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sábado, 31 de maio de 2025

ALCEU LISBOA E SEU CONSTRUTIVISMO SINGULAR

O artista Alceu Lisboa trabalhando numa
nova obra, onde podemos ver o
surgimento de algumas manchas .
Tendo trabalhado durante mais de trinta anos como professor de Física e diretor do Colégio Nobel, em Salvador, o artista Alceu Lisboa mantinha viva sua sensibilidade de gostar, colecionar e presentear obras de arte. Sendo um profissional que durante grande parte de sua vida esteve trabalhando e envolvido com números e conceitos rígidos da racionalidade não deixou que sua sensibilidade fosse anulada ou diminuída. Ao contrário, este seu gosto pela   arte desaguou na sua incrível capacidade de criar formas geométricas, em que se expressa com naturalidade e apresenta uma paleta de cores que nos deixa surpresos por sua beleza e apurada técnica. Foi assim que desde o ano de 2007 passou a pintar quase diariamente, e hoje já nos apresenta sua arte consolidada e cada dia mais plural na forma, no conteúdo e no uso das cores. Está se preparando para fazer em julho sua primeira exposição fora daqui na Canvas Galeria de Arte, no Rio de Janeiro, onde vai expor dezesseis obras.

Nove obras agrupadas  atestam 
a qualidade de sua arte.
Ao apreciar um conjunto de obras do artista Alceu Lisboa em seu ateliê localizado no bairro do Horto Florestal, em Salvador, pude constatar que a sua formação nos campos da Física e da Matemática contribuiu para que sua arte   tenha o estilo construtivista, sem a rigidez dos algoritmos, das fórmulas e conceitos racionais que regem estes campos da Ciência.  Sua arte contemporânea certamente percorre caminhos semelhantes aos do saudoso artista baiano Jamison Pedra, que era arquiteto, e fazia uma arte geométrica delicada, suave e limpa. Também podemos lembrar da arte de Eduardo Sued que sempre gostou de experimentar e buscar soluções para suas obras. O artista Alceu Lisboa é ainda admirador do trabalho   da pintora de nacionalidade húngara, que reside no Rio de Janeiro, Yuli Getzi, além dos artistas o holandês Piet Mondrian e dos americanos Sol LeWitt, Kenneth Noland e Frank Stella. Atualmente vem introduzindo na sua pintura algumas manchas e texturas saindo da limpidez quase minimalista de suas obras anteriores talvez com uma leve influência de Tomie Ohtake, pintora japonesa, naturalizada brasileira e uma das representante do abstracionismo informal.

                                  LEITURAS E PESQUISAS

Alceu Lisboa pintando envolvido 
em oito obras de sua autoria.
Afirmou que desde os anos 2000 vinha pintando sem alguma regularidade porque estava envolvido na administração do seu Colégio Nobel, que funcionava, no bairro do Itaigara em Salvador e lhe consumia boa parte do seu tempo. Em 2014 fez sua primeira e única exposição individual na Galeria ACBEU, no Corredor da Vitória, em Salvador. Seguiu sua trajetória pintando silenciosamente e procurando pesquisar e ler muito sobre as técnicas de pintura. Foi algumas vezes a São Paulo e numa dessas conheceu o pintor Newton Mesquita. Frequentou o seu ateliê durante uma semana sempre procurando aprender e observar seu processo de produção. Ficaram amigos, e continuam trocando informações. Guarda com orgulho sete telas em pequenos formatos de autoria de Newton Mesquita, e uma tela que ele pintou de seu neto. Conheceu outros artistas entre eles o Claudio Tozzi sempre procurando ouvir considerações sobre a arte que estava fazendo.  Porém, em 2007 quando decidiu vender o colégio, seu tempo passou a ser preenchido totalmente pela pintura. Tem em seu apartamento cerca de trezentas obras de várias fases, muitas em grandes formatos. Na conversa que tivemos ressaltou que durante a pandemia pintou freneticamente e àquelas notícias de mortes pelo mundo afora, e também as discussões em torno das vacinas lhe afetaram emocionalmente. Isto aconteceu com milhões de pessoas em todo o Planeta , e ressaltou que "a pintura foi uma importante válvula de escape para expressar seus sentimentos e continuar levando sua vida."

                                               O ARTISTA

Além de uma bela paleta de cores e formas
variadas Alceu cria obras que agradam
os olhos do espectador.
O pintor Alceu Lisboa Filho nasceu em catorze de novembro de 1949 na cidade de Itambé, interior da Bahia, é filho de Alceu Lisboa Freire e d. Maria Lopes Lisboa. O casal teve seis filhos e seu pai era juiz de Direito da comarca de Itambé quando ele nasceu, porém, a família residiu em Camacã, Jacobina  e em outras cidades. Fez o primário em Itambé e quando os filhos do casal concluíram o primário vieram com a sua mãe para Salvador para dar prosseguimento aos estudos. Foi assim que Alceu Lisboa  estudou no Colégio Antônio Vieira, no bairro do Garcia, onde fez o ginásio e o primeiro ano científico. Depois se transferiu  para o Colégio de Aplicação, localizado na Avenida Joana Angélica. Ao término fez vestibular para Engenharia Civil na Universidade Federal da Bahia . Com vinte anos de idade iniciou sua carreira no magistério ensinando Física no Colégio Antônio Vieira e no Curso Águia, que preparava os jovens para enfrentar o vestibular. Várias gerações foram alunos do professor Alceu Lisboa a exemplo do empresário e banqueiro Daniel Dantas, o político Jutahy Magalhães Júnior, os cantores Bel Marques e Ivete Sangalo, o jogador de futebol Bebeto, e muitos outros.

Fase das  figuras geométricas
 circulares.

Lá juntamente com outros professores decidiram em 1972 criar o curso de vestibular Nobel que funcionou inicialmente num casarão na Mouraria e depois  no Corredor da Vitória, próximo à sede da ACBEU. Em seguida abriram outra unidade na Avenida Leovigildo Filgueiras, no bairro do Garcia. O professor José Nilton ensinava Português, Alceu Lisboa a disciplina Física, Antônio Pádua a Matemática e Antônio Pedreira a Biologia.   Posteriormente em 1977 fundaram o Colégio Nobel. A primeira unidade funcionou  no bairro do Rio Vermelho. O colégio teve excelente aceitação e   abriram as unidades da Pituba, Itaigara e Vilas do Atlântico. A sociedade foi desfeita anos depois, e cada um ficou com uma unidade. O professor Zé Nilton é o único que ainda continua no segmento da educação com seu Colégio Apoio, em Vilas do Atlântico, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. O professor Antônio Pádua transformou na Faculdade Rui Barbosa, que funcionou no bairro do Rio Vermelho. A faculdade foi vendida , e hoje funciona na Avenida Paralela. Já Antônio Pedreira ficou com a unidade da Pituba, também  se desfez do colégio , e atualmente exerce a profissão de psiquiatra. Alceu Lisboa ficou com a unidade do Colégio Nobel localizada no bairro do Itaigara e com a marca  Colégio Nobel. Em 2017 vendeu  abraçando a pintura em tempo integral.

