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sábado, 12 de abril de 2025

CÉLIA MALLETT E SUA PASSAGEM PARA O CONTEMPORÂNEO

Célia Mallett pintando no ateliê.
A Célia Mallett é uma artista visual conhecida nos meios culturais baianos onde sempre está presente participando ou visitando exposições de seus colegas e amigos. Ela  desenvolveu sua produção artística “numa relação estreita com a escrita: a linha, o gesto, a exposição da individualidade, o peso da veracidade contido num “ponto branco”. Com fortes pinceladas se expressava. Também passou pelo abstracionismo, portanto, se distanciando do aprendizado na Inglaterra onde aprendeu a desenhar a figura humana, paisagens e objetos. Assim o figurativo foi desaparecendo em meio aos gestos e outros elementos que compõem suas obras gestuais e abstratas. É conhecida também por sua arte artesanal com seus bordados, lembranças da infância quando seus ancestrais gostavam de bordar para matar o tempo . É licenciada em  Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e bacharela em Artes Plásticas em Pintura e Desenho pela Escola de Belas Artes, pela Universidade Federal da Bahia, concluindo o Mestrado em Artes Visuais. Foi professora substituta na EBA de Desenho I, II, III, Modelo ao Vivo, Teoria e Técnica de Pintura e Composição Decorativa I. Vem apresentando trabalhos em exposições individuais e coletivas desde 1989. Seu nome de batismo é Célia Maria Baldas  e nasceu em Salvador no dia vinte e seis de outubro de 1937. É filha de Roberto Baldas e Joana Martins Baldas. Fez parte do primário em Salvador e em seguida foram morar em São Gonçalo dos Campos, interior da Bahia. Estudou no Grupo Escolar Antônio Carlos Pedreira, sendo aluna da professora Theonila da Silva Correa, que também foi professora de Emanoel Araújo, que vem a ser a mãe da artista Yedamaria. Voltaram para Salvador e estudou no Colégio Nossa Senhora da Salete, nos Barris , e no Colégio Severino Vieira, que fica no bairro de Nazaré. Em seguida se transferiu para o Colégio Central da Bahia.  Fez vestibular para Licenciatura de Psicologia e Filosofia na
Estudos a óleo sobre compensado feitos 
durante seu aprendizado na Inglaterra.
Universidade Federal da Bahia e trabalhava no Banco Nacional de Minas Gerais, que ficava na Praça da Inglaterra, no bairro do Comércio. Era recepcionista e lembra da farda das recepcionistas que era de cor verde oliva, camisa branca, sapatos pretos fechados e meias brancas. Na época o banco atendia aos estivadores do Porto de Salvador e lembra que era muito movimentado. Trabalhou ainda na Cesmel com o empresário Ulisses Barbosa Filho, que foi inclusive Presidente da Federação da Indústria da Bahia; e com o filho do ex-governador Landulfo Alves na Empreendimentos da Bahia, onde Antônio Luís Alves de Almeida coordenou importantes projetos como do Centro Industrial de Aratu, da Sibra, Frigoríficos da Bahia outros para depois serem financiados através a SUDENE. Ela classifica que este  trabalho onde exercia a função de secretária de projetos como o mais importante e que foi uma experiência enriquecedora.

Desenhos em bico de pena, crayon e
carvão  com modelos vivos.
Uma curiosidade é que ele era esposo da famosa artista americana Betty King de Almeida, a Betty King, pintora e escultora que chegou ao Brasil em 1958, fixando-se em Salvador até 1966. Tenho uma passagem interessante com Betty King. Estava na redação no jornal num certo dia de julho de 1980 durante à noite quando recebi um telefonema que ela estava em Salvador, numa casa do bairro de Amaralina, e gostaria de conversar sobre seus últimos trabalhos. Lá fui eu e o fotógrafo Arestides Baptista. Escrevi um texto com o título “Betty King: A Família como Referencial”, foi publicado  em vinte e cinco de julho de 1980, no jornal A Tarde e está  no blog Artes Visuais, é só colocar em Pesquisar. Esta exposição de Betty King foi na galeria  ACBEU, no Corredor da Vitória, em Salvador.

