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sábado, 22 de fevereiro de 2025

MIKE SAM COM SUA ARTE RECRIA CENAS DOS JOGOS ELETRÔNICOS

 Mike Sam tendo ao lado as caixinhas
com pinturas eróticas . Abaixo vemos 
 figuras de estudantes com uma 
máquina de fliperama.
A arte criada por Mike Sam é uma crônica visual sobre os jogos de fliperamas que eram uma verdadeira coqueluche da juventude nas gerações dos anos 70 a 90. As máquinas coloridas, bem iluminadas e cada uma com seu som especial atraíam jovens e pessoas de várias idades que curtiam apertar aqueles botões ou acionar as alavancas e quando as luzes piscavam freneticamente sem parar anunciavam que alguém era o vencedor. As luzes coloridas faziam parte deste cenário piscavam quando a bolinha seguia sua trajetória enlouquecida pela força que o jogador desprendia procurando acertar o seu alvo ou fazer mais pontos. Elas traziam ainda nos seus mostruários desenhos também interessantes que contribuíam para criar aquele clima lúdico e de alegria. Enormes salões chamadas de Arcades com dezenas de máquinas, especialmente nas cidades onde os jogos de azar campeavam especialmente as estações hidrominerais como Poços de Caldas, em Minas Gerais; Caldas de Cipó, na Bahia; Lindoia, em São Paulo. 

Também ele  utiliza  imagens históricas 
 nas  suas crônicas pictóricas  das 
máquinas de fliperamas.
Também nas cidades médias e capitais dos estados existiam salões ou mesmo as máquinas estavam presentes em pequenos bares e cabarés por este Brasil afora. Até que em 1946 o então presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu em todo o Brasil os jogos de azar. Foi através de um decreto a proibição que também ocasionou a decadência nas estâncias hidrominerais que recebiam turistas de todo o mundo para curtir suas águas e jogar. Diz o Mike Sam em sua dissertação acadêmica que essas máquinas surgiram em sua cidade natal de Poços de Caldas na década de 40 e que esses jogos eletrônicos denominados de Arcades povoaram a sua adolescência e juventude. Os salões com as máquinas coloridas e barulhentas eram locais de liberdade, onde os estudantes e mesmo muitos adultos podiam se expressar com todas as forças dos seus corpos cheios de energia e vibrar quando ganhavam. As máquinas eletrônicas sobreviveram à investida de Dutra contra os jogos de azar e ainda é possível encontrar alguma funcionando por aí. Tem um programa de televisão onde antiquários até hoje ficam buscando objetos antigos inclusive máquinas de fliperamas, muitas vezes sem funcionar, para comprar, recuperar e vender para colecionadores.
Eduardo L. Marras pintando.
Quem trouxe essas máquinas dos Estados Unidos para Poços de Caldas, em Minas Gerais a partir de 1940 foi o pintor ítalo-argentino Eduardo Luciano Marras, segundo as pesquisas feitas por Mike Sam para sua dissertação de Mestrado da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. O pintor nasceu na Itália e estudou artes na Argentina,  viajou por vários paises fazendo retratos. Era um amante da arte cinematográfica e construiu um cinema em Poços de Caldas e na sala de espera expunha os retratos feitos por ele a tinta a óleo.
Já o Mike Sam  fez uma reconstrução visual do espaço das máquinas com o objetivo de reconstruir a memória afetiva através da prática artística.   Quando aqui chegou em 2001 encontrou fliperamas na Rua Carlos Gomes, na Avenida Sete de Setembro, na região de São Bento, no Politeama, Lapa e Largo Dois de Julho. Portanto, reacendeu aquela vontade de frequentar as Arcades, e seus desenhos e pinturas passaram a representar esses ambientes . Incluiu  personagens principalmente jovens estudantes vestidos em calças jeans e camisas brancas e carregando nas costas suas imensas e às vezes pesadas mochilas cheias de livros e grossos cadernos. Depois de produzir pinturas e desenhos realizou exposições com este material entre os anos de 2007 a 2014.
 Pintura de Mike Sam de uma cena do 
 codidiano de estudantes conversando
.