Seu primeiro professor de pintura foi o artista Waldo Robatto e depois Sérgio Fingermann e Newton Mesquita. Adquiriu muitos livros de arte em livrarias daqui, nas viagens que fez no exterior e também através da internet sempre procurando observar e ler sobre as técnicas de pintura. Depois decidiu doar anonimamente cerca de setecentos desses livros de arte à Biblioteca da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. As leituras, pesquisas e visitas a museus em vários países  lhe deram um bom conhecimento técnico e facilitou no seu dia a dia pela busca de soluções para execução de suas pinturas.

Capa do Catálogo da exposição
na ACBEU.
O artista Alceu Lisboa disse também que os estudos de ótica que fez durante os anos que estava no magistério ensinando Física  também o ajuda na sua arte para  entender a combinação de cores, embora ele tenha no seu ateliê uma grande quantidade de tubos de tintas importadas de várias matizes de cores. Dificilmente usa uma cor crua ou primária em suas obras, sempre procura misturar para encontrar uma cor diferenciada que lhe agrade. Também possui uma grande quantidade de pincéis, e o curioso é que tudo está disponível , separados e identificados em caixas. Toda esta organização deve-se à professora  Arlinda Lisboa, com quem está casado há décadas, que funciona como sua assistente. Ela também foi professora da disciplina Biologia, no Colégio Nobel, do bairro do Itaigara.


quinta-feira, 29 de maio de 2025

PAULO RUFINO MOSTRA BELOS DESENHOS A BICO DE PENA

O artista Paulo Rufino 
desenhando.
 Depois de um longo período sem expor o artista Paulo Rufino mostrará sessenta e cinco desenhos numa exposição individual na Galeria Cañizares na mostra intitulada Desenhos: Só Bico de Pena a partir de três de junho até dia 17 . São desenhos a bico de pena onde os baianos poderão apreciar a qualidade das obras, a técnica apurada e delicada com que ele realiza cada detalhe.  É um mestre inconfundível no uso do claro e escuro, e destaco a paciência que Paulo Rufino tem para realizar desenhos com tantas nuances e detalhes. Os desenhos vão desde a  figura humana, orixás e animais ligados ao candomblé, tema que ele domina como ninguém, além de ser um profundo conhecedor desta religião afro-brasileira. Também é um grande retratista, seus traços e composições causam impacto em quem os observa. Os desenhos que serão expostos foram executados em papel Canson de 200mg nas dimensões 42 x 60 e 50 x 40. A Galeria Cañizares fica localizada na Rua Araújo Pinho, 212, no bairro do Canela, ao lado da Escola de Belas Artes , da Universidade Federal da Bahia.

Quatro desenhos a bico de pena  que 
serão expostos na Galeria Cañizares.
Durante dez anos, de 1980 a 1990, ministrou aulas de gravura especialmente litografia nas Oficinas do MAM, no Museu de Arte Moderna da Bahia, por onde passaram muitas dezenas de artistas baianos.  Pretende um dia voltar a fazer litogravura usando inclusive alguns dos desenhos que vem fazendo. 

O professor  Juarez Paraíso escreveu: “Os desenhos de Paulo Rufino de Mattos são atemporais e universais, tanto pela excelência técnica quanto pela força estética e simbólica. Não poderia ser diferente: seu talento artístico é resultado de mais de meio século de dedicação exclusiva à prática do bico de pena. Nesse tempo, o artista já produziu milhões de traços com o bico embebido em tinta nanquim – traços diminutos, raramente contínuos, fragmentados com precisão cirúrgica”.

Um detalhe interessante é que em plena era do digital o artista Paulo Rufino continua manuseando com maestria suas canetas de nanquim criando desenhos que demandam um tempo bem maior que um simples clic num mouse. Esta é a sua vocação de nos brindar com obras únicas, num jogo de claro e escuro que é a marca inconfundível da sua obra. São milhares de pontinhos e pequenos traços necessários para criar cada  desenho. O Paulo Rufino de Mattos é graduado em Artes Plásticas, trabalhou com Carlos Bastos na pintura do novo mural da Assembleia Legislativa, o qual foi refeito depois de um incêndio que devorou o primeiro. Também, já trabalhou com Juarez Paraíso na execução de painéis e murais, portanto tem este lado colaborativo com outros profissionais. Uma característica da peronalidade de Paulo Rufino é que ele sempre se mostra bem humorado mesmo nos momentos de dificuldade.


sábado, 24 de maio de 2025

ANDERSON AC DAS RUAS PARA A ACADEMIA E GALERIAS

O artista Anderson AC falando da sua arte.

O artista Anderson AC é um dos novos nomes da arte baiana que trafega em várias linguagens como a pintura, graffiti, colagem, fotografia digital, vídeo e a arte postal. Fez nos últimos anos uma série de trabalhos focados nas imagens e documentos familiares, e nas lembranças de suas vivências no bairro onde residia com seus pais. Este arcabouço lhe serve para reflexões e posicionamentos que transfere para sua arte, a qual efetivamente tem um forte conteúdo de contestação dessa realidade que vivemos  de exclusão social. É uma pessoa de fácil diálogo que se expressa com clareza sobre seus objetivos e o seu papel de artista dentro desta sociedade que vive em constante transformação. Não fica esperando as coisas acontecerem, ao contrário, Anderson AC faz as coisas acontecerem. Criou em 2015 a Pinacoteca do Beiru onde instalou seu ateliê e toca um projeto com o objetivo de aproximar a comunidade local com as artes visuais. Ele vem compartilhando o espaço e o seu conhecimento de quinze anos de estrada de artista visual com os moradores, especialmente com os jovens. O espaço ainda não está totalmente construído, mas o Anderson AC na medida do possível vai trabalhando para a realização deste seu sonho. A Pinacoteca fica localizada na rua Direta de Tancredo Neves, no fim da Estrada das Barreiras, em Salvador. O bairro do Beiru é um dos mais populosos da Cidade e compõe uma área onde residem muitos trabalhadores de múltiplas atividades tanto fabris como de serviços. 