Voltando para a  conversa com Célia Mallett ela me disse que já tinha três filhos do seu casamento   com o inglês Henry John Mallett o qual foi transferido para Londres pela empresa Corrêa Ribeiro S.A. Comércio e Indústria. A empresa foi fundada em 1926 com o objetivo de exportação de produtos primários dentre os quais se destacavam cacau em bagas e café. Lá ficaram durante seis anos, enquanto seu esposo trabalhava em Londres envolvido com o seu trabalho de acompanhar de perto a cotação do cacau na bolsa de Londres e de outros afazeres ligados à comercialização dos produtos que a empresa exportava. O local onde moravam distava de Londres apenas vinte minutos de trem.  Depois de matricular  seus filhos na escola decidiu procurar algo para fazer. Foi quando a proprietária do apartamento onde moravam sugeriu se matricular numa instituição que oferecia vários cursos para adultos. Célia Mallett se matriculou na Escola Sir John Cass, da Politécnica de Londres. Lá aprendeu as principais técnicas de Desenho e Pintura, inclusive com modelo  vivo. Um detalhe que a artista lembrou foi que a professora de pintura só trabalhava com tinta a óleo, não usava acrílica . Ao retornar para Salvador esteve com a professora e artista Ana Maria Villar que lhe indicou procurar Maria Adair que estava ministrando um curso de extensão na Escola de Belas Artes. Se inscreveu no curso e em seguida decidiu prosseguir seus estudos em artes visuais.

Obras contemporâneas que mostram o
talento versátil da artista.

Também já trabalhou com Mário Cravo Jr e Renato Ferraz quando o museu estava iniciando. Não era ainda o Museu de Arte Moderna. É  conhecida na arte artesanal por executar intervenções nas tramas de antigos bordados, uma lembrança de sua infância. Quando lhe perguntei se chamava de bordados ou abordados ela disse que nunca tinha pensado nisto, mas gostou de bordados abordados. São bordados que ela desfaz uma trama pré-estabelecida e  “ recria uma nova que diz mais de você, que fala da sua vontade em superar o que está estabelecido, criar e recriar. Emprestando um novo significado , a vontade, o desejo de expressão.” Me falou ainda das rodilhas, inclusive fez uma escultura de rodilhas. Quando lhe falei da origem africana das rodilhas onde as mulheres sempre utilizam para carregar cestas, feixes de lenha e todo tipo de objetos sobre as suas cabeças, ela disse que a ideia das rodilhas veio bem diferente. Certa vez estava pensando em vários problemas pessoais, e nos de fora de outras pessoas, parentes e conhecidas aí imaginou que sua cabeça era uma verdadeira rodilha amparando tantos problemas. Daí passou a fazer as rodilhas, inclusive nas pinturas.

                                                         REFERÊNCIAS


Em 1990 o professor Herbert Magalhães reproduziu as palavras de Ailton Lima sobre uma exposição de alunos da Escola de Belas Artes entre os quais estava Célia Mallett.  “Sobre Célia Mallett, quem melhor a descreve é Ailton Lima, que inclusive lhe passou conhecimentos e muito a incentivou. Diz ter tido a honra de assistir ao nascimento dessa artista: "O que era semente tornou-se para ela uma constante busca intencional. Sua evolução como artista é uma consequência da seriedade com que encara sua permanência no elenco das artes plásticas”.

