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Zuarte trabalhando numa de suas obras. |
O Zuarte é um desses artistas que
vive da arte e para isto cria cenografias, figurinos, pinta, desenha, faz
esculturas, objetos e ainda arranja tempo para escrever poesias. Numa linguagem
mais popular dizemos que “se vira nos trinta’. Consegue uma produção rica e de
qualidade, porque é um artista que está envolvido e antenado com a arte e o que está sendo produzida nos principias centros culturais do mundo , procurando sempre para fazer o melhor. Já o conhecia desde 1995 quando fez uma exposição juntamente
com Ricardo Fernandes, na ACBEU, intitulada A Cozinha do Sentimento. Num freezer colocou rosas naturais e formas de bolo em formato de coração cheias
de água com corantes vermelhos. Disse na ocasião que “quero, com isto, realçar
e enaltecer a vida do sentimento num momento tão confuso como este, em que
temos que estar no coração. Cada vez que abria o freezer ficava emocionado.“Este trabalho merece ser refeito porque mexe com as pessoas”, falou Zuarte.
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Cinco esculturas em resina fazem parte do Projeto Rua, na Praça da Inglaterra. Zuarte homenageou Eckenberger. |
Desde criança que é envolvido
com a arte. Em sua terra natal Morro do Chapéu ainda jovem sempre estava
ornamentando os andores dos santos da igreja matriz nas festas da padroeira
Nossa Senhora da Graça, nos festejos do Divino Espírito Santo e de São
Benedito. Também montava peças de teatro e foi aí que os cenários e os
figurinos passaram a lhe interessar. Os presépios de Natal, principalmente o de
d. Hilda Oliveira, lhes chamavam a atenção pelos detalhes e pela
quantidade de elementos que continha. Fez o primário no Grupo Escolar Coronel Francisco
Dias Coelho, um comerciante negro de pedras preciosas que fez fortuna e
fama no século XIX comercializando diamantes, esmeraldas e outras pedras preciosas, que eram
garimpadas na região, e ele vendia para os franceses, holandeses e alemães. O coronel tinha uma
farmácia e o Horácio de Matos trabalhou como aprendiz e depois se tornou um dos
mais famosos líderes do coronelismo no Brasil. Já adulto o Dias Coelho lhe presenteou com a patente de coronel da
Guarda Nacional. O coronel nasceu em dezembro de 1864 e faleceu em fevereiro de
1919. Voltando ao Zuarte depois de fazer o primário no Grupo Escolar Francisco Dias Coelho foi
para o Colégio Nossa Senhora da Graça e fez o ginasial e em seguida o curso técnico, também
em Morro do Chapéu.
CONHECEU A GRAVURA
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As rosas e corações congelados na mostra de 1995, na ACBEU. |
Em 1981 veio para Salvador e interessado
nas artes plásticas tomou conhecimento que estava sendo ministrado um curso de
Litogravura nas Oficinas do Museu de Arte Moderna da Bahia, no Solar do Unhão ministrado por Antônio Grosso, tendo o desenhista e gravador Paulo Rufino como
assistente. Matriculou-se e passou a frequentar . Lembra que foi um
deslumbramento, e que conheceu várias outras técnicas de gravura. No ano
seguinte fez vestibular para a Escola de Belas Artes e foi aluno de Carlos
Eduardo da Rocha, Mercedes Kruschewisky, Ivo Vellame, Riolan Coutinho, Juarez Paraíso,
Ailton Lima, Maria Helena Flexor e Sônia Rangel, com a qual mantém ainda um
relacionamento profissional e de amizade. Formou-se em Bacharel em Artes
Plásticas. Durante o curso tinha uma disciplina chamada de Integração Artística
com quatro professores os quais ministravam aulas de Teatro, Artes Plásticas,
Música e Dança. Chegou a ser monitor da disciplina até ela ser retirada do currículo.
Portanto, mantinha contatos com alunos e professores dessas linguagens
artísticas e para ele isto foi muito importante e definitivo porque através de
Sônia Rangel e Carlos Petrovich passou a se interessar mais pelo teatro, e a
fazer cenografias e figurinos. Entre as peças de teatro que fez cenários e
figurinos citou a Vida de Galileu, tendo como diretora Elisa Mendes; A Paixão
de Cristo, com Paulo Dourado, dentre muitas outras. Durante dez anos assumiu a
cenografia do Teatro Castro Alves. Com
Francisco Medeiros fez a cenografia de uma peça os Iks, uma tribo que foi
dizimada na África, inclusive escolheu como tema de sua tese de Mestrado “A
Cenoplastia no Espetáculo Teatral Os Iks”.