Graffiti feito por Anderson AC na Estrada
do Coco, Litoral Norte da Bahia, em 2017.
O artista Anderson AC começou, a exemplo de muitos jovens oriundos dos bairros de periferia, a pichar os muros e fachadas de imóveis abandonados ou subutilizados da Cidade. Era para ele a maneira de ter uma visibilidade pela sociedade. Disse que se orgulhava ao ver a sua caligrafia ali gravada mostrando a sua presença. Da pichação solitária passou a se juntar com outros pichadores. Se reuniam na Ladeira de São João, no bairro do Beiru, local que denominaram de Gotham City. Ali discutiam e escolhiam os locais a serem pichados, e saíam em grupo cada um deixando por onde passava a sua marca. Esses registros para Anderson AC trazem uma significância de protesto, uma linguagem política. Esta fase da pichação durou de 1990 a 1995. Da pichação chegou ao graffiti nos anos 2000, e se juntou ao coletivo 071 Crew fazendo várias intervenções nos muros e fachadas de imóveis de Salvador. Este período em que pichou e grafitou deixou nele alguns traumas resultantes de episódios que vivenciou quando foi flagrado algumas vezes por policiais, e isto certamente reflete no seu discurso poético e em sua arte até os dias de hoje.

Pichadores e grafiteiros reunidos na
Gotham City, no bairro do Beiru,
em Salvador,  1990.

Um vizinho que ele chamava de tio era um entalhador famoso e tinha uma barraca ao lado do Mercado Modelo, na Cidade Baixa. Vendo a situação do jovem o chamou para trabalhar com ele. Tratava-se do entalhador José Garcia Hegouet, que assinava apenas Hegouet, e até hoje vários estabelecimentos comerciais na área do Centro Histórico ostentam placas de sua autoria, e também fazia entalhes que eram vendidos no interior do Mercado Modelo. Certo dia um amigo deste seu tio conversando na barraca falou das Oficinas do MAM e dos cursos que ali eram ministrados. Foi aí que o Anderson AC prestou a atenção na conversa e resolveu procurar saber como fazia para se matricular num desses cursos. Conseguiu a matrícula e foi ser aluno de Zu Campos aprendendo a fazer entalhes e esculturas. Em seguida cursou cerâmica com Bethânia Vargas, Desenho com Isa Moniz e passou a vivenciar a dinâmica do Museu. Aos sábados ia para os shows de jazz realizados no Solar do Unhão e lá reencontrava inclusive seus colegas da pichação.

                                               BELAS ARTES

Obras de autoria de Anderson AC, 2021.

Fez o primário na Escola Rosa de Carvalho, na Ladeira do Ypiranga, 85, na Cidade Nova. A escola já não existe, e no imóvel funciona hoje a Academia Champion, onde são treinados os mais famosos lutadores brasileiros de muay thai. Quando estudava o ginasial no CEEPS, que funcionava no bairro do Campo da Pólvora, pichou a fachada da instituição e sua mãe teve que pagar para repintar. Terminou sendo expulso da escola, e foi depois concluir o curso médio no Instituto Isaias Alves, no bairro do Barbalho. Ao concluir o ensino médio decidiu fazer vestibular de Licenciatura em Desenho para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Lá também reencontrou vários colegas oriundos da rua do movimento de pichação e da grafitagem. Disse com orgulho “somos a primeira turma que veio deste movimento de rua para a academia entre eles estão Márcio MFR, Marcelo Dimk, Ananda Nahu, Rodrigo Izolag, (nike) Marcos Costa (Spray Cabuloso), dentre outros.”

Este díptico é uma representação dos
caminhos perigosos que percorreu até
sua arte ser reconhecida.


Sua passagem pela academia foi marcada também por interrupções do curso a ponto de ter que se matricular por três vezes. Deixou a Licenciatura de Desenho e Plástica quando viu que teria dificuldade de ensinar numa escola formal. Foi então que resolveu se transferir para o Curso de Bacharelado em Artes Plásticas. Demorou mais de cinco anos para concluir a graduação na EBA, porque segundo ele, o graffiti estava em alta no mundo inteiro, ganhando  maior visibilidade e até reconhecimento. Os grafiteiros passaram até a ser chamados por pessoas do marketing de grandes corporações, principalmente para ambientar locais de eventos de marcas de roupas. Adiantou Anderson AC que “nosso trabalho era original. Eu mesmo fazia uns desenhos neoconcretos circulares inspirados na obra de Rubem Valentim.” Quando perguntei se sempre faziam seus graffitis  a noite ele revelou que não, muitas vezes saíam por volta de cinco ou seis horas da manhã, porque inclusive era a hora melhor para fazer as fotografias dos graffitis que faziam por causa da luz. Nesta época surgiram os Salões Regionais Bahia e eles participaram. Mas, a rua era o principal objetivo, a plataforma preferida para se expressarem.

Obra Arqueologia do Agora - Selfie na
Trilha Para Uma Nova Trilha, de 2022.
Chegaram a fazer um mural para o Ministério da Cultura, na lateral do prédio da Caixa Econômica Federal, da Avenida Sete de Setembro, trecho do Orixás Center, que dá para o Politeama. Este trabalho anunciava o início do Plano Nacional de Cultura. Reconhece que a visibilidade foi muito significativa. Lamentou “que os salões regionais acabaram, e reconhece que existe hoje uma tentativa de retomar, mas ainda tímida. Também houve uma iniciativa de fazer nova bienal da Bahia, mas não prosperou”. Tem esperança que esses eventos voltem a acontecer, e mesmo que o circuito de arte venha a florescer com a mesma pujança e significado dos anos 90. Contou certo dia no ano de 2010 estavam pintando um mural na orla e parou um rapaz e começou a conversar. Depois soube que era o Daniel Rangel, atual Diretor do Museu de Arte Contemporânea da Bahia. Criou um relacionamento profissional passando o Daniel a fazer algumas curadorias de exposições do artista.

                                      EVOLUÇÃO

Anderson AC com criança exibindo obra 
que fez no projeto na Pinacoteca do Beiru
.
Chegou o momento de transferir e registrar a arte analógica que faziam pichando e grafitando  para a arte digital. Primeiro usaram a plataforma Orkut e depois o Fotolog. Foi quando passaram a publicar seus graffitis e desenhos . Ganharam mais ainda  visibilidade. Lembra Anderson AC que “só podia colocar no Fotolog uma imagem por dia e tinha os horários determinados para postar.”

Segundo a Wikipedia o Orkut foi uma rede social filiada ao Google criada em 24 de janeiro de 2004 e desativada em 30 de setembro de 2014. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut Büyükökten, engenheiro turco do Google. O alvo inicial do Orkut era os Estados Unidos, mas a maioria dos usuários foram do Brasil e da Índia. Já o Fotolog foi desativado em 2019, apesar de ter sido uma rede social muito popular no início dos anos 2000.

