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Os amigos do artista Chico Vieira se despedem cantando no seu sepultamento. |
Esta foto registra o momento em que os amigos do artista Chico Vieira, cantavam na tarde de ontem, dia 19.01.2024, no cemitério Quintas dos Lázaros, em sua homenagem. Chico era artista durante 24 horas e quando não estava pintando, tocando e cantando ele andava pelas ruas do centro da Cidade fazendo seus exercícios físicos e foi assim que sentiu-se mal, o internaram, mas não resistiu vindo a falecer no último dia 18. Seu amigo e parceiro o cantor Roque Peixoto que anima os visitantes e locais com sua voz e violão no Pelourinho, e a quem Chico chamava carinhosamente de Negão cantou uma última canção que o Chico Vieira chegou cantarolando no dia 17. Lembrou Roque que perguntou o porquê daquela música e ele respondeu com seu jeito direto: Porque eu gosto, e passaram a cantar. Durante o sepultamento Roque Peixoto o homenageou cantando a mesma música e os demais amigos acompanharam. É uma música de Gilberto Gil, não é das mais conhecidas, e não consegui saber o nome. Depois outro amigo cantou Canção da América, de Milton Nascimento, que diz: "Amigo é coisa pra se guardar/ Debaixo de sete chaves / Dentro do coração / Assim falava a canção que na América ouvi / Mas quem cantava chorou / Ao ver o seu amigo partir."Os amigos ainda lembraram alguns casos e de seu jeito de ser e dizer: "Vamos embora Porra!" Foi assim que nos despedimos deste artista que deixa uma lacuna naquele ambiente de cores, sons, alegria e sofrimento que é o microcosmo Pelourinho.
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Fiz esta foto na tarde do último dia 10 em seu ateliê e ele estava muito feliz por ter sido lembrado.Enviou-me material até dois dias antes de falecer. Adeus meu amigo! |
O Chico Vieira batizado como
Francisco Carlos Vieira Borges era um desses personagens baianos que você
encontra no Centro Histórico de Salvador com os cabelos desgrenhados, a barba
crescida e camiseta colorida, de bermudas e empunhando uma sandália
japonesa. Nasceu e se criou naquele ambiente do Pelourinho portanto era uma
pessoa completamente integrada aquele espaço e um dos autênticos
representantes da fauna local. Gostava de batucar e tomar umas cervejinhas para
alegrar. Mas, por trás desta figura singular tinha um artista vigoroso e
experiente que já tinha vivido alguns anos na Europa e lá estudou em importantes
instituições. Em 1971 ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Alemanha
frequentar a Escola de Belas Artes de Berlim onde ficou até 1974, e em 1975
ganhou outra bolsa de estudos para cursar Gravura em Metal concedida pelo
Governo Português na Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Lá conheceu sua
esposa Ana Ortigão com quem tem três filhos, todos morando em Portugal. O Chico Vieira sempre gostava de identificar suas obras dentro de uma visão antropológica, talvez numa clara influência dos ensinamentos do mestre Vivaldo Costa Lima . Quando pintava pessoas sempre dizia que a obra é da série Antropologia Visual, principalmente se tinha alguma participação dessas pessoas que residem ou trabalham na área do Centro Histórico. Até os vídeos que fazia quando ocorria um evento o Chico Vieira me enviava e lá estava escrito Antropologia Visual. Enquanto a sua obra propriamente dita ele classicava de um abstracionismo tropical porque ali estão inseridos elementos que marcam muito nossa situação cultural e geográfica. |
O artista Chico Vieira na janela do ateliê. Foto de Luciana Brito. 10.01.2024. |
Era o último dos filhos do casal
Carlito Vieira Borges e Clarissa Azevedo Reis, porque seus pais tiveram cinco
filhos e todos os quatro irmãos já haviam falecido. Nasceu em 4 de outubro de 1948 na
Ladeira de São Francisco, número 3, em Salvador, quando a área ainda estava
completamente degradada e ali funcionava o que chamamos de baixo meretrício. Durante a entrevista rindo
Chico Vieira disse que sua mãe era uma espécie de agiota e emprestava dinheiro
a juros para as prostitutas e outras pessoas que viviam ali. Estudou o
primário e o ginásio em escolas da área na Escola Urânia da Bahia e na Escola
São Lourenço. Quando sua mãe faleceu tinha apenas 14 anos de idade. Na
juventude participou do movimento estudantil contra a ditadura militar, e
também do tropicalismo que dominou a Bahia, dos carnavais na Praça Castro Alves
e frequentou nas tardes de domingo as sessões dos cinemas Jandaia, Pax e Tupi
na Baixa dos Sapateiros. Em 1966 seus parentes resolveram colocá-lo na Escola
de Aprendizes Marinheiros, que funciona na Cidade Baixa, em Salvador. Foi muito
importante para sua formação porque tinha excelentes professores além de
disciplina e formação do cidadão. Ficou na Marinha por três anos e concluiu o
segundo grau.