 Bordado que expôs na mostra - 50 Anos
 de Arte na Bahia.
"A Afirmação No Gesto,  essa é
a exposição da artista plástica Célia Mallett, na Galeria ACBEU em 12 de maio de 1997 e foi publicado no jornal A Tarde. “Com formação em Filosofia e Artes Plásticas, incluindo curso de especialização na Inglaterra, Célia Mallett tem no currículo dezenas de exposições coletivas e individuais, algumas delas realizadas na própria Galeria ACBEU. Apaixonada pelo estudo da gestualidade e pela perspectiva de traduzi-la em arte, a artista há algum tempo vem se dedicando a uma linha de trabalho que tem como referência ponto de partida o universo da caligrafia. Ela explica que no princípio o uso da caligrafia como referência para a criação de trabalhos abstratos surgiu quase que por acaso, pelo fato de representar uma das mais fortes marcas de individualidade do homem. “Sempre me interessei muito pelo prazer contido nos gestos, e a escrita, traduzida pela caligrafia, é um dos gestos mais individuais que conhecemos. Comecei trabalhando com curvas e retas, isso foi se ampliando e fugindo cada vez mais do figurativo", explica ela. Outro aspecto do seu trabalho é que, apesar de usar quase sempre os tons terrosos aliados aos azuis e verdes, tudo em acrílica sobre tela, ela nunca se preocupa com modo de aplicá-los, de forma que o resultado estético e plástico de seu trabalho é ímpar e não se presta a qualquer tentativa de rotulação.”

                                          EXPOSIÇÕES

Catálogos de algumas de suas exposições.
Entre as exposições : 2023 - 2 de Julho, A Independência do Brasil na Bahia, na Galeria Cañizares – Coletiva – Salvador-Ba; 2017 - Olhares para Matilde - 90 Anos de Vida, Galeria EBEC, Salvador-Ba; 2016 - A Produção da Mulher na Contemporaneidade, no MAB – coletiva – Salvador-Ba; 2015 - Circuito Arte e Moda- Salvador Shopping – Salvador-Ba; 2014 -Coleção Matilde Matos - Palacete das Artes – Salvador-Ba; Exposição Circuito das Artes- Aliança Francesa – Salvador-Ba; 2013 - 50 Anos de Arte na Bahia na Caixa Cultural – Salvador-Ba – coletiva 2012- Oferenda à Iemanjá - Ateliê Leonel Mattos – Salvador-Ba;  2011 - Oferenda a Yemanjá - Artistas 100 nomes, Salvador-Ba ;  2010 - Circuito das Artes no Museu Rodin – coletiva – Salvador-Ba; Colóquio Franco Brasileiro - Coletiva - Escola de Belas Arte – Salvador-Ba; 2009 - Doce de Santo, Galeria ACBEU- Salvador-Ba;  Mulheres em Movimento 2 - Galeria Cañizares -Salvador-Ba;  2007 - Circuitos das Artes, na Galeria Aliança Francesa – Afetos Roubados - coletiva – Salvador-Ba Caixa Cultural Salvador, "Espacio Cotidiano. Espacio de Supervivencia" - Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira -Feira de Santana – Bahia; 2006 - "Ruínas", Intervenção - Fábrica de Cristais Fratelli Vita -Salvador; 2005- "Ora pro nobis " Instalação - Conjunto Cultural da Caixa – Salvador-Ba; 2003 - "Nós Mulheres!", EBEC Galeria de Arte – Salvador-Ba; 2002 - "ART FOR SALE" - Galeria ACBEU – Salvador-Ba; + 100 Artistas Plásticos da Bahia, Museu de Arte Sacra – Salvador-Ba; 2001 -Antônio! Tempo, Amor & Tradição"- Centro de Memória e Cultural dos Correios, Salvador-Ba; 1999 - “Tenho Uma Rima Solta Dentro de Mim"- Galeria ACBEU, Salvador-Ba; 1997 - Reeducação do Olhar- Museu de Arqueologia e Etnologia Salvador-Ba; Festival de Artes do Recôncavo"-
Célia Mallett na mostra  A Afirmação
 no Gesto.