Estas duas ferramentas digitais foram  importantes para os grafiteiros baianos porque passaram a conhecer outros grafiteiros não apenas brasileiros como também do exterior. Neste intercâmbio chegaram a viajar para outros estados, e também vieram uns do Rio de Janeiro para cá do Grupo Mutirão Mete Mão.
Objeto de parede feito a partir de 
 tessituras e folhas retalhadas, 2025.

Passaram a conhecer toda uma rede de grafiteiros e fizeram um intercâmbio durante três anos. Circularam em mais de trinta bairros de Salvador com o Grupo 071 levando a cultura de rua para seus moradores, e tinha inclusive uma sonorização especial chamada Ministério Público. Portanto, mesmo matriculado em Belas Artes ele continuava atuando na grafitagem, e se considera mais um autodidata influenciado pela cultura de rua do que pela academia. Demorou cerca de cinco anos  para se graduar devido a sua atividade como grafiteiro, problemas pessoais e outras intercorrências que aconteceram, inclusive chegou a quebrar o tornozelo necessitando de uma intervenção cirúrgica para colocação de alguns pinos.  
Atualmente montou um segundo ateliê no Edifício Cidade de Aracaju, na zona do Comércio, na Cidade Baixa, em Salvador, e lá passa grande parte do seu tempo envolvido em suas criações. Seu trabalho vem a cada dia sendo mais apreciado e elogiado, participando de eventos importantes como exposições aqui, em outros estados e no exterior , e da Feira de Arte SP, que acontece todos os anos em São Paulo.

                                             RASGOS E TIRAS

O artista em seu ateliê na Cidade Baixa
diante de uma trama que está tecendo
para uma nova obra.
Sua arte é repleta de hitórias e 
lembranças de suas vivências inclusive sempre está presente em suas falas a tragédia que vivenciou com o envolvimento de seu único irmão com as drogas, resultando na sua morte. Na conversa que tivemos quando lhe indaguei porque ele após pintar a tela faz rasgos e tiras dando a princípio a ideia aos desavisados de que não ficara satisfeito com o resultado da pintura. Porém, não é nada disto, ele com este gesto intencional faz a desconstrução do suporte tradicional da obra. Isto começou como resultado de sua observação e da sensibilidade que lhe é inata. Vejamos: Seu irmão deixou um filho que foi criado pela esposa. Depois do falecimento do pai seu sobrinho o procurou, ocasião em que aproveitou para fotografá-lo. Com as fotografias em mãos   resolveu pintar o sobrinho utilizando um pedaço de lona velha de caminhão como tela, que tinha encontrado abandonado num desses locais onde grafitou. No momento que estava pintando percebeu que o pedaço de lona tinha um rasgo, e ao terminar ficou refletindo sobre o efeito daquele rasgo na sua pintura. Nominou a obra de Ferida Aberta – Mateus Conhece a Tua História, e até hoje mantém a pintura no acervo da Pinacoteca do Beiru. Daí foi um passo para que passasse a rasgar e depois cortar em tiras os suportes de  suas obras. O encontrei envolvido em outro processo criativo de usar as tiras para fazer tramas, e em seguida passa a pintar. O efeito visual e plástico é muito bom. Como podemos observar o Anderson AC sempre está procurando novos caminhos, novas maneiras de mostrar a sua arte através de suportes que rompem com o tradicional.

                                        TRAJETÓRIA E EXPOSIÇÕES 

O artista Anderson AC nasceu em vinte e nove de junho de 1979 no bairro da Baixa do Bonfim, na Cidade Baixa, em Salvador. Foi registrado com o nome de Anderson Alves Cunha, filho do funcionário do Banco Econômico da Bahia Antônio dos Anjos Cunha e d. Vera Lúcia Alves Cunha. Seu pai era gráfico e trabalhava na tipografia do banco. Destacou que tem como uma das boas lembranças de seu pai é que ele era organizado e tinha uma caligrafia muito bonita.  Com a intervenção do Banco Central em 1995 no Banco Econômico, que completara 160 anos de funcionamento, a família enfrentou dificuldades. Nesta época, ainda criança, sua família foi morar no bairro da Cidade Nova perto de seus avós maternos. Casou teve uma filha, e hoje já no seu segundo relacionamento teve mais duas filhas, e fez questão de ressaltar a importância da família como um lastro de afetividade.
Obra Vaidosa, spray,acrílica sobre lona 
de algodão, de 2012-2019.
Consta no seu portfólio que a partir de 2007 participou de uma coletiva do Grupo 071 Crew chamada de Original Vandal Style; 2010 - Exposição - A Três Pontes, na II Trienal de Luanda; 2011 -A Mostra Arte Lusófona Contemporânea, no Memorial da América Latina, em São Paulo-SP; Afetos Roubados no Tempo, no Centro Cultural da Caixa, em Salvador-BA; Exposição Muros, coletiva que reuniu onze grafiteiros baianos, na Galeria do Ferrão, no Pelourinho, também em Salvador-BA; Exposição em Évora, Portugal fez uma ocupação /  intervenção na sala do Capítulo, no Convento de São Francisco, Montemor o Novo, em Portugal; Exposição Álbum de Família , na  Galeria Soso de Arte Contemporânea Africana, em São Paulo-SP;  em Estrasburgo, França, na Galeria do Conselho da Europa; participou da SP Arte. Foi aí que o galerista baiano Paulo Darzé prestou a atenção em seu trabalho, e a partir de 2012 passou a ser representado por ele até hoje. Mostrou muita gratidão ao galerista, ressaltando que este relacionamento está sendo muito importante para continuar a sua trajetória; 2013  – Exposição Circuito Triangulações , no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife-PE; Exposição no Museu Nacional da República , em Brasília-DF; Exposição na Galeria Paulo Darzé, Salvador-Ba; 2016– Exposição O Diário de Bordo ou o Livro dos Dias, Galeria Agora, no Conselho da Europa, Estrasburgo, França; Em 2017 fez uma exposição que chamou O Diário de Bordo ou O Livro dos Dias, na ACBEU - Associação Cultural Brasil-Estados Unidos ; em 2019 Anderson AC apresentou sua Pintura Muralista, num dos pilares da resistência artística visual da arte negra no Brasil, o Museu AfroBrasil, em São Paulo. Segundo escreveu na época o curador e Diretor do Museu o artista Emanoel Araújo: “Anderson AC é um artista baiano proeminente com uma potente produção marcada pela pintura grossa e expressionista, e a relação entre murais urbanos e a consciência sobre as contradições de um mundo cheio de diferenças sociais, e estranhezas religiosas.”

