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Antônio Lobo com algumas aquarelas, aos 96 anos. |
Estou diante de um artista que é
uma página viva da história das artes na Bahia. É o decano das artes plásticas
baianas e hoje no alto de seus noventa e seis anos de idade continua lúcido e
ativo criando suas aquarelas e publicando nas redes sociais. Sempre procurou
aprender coisas novas e fez muitos cursos tanto de arte como de outros assuntos
que lhe interessavam. Atualmente está dedilhando um violão novinho tentando
aprender com o seu neto Fernando Tavares que acabou de chegar de Boston, nos Estados Unidos,
onde se graduou em música e ficou curioso com a vontade de seu avô em aprender
a tocar. Daí lhe presenteou com o violão que o Antônio Lobo dedilha nas horas
que deseja. Nasceu no início século passado e conviveu com grandes artistas
como Floriano Teixeira, Carybé, Carlos Augusto Bandeira, os alemães Adam Firnekaes,Floriano Teixeira, Hansen Bahia e muitos outros. Aponta para a parede da sala e mostra uma aquarela
de autoria de Adam Firnekaes que fez no Rio de Janeiro e lhe presenteou.
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Uma bela aquarela onde se destaca o reflexo na água. |
O alemão nasceu
em 13/12/1909 veio ao Brasil para tocar fagote na Orquestra Sinfônica
Brasileira, no Rio de Janeiro. Chegou a Salvador em 1958 transferindo sua
residência ao ser contratado para lecionar fagote, saxofone e música de câmara
nos Seminários Livres de Música da Universidade Federal da Bahia. Em 1962 criou o
Curso de Pintura Experimental no Instituto Cultural Brasil/Alemanha. Neste
curso o Antônio Lobo era um dos alunos e quando Adam Firnekaes morreu em
8/9/1966 foi substituído pelo paranaense Lênio Braga e, posteriormente por
Carlos Augusto Bandeira. “O curso do mestre Adam Firnekaes não visava formar pintores,
sim apreciadores da arte. Ele ensinava as várias técnicas desde a colagem à
pintura a óleo, acrílica e outras técnicas, sempre com muita teoria.” Disse que
Carlos Augusto Bandeira “foi o maior desenhista que conheci. Íamos estudar num
ateliê que ele tinha na Barra durante a noite. Eu sempre ia com Itamar
Espinheira e mostra um quadro a óleo que pintou de um retrato da colega Ana Maria Vilar , e disse que
o Bandeira deu algumas pinceladas na tela durante uma aula. Era também amigo de
Floriano Teixeira que veio algumas vezes em seu apartamento no Rio Vermelho e
ele o visitava. “Depois que ele morreu ofereci em solidariedade à sua esposa um
quadro que Floriano tinha me dado para que ela pudesse vender”. Não
estudou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, mas era um
assíduo frequentador de cursos livres no Instituto Cultural Brasil -Alemanha -
ICBA, hoje chamado de
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Gravura em metal que fez nas Oficinas do MAMB. |
Instituto Goethe, das oficinas do Museu de Arte Moderna
da Bahia, e relembra que fazia um curso de gravura em metal c0m o artista
Antonello L'Abbate ministrando as aulas, “mas infelizmente os novos dirigentes do
museu à época acabaram com o curso”. Recentemente participou de um curso com a
ceramista Irene Omuro que tem seu ateliê no Litoral Norte. Ao falar do curso de
ceramista me exibiu uma bela peça de cerâmica azul esmaltada que fez durante as
aulas do curso.
Relembrou que
seu interesse pela arte foi desde cedo, mas se consolidou durante uma amizade
que fez com um engenheiro alemão chamado Max Bartl , que veio
para a Bahia representando a empresa Siemens e eram vizinhos de apartamento no
bairro da Graça onde moravam. Desta amizade passou a apreciar as esculturas e
pinturas que o Hans fazia, e assim iniciou a pintar seus primeiros quadros.
Perdeu o contato com Hans, mas daí em diante sempre procurou novas maneiras de
aperfeiçoar seus desenhos e pinturas e para isto frequentou vários cursos
livres. Nos últimos anos abraçou a aquarela porque as tintas a óleo não lhes
faziam bem e a aquarela é mais tranquila, além de ser fácil de guardar. Ele
gosta de aquarelar usando como suportes papeis com 600 e até 700 gramas “porque
suportam mais a água, quando queremos clarear um céu ou o mar.” Joga xadrez e é apreciador de um bom vinho e de ouvir música clássica. Uma
reportagem antiga conta suas façanhas como xadrezista que numa simultânea em
Salvador com trinta tabuleiros o famoso jogador internacional o gaúcho
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Aquarela do Convento do Desterro,em Salvador. |
Henrique
Costa Mecking, conhecido mestre do xadrez por Mequinho, conseguiu 26 vitórias,
e quatro empates, um deles foi com o Lobo. Logo depois o Clube de Xadrez da
Bahia promoveu outra simultânea desta vez com o jogador Alexandru Sorin Segal nascido em Bucareste, em 4 de outubro de 1947 e faleceu em 6 de janeiro de 2015. Foi um economista e enxadrista judeu-romeno naturalizado brasileiro e campeão de enxadrismo em 1974 e 1978. Segal veio jogar uma simultânea em Salvador e
novamente Lobo conseguiu empatar. Viúvo de d. Ruth Lobo e pai de três filhos
continua com sua disposição de aprender coisas novas. Como somos geminianos do
segundo decanato disse brincando “nós geminianos sempre queremos aprender
mais”. Foi ai que lembrei daquela famosa frase atribuída a Sócrates: “Só sei
que nada sei”. Dizem os estudiosos da Filosofia que “a popular frase só sei que
nada sei ou Sei uma coisa: que eu nada sei, por vezes
compreendida como um paradoxo socrático, é um dizer muito conhecido,
derivado da narrativa de Platão sobre o filósofo Sócrates. No entanto, a frase não é mencionada em nenhum
texto grego antigo que nos tenha sido
legado.