Fundação Museu Hansen Bahia - Cachoeira - Bahia 1996- 2º Festival de Artes Visuais do Pelourinho - "Pinte no Pelô". SEBRAE- Salvador-Ba; “Orixás", Receptivo do ABAV - Aeroporto Internacional Dois de Julho; Ambientação da Sala de Carteado" Casa Cor - Bahia – Salvador-Ba; 1995 - "Afirmação no Gesto"- Galeria ACBEU – Salvador-Ba; 1992 - "Interpretando a América 2"- Galeria ACBEU – Salvador-Ba; 1990 - Interpretando a América 1"- Galeria ACBEU – Salvador-Ba; Caminhos" - Galeria ACBEU; - Salvador-Ba; "Técnica Mista'" Galeria Cañizares–Salvador-Ba. Participação em Salões e Bienais:Em 2008 -IX Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann - São Felix – Bahia; 2006 -VIII Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann - São Felix – Bahia; 1991 - I Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann - São Felix - Bahia.Premiações1990 -1° Lugar - Categoria Pintura s/ tela, 27ª Feira de Arte; Menções Bibliográficas: +100 Artistas Plásticos da Bahia-Salvador: Prova do Artista; 2001 - 50 Anos de Arte na Bahia -Matilde Matos, 2011- Escola de Belas Artes UFBA, Salvador-Ba. 

sábado, 5 de abril de 2025

RAMIRO MAGALHÃES O CRIADOR DO SIMPLIFISMO SIMBÓLICO

Ramiro Magalhães chegando 
em seu ateliê .
Meu primeiro contato com Ramiro Magalhães foi em 1987 quando ele esteve na redação de A Tarde para falar de sua exposição de pinturas compostas de representações de gigantescos e estranhos instrumentos musicais. Escrevi que “suas telas provocam uma ferrenha vontade no espectador em descobrir o que significa cada elemento que as compõem. Numa observação mais apurada a gente começa a descobrir que se trata de estranhos e gigantescos instrumentos musicais. São verdadeiros protótipos que um dia ele diz que vai construí-los utilizando metais para que funcionem verdadeiramente. Se vão funcionar ou não é outra conversa. O que interessa é que este jovem de São Felipe, interior da Bahia, é um visionário musical. E para acompanhar os estranhos instrumentos que brotam de sua criatividade ele apresenta figuras também muito estranhas a movimentar os foles e as paletas ou cordas de tais objetos.” Agora, passados estes 38 anos foi através do artista Antônio Carlos Rebouças que esteve em Paris, e visitou o seu ateliê,que   voltei a manter contato com este artista baiano que hoje vive e trabalha na capital francesa.  Criou um estilo próprio de fazer arte e intitulou de Simplificismo Simbólico. A palavra simplificismo, não existe em Português, mas quando se trata de Ramiro Magalhães é preciso entrar na sua vibe para entender onde ele pretende chegar.

Ramiro retocando sua escultura em seu
ateliê cheio de instrumentos e esculturas .
Na conversa que tivemos por vídeo revelou que é um artista multifacetado escultor, pintor, poeta, compositor e inventor de instrumentos musicais, músico improvisador, fotógrafo e ator. Há 14 anos residindo em Paris, criou o espaço Ramiro Magalhães, O Simplifista Simbólico, 77, na avenida de Paris, Villejuif, “onde está implantada a sede da Associação O Guardião Planetário, a primeira escola de consciência ecológica do Brasil,” da qual é fundador e presidente. Ramiro afirma que se tornou prisioneiro dentro da sua própria liberdade de criar. O artista então dedica-se integralmente ao longo do tempo  à produção das esculturas sonoras vibramicrossônicas. Durante a pausa de descanso dos instrumentos, o artista passa a trabalhar num monumento com mais ou menos 600 kg, trata-se de uma escultura que simboliza a figura do líder dos Kayapós, o controverso cacique Raoni.