Portanto, ele nos transporta como disse seu colega Edgard Oliva para este ambiente do cotidiano de jovens estudantes em busca de se expressar com mais liberdade. “O Mike tem além de um domínio absoluto sobre a técnica da pintura a óleo, um primoroso desenho ricamente elaborado a partir da observação in loco do seu sujeito. Utilizando-se desses domínios, o artista consegue transportar-nos para o plano das suas memórias através de uma poiesis - palavra grega que significa criação ou produção - rica em detalhes e que chega a beirar o Art-Nouveau, denotado, principalmente, pelo conjunto de elementos com os quais ele elabora sua pintura.”

Casal de jovens namorados. Mike Sam além 
da pintura escreve umas legendas criadas
com lembranças desses encontros .
Foi em suas idas e vindas com o professor Onias Vieira Camardelli, quando aluno da Escola de Belas Artes que costumava levar seus alunos para a Praça Dois de julho, mais conhecido como Campo Grande para  fazer os croquis da praça com suas árvores centenárias, o belo monumento dos heróis do Dois de julho. Mike e seus colegas desenhavam  os estudantes e outras pessoas que frequentavam o local. Esses croquis serviram de base para o Mike Sam que os introduziu em seus desenhos e pinturas dos fliperamas. As pinturas apresentam cores mais suaves e os desenhos têm uma especificidade que lembram antigas peças publicitárias que eram veiculadas em jornais das décadas de 40 a 60. Lembro que trabalhei algum tempo numa pequena agência chamada Ética, que funcionava no Edifício Themis, Praça da Sé, e seu proprietário me parece que se chamava Edgard, fazia uns desenhos para anunciar cursos de Inglês, datilografia e mesmo para lojas de varejo que tinham os desenhos com os traços que lembram os de Mike Sam.

                                        QUEM É

O Mike Sam falando sobre sua obra .
O Mike Sam Chagas nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, no dia quinze de agosto de 1977. Seus pais Luiz Claudio Chagas e Maria De Lourdes Chagas e sua irmã Anne Kelly Chagas já faleceram. Ele foi criado com um tio. Aos  dezessete anos inicia seus estudos no curso de Artes do Conservatório Municipal, em Poços de Caldas,MG. Realiza suas primeiras exposições em fins dos anos 90 e em paralelo à pintura, trabalha como desenhista e ilustrador de revistas e livros didáticos infantis

Estudou o primário na Escola
Estadual do Lions Clube e o ginasial e Colegial no Colégio David Campista. Lá começou cedo a desenhar e a pintar a óleo paisagens e outras cenas rurais que eram muito apreciadas pelos moradores da cidade. Fazia também algumas ilustrações e assim ganhava algum dinheiro, mas disse que não gostava de fazer as paisagens rurais. Queria fazer algo mais criativo.Em 2001, aos vinte e três anos, muda-se para Salvador, onde reside atualmente. No ano de 2002, ingressa na Escola de Belas Artes da UFBa, no curso de Desenho e Plástica .Por sua condição econômica ser muito precária conseguiu uma vaga para morar na Residência Universitária a R-1 que ficava no Corredor da Vitória. Concluiu o curso em 2007 e lembra que passava a maior parte do seu tempo dentro da escola procurava fazer algo ligado à sua arte. Fez algumas exposições e passou a dar aulas de Desenho e Artes Plásticas.
Algumas cenas eróticas que o 
artista coloca nas caixinhas.
Resolveu juntar os motivos dos jogos eletrônicos com os personagens dos croquis que desenhou no Campo Grande.  Passou a usar cores como os lilases, o azul turquesa, laranjas, os amarelos e vermelhos mais claros. Quando conheceu a produção do artista Jamison Pedra  passou a observar as cores que ele usava em suas obras. "Isto foi muito inspirador para mim entre os anos 2005 a 20015 . Como houve uma boa aceitação desses meus trabalhos então continuei sempre procurando inovar e criar novas cenas focadas nos fliperamas e nos personagens jovens que tinha desenhado durante minhas aulas ao ar livre." Disse que teve muita sorte porque as artes plásticas estavam num bom movimento e que assim pode participar de várias exposições quando recebeu alguns prêmios com as suas obras. Foi quando resolveu voltar para Poços de Caldas a fim de desenvolver uma pesquisa histórica mais profunda sobre os fliperamas que se tornou o objeto de sua tese de Mestrado.

