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sábado, 22 de novembro de 2025

VICENTE SAMPAIO E SUA FOTOGRAFIA CRIATIVA


O fotógrafo Vicente Sampaio ao lado da
foto de uma terra preparada para o plantio.
D
epois de quase cinquenta anos por um acaso nos reencontramos, desta vez virtualmente através das redes sociais. Trata-se do experiente fotógrafo Vicente Sampaio que viveu aqui no bairro da Boca do Rio numa casa que fazia fronteira com a do também fotógrafo hoje famoso internacionalmente Mário Cravo Neto. Naquela época eles eram jovens, com 26 e 27 anos respectivamente, e andavam juntos por esta Cidade levando no pescoço suas máquinas Nikons,  Hasselblad e Leicas  caras com àquelas lentes enormes que chamavam a atenção. Relembrou Vicente Sampaio que ia até os Alagados sozinho fotografar com duas máquinas dependuradas no pescoço e ninguém mexia com ele. Eram outros tempos! Claro que existiam ladrões, mas o número era bem menor, e quando pegos recebiam o castigo merecido. O nosso primeiro contato foi em junho de 1976 quando a dupla foi até o jornal A Tarde falar comigo sobre uma exposição que iam fazer no Museu de Arte Moderna da Bahia, a convite do então diretor, o também fotógrafo, cineasta e arquiteto Silvio Robatto.

A criança admirando uma boneca .
O meu texto foi publicado nesta coluna no jornal A Tarde em 5 de julho de 1976 com o título “Mário Cravo Neto e Vicente Sampaio com 140 fotografias no Unhão”. A exposição foi um sucesso porque as fotos eram de alta qualidade e trazia a novidade porque Mário Cravo Neto expôs algumas que foram feitas nos Estados Unidos. Eles trabalhavam juntos, iam para a praia e outros lugares diversos e dividiam o laboratório até que o Vicente Sampaio também montou o seu.  Dois excelentes profissionais unidos pela arte da fotografia. Com o tempo cada um tomou o seu destino, e o Vicente foi morar em São Paulo. O Mário Cravo Neto partiu para a eternidade em 2009 aos sessenta e dois anos de idade. Hoje Vicente Sampaio vive em Santo Antônio dos Pinhais, perto de Campos de Jordão, em São Paulo, num sítio onde vem fotografando a paisagem, a fauna e comercializa suas obras através as redes sociais. Também dá cursos de fotografias online e vai tocando sua vida com a simplicidade que sempre foi uma das marcas de sua personalidade. Casou teve três filhos que hoje trilham caminhos profissionais de sucesso.

Mas, o nosso reencontro que aconteceu virtualmente e foi possível graças a essas coincidências da vida moderna. A filha de uma sobrinha de Calazans Neto, a Eloisa Lopes, que é pianista formada pela Escola de Música, da Universidade Federal da Bahia, e atualmente professora na Pontifícia Universidade Católica de Campinas,

 O descanso do Gato.  Foto maravilhosa!
em São Paulo. Ela   viu umas fotos de Vicente Sampaio nas redes sociais, e se interessou e passaram a conversar quando eles falaram da Bahia e suas experiências. Foi aí que surgiu o texto que tinha escrito em 1976 e então Vicente Sampaio me enviou uma mensagem através o Messenger. Respondi e estou aqui falando de sua arte fotográfica. Não conheço pessoalmente a pianista Eloisa Lopes, mas lembro com saudade do seu querido tio Calazans Neto, uma figura presente na arte baiana e uma das mais incríveis que conheci no mundo das artes.

                                                   TRAJETÓRIA

O fotógrafo Vicente Sampaio Neto nasceu em Pirassununga, estado de São Paulo em oito de janeiro de 1968, filho de Oswaldo Sampaio e Edith Guerra Sampaio. Antes  seus pais moravam em São João Del Rei ,em Minas Gerais , onde seu pai trabalhava com a cultura do café. Em seguida foram morar em Ribeirão Preto, também em São Paulo e Vicente Sampaio foi estudar no Grupo Escolar dr. Guimarães Júnior onde concluiu o primário. O ginásio e o colegial estudou no Colégio Estadual Otoniel Mota, o mesmo onde também estudara o presidente Washington Luís (1869-1957) que foi um advogado, historiador e político brasileiro, o 13º e último presidente da República Velha de 1926 a 1930, quando foi deposto num golpe. Antes ele foi baleado por sua amante, a marquesa italiana Elvira Vishi Maurich, em 23 de maio de 1928, no Copacabana Palace. O caso foi abafado pela versão oficial, que dizia que o presidente havia sofrido uma crise de apendicite. 