OPTOU PELA ARTE
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Obra abstrata e figura humana. |
Naquela época a Escola de Belas
Artes da Universidade Federal da Bahia funcionava num prédio em estilo colonial
na Rua 28 de Setembro, portanto no Centro Histórico, e foi quando em 1968 ele
fez o vestibular sendo aprovado. Também estudava no curso livre de alemão no
Instituto Cultural Brasil-Alemanha, que até hoje funciona no Corredor da
Vitória, atualmente com o nome de Instituto Goethe. Enquanto estudava trabalhou
na restauração do Museu do Carmo e participava das feiras de arte do Terreiro
de Jesus, em Salvador. Também chegou a expor suas obras nas feiras de artes das
praças da República, em São Paulo, e da General Osório, no Rio de Janeiro.
Toda esta sua trajetória contou
com o apoio irrestrito do professor Vivaldo Costa Lima, já falecido, que foi o
homem que liderou a restauração da área nos governos de Antônio Carlos
Magalhães e nos subsequentes. Eles iniciaram e concluíram grande parte da
reforma do Centro Histórico de Salvador. Com muita competência e determinação
Vivaldo Costa Lima defendia que os moradores locais deveriam permanecer e para
isto criou uma política de qualificação profissional. Para as crianças tinham
vários programas com vistas a criar condições de uma sobrevivência digna.
Trabalhei no início da recuperação do Centro Histórico juntamente com o meu
amigo o saudoso Gey Espinheira que era o responsável pelos programas sociais.
Nos formamos em Ciências Sociais na mesma turma da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, da UFBA, que funcionava na Av. Joana Angélica onde hoje está
o Ministério Público Estadual. Como eu tinha também a formação em Comunicação
trabalhava na Assessoria de Imprensa. Vivaldo era etnógrafo, um homem culto e
muito temperamental. Presenciei alguns embates dele por discordar de orientações
vindas dos governos federal e estadual porque tudo era feito de comum acordo
entre o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia -IPAC e o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
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Chico Vieira falando de sua trajetória artística. |
O professor Vivaldo Costa Lima procurava
de todas as formas proteger os locais e quem cuidava desta parte, deste contato
direto era o Gey Espinheira por ser uma pessoa calma e que compreendia
inclusive a resistência de alguns moradores que eram contra a reforma. A
situação local era tão caótica que lembro que o fotógrafo Magno Cardoso, ia fazer a documentação dos imóveis em ruínas e tinha que ser
acompanhado de algum segurança porque senão a máquina era roubada. Poucos
tinham a coragem de andar pelo Maciel de Cima e Maciel de Baixo e outras ruas
do Centro Histórico. Em outra ocasião eu estava fazendo uma reportagem com um
fotógrafo da revista Manchete, do Rio de Janeiro, quando apareceu um ladrão e
tentou arrebatar a sua máquina fotográfica Rolleyflex. Não conseguiu e entrou
num daqueles casarões em ruínas. Até hoje o Centro Histórico ainda oferece
perigo para os locais e visitantes.
CHAMAMENTO
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Obra de Chico da série abstracionismo tropical |
Voltando ao Chico Vieira depois
desta permanência na Europa ele contou que seus parentes daqui da Bahia ficaram
preocupados porque não dava notícias. Na época sua família morava no
bairro de Castro Neves, em Salvador. Foi então que um irmão seu conseguiu uma
fotografia 3 x 4 dele que estava num álbum de quando servia na Marinha do Brasil
e levou até o seu tio Antônio Vieira, que chamava de tio Tonho que era pai
de santo em Maragogipe, no interior da Bahia. O tio amarrou a foto no pé de um
pombo e fez um “trabalho” pedindo para que ele voltasse. Revelou ainda o
Chico Vieira “que no ano de 1976 um dia estava numa praia em Portugal com a
família quando recebi inexplicavelmente uma espécie de chamamento e decidi
voltar para Salvador." Falou ainda que seu tio Tonho todos os anos no dia do aniversário em 11 de agosto, ele fazia um ritual com matança de animais e isto
ficou marcado em sua infância.