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Fotos 1 e 3 - A peça Os Iks. Foto 2-Cenário para Balé do TCA, O Eterno Silêncio do Começo,1999. Foto 4- Montagem do cenário da peça Os Iks. |
O artista Zuarte entende que “o teatro tem uma
integração maior com os espectadores, tudo é feito para o outro. Cada
apresentação é única e o olhar do outro ajuda a modelação do espetáculo. Vemos
que a grafia é o bidimensional, e a plastia envolve a
tridimensionalidade, as tecnologias novas, é outra dimensão.” Tem poucas pinturas em telas e
a sua criatividade vai mais para os objetos. Está pintando menos e com planos de
pintar cada vez mais. Diz que a cenografia lhe completa e o ocupou muito. Mas, claro que
quer desenhar e pintar com mais assiduidade. Gosta também de recolher coisas. Nos anos 90 fez uma
série de carbogravuras sob a influência do amigo e conterrâneo
o Joelito Modesto, que também se formou em Belas Artes, mas decidiu trilhar pelo
caminho da educação. Esta técnica usa o negro fumo do papel carbono e um ferro
quente. É quase uma monogravura, e o artista recorta a forma que deseja
no papel carbono e com o ferro quente vai controlando onde quer mais claro ou escuro. Para conseguir mais claridade raspa por baixo usando palha de aço com muita delicadeza. Este trabalho
tem várias nuances que se apresentam e o artista tem que ter muita paciência. Expôs uma série de carbogravuras na Bienal Internacional da Gravura.
É um processo de alquimia e foi convidado para ilustrar o livro Dias Malditos, com
textos organizados por Sérgio Cerviño Rivero, no ano 2004, sobre a ditadura militar.
Começou a fazer as ilustrações usando o
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Zuarte recolhe materiais e reutiliza em suas obras. Ai usou pneus velhos para criar esculturas que lembram discos voadores. |
carbono, mas não gostou do resultado e
decidiu trabalhar com a fumaça. São trabalhos abstratos que ele fez usando um
candeeiro e deixava a fumaça se fixar numa folha de papel em branco e ia controlando as formas,
com uma máscara recortada previamente. Depois retirava a máscara e ficava a forma
que tentava controlar. Para fotografar
teve que levar cada trabalho numa caixa, porque é muito frágil. Tem uma série
destas obras exposta no Museu Nacional de Brasília, e é um trabalho quase efêmero. Da fumaça foi trabalhar com pneus
usados criando objetos que chamou de
Reservas. Eram bolsas feitas de câmaras de ar de pneus cheias de água, leite e
mel e tinham torneiras. Fez uns casulos e uns bojos de pneus, e esculturas que lembram OVNIS. "Eu não escolhi isto
veio acontecendo, e é o mesmo fio," segundo ele, do carbono e da fumaça porque o negro
de fumo também está nos pneus.
PINTURA É LIBERDADE
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Duas pinturas e uma escultura onde o gesto prevalece. |
Para Zuarte a pintura “tem um
gosto de liberdade, mas é sempre sofrimento." Nestas pinturas das mãos o que
para ele o importante é transmitir o sentimento do gesto, do toque. Quando
indaguei como fazia àquelas pinturas das mãos e dos peitos ele disse que faz o
desenho, pinta, e usa o silicone líquido passando com um pincel sobre o
desenho para protege-lo. Em seguida faz outras camadas de tintas ou usa outros
materiais, e o desenho fica protegido numa espécie de baixo relevo. Depois retira o silicone e está pronta a obra.
Lembrei e lhe falei do pintor americano Keith Haring,
o qual passou uma temporada em Trancoso, no sul da Bahia, e chegou a fazer um
mural por lá. É que algumas obras do Zuarte lembram às de Keith. Ele disse que
realmente ficou surpreso quando conheceu o trabalho do americano, mas isto
aconteceu nos anos 2000, inclusive visitou uma exposição do americano em São Paulo. Reconhece que vê alguma relação na distribuição e uso do espaço. Mas,
que foi apenas uma coincidência porque suas obras surgiram bem antes de
conhecer os trabalhos de Keith Haring. O artista americano nasceu na Pensilvânia em 4 de maio de 1958 e faleceu de aids em Nova
Iorque em 4 de maio de 1990, com apenas 31 anos de idade. Seu desejo era tornar
a arte acessível a um número cada vez maior de pessoas e optou pela arte pop.
