiro Costa, Edivaldo Souza, Hildegardes Vianna, Magda Alzira,Enderich, Maria Edísia, Marieta Alves ,Plínio Almeida , Vasconcelos Mais e Wanda Viana Monte. Os artistas são: Edison da Luz,Edivaldo Souza, Carlos Estivallet, Laurentino Reis, Licidio Lopes, Thereza e Vivaldo Santos.
NA -Este é um artigo aberto à novas informações. Na medida em que conseguir terei o maior prazer em anexar ou mesmo suprimir o que for necessário.
De Reynivaldo Brito

























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