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Chico Vieira trouxe a mulher e os filhos, um
menino e duas meninas.” Foram morar em Itaparica e lá construíram uma casa em
Barra Grande onde moraram de 1983 a 1986. Nesta época pinta obras contando a
História do Brasil de 1500 a 1900, concluindo em 1987 utilizando a técnica
mista e de colagens e inicia o Projeto Pró-Índio. Vivia da pintura e da
ajuda da família da esposa. Um dia o sogro já idoso veio a Salvador com a
intenção de leva-los para Portugal porque ele precisava dividir os bens que
tinha. Foi aí que Chico Vieira concordou que ele levasse o menino para lhe
fazer companhia. O Chico Vieira botou o pé firme e não aceitou voltar. Tempos
depois a esposa teve que retornar a Portugal com as duas filhas e estão por lá
até hoje. Nesta obra ao lado vemos sua habilidade no desenho e no uso das cores.Obra feita en nanquim e aquarela sobre papel fabriano que ele denominou de Cabeça Ecológica.
LEMBRANÇAS
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Foto 1. Carteira de estudante de Berlim. Foto 2. Do curso de Gravura em Metal, Lisboa. |
De sua permanência em Portugal lembrou que Lisboa estava numa efervescência social, política e cultural
muito grande. Foi a época da chamada Revolução dos Cravos e da independência de
várias colônias portuguesas na África. Tinha a Casa de
Angola, em Lisboa e lá conheceu vários líderes revolucionários africanos
entre eles Samora Moisés Machel. Foi um líder moçambicano
socialista que liderou a Guerra da Independência de Moçambique e seu primeiro
presidente após a independência em 1975 e morreu em 1986. Disse o Chico Vieira
que vivenciou muito do movimento na Revolução dos Cravos. Atestam os livros de História que "Foi
um levante militar e popular que ocorreu em Portugal, no dia 25 de abril de
1974, e encerrou a longa ditadura liderada por Antônio Salazar. Nos anos 1970,
os portugueses enfrentavam uma grave crise econômica, o que gerou insatisfação
com o governo português. Além disso, as lutas pela independência das colônias
portuguesas na África fizeram com que essa insatisfação se
intensificasse."
EXPOSIÇÕES
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Painel em homenagem a Baiana do Acarajé, que desapareceu em 2021. |
Sua primeira exposição individual foi realizada em 1973 em Berlim, entre
os anos de 1977, e em 80 participa da Bienal de São Paulo e fez uma exposição
individual no ICBA, em Salvador; em 1981 retorna à Europa e faz exposições em
Berlim e Lisboa. Em 1986 expõe no Museu da Cidade do Salvador, que funcionava
no casarão no Largo do Pelourinho, ao lado da Casa de Jorge Amado. Em 1993 saiu
da ilha de Itaparica e decidiu retornar ao Pelourinho e instala o seu ateliê, e
aí volta a se entrosar com o movimento artístico local; em 1997 participa da
exposição coletiva Pinte o Pelô e também em 1999 de outra coletiva na cidade de
Mineapolis, nos Estados Unidos chamada de Expo 500 anos; em 2000 de uma mostra
na Galeria do IPAC; 2000 de uma coletiva de artistas brasileiros chamada de
Encontros do Fim do Mundo, em Algarve, Portugal; de 2001 a 2003 participa de
várias exposições coletivas e individual no Algarve, Portugal; 2003 fez uma
individual na Casa 8, em Salvador, Arte Espontânea Brasileira; em 2007 lança o
álbum de gravura em metal Abstracionismo Tropical, em Genebra, na Suíça; participa
da instalação Pintou Natal no Pelô e em 2012 fez uma exposição de pinturas na
Casa da Nigéria da Bahia comemorativa do quarto aniversário de inauguração .