MAIS TEATRO
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Esta cama idealizada pelo artista feita de carroceria de caminhão foi para a coletiva Imaginário do Rei, em homenagem a Luiz Gonzaga. Percorreu várias capitais e a curadoria foi de Bené Fonteles. |
Aí o Zuarte lembrou do espetáculo O Santo
Inquérito escrito pelo baiano Dias Gomes que denuncia a
repressão e a tortura durante a ditadura militar. A peça é baseada na história
de Branca Dias, uma vítima da Inquisição. Foi montada pela companhia do Colégio Antônio Vieira, dirigido por Luiz Pondé, que
hoje é um famoso professor e filósofo festejado nas televisões e redes sociais.
Sete atrizes faziam a Branca Dias. Zuarte queimou parcialmente o cenário da
igreja e as vestes das atrizes, e no final do espetáculo vinha o Anjo da Morte todo
vestido de preto e queimava rosas brancas, que são símbolos da pureza.
Adiantou ainda o artista que o Pondé estudou teatro e trabalhou numa peça
chamada Prometeu Acorrentado, e que ele fez o cenário e o figurino do
espetáculo.
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Zuarte ainda tem Psicletas no seu ateliê do Rio Vermelho. |
Quando saiu da Escola de Belas
Artes ele e seus colegas decidiram criar o Grupo Intregue, composto por Zuarte,
Júlio Maia, hoje restaurador de obras de arte, e Salviano Filho, que trabalha como diretor artístico das Ganhadeiras de Itapuã, a artista plástica Maria Luedy, e os
demais não seguiram a carreira artística. Este grupo realizou várias exposições
aqui e em outras cidades do país. Disse o Zuarte que nesta época já fazia também
alguns trabalhos com Carlos Petrovich, Emília Biancardi, Elisa Mendes
e Paulo Dourado. Hoje reconhece que o teatro está passando por mais uma
crise e reflete no seu próprio trabalho, porque os diretores estão usando mais
uma linguagem minimalista, onde as coisas são enxutas para redução de custos.
Tem várias bicicletas com asas da série que chamou de Psicletas. Na Terceira Bienal da Bahia, em 2014, ele apresentou dezesseis Psicletas do projeto As Psicletas em Liberdade Desbandeirada, a convite de Maxim Malhado que aprsentou três casas de taipa. Lembrou que na época retrabalhava o objeto e dando outro significado, mostrando a função transformadora da arte. As bicicletas estão enferrujadas e possuem asas que ele acrescentou . Disse ainda que "a ferrugem representa a passagem do tempo. As asas são a possibilidade para qualquer desejo, da liberdade sem fronteiras, sem bandeiras".
SUA TRAJETÓRIA E EXPOSIÇÕES
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Catálogo da mostra Água e Cooperação e a obra de Zuarte feita com globos de luz cheios de água poluída da praia do Rio Vermelho. |
Seu nome é Zuarte Neiva Barbosa
Júnior, filho de Zuarte Neiva Barbosa e Eluiza Silva Barbosa. Nasceu em 14
de dezembro de 1961 na cidade de Morro do Chapéu, na Chapada Diamantina. Vemos
que a arte já está incorporada no seu próprio nome de batismo. Lá permaneceu
até os dezoito anos e toda sua base e fecundação artística vem do interior. Na sua
rua tinha um conterrâneo que era o mestre do Reisado, e cultuava todo aquele
aparato das festas religiosas e profanas. Isto lhe possibilitou um
deslumbramento artístico e quando cresceu já participou dos festejos de Nossa
Senhora da Graça, do Divino Espírito Santos e de São Benedito. Para ele hoje
essas festas estão mais restritas ao sentimento religioso e diminuíram de
tamanho. Recorda que os cânticos e o aparato plástico das bandeiras, dos
alferes, e das esmolas onde os fiéis saíam de casa em casa recolhendo
donativos. As pessoas beijavam a bandeira e davam sua contribuição. "A gente do
interior sabe onde começa e termina o desenho da Cidade". Falou dos presépios
incríveis, que faziam, e ele também fez presépios, só que bem menor em relação
aos grandes presépios, como o da d. Hilda Oliveira, que tinha até criança brincando
no telhado da casa, casamentos e outras cenas que compunham o seu rico
presépio.