                                                 QUEM É

Ramiro é defensor da natureza. Aí numa
performance com a Árvore de Transfusão
de Clorofila nas ruas de Paris.
O Ramiro Augusto Magalhães de Melo nasceu em 6 de abril de 1959 na cidade de São Felipe, interior da Bahia. É filho de Daniel Magalhães de Melo e Yolanda Cortes Barbosa. Sua infância foi entre a fazenda Serrote, de propriedade de seu avô paterno e a cidade. Aos nove anos de idade disse que na fazenda existia um senhor conhecido por Pássaro Preto que sempre o levava para tomar banho numa fonte de água cristalina de uma nascente. Costumava nas brincadeiras de criança atirar pedras nas coisas e que ao acertar uma pedra grande notou que produziu um som diferente e isto aguçou sua sensibilidade para os sons musicais. Também lembrou dos cânticos que eram entoados pelos moradores da área quando se juntavam para a raspar a mandioca para fazer farinha. Nas suas fantasias de criança relembrou que o Pássaro Preto contava a lenda da Mãe do Ouro que aparecia a cada sete anos e se deslocava da Serra do Ouro para o povoado de Serrote, próximo da fazenda, e ao chegar com o objetivo de visitar sua filha, todas as árvores e seus frutos, como num passe de mágica, transformavam-se em ouro.

Coletando ossos de baleia na região de
Itapuã para fazer suas esculturas.
Criado neste ambiente rural e fantasioso aos onze anos Ramiro Magalhães começa a observar que seu pai ao comer o pão durante o café da manhã e à noite costumava retirar o miolo. Então ele pegava o miolo do pão e fazia pequenas esculturas de animais domésticos entre os quais cachorros, gatos e galinhas.  Aos quinze anos passa a se interessar pelo trabalho dos ferreiros que usavam a bigorna e o fole para moldar as ferramentas a serem utilizados nas roças. Geralmente eram foices, enxadas, cavadores, ferraduras para cavalos e outros instrumentos. O que lhe fascinava era a casa do ferreiro chamado de Fidecino feita de barro batido, conhecido como taipa de sopapo, com paredes e piso ornados artesanalmente em barro. Havia um grande fole de couro que se destacava no centro da sua oficina, e uma enorme bigorna, além de um banco de madeira e sua inseparável moringa. Lembra que “a arquitetura vernacular do forjador”, era para Ramiro Magalhães, “a consolidação de um admirável castelo”, nas suas fantasias de criança.

Obra inspirada no movimento  das minhocas
impregnadas de tintas naturais.
Suas brincadeiras eram sempre voltadas para as aprendizagens artísticas, e sabia que poderia utilizar no futuro. “Tinha o hábito de retirar minhocas do solo, fazia a lavagem dos animais e as colocava em um recipiente tipo cuia, e ficava observando-as se aglomerarem formando uma composição esférica.” Então pegava uma cartolina de cor branca, fixava sobre o solo, e adicionava os anelídeos no centro da cartolina. Depois disso, Ramiro arremessava em cima das minhocas as tintas básicas naturais em partes diferentes, após isso, as minhocas movimentavam- se de volta a caminho do solo deixando os rastros coloridos na cartolina.Compenetrado com o deslocamento dos animais, e a mistura de cores que a realocação proporcionava, enxergava a transformação de cores, o azul ao passar pelo amarelo, se tornava esverdeado, enfim, ali dava-se a síntese de uma infinidade de tons de cores. Aquelas combinações de cores causadas pela movimentação das minhocas, ficaram impregnadas na memória e nos espectros visuais do artista até os dias atuais. Ramiro esperava até que a última minhoca saísse da cartolina formando composições fantásticas, que hoje ele intitula de Tracilismo Minhótico. A partir daquelas observações, estava convicto de que aqueles animais eram para si pintores naturais.