NR- As fotos são de autoria de Reynivaldo Brito, Lígia Aguiar e do arquivo digital  do artista.

sábado, 17 de maio de 2025

TIMÓTEO LOPES E SUAS GRAVURAS IMPACTANTES

 

O artista Timóteo Lopes com  obras de sua
 autoria no ateliê que mantém no Carmo.
O artista Timóteo Lopes é graduado em Artes Plásticas pela Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, e atualmente está concluindo o mestrado na mesma instituição. Baiano de Salvador ele trabalha com gravura, fotografia, objetos, esculturas e intervenções urbanas. Gosta de fazer xilogravuras de médio e de grandes formatos, e a exemplo de todos os jovens artistas, defende a democratização da arte, quer mostrar e dividir a sua produção em espaços públicos onde as pessoas possam apreciá-las. A temática de sua produção gira em torno de elementos da natureza, cenas do cotidiano  e retratos de pessoas conhecidas ou não. Afirma que sua arte tem referências nas manifestações dos povos primitivos das cavernas, ou seja, na arte rupestre e primitiva, mas também dialoga com as artes que utilizam as novas tecnologias.

Obra  premiada, A Despedida 
de  D. Flor. Matriz  com 
1,60 x 2,20 m , 2018.
Na realidade a arte sempre reflete as informações que o artista acumulou nos seus estudos e nas suas vivências, o seu estado de espírito no momento da criação, suas crenças e visão diante do universo, natureza, de um objeto ou uma pessoa. A capacidade de representar é onde se encontra a essência, a individualidade e a identidade de cada artista. O Timóteo Lopes já demonstra que está seguindo esta trilha, e suas xilogravuras atestam a busca por uma identidade criativa. Escreveu que aborda “conexões entre o mundo ao redor e as histórias humanas, explorando materiais diversos e técnicas tradicionais, como a pintura, fotografia e, especialmente a xilogravura, desenvolvendo um diálogo visual que reflita a diversidade da experiência humana”Suas xilos apresentam uma característica técnica especial com centenas de pequenos sulcos  superficiais. Os sulcos  não adentram outras camadas do compensado que lhe serve de suporte para sua arte. Também com a ajuda de goivas e ferramentas mais modernas ele consegue criar texturas únicas através a multiplicidade desses pequenos sulcos que vai alinhando ao redor ou dentro da própria figura que esculpe.

                                                 O ARTISTA

 

Timóteo manejando a prensa
onde imprime gravuras  de
pequenos  formatos.
Matriz de xilogravura  Em Permanente
Modo Avião. Entalhe em compensado
 de  ipê com 1,15 x 1,10 m, de 2025.
Seu nome de batismo é Timóteo Lucas Lopes Brandão e nasceu em Salvador em vinte e nove de janeiro de 1988. Seus pais, o militar reformado, combatente da II Guerra Mundial, José Machado Brandão, e sua mãe d. Tânia Rosali Ribeiro, que é professora primária  do Estado, ora aposentada. Seu pai já faleceu, e ele não tem quase nenhuma lembrança, porque o falecimento aconteceu quando  ainda era criança. Moravam ele e sua mãe  na casa da avó materna no bairro do Jardim Cruzeiro, e recorda das brincadeiras com seus colegas no tempo que as crianças ainda podiam jogar bola na rua, andar de bicicleta. Também  assistiam desenhos animados pela televisão. Lembrou ainda  que desde criança gostava de riscar as paredes  de sua casa e também de locais onde não havia moradores, e que fazia uns desenhos em círculos. Ele e seus colegas passaram a promover competições para saber quem conseguia desenhar melhor os personagens dos desenhos animados. Disse que nessas competições quase sempre se sobressaía com seus desenhos. Estudou parte do primário na Escola da Península, no bairro da Ribeira, e em seguida sua mãe foi ensinar em escolas do subúrbio de Salvador, quando decidiu colocá-lo numa escola próxima onde ela ensinava. Curso o ensino médio no Colégio Francisco de Assis, que funcionava na Avenida Joana Angélica, no bairro de Nazaré, em Salvador, e no local hoje tem um estacionamento de veículos.

Quando completou treze anos foram morar no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico da capital baiana, e aos vinte e cinco anos de idade decidiu sair de casa. Para sobreviver passou a fazer free lancer em fotografia, chegando a montar um Studio com uns colegas que inicialmente funcionou no bairro da Mouraria, e depois mudaram para o bairro do Canela. Também estagiou durante dois anos no Museu Eugênio Teixeira Leal, no Museu de Arte da Bahia e na Caixa Cultural, todos em Salvador.

Em 2009 decidiu fazer vestibular para Arquitetura, sendo aprovado , cursou cerca de um ano e meio. Em 2011 larga a arquitetura e faz vestibular para a Escola de Belas Artes, ambos os cursos da Universidade Federal da Bahia. Graduou-se em bacharel em Artes Plásticas em 2018, e em 2022 iniciou o Mestrado, o qual está prestes a concluir. Hoje sua mãe reside no bairro do Largo Dois de julho .Como possuía um pequeno apartamento trocou  por uma casa ,em péssimo estado de conservação, no Centro Histórico de Salvador. De lá para cá vem reformando o imóvel, e hoje já tem boas condições de habitabilidade, e aí instalou o seu ateliê. O imóvel fica na Ladeira do Baluarte, número 6, uma casa em estilo colonial, de cor azul, onde Timóteo Lopes expõe suas obras e recebe a clientela. Sempre está promovendo oficinas de gravura, e tem esta pegada de gostar de repassar seus conhecimentos para pessoas que curtem e queiram aprender a arte da gravura, especialmente da xilogravura. Depois de adquirir o imóvel casou, teve uma filha e esta responsabilidade o obrigou a trabalhar mais ainda em busca do sustento da família.


                                        A GRAVURA


Quatro xilogravuras coladas no muro do
projeto A Cara da Rua, 2022. Obra
premiada no 64º Salão de Artes da Bahia.
Durante o curso médio coube  a professora de nome Suzana, da quinta série no Educandário Nossa Senhora do Carmo, lhe apresentar a arte de fazer xilogravura. O Timóteo Lopes não lembra do sobrenome da professora Suzana que levou para a sala de aula as ferramentas e pedaços de compensados para os alunos fazerem suas xilogravuras. Confessa que esta experiência nunca saiu da sua cabeça, e disse ainda que a professora ao dar as ferramentas aos alunos teve o cuidado de alertar para tomarem cuidado para não se cortarem. Ele fez a xilogravura de uma árvore. 
Quando foi fazer a graduação em artes plásticas na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia, se matriculou  na disciplina de Gravura I, que era ministrada pelo professor Julian Wrobel, artista plástico e professor especialista nas diferentes técnicas de gravura. Foi aí que aumentou o seu interesse pela técnica da gravura, e de lá para cá nunca mais parou . Durante o curso de Gravura I  em pouco tempo ao invés de fazer uma gravura conseguia entregar duas, e até  três .   O  professor vendo seu interesse e facilidade passou a lhe dar mais materiais. Foi se desenvolvendo e em seguida passou a relacionar a gravura com a fotografia. Ele fotografa e depois transporta as imagens para as placas de compensado, e neste processo vai criando suas composições.
Intervenção em Porto Alegre, 2022.
Quando terminou a graduação fez um trabalho que é o retrato de uma senhora com o charuto na boca. “Fiz a foto e resolvi fazer uma gravura de 1,70 por 2,40cm. Era um desafio. Consegui fazer, e percebi o feedback das pessoas aparovando o meu trabalho". Em 2019 participou da Bienal Professora Malie Kung Matsuda e expôs uma xilogravura saindo vencedor em dois prêmios :de votação popular, com 90% dos votos, e também o prêmio de aquisição. Esta obra encontra-se no acervo da Escola de Belas Artes,da Universidade Federal da Bahia.