Quando resolveu fazer a pós Graduação por incentivo de sua esposa e coincidentemente encerrou a fase de pintar os estudantes e adolescentes .  Criou algumas máquinas, uns brinquedos. e passou a pintar esses objetos. O que mais teve aceitação foram as caixinhas que fez onde você gira e escolhe qual a imagem quer deixar na parede. Passou a trabalhar com tinta guache ao invés de óleo e sua ideia agora é trabalhar com esses objetos que vão ser o tema do doutorado que pretende fazer.  Inclui nesses objetos cenas eróticas e também de Salvador. "Pretendo construir uma espécie de mini parque de diversões com as imagens que vou desenhar e pintar. Esses objetos possibilitam que as pessoas interajam escolhendo qual a pintura quer ver. ", adianta Mike Sam. 
Vemos o monumeto ao Dois de Julho  e
 estudantes.Esta pintura é inspirada no
croquis feito por Mike Sam nas aulas 
ministradas por Onias Camardelli .
 
Mas, nem tudo foi tranquilo porque quando ele pintou uns objetos e incluiu as cenas eróticas de estudantes e foi expor no Centro Cultural ,em Feira de Santana-Banhia, um pastor de uma igreja local denunciou à polícia e a exposição foi fechada dois dias antes do prazo previsto. O pastor chegou a ameaçar que “ia jogar umas coisas para espantar os diabos que estavam na exposição”. Diz Mike Sam que isto aconteceu porque coincidiu que na época estava muito na mídia a questão de uma exposição em Porto Alegre. Isto aconteceu em agosto de 2017 com a exposição patrocinada pelo Santander onde tinham  obras de sexo explícito envolvendo questões de gênero. Eram 270 obras de 85 artistas e foram consideradas inadequadas e gerou muitas polêmicas na época. Este fato influenciou e terminou com o fechamento da exposição do Mike Sam.

 EXPOSIÇÕES E PRÊMIOS

Em 2016 -  Galera, Projeto Arte-SESC, Galeria do Centro de Atividades SESC/ Rua Chile, Salvador/BA; 2015, -  Matinê, exposição individual itinerante, Circuito Saladearte Galerias Cine Pasco e Cine UFBA, Salvador/ BA ; Arcaldas, uma Coreografia dos Fliperamas em Poços de Caldas,MG ;  Galeria Cañizares, Salvador/BA ; Eu Vim da Bahia: Desenhos, Shopping Barra, Salvador/BA ; 2014-  Coleção Matilde Matos, Palacete das Artes/ Museu Rodin-Bahia, Salvador/BA ; Arte de Passagem, Casa de Castro Alves, Salvador/BA ;
Esta pintura retrata um hipotético final 
nos jogos de fliperamas .
2013 -  Poéticas do Reencontro, Galeria Parede, Salvador/BA ; 50 Anos de Arte na Bahia, Caixa Cultural de Salvador/BA ; Esquizópolis, Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), Salvador/BA ; Circuito das Artes, Galeria Aliança Francesa, Salvador/BA ; 2012 - Salões de Artes Visuais da Bahia, Menção Honrosa, Centro de Cultura ACM, Jequi-Ba ; 2011, Crônicas de Fliperama, , Caixa Cultural de Salvador/BA ; Circuito das Artes, Galeria Aliança Francesa, Salvador/BA ; Pintura Nova, Galeria ACBEU, Salvador/BA ; 2010 - Circuito das Artes, Galeria ACBEU, Salvador/BA ; 2009 - Grandes Artistas em Pequenos Formatos, Museu Regional de Arte de F de Santana – BA ; 2008- Doce Arcade, Prêmio Cultura e Arte Banco Capital, Galeria Prova do Artista, Salvador/BA ; VII Bienal do Recôncavo, Prêmio de Aquisição, C. Cultural Dannemann, São Felix- Ba ; 2007 -  Coleção Taito, Prêmio Portas Abertas para Artes Visuais ,  Galeria do Conselho, Salvador/BA; 2006 -  V Bienal do Recôncavo, C. Cultural Dannemann, São Felix- Ba ; 2005- Megafônicas, Centro de Convivência da UFBA, Salvador/BA 2004-           Artografias, exposição individual, Biblioteca Central da UFBA, Salvador/BA ; 2003
Pintura mostra estudantes e máquinas 
de fliperamas.
- Semana Cultural das Residências Universitárias da UFBA , Salvador/BA ; 02 de Fevereiro, Espaço Cultural Malabares, Salvador/BA ;
2002 - Perfis, Galeria Moacir Moreno / Teatro XVI, Salvador/BA ; 2001 -  Oficinas do MAM, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/BA ; 2000  -  Manhãs de Outono,  Foyer Câmara Municipal de Poços de Caldas/MG ; 1999 - IV Panorama de Artes Plásticas de Poços de Caldas, Instituto Moreira Salles, Poços de Caldas/MG; 1995 -  Oficinas do Conservatório, Foyer Caixa Econômica Federal, Poços de Caldas/MG.