Vista parcial da Serra onde mora o fotógrafo.
Aos catorze anos Vicente Sampaio fez seu primeiro laboratório fotográfico dentro de um armário na casa de seus pais em Ribeirão preto e a fotografia continuava chamando. Pensou em estudar arquitetura, depois História, e finalmente foi para a Escola Superior de Propaganda e Marketing, a famosa ESPM, em São Paulo, mas não passou do primeiro ano. Foi quando em 1973 veio morar em Salvador e coincidiu que sua casa tinha um muro que fazia fronteira com a casa onde morava o Mário Cravo Neto, na Rua Heitor Dias, no bairro da Boca do Rio, que se formou de uma invasão e na época era tido como um bairro alternativo da turma da contracultura, hippies etc. Eles se conheceram e mantiveram uma amizade firme até o falecimento de Mariozinho em 2009, acometido de um câncer de pele. Cravo Neto nasceu na capital baiana em 1947, tendo começado na arte aos 18 anos. Desenvolveu trabalhos em escultura e fotografia, seguindo os passos do pai, o escultor Mario Cravo Júnior, inclusive o acompanhou quando o pai foi fazer uma residência em Berlim para estudar escultura. Participou de cinco bienais de São Paulo, entre 1971 e 1983, tendo realizado também diversas mostras de fotografia na Europa e nos Estados Unidos. Neto teve o prazer ainda de ter colaborado com as revistas "Popular Photography" e "Câmera 35".

Duas aves nos galhos de uma araucária.
Aqui Vicente e Mariozinho dividiram o estúdio de fotografia até Vicente montar o seu. Iam para a praia de Armação e da Boca do Rio e sempre o assunto principal das conversas era as fotografias. Após Maiorzinho sofrer um acidente grave, que o levou ao leito do Hospital Português, onde o visitei e fiz uma entrevista que era disponível aqui nesta coluna ele mudou o seu modo de trabalhar criando um fundo infinito porque o acidente limitou um pouco seus movimentos. Em 1975, sofreu um acidente automobilístico e interrompeu sua atividade profissional por um ano. Posteriormente, dedicou-se à fotografia de estúdio, criou instalações e desenvolveu trabalhos fotográficos com temática ligada ao candomblé e à religiosidade católica. E foi este fundo infinito que lhe fez ser conhecido internacionalmente além da qualidade de suas fotografias. A propósito Vicente Sampaio contou que numa das visitas que fez no Hospital Português o Mariozinho estava no leito do hospital pediu que seu amigo arranjasse uma escada para fazer uma fotografia do alto pegando o corpo dele inteiro com as penas engessadas em forma de um A. Vicente desconversou e conta isto rindo, que mesmo naquele estado de saúde o amigo só pensava em fotografia. O Vicente Sampaio escreveu um texto para o Instituto Moreira Salles, que tem o maior acervo fotográfico deste país, inclusive lá está o acervo de Mariozinho. Vejam três parágrafos do texto:

Mário Cravo Neto pela lente do seu amigo 
Vicente Sampaio, em 1973.
“Conheci Mario Cravo Neto  (1947-2009) em 1973, num evento organizado em São Paulo pela empresa de turismo da Bahia. Mariozinho tinha criado um mega audiovisual sobre a Boa Terra, uma projeção com oito projetores em sincronia, um espetáculo de sensibilidade à flor da pele. O tema era “Um dia na Bahia”, e obviamente se iniciava no amanhecer e ia até o crepúsculo. Uma sucessão frenética de imagens mágicas inspiradas, loucas, insanas, velozes, borradas, fora de foco e intercaladas por imagens estáticas superfocadas, possivelmente até feitas com uso do tripé, com uma trilha sonora de arrepiar. Miles Davis, quase o tempo todo. Terminava num céu azul intenso de crepúsculo com lua crescente e estrelas, que ia pouco a pouco se tornando amarelo, laranja, róseo e por fim violeta, ao som daquele fantástico vocal feminino do final de Dark Side of the Moon.  O álbum mítico do Pink Floyd tinha sido lançado poucos meses antes e Mariozinho, antenado na Bahia, já se apropriara dele. Assim foi meu primeiro encontro com a fera!

Outra foto de Mariozinho de autoria de Vicente
Sampaio, durante um evento.
Menos de seis meses depois desse encontro me mudaria definitivamente para Salvador.  Dessas coincidências da vida que não se explica, fiquei numa casa que era praticamente vizinha à de Mario, na Boca do Rio, um bairro bem popular da cidade que atraía também muita gente alternativa do Brasil e do mundo. A casa do Mariozinho atravessava toda a quadra e tinha, nos fundos, seu ateliê e seu estúdio, com um enorme portão que dava para a minha rua, quase em frente à minha casa; menos de 30 metros havia do portão dele ao meu. Minha casa ficava sobre a duna que dava para o antigo Aeroclube da Bahia e, galgando-a, se descortinava o mar da Praia da Armação. A rua que separava minha casa da dele era de areia, sem pavimentação, e em pouco tempo se formou um caminho nessa areia, uma trilha bem visível ligando portão a portão, escavada pelo constante ir e vir nas madrugadas adentro. Muita música, papos, discussões intermináveis sobre fotografia e tudo mais. Comecei a usar o laboratório dele por algum tempo até montar o meu, ele os chamava de “nossas naves”, e de fato tinha tudo a ver, porque o tempo/espaço dentro delas era outro e a navegação quase constante.