                                     EXPOSIÇÕES

Xilogravuras da série Retrato do Invisível,
2023. Xilos  sobre o mobiliário urbano .
Obra premiada na 14ª Edição do Projeto
Arte ao Cubo, em Palmas, Tocantins
.
INDIVIDUAIS - Em 2024 -  Traços do Invisível, Galeria Cañizares, Salvador- BA ; 2023 Retratos do Invisível - Projeto Arte ao Cubo SESC Palmas - TO. COLETIVAS  - Em 2025 – 20º Salão de Artes Visuais de Ubatuba Ubatuba-SP;52º Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto , Santo André- SP;  2023 – Exposição A gravura na Bahia a Partir da EBA/UFBa , Galeria Cañizares , Salvador-BA; 2022 – Exposição Ações e Reações nos Processos Artísticos - Galeria Cañizares, Salvador-BA ; 64º Salão Regional de Artes da Bahia - Museu de Arte da Bahia- MAB , Salvador-BA ; Exposição Saravá - Projeto Gás  - Galeria Anita Schwartz , Rio de Janeiro-RJ; 2019 -I Bienal de Artes Visuais Professora Malie Kung Matsuda, Palacete das Artes, Salvador-BA;  2018 - Exposição Onze,  Galeria
Obra Musicians, óleo sobre tela, de 2017.
Cañizares, UFBA, Salvador-BA; 2017 - I Mostra Gráfica, Museu de Arte Moderna da Bahia-MAM, Salvador-BA.

       PREMIAÇÕES

Em 2024 – Premiado em  3º Lugar no 30º Salão de Artes Plásticas de Praia Grande, São Paulo; Premiado em 2º Lugar na Categoria Desenho e Gravura, no Salão de Arte Contemporânea de Campo Mourão, Paraná;  2023 - Artista Selecionado para o Projeto de Ocupação Arte ao Cubo no SESC-Tocantins, Palmas;  2022 - Prêmio Aquisição do 64º Salão Regional de Artes da Bahia ;  2019 - 1°Lugar da Bienal de Artes Visuais Professora Malie Kung Matsuda, Palacete das Artes , Salvador-BA.

 


sábado, 10 de maio de 2025

MARIA LUEDY E A MATERIALIDADE DA SUA ARTE DO PAPEL

Maria Luedy trabalhando 
em sua Ophicina do Papel.
 A artista visual mineira Maria Luedy  gosta da natureza, espiritualidade e da presença. Seu trabalho é alquímico porque transforma  elementos naturais, especialmente as fibras , em materialidades numa perfeita harmonia com o espaço . Se considera uma artista matérica que vai transformando as fibras em vários níveis de estruturas . Também ressaltou que tem dentro dela um certo nomadismo intelectual e seus ateliês são locais que ela visita ou reside temporariamente , se relaciona e colhe os materiais, como fez com o algodão na Índia, a taboa e o araticum no Sitio do Conde,  e a piaçava em Nilo Peçanha, no Baixo sul da Bahia. Disse que seu interesse está focado nas  fibras residuais e esta relação com as fibras e as técnicas que já trabalha e domina vão lhe conduzindo no seu processo criativo de produção de papéis e de vários objetos. Este é o seu discurso como artista porque acredita nos entrelaces para a construção das coisas através destes diálogos. Vê alguma relação da  efemeridade da vida , que  pode se fragilizar em determinados momentos, e em outras situações   se fortalecer, e que isto também acontece com o papel. Destacou que os objetos duros, resistentes são feitos de minúsculas partículas de fibras, desde o pó para fazer uma parede, a uma fibra usada na fabricação de uma peça de automóvel. Citou a fibra óptica que tem a capacidade com seus filamentos contínuos finíssimos, geralmente feitos de vidro ou plástico os quais transmitem luz, permitindo a transmissão de dados em alta velocidade e com baixa perda de sinal. Tem uma vida profissional muito ativa participando de eventos os mais variados, dá palestras, promove oficinas de papel , expõe e ainda acha tempo para fazer alguns cursos aqui e em outros estados.

Maria Luedy abraça uma piaçava
no município de Nilo Peçanha.
Para ela temos que viver em contato com a natureza, e se diz seguidora da geopoética criada pelo escritor e pensador escocês   Kenneth White que objetiva oferecer ao mundo um novo arcabouço baseado numa relação radicalmente renovada com aquilo que é chamado de natureza. O pensador "procura ainda compreender as poéticas do mundo natural, ou seja, as maneiras incontáveis como as estruturas se criam, espontaneamente, em todas as escalas e em todas as partes da natureza, incluindo a humana”.  Disse Maria Luedy que se alinhou a esta corrente de pensamento e se vê como uma pessoa que trabalha muito com as evidências quando faz uma imersão naquele lugar se relacionando com as pessoas e os materiais que ali encontra. Trata-se do que o pensador norueguês chama de nomadismo intelectual.

Quando fala em materialidades está se referindo ao conjunto de materiais como os múltiplos tipos de fibras, corantes, colas e os papéis usados que recicla através de processos de cozimento e misturas transformando-os em novos produtos que são reutilizados como suportes de suas criações. Mantém no Centro Histórico a sua Ophicina do Papel, onde trabalha e cria suas obras a partir desta alquimia. Ela tem uma forte presença nas redes sociais onde expõe suas obras, basta dizer que só na plataforma Instagram encontrei cinco contas, onde podemos observar inúmeras fotos de suas atividades aqui e fora do país, e algumas dessas contas não exibem postagens recentes.