 

14 comentários:

  1. Bom dia meu amigo Reynivaldo Brito! É uma grata surpresa acordar nesta manhã de 22 de fevereiro de 2025 e ler esta sua bela matéria de crítica de artes sobre o Professor de Pintura da EBA - UFBA Mestre Mike Sam Chagas, de quem guardo no peito uma grande consideração, um enorme carinho ao também grande artista, Pintor, como ele próprio se auto-define. No passado muitas vezes ao seu convite comemoravámos nossos aniversários juntos em sua casa outrora em Brotas ou Federação, pois nascemos no dia 15 de agosto, porém em anos diferentes. Também no passado moramos na mesma Residência Universitária da UFBA R1 UFBA - Corredor da Vitória ,onde nos conhecemos em 2003. Tenho grande consideração por ele e a senhora sua esposa, pessoas boas, a quem sou especialmente grato por me receberem em sua casa em diversos momentos: Alegres, em ocasiões de tristezas. Eu torço muito por eles. Desde a pandemia não temos nos falado, Mike e eu. Não sei por qual o motivo. Para mim ele será sempre um grande amigo dos tempos de Residência Universitária da UFBA, dos tempos de Belas Artes , dos tempos de leituras e exploração da Biblioteca Central e da Eba, do Restaurante Universitário, das visitas as grandes exposições de artes em Salvador, dos tempos de pintura. Não sei se ele tem a mesma consideração de antes por mim. Sempre respeitarei a pessoa dele e o grande trabalho artístico que ele desenvolve! Fico feliz pelo crítico de Artes Reynivaldo Brito ter acolhido minha humilde sugestão de escrever sobre este artista. Sempre me será motivo de contentamento o sucesso daquelas pessoas que me são queridas.

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  2. Oi, Rey!

    Você conseguiu capturar toda a nostalgia dos fliperamas e a energia das décadas de 70 a 90. É incrível como a arte pode nos transportar no tempo e resgatar memórias tão especiais.

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  3. Mike , artista-professor. Foi meu orientando no Mestrado. Torci muito para ele passar no Concurso de Pintura da UFBA, pois tinha certeza que seria um excelente Professor de Pintura. E o é, atendendo ao ensino, pesquisa e extensão de forma brilhante. Bela matéria! Merecida, pois a sua obra é única e o seu traço singular e belo. Mike, pense em uma Mestra feliz!

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  4. Mais uma excelente matéria jornalística sobre um grande artista. O Mike é exatamente o que o Ed Carlos disse mais acima. Parabéns, Professor Reynivaldo, por reportagens que revelam o grande número de artistas da Bahia, infelizmente desconhecidos da grande mídia.

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  5. Olá Ed Carlos, que alegria essa matéria que você sugeriu. Bom também é ter notícias suas, através de suas palavras deixadas aqui. Você e Mike tem uma história de amizade firme que não se apaga. Você é muito querido, tenha certeza disso. Grata a Reynivaldo pela crítica generosa. Grande abraço Ed Carlos!

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    1. Boa tarde Adriana! Estou bem graças a Deus. Em 2020 vim para Alagoinhas e devido a pandemia resolvi ficar. No momento estou iniciando o Doutorado em Letras pela UNEB. Continuo a produzir. Sinto muitas saudades de todos aí em Salvador. Mas criei resistência a esta cidade, tem 4 anos que fui até aí! Um grande abraço , lembranças a Mike!

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  6. Leonardo Celuque
    Muito bom, Renyvaldo! Não conhecia, mas conheço agora e gostei da recriação das cenas incorporando o imaginário eletrônico atual! Parabéns para vocês dois!

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  7. Luiz Claudio Campos
    Acho o trabalho de Mike genial. Parabéns Reynivaldo Brito

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