Vicente Sampaio e Mário Cravo Neto no 
corredor de  hotel na cidade de Carnaíba, BA.
Tinha acabado de completar 26 anos e ele faria 27 dali a alguns meses. Com essa idade a gente estava ainda aprendendo, ele tinha feito pouquíssimas exposições de fotografia, mas várias de artes plásticas - escultura, que na época era a sua atividade predominante. Nos tornamos uma espécie de irmãos em armas (as câmeras), e naquela parceria de darkroom a darkroom iniciamos uma competição, um desafio saudável para ver quem conseguiria extrair o máximo de qualidade de um papel fotográfico nacional da Kodak, o mais banal, um brilhante de peso simples, tão fino que quando secava se enrolava todo e ficava parecendo um canudo. Usávamos para secá-lo uma esmaltadeira enorme que Mario havia trazido de Nova York em 1968, uma carcaça de metal com resistências elétricas dentro, e uma lona de algodão sob forte pressão que abraçava a cópia voltada com a emulsão para baixo, colada com água numa placa belíssima de aço com um tratamento químico que a deixava como um espelho perfeito e flexível. Antes de pressionar a cópia se tirava o excesso de água com um rolo de borracha. Era uma traquitana que espantaria um jovem de hoje nascido na era digital.” Estas duas fotos feitas por Vicente Sampaio de Mário Cravo Neto, o Mariozinho como era chamado, integram o texto que ele escreveu para o Instituto Moreira Salles..."

                                                    ATUALMENTE

Esta foto ele fez no Pelourinho nos anos 70.
Uma pintura!
O fotógrafo Vicente Sampaio vive num sítio de uns quatro hectares que alugou em Santo Antônio do Pinhal, interior de São Paulo. É um município de montanhas, na região da Serra da Mantiqueira, e tem temperaturas baixas. A propósito enquanto conversávamos por voltas das 11;30 da manhã, da ida 18 pp, perguntei quanto estava a temperatura ambiente e ele respondeu “por volta de 19 graus”. Ele foi parar neste local depois de fazer uma pesquisa e constatar que era o município menos violento no estado de São Paulo. Como tinha feito um curso de montanhismo achou que seria aprazível morar por lá. Alugou o sítio que tem muitas fruteiras, uma lagoa para pescar e o próximo vizinho está a uns oitocentos metros de distância. Disse que por lá adquire a maioria os alimentos que precisa como leite, mel, queijos , legumes e verduras. Os alimentos industrializados ele compra na cidade de Santo Antônio do Pinhal. Mora sozinho e disse que não vive isolado porque está sempre fotografando e colocando nas redes sociais , inclusive comercializa suas fotos atuais e antigas através a internet.

O cair da tarde na Serra da Mantiqueira.
O fotógrafo disse que vende para várias partes do mundo a Fine Art onde ele envia as fotos em alta resolução e quem adquire manda imprimir utilizando o tecido Canvas que é muito resistente e permite uma impressão de alta qualidade ou outro suporte que desejar. Muitas de suas fotos recentes são paisagens da região, muito apropriadas para decoração de ambientes porque dá uma sensação de paz quando a observamos com mais atenção.  A "Fine Art é uma técnica de reprodução artística de alta qualidade que utiliza papéis e tecidos especiais e tintas pigmentadas em impressoras profissionais de alta resolução para garantir fidelidade de cores, detalhes e longevidadeEsse processo resulta em cópias que podem durar mais de 100 anos e é ideal para fotografias, arte digital e obras de arte que serão expostas ou vendidas. “Aqui na Bahia tem vários impressores deste tipo de arte e um dos mais conhecidos é o  Lukas Cravo, que vem a ser um dos filhos de Mário Cravo Neto, o Mariozinho, com a pintora Ângela Cunha. Eles utilizam um tecido especial que chamam de Canvas, significa tela ou lona em inglês, que é uma superfície durável, geralmente feita de algodão ou linho, utilizada para pintura artística, impressões de alta resolução e decoração. 


Um comentário:

  1. Esse Reynivaldo Brito é um grande poeta das palavras. Ele sempre apresenta grandes artistas. Dessa vez, apresentando um grande fotógrafo.

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