                                   TRAJETÓRIA

Maria Luedy montando suas obras
para a Exposição Open Art,
na França, em 2023.
A artista Maria Luedy Mendes nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em trinta e um de dezembro de 1963, e aos dois anos de idade seus pais se mudaram para o Rio de Janeiro. O seu genitor Beethoven Gontijo Mendes era mineiro e sua mãe Sahada Luedy Mendes, da região sul da Bahia. Seu pai já tinha morado na Itália e gostava de arte, inclusive lhe presenteou com alguns catálogos de exposições e de museus que visitou. Em sua casa tinha obra de Alberto da Veiga Guignard, ou simplesmente Guignard, que nasceu em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro em 25 de fevereiro de 1896 e faleceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 25 de junho de 1962. Ele se notabilizou por pintar a paisagem mineira. Tinha também obras de Nello Nuno de Moura Rangel, natural de Viçosa, Minas Gerais, onde nasceu em 1939 e veio a falecer em Belo Horizonte em dois de junho de 1975. Era pintor e desenhista mineiro que ficou conhecido como o precursor da pintura neoexpressionista por volta dos anos 80, influenciando vários outros artistas locais.  Portanto, em sua casa havia um ambiente propício para que a menina Maria Luedy fosse despertada para as artes. Desde criança que passou a desenhar. Seus pais vieram morar em Salvador e foi estudar pintura na Panorama Galeria de Arte com o professor Euler Pereira Cardoso aos sete anos, e dois anos depois já participou de uma exposição coletiva com outros colegas.

A artista Maria Luedy exibe
material que reciclou e vai
utilizar em suas obras.
Estudou no Colégio Sofia Costa Pinto, no Corredor da Vitória, e  concluiu o colegial no Colégio Sartre, no bairro da Graça, ambos em Salvador. Entrou para a Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia com apenas 17 anos de idade em 1983.  Foi a um Festival de Inverno em Diamantina e lá participou de uma Oficina de Papel, quando teve contato com papeleiros e várias técnicas de trabalhar com o papel. Ela recebeu em 1983 um convite do professor Vivaldo Costa Lima, que foi o Diretor do IPAC e coordenou a reforma do Centro Histórico de Salvador, para instalar a sua Ophicina do Papel e está até hoje. Atualmente disse que realiza uma pesquisa matérica da cadeia operatória do papel e que já extrapolou fazendo também estruturas de objetos utilizando materiais de resíduos. Graduou-se em Artes Plásticas em 1990 e em 2016 graduou-se em  Decoração ,ambos pela Universidade Federal da Bahia . Se especializou em Moda, Arte e Contemporaneidade, pela UNIFACS. Em 2000  fez o Mestrado em Artes Visuais  e em 2017 o Doutorado em Artes Visuais, pela UFBA. Defendeu a tese de doutorado “O Lado Sensível da Piaçava: A Fibra Negra Quilombola no Encontro com a Arte e o Design”, sendo bem avaliada. No período de quinze anos ministrou alternadamente aulas na UNIFACS, FTC e na Escola de Belas Artes, da UFBA, como professora substituta.  Atualmente está focada nas materialidades fibrosas presentes na arte , no artesanato afro-baiano e suas matrizes tecnológicas têxteis. Integra alguns grupos de estudos e pesquisas sempre procurando repassar e aprender novos processos nesta interação com fazeres distintos.

Objeto criado pela artista para o
arquiteto David Bastos, na
 Casa Cor, 2024
.
A artista Maria Luedy é uma entusiasta da Arte do Papel e fala com emoção desta alquimia em transformar fibras naturais e rústicas através do cozimento e da mistura dos materiais até transformá-los no que chama de superfície viva. Se considera uma tecelã aquática que faz e desenvolve artesanalmente a arte design. Na sua Ophicina de Papel, localizada no Carmo, no Centro Histórico de Salvador, desenvolve uma linha de design autoral de convites, luminárias, espelhos, e vários outros objetos que são comercializados. Disse que sempre está aberta para repassar conhecimento sobre a Arte do Papel e já ministrou cursos, palestras e coordenou oficinas em várias instituições inclusive no SENAC e na Limpurb, onde ficou por dois anos. No ano passado ela e seu professor orientador Paulo Souza foram selecionados para apresentar em Lyon, na França, sua pesquisa O Lado Sensível da Piaçava, a Matéria Afro Diaspórica Brasileira, no 36º Congresso de História da Arte que teve como tema Matéria e Materialidade na Arte. Na ocasião Maria Luedy declarou que “é de grande importância revelar os ciclos da piaçava, cujo artesanato, uma herança afro-indígena dos territórios quilombolas do Baixo Sul da Bahia, ressalta a criatividade dos descendentes dos africanos da região.”

                                   O  MERCADO

Obra feita com fibras de algodão, corantes
indianos e suturas com fios de ouro, 2023.


Quando lhe perguntei durante nossa conversa sobre o mercado para este tipo de arte Maria Luedy respondeu de pronto que ela vai criando demandas, promovendo sua história e mostrando o que faz, e o que é capaz de fazer. Recentemente, fez uns convites para um grupo de advogados paulistas onde no papel estavam impregnadas sementes variadas. Com isto incentivou as pessoas para depois de tomar conhecimento do objetivo do convite  pudessem plantar as sementes, e assim novos arbustos, hortifrutis e árvores vão surgir na natureza. Continuou  Maria Luedy “é uma gama muito grande de possibilidades, e procuro explorá-las para mostrar a minha arte. Sei trabalhar com qualquer tipo de papel, sou uma especialista em papel, vivo disto,  luto e sobrevivo com isto”.

Projetos de cardápios feitos de tecidos
e papéis reciclados. Isto na moda chama-se
Upcycling, e envolve criatividade e 
sustentabilidade, de 2019.
Quando falei  da recusa de alguns artistas, e mesmo colecionadores, em trabalhar e  adquirir obras de arte feitas com papel, argumentando que  vivemos nos trópicos e aqui a umidade ataca muito o papel causando fungos, além das traças, baratas e cupins que comem o material  ela retrucou dizendo que tem trabalhos feitos há 30 anos com papel de fibras de bananeira e estão intactos. Lembrou também que as bibliotecas, arquivos públicos e privados no mundo inteiro guardam  nos seus acervos obras e documentos centenários feitos de papel e estão em perfeito estado. O problema é a conservação que deve ser de qualidade.
Pedi ao seu amigo e colega Zivé Giudice que desse sua opinião  sobre a obra de Maria Luedy. Vejamos “A matéria na obra de Maria Luedy. Materialidade um termo recorrente nos textos dos curadores e no vocábulo dos artistas. Nesses, via de regra, a apropriação da matéria, é quase sempre a tentativa de validação da obra como um objeto conceitual e vanguardista. Nem sempre logram êxito nessa, digamos, empreitada. Maria Luedy parece ir além dessa manobra. Todo o seu tempo e eu conheço esse tempo, foi movido pela curiosidade e pesquisa com matérias; algumas inusitadas no universo das artes visuais, outras, descobertas, com seu senso de acuidade, em objetos utilitários ou de representações de culturas primitivas. Em Luedy, a matéria cumpre um papel de ordem conceitual e provoca sentidos como o visual, auditivo e tátil.”