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Obra Dis Respeito, latex sobre tela. |
O Zuarte Neiva Barbosa Júnior é mestrando
pelo Programa de Pós Graduação da Escola de Teatro da Universidade Federal da
Bahia, artista plástico – Universidade Federal da Bahia 1987, cenógrafo e figurinista
desde meados dos anos 80. Trabalha também como diretor de arte para cinema e
produções em vídeos. Fez cenários e figurinos para os espetáculos: 2023
- A Resistência Cabocla, com o Bando de Teatro Olodum ; figurinos para a ópera Dulcinéia
e Trancoso, com a orquestra e coro da Neojibá ; atuou em montagens junto à
Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, Núcleo de Teatro do Teatro Castro
Alves : A Vida de Galileu, Os Iks - cenografia premiada no Prêmio Braskem de Teatro,
Hamlet, Dias de Folia ; Com o Balé do Teatro Castro Alves criou figurinos para Você
Sabia? ; A História do Soldado, Urbis in
Motus, Por Favor não Aperte o Mamão, O Eterno Silêncio do Começo, Waikuru...
Junto ao Bando de Teatro Olodum e Universidade
Livre do Teatro V. Velha: A Tempestade, Projeto Três e Pronto, Sonhos de uma
Noite de Verão, Áfricas (figurino indicado ao Prêmio Braskem de Teatro), Bença.
Criou figurinos para a o grupo musical Rumpilez e cenários para outros
trabalhos como Lampião e Maria Bonita , cenografia premiada no Festival de
teatro de São José do Rio Preto – SP); Bispo -
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A palavra sempre está presente na obra do Zuarte. Esta acima integrou uma série que mostrou na I Bienal do Recôncavo, em São Félix, ano 2013. |
cenografia premiada no Festival
de Guaramiranga – CE; A Outra Tempestade , cenografia e figurinos; Lego , cenografia e figurinos; A Paixão de Cristo, Camila Baker, Joana D’Arc ,cenografia e figurinos; Murmúrios, O Amor Comeu , cenografia indicada a prêmio, Uma Vez Nada Mais , cenografia e figurinos; direção de arte e
figurinos para o filme longa metragem Revoada – Prêmio de melhor figurino no 10
Encontro Nacional de Cinema e Vídeo dos Sertões, dentre outros.
Integra o Projeto RUA – Roteiro
Urbano de Arte da Prefeitura de Salvador com 5 esculturas permanentes na Praça
da Inglaterra. Tem realizado exposições individuais : As Psicletas em Liberdade
Desbandeirada, Sim Tese para o Abraço; 1995 - A Cozinha do Sentimento, na Galeria ACBEU; Viva
A Dança dos Braços, Que Peitaria é essa?) e várias coletivas. Participado de
salões de arte, feito curadorias, expografias e participado como jurado em
vários projetos de premiação. Ministra oficinas de Investigação da
criatividade, direção de arte, cenografia, figurinos e poesia. É autor dos livros: 2021 -
Vestidinho de Vastidão – Poesia - Editora P55; 1990 - Em Busca do
Sol de Si – No Mimetismo abstrato de Todas as Coisas - Poesia – Sec. De Cultura
do Estado da Bahia.
Benjamin Brito Gama Junior
ResponderExcluir👏👏👏👏👏👏👏👏
Jurandyr Ramos de Almeida
ResponderExcluir👍👍👏🏻👏🏻
Palmas!
Maria Das Graças Santana
ResponderExcluirInteressante está técnica de pintar com a fumaça do candeeiro
Iara Brito
ResponderExcluirPalmas!
Lígia Aguiar
ResponderExcluirZuarte é um talentoso artista e uma pessoa adorável. Seus processos criativos são marcados por uma inteligência artística excepcional. Ele trabalha com diversas linguagens, incluindo pintura, escultura e objetos de grande expressão plástica.
Suas esculturas em homenagem ao saudoso artista Eckenberger demonstram uma sintonia impressionante com o espírito irreverente e irônico do homenageado. Outro trabalho notável são as premiadas bicicletas aladas, que são verdadeiramente belas.
A incursão de Zuarte no teatro e balé do TCA é um sucesso, e ele é muito procurado por diretores teatrais. É um privilégio ter a sua amizade. Parabéns pela entrevista Reynivaldo você sempre acerta. Muito obrigada.
1 sem
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Editado
Obrigado Lígia.
ExcluirTereza Souza
ResponderExcluirPalmas!
Zuarte Neiva Barbosa Júnior
ExcluirTereza Souza grato.
Graça Barreto
ResponderExcluirOs trabalhos dele são maravilhosos
Oliveira Brown
ResponderExcluirQue interessante. Só a técnica já daria uma ótima reportagem, mas o excelente jornalista foi além: trouxe todo o talento de Zuarte para jovens e mais velhos leitores (hoje internautas) conferirem o trabalho desse artista de alta prateleira.
Lurdes Jacobina
ResponderExcluirPalmas!
Zuarte Neiva Barbosa Júnior
ExcluirLurdes Jacobina gratidão sempre, na tentativa das possíveis traduções do mistério da vidavam arte!