                           EXPOSIÇÕES E ATIVIDADES

Ramiro e Jean Marie Pelt,
Presidente do Instituto
Europeu de Ecologia
 lado de sua escultura 
Os Dedos da Justiça.
Anos depois descobriu que a casca das cajazeiras usadas na fazenda Serrote de seu avô para sombreamento dos pés de cacau servia para fazer esculturas. Disse que uma dessas esculturas representa a Justiça com o dedo indicador em  apontando para fora. Só que observou que ao apontar o indicador, três dedos ficavam voltados para a própria figura da Justiça. Segundo ele, “por isto temos que ter atenção e cuidado ao julgar e condenar outra pessoa, pois quando você julga, o peso da medida pode ser maior, já que enquanto o dedo do julgador aponta, outros três dedos estão voltados para o sentenciador”. A referida escultura que denominou de Os Dedos da Justiça foi exposta no Bahia Othon Palace, sendo premiada e hoje encontra-se na cidade de Dijon, na França, na entrada do escritório do juiz Paulo Blany. O juiz também adquiriu um Pássaro e um Santo Antônio barroco.

Fez uma exposição no Hotel Arco-íris, em Mar Grande, na ilha de Itaparica em 1981. Disse que o navegador Aleixo Belov  palestrou na abertura da exposição contando suas façanhas na segunda volta ao mundo que dera a bordo do veleiro Três Marias.

No ano de 1987, publiquei na coluna Artes Visuais no jornal A Tarde um texto falando das obras de Ramiro Magalhães e de seus estranhos instrumentos musicais que se materializavam em suas pinturas. Em um dos trechos mencionei que Ramiro era um visionário musical. Veja: "
Ramiro em 1987 com sua obra Sax-fício.
Suas telas provocam uma ferrenha vontade no espectador em descobrir o que significa cada elemento que as compõem. Numa observação mais apurada a gente começa a descobrir que se trata de estranhos e gigantescos instrumentos musicais. São verdadeiros protótipos que um dia ele diz que vai construí-los utilizando metais para que funcionem verdadeiramente. Se vão funcionar ou não é outra conversa. O que interessa é que este jovem de São Felipe, interior da Bahia, é um visionário musical. E para acompanhar os estranhos instrumentos que brotam de sua criatividade ele apresenta figuras também muito estranhas a movimentar os foles e as paletas ou cordas de tais objetos.

Ramiro fez questão de mostrar 
a frente do seu ateliê em Paris.
O verde e o amarelo cor-de-cobre sobressaem em muitos de seus trabalhos. Faz também esculturas, a exemplo desta, onde aparece ao lado, que é seu autorretrato escultural, com uma bola sobre a cabeça formando um verdadeiro paliteiro com os pincéis. É neste mundo fantástico que Ramiro Magalhães vive provocando gargalhadas e espanto nas pessoas. Por quase unanimidade reconhecem que por trás desta postura hilariante existe um artista sensível que conhece bem a técnica de pintura e até da escultura. Seu propósito é criar cada vez mais mostrando que tudo é fruto de uma grande força de vontade.”

Disse ele que ao ler o texto na época  “ficou chocado ao entender a responsabilidade que tinha em materializar aqueles instrumentos de suas pinturas.” Por coincidência ou não recebeu uma proposta para realizar uma exposição individual numa galeria de artes em São Paulo, a partir daí  Ramiro resolve pintar 10 painéis de 2,20m X1,70 m e 20 telas  com dimensões de 0,60 m X 0,80 m. Ao conversar com o empresário Gervásio Meneses de Oliveira, o mesmo cedeu para o artista o espaço de um casarão antigo no bairro de Brotas, em Salvador/BA para que pudesse realizar as obras, e além disso, colocou  dois seguranças para a proteção das obras que seriam expostas. Revelou que estava trabalhando para o término dos painéis, e quando faltava finalizar apenas dois quadros menores, por volta das três horas da madrugada, cansado, o artista foi dormir numa esteira ao lado dos quadros, com portas fechadas. Ao acordar depara-se com o mistério diante de seus olhos, todo o acervo de quadros pintados desapareceu subitamente.” Confesso que vim saber agora do sumiço das obras do Ramiro Magalhães.