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Registros do trabalho que fazia com as crianças do Pelô e chamava de Antropologia Social. |
O economista Dilton Machado
escreveu um texto sobre a trajetória de Chico Vieira que aqui reproduzo em parte: "Todo
este mosaico vivencial se traduziu naquilo que Chico Vieira denominou como
abstracionismo tropical, expressão manifestada através de pinturas que saltam
das telas em cores e formas que refletem predominantemente a brasilidade decorrente
de nossas origens africanas e indígenas. " E continua: É gratificante sentar
na Rua do Açouguinho, em frente ao seu ateliê, e observar o impacto que sua
obra causa nos passantes, sejam eles baianos, turistas estrangeiros, emergentes
das classes C e D, privilegiados com maior poder aquisitivo, intelectuais
letrados, estudantes em formação, idosos, adultos, jovens, crianças e até os
muito doidos que circulam perdidos pela área parecendo não conseguir desgrudar
da sensação hipnótica e convidativa que seu trabalho produz".
O conheci e logo vi quanta energia investigativa emanava, sorridente mas, um Antropologista viril e mordaz! Perde o Pelourinho e a Cultura que emana do povo, um grande representante...lamento!!!
ResponderExcluirCarlos Augusto Franco
ResponderExcluirO Pelourinho está mais vazio com a partida de Chico Vieira... Vai na luz! amigo. 👏🏿👏🏿👏🏿👏🏿
Maria Das Graças Santana
ResponderExcluirTriste!
Hilda Nogueira
ResponderExcluirUma turma muito boa
Therezinha Carvalho
ResponderExcluirReynivaldo, achei o ritual do velório do artista descrito por você, emocionante, onde músicas que ele gostava foram cantadas por seus amigos, também recordaram casos, assim como a presença do povo do candomblé. Tudo isto emocionou a todos que estavam ali presentes.
Foi uma perda, uma despedida, mas não foi das mais tristes.
A vida do artista Chico Vieira teve muitas histórias a serem contadas durante sua vida, vivida pelo mundo afora.
Sinta-se um privilegiado, por ter tido a oportunidade de entrevista-lo poucos dias antes de sua partida, onde ficaram registrados fatos sobre a vida deste artista, que talvez tenham sido revelados apenas a você durante a entrevista, e que agora neste texto, traz para os seus leitores.
O Chico Vieira, de acordo com o que nos foi passado por você, deixou história de vida, estudos, aprendizados, de trabalho, exposições por algumas partes do mundo, muitas obras com técnicas diferenciadas, que devem ser lembradas, e imortalizadas, principalmente no que se refere ao trabalho social que fazia com as crianças do Pelourinho.
Esta então, digna de ser abraçada, continuada, assistida pelos artistas atuantes, comunidade e órgãos públicos ali existentes.
Juan Carlos Barr
ResponderExcluirmeu amigo Reynivaldo está e umo das passagens de nossas vidas.e o primer degraus de nossa evolução.assim e a vida que descanse em paz por quanto porque o céu e infinito.meu mais sentido pessame.amem
Benjamin Brito Gama Junior
ResponderExcluirOs amigos ,os cara do bem, visionários das cores ,formas e palavras mágicas ,eles não vão embora,permanecem vivo na história .
Márcia Cristina Silva Barros
ResponderExcluirMais um artista para iluminar a Pátria Espiritual com sua Arte única! Sentiremos falta de Chico Vieira por aqui...
Antonio Carlos Santana
ResponderExcluirBeleza Rey.
Carmen Carvalho
ResponderExcluirChico Vieira ! Muitas artes na sua história de vida .
Angela Lisboa Dabush
ResponderExcluirBoa lembrança
Edna Silva
ResponderExcluirMuito obrigada por me enviar esse texto de despedida de Chico Vieira.
Domingos Dantas Brito
ResponderExcluirGrande perda pra cultura abstrata...
Teresinha Nogueira
ResponderExcluirAgora só lembranças .Lembranças de coisas boas
Maria Adair
ResponderExcluirTÃO BONITO REYNIVALDO...
muito obrigada por compartilhar...
Vou guardar ...
Albha Sampaio
ResponderExcluir🌹
Carmen Garcia Mueller
ResponderExcluirTive a oportunidade de conhecê-lo através do meu querido amigo Vivaldo Costa Lima
Ivo neto artes Bahia
ResponderExcluir👏🏽👏🏽👏🏽