                              O PAPEL

Papel feito  na China.
 Esta relação do homem com o papel é bem antiga e sua invenção é atribuída a
Cai Lun por volta de 105 d.C. Ele que era o diretor das Oficinas Imperiais em Luoyang, na China,  “desenvolveu um processo de fabricação do papel usando resíduos têxteis prensados, criando um suporte que absorvia melhor a tinta”. Hoje temos papéis originários de vários tipos de fibras, a exemplo do famoso papel japonês feito de cascas de arroz e outras fibras, conhecido também por papel Xuan. É muito utilizado para caligrafia, pintura e outras artes. Tem uma superfície fina e translúcida permitindo a absorção de tinta em cores variadas.

Já no Brasil o primeiro jornal impresso em papel  foi a Gazeta do Rio de Janeiro de 1808 coincidindo com a chegada da Corte Portuguesa com Dom João VI. Anos depois existiam aqui muitos jornais com uma imprensa atuante, principalmente em defesa de ideais políticos. Cada grupo tinha o seu jornal, e as notícias primavam por atacar o opositor. Ao chegar Dom João VI, o Príncipe Regente, criou a Imprensa Régia, que segundo os historiadores, foi fundamental para a modernização da imprensa no Brasil e para a divulgação de atos oficiais do governo. Consta que em 1870 o Príncipe mandou vir de Portugal os primeiros papeleiros com o objetivo de fabricar papel e baratear os custos da matéria prima. Atualmente existem uma infinidade de tipos de papéis usados para os mais variados fins possibilitando aos artistas se expressarem com mais desenvoltura. Não podemos deixar de salientar que também a chegada da tecnologia digital vem dia a dia substituindo o papel através de computadores, celulares, tabletes e outras ferramentas eletrônicas à disposição do homem moderno. Também muitos artistas já estão utilizando essas ferramentas em suas criações.

                                EXPOSIÇÕES COLETIVAS E INDIVIDUAIS

Em 2024 - Exposição Entrelaces, na Galeria Cañizares, Escola de Belas Artes da UFBA ; 2020 – Exposição Coletiva Os Tons e as Cores do Café, no  Café Latitude 13 Casa Galeria, Salvador-Ba; 2019 – Exposição no Restaurante Casa de Tereza, Salvador-Ba; Exposição  Um Brinde ao Café II, no  Café Cafelier, Salvador-Ba;  2018 – Exposição  Oca-Oco, na Galeria Cañizares, Salvador-Bahia; Exposição  Secando Minhas Lágrimas, na Praia do Forte, Mata de São João -Ba; 2017 – Exposição A Nous a Nous la Liberte, Salvador- Ba;  Exposição Individual  Oca - Ocos,  Escola de Belas Artes, Salvador-Ba; 2016 – Exposição  Arte e Design, Galeria Cañizares, Salvador-Ba; Exposição  Luminis And Flowers, na Felissa Joias,  Salvador  Shopping, Salvador-Ba; 2015- Exposição no Instituto Cervantes, Salvador-Ba; Exposição Lumini Sinuosa, na Escola de Medicina da Bahia, Salvador-Ba; Exposição Materialidade Textil, na  Galeria Cañizares, Salvador-Ba; Exposição  Outono Iluminado,  na Felissa Joias, Salvador Shopping, Salvador-Ba; Exposição  Todo Mundo é Igual , na  Pimenta e Música,   Praia do Forte, Mata de São João-Ba; 2014 – Exposição  Tenho Algo a Dizer, Galeria ACBEU, Salvador-Ba; 2013 - Exposição Fragilidades Cotidianas, Galeria ACBEU, Salvador-Ba; Exposição Coletiva no  Salvador Shopping e Atelier Leonel Mattos; 2012 – No Museu Rodin, Salvador-Ba; Exposição  Peixes Ancestrais, na Praia do Forte, Mata de São João-Ba;   2011
Exposição Entre Folhas , na Escola de Belas Artes, com a participação de  Maria Virginia Gordilho, Salvador-Ba; Exposição  Mandalas da Índia, no Hand Made Paper Sri Aurobindo,  em Pondicherry, Índia; 2010 -   Exposição Guardares, na Galeria Cañizares com a participação de  Maria Virginia Gordilh0, Salvador-Ba; Exposição  Santanna, na Galeria Prova do Artista e Igreja Senhora de Santanna, Salvador-Ba;  Exposição  s/título, no  Palacete das Artes, Salvador-Ba; 2009 -Exposição  Outros Papéis, participação de  Maria Virginia Gordilho, Galeria Cañizares, Salvador-Ba; 2008 - Exposição  Modelitos Alados, Museu Carlos Costa Pinto, Salvador-Ba; 2006 – Exposição  Flor Barroca, na  Ecodesign Compay, Brasil;  2005 – Exposição Lanternas Vermelhas, Escola de Educação da UFBa, Salvador-Ba; 2002
Exposição realizada em 2019 .
-  Exposição Art in Box, na Galeria  ACBEU, Salvador-Ba; 2000 - Exposição  Adriano, Galeria  ACBEU, Salvador-Ba; Exposição Primavera, no  Liceu das Artes e Ofícios, Salvador-Ba; 1999 -  Exposição Bahia, Branca Branca, MAM- Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador-Ba; Exposição O Papel Tridi, na Escola de Belas Artes da UFBA, Salvador-Ba; Exposição  Os Papéis do Papel, Galeria ACBEU ,Salvador-Ba; 1998 - Exposição Bagagem , Museu de Geologia da Bahia, Salvador-Ba;   Exposição FIARPA, Brasil; 1997 -  Exposição Contrastes,  Galeria Cañizares, Salvador-Ba; 1996 -   Exposição As Ruas do Pelô, Sebrae , Salvador-Ba; Exposição Colagens de Vida,  Casa Cor Bahia, Salvador-Ba; Exposição  Os Papéis do Papel,  Vitória- Espírito Santo; 1995 - Exposição  Erótikus, Museu da Cidade, Salvador-Ba; 1994 - Exposição Luz e Matéria,  Ophicina do Papel, Salvador-Ba;  Exposição Retrospectiva II, Salvador-Ba; 1992 - O Caminho é do Índio - Museu das Árvores Queimadas, Limpurb, Salvador-Ba; Exposição  Raso Fundo, Escola de Belas Artes, da UFBA,Salvador-Ba; 1987 -  Exposição  Entre o Meio e o Fim, Salvador-Ba; Exposição Papa - Papel Artesanal Produção e Arte, com a  participação de Ana Maria Villar, na EBA-UFBa.