Escultura arqueológica de 
 ossos de baleia intitulada
a Evafricassofera.
Em 1989 participa do II Salão Baiano de Artes Plásticas, no Museu de Arte Moderna da Bahia, MAM, no Solar do Unhão, e foi premiado com a escultura Evafricassofera , “que é a primeira mulher negra que deu origem ao Continente africano”, segundo o artista. Foram inscritos uns duzentos artistas, apenas 78 selecionados e dez premiados. Este salão foi organizado pelo artista Zivé Giudice, quando de sua primeira passagem como diretor do MAM-Ba, e teve uma repercussão nacional, inclusive a crítica de arte da então prestigiada revista Isto É Radha Abramo fez um artigo que ocupou a página inteira de uma de suas edições e publicou esta imagem da escultura de Ramiro. Em certo trecho escreveu: “As obras de um salão correspondem ao universo cultural de um povo, pois o salão é o espaço público da arte o lugar do surgimento dos artistas”. E continuou: “O humor erótico de Inha Bastos, a composição cromática das formas ingênuas e líricas de Fátima Tosca e a forte expressividade de Ramiro Magalhães são paradigmas a invenção artística do Salão” ...

Também falou que em 1994 criou duas grandes esculturas rupestres de cimento denominadas Latissaura e Jacaréssauro na região da Avenida Dorival Caymmi ,em Itapuã, atrás do Colégio Mascarenhas de Moraes. Participou em 1996 da I Bienal Afro em Salvador, no prédio da antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, em Salvador. Em 1997 fez uma exposição no Congresso Nacional, em Brasília, chamada de Reforma da Forma Humana e uma das peças expostas O Monstro Que Engole O Povo está no acervo da instituição. Todas as esculturas foram feitas com ossos de baleia coletados na região de Itapuã, em Salvador, Bahia.

Em Salvador conheceu a cineasta Anny Blany que estava fazendo uma reportagem juntamente com o fotógrafo Américo Mariano. A amizade se fortaleceu e Anny, que era proprietária da Zoom Zoom Produções, sediada na cidade de Dijon, capital da Borgonha, conhecida terra do vinho. Ela o convidou a  expor suas esculturas, em cinco cidades as suas esculturas numa tournée que durou três meses pelas cidades de Dijon, Mâcon, Lyon, Nancy e Metz. Voltando para Salvador passou a pintar seus instrumentos imaginários.

Esculturas na cidade de Dijon para o
Halloween.
Aí fez cinco esculturas usando excremento de bovinos foram destinadas para a festa do Halloween e ficaram expostas na fachada do Banco Popular de Bourgogne por um período de três meses. Esses trabalhos renderam muita presença nas mídias, e um produtor de vinhos, convidou o artista para fazer uma exposição no jardim do chateau. Como a área era enorme, Ramiro sugeriu fazer 120 quadros, com dimensões de 0,60 m X 80m. Diante do tempo, que era curto para a exposição, o artista teve que usar uma técnica rápida utilizando folhas de alumínio, como base do tecido do quadro, além de tintas naturais fabricadas por ele próprio, intitulado: O lado Oculto do Universo. O proprietário do chateau organizou um evento com portas abertas e durante trinta  dias os visitantes   conhecerem o próprio chateau . A média de visitas viariava entre 800 a 1000 pessoas diariamente.

O mural encomendado pelo francês  
continua  com o artista.
Em seguida contou outro problema desta vez com um francês de Marselha que lhe encomendou um mural de 15m x 2,50cm, em 2004 com a temática Amazônia, e que o mesmo ficaria exposto num salão de jogos muito frequentado por personalidades. Devido ao não cumprimento pelo cliente de cláusulas contratuais desistiu, e seguiu para Dijon, onde já era conhecido. Hoje a obra encontr-se no seu ateliê.

Atualmente vive envolvido na fabricação e experimentos com seus estranhos instrumentos musicais que produzem sons completamente diferentes aos que estamos acostumados a ouvir dos tradicionais  violões, violinos e outros instrumentos de cordas, e também dos de sopro.  Um desses instrumentos é a chamado Cadeira Vibramicrossônica, na qual no ano de 2006 no evento Brasil na França disse ter dividido o palco com alguns artistas consagrados brasileiros,

Com seus instrumentos na
performance comemorativa 
da libertação do Benin 
inclusive com o baiano Armandinho e com seu amigo Yamandu Costa, famoso violonista gaúcho.Num evento promovido pela UNESCO para marcar a libertação de Benin tornou a se apresentar com sua Cadeira Vibrassônica .

Quando lhe indaguei o que significa este nome Simplifista, que não existe no dicionário do Português ele me respondeu: “ O Simplifista Simbólico é como você compactuar a Biblioteca Nacional de Paris e resumir em uma só página, só que faço esta compactação em minhas obras , para que os espectadores entendam com mais rapidez a mensagem e não precisem ler todo o livro, porque na velocidade que estamos, está muito difícil pescar a consciência de uma forma geral, e o artista é um médico da consciência, a nossa missão. Justo para simplificar .”. Falar com Ramiro Magalhães é como viajar e flutuar no tempo imerso em suas fantasias que começam nas palavras e terminam nos seus instrumentos estranhos materializados em seu castelo parisiense.

                                       TEXTO DE MÁRIO CRAVO JR.

Em  13 de junho de 2000 o  escultor Mário Cravo fez uma visita ao local onde estavam as esculturas ruprestes criadas  por Ramiro Magalhães e escreveu este texto que ele guarda com muito carinho. Vejamos:

 Ramiro, o Plástico Desenfreado

A escultura da Latissaura de Ramiro em
Itapuã.
"Uma das características da nossa Salvador da Bahia reside na relação de alguns dos seus cidadãos na área das atividades das artes visuais com a Cidade, com a paisagem, com a natureza. De quando em vez sou surpreendido por um fenômeno imprevisível. uma revelação poderosa da natureza, da Cidade, da relação social do homem com a natureza-mãe; algo como uma tempestade, um desabamento, uma inundação, enfim um fenômeno que abala a ordem pacifica e calma do meio ambiente. Como todos os fenômenos naturais, emergem da terra transformando o ambiente, mexendo na "arrumação das coisas", e, logo a seguir, retornando ao ciclo da rotina, da calma c do silêncio (às vezes o silêncio da música). A mãe natura retorna ao seu aparenteequilíbrio,

A escultura Jacaréssauro sendo filmada.
Nas Artes Plásticas, de quando em vez sucede algo similar, a energia criadora espouca, brutal, lírica, surreal c fantástica. Fenômeno similar acontece na ação enérgica e dinâmica do trabalho e a produção do baiano Ramiro Magalhães, vivo e exuberante que se encontra no seu ateliê e imediações (paisagismo) no seu universo onírico, que está situado num pequeno vale à margem da Avenida, Dorival Caymmi em Itapuã, nos fundos do Colégio Mascarenhas de Moraes escultor, pintor, paisagista, construtor e peão do seu próprio sonho, faz com que sua contribuição criativa mereça ser vista, mais do que isso, espero que suas invenções sejam salvas e protegidas pela entidade pública, pelos órgãos competentes do Estado e da Comuna o amor pela natureza assim como sua intuitiva obsessão ecológica, transformam 0 artista em um arqueólogo de ossos de baleia, de pontas de galho de sobras outras, uma espécie de mágico tropical, simples c puro de arvore exemplar do Artista e Homem Baiano e Brasileiro.
Exímio entalhador, mecânico e inventor possuído, revela-se o jovem artista aos meus olhos uma concreta manifestação telúrica, surpreendente, rebelde e inovador; mais do que isso consegue resistir ao conchavos sociais e as manipulações da comunicação da mídia.
Sendo o artista, imprevisível como a própria natureza, não tenho a veleidade de prever o futuro e de estabelecer limites para o avanço e o enriquecimento do que faz, contudo, o presente, o agora, para mim, representa um espetáculo que merece ser visto e preservado."
Mario Cravo

Nota - Soube que  as esculturas ainda existem, mesmo com a ocupação desordenada da Cidade do Salvador.