PROPAGANDISTA /VIAJANTE
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Casa na zona rural, aquarela. |
Durante algumas décadas o Antônio Lobo de Souza
exerceu a profissão de propagandista ou viajante comercial que era o
profissional que desbravava o país no final do século XVIII e início do século XIX para vender
produtos diversos nos quatro rincões deste Brasil. O transporte coletivo quase
não existia, e os poucos carros que existiam não viajavam muito para interior
devido a precariedade das estradas que eram carroçáveis. Muitas vezes os
viajantes faziam longos percursos de trens e em lombo de burros. Relembrou
Antônio Lobo de uma dessas viagens que fez da cidade de Ipiaú até Poções por
volta de 1948. “A distância era de quarenta léguas, nos informou o arreeiro a
mim e dois colegas viajantes de outras empresas. Alugamos os seus serviços e
ele trouxe os animais para a viagem, inclusive um de reserva e ainda outro para carregar a bagagem. Percorremos parte do Vale do rio Gongogi até chegar a
Poções onde fomos vender as mercadorias. Eu trabalhava com remédios, e
geralmente nestes locais tinha um bazar ou armazém que vendia todo tipo de produto”.
O arreeiro que ele fala era uma espécie de tropeiro condutor de animais. Alguns
levavam produtos das cidades maiores para os rincões deste país e
comercializavam ou serviam de transporte alugando seus serviços.
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Aquarela de uma rua da cidade de Palmeiras, Bahia. |
Ele lembrou ainda que certa vez foram para uma
localidade que tinha um bazar com o nome de Ponto Chique. Fui pesquisar e
encontrei um distrito com este nome no município de Iguaí, na Bahia, não soube
precisar se foi este. Mas, a história é que eles foram para este bazar que
vendia de tudo e depois de fazer as vendas o proprietário colocou na mesa um
litro de cachaça e apareceu um soldado e ficaram ali bebendo. Depois foram para
a pensão que tinha acomodações para os viajantes, o arreeiro e um local para
soltar os animais. Noutra viagem que
relembrou foi para o município de Palmeira. Desta vez foram de carro e se hospedaram
na pensão de d. Olga que lhes ofereceu pequenas porções de farofa de carne de
porco quando eles partiram no dia seguinte. Durante o trajeto o carro quebrou
na estrada e foi a farofa que os salvou da fome até chegar socorro. Disse que
nunca foi assaltado e não soube que algum colega que tenha sido. Eram outros
tempos...
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Acrílica sobre tela Praia de Guaimbim,Valença, Bahia,premiada pelo concurso Banco Real. |
Morou numa república em Ilhéus e um dos colegas
era o jovem Milton Santos, que depois ficou conhecido como um importante geógrafo.
Na época o intelectual baiano escrevia uma coluna para o jornal A Tarde chamada
de Coluna do Sul, e rindo ele disse que o Milton usava uma tesoura e goma
arábica. Ilhéus recebia os jornais do sul do país naquela época bem mais rápido
que Salvador, e assim ele recortava o que lhe interessava e encaminhava para o jornal.
Lembra que também escrevia sobre a região, e da crise de 1952/1953 quando o
preço do cacau despencou e provocou uma imensa crise. As histórias são muitas,
mas precisamos voltar a falar de sua arte. Lembrou também que ele e seus
colegas da república em Ilhéus frequentaram muito o Bataclan que ficou famoso devido
o livro de Jorge Amado e a novela Gabriela interpretada pela atriz Sônia Braga.
AQUARELAS
Posso dizer sem medo de errar que Antônio Lobo
é um dos melhores aquarelistas
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Exposição no centro Caballeros de Santiago com apresentação de Floriano Teixeira. |
que nós temos hoje não apenas na Bahia como
também no Brasil. Esta técnica consiste em dissolver os pigmentos em água e
aplicar no papel de preferência com uma gramatura alta de 300 a 700 gr. Quanto
mais o papel for grosso, ou seja, tenha uma gramatura maior, é melhor para aquarelar.
Esta técnica surgiu há mais de dois mil anos na China e na Idade Média em Veneza, Tadeo Gaddi, discípulo de Giotto produziu muitas aquarelas. Mas quem introduziu
a aquarela na história da arte ocidental foi Albrecht Dürer que deixou cento e
vinte aquarelas hoje de valor inestimável.Aqui nós temos o Antônio Lobo que tem produzido
muitas aquarelas de qualidade e já vendeu várias delas para o exterior e mesmo
para outros estados brasileiros. A aquarela tem outra vantagem que os preços
normalmente são mais acessíveis que uma tela a óleo ou de acrílica. O nosso
aquarelista parte muitas vezes do desenho de uma paisagem ou de um ponto
qualquer que ele fotografa e depois calmamente em seu ateliê vai construir a
sua aquarela quase sempre em cores suaves. As aquarelas de Lobo trazem um
lirismo, uma leveza e as formas vão sendo definidas com as tintas avançando
lentamente no branco do papel. Enquanto isto, ele vai ouvindo uma música de
Bach e as tintas vão sendo conduzidas com o pincel misturadas com água para dar
a transparência necessária à sua composição artística.
APOIO IMPORTANTE
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Recebendo o prêmio das mãos de José Torres de Brito. |
Foi fundamental para sua carreira de pintor o
apoio que recebeu da Nestlé onde trabalhou muitos anos no setor de remédios.
Disse que houve um congresso da companhia e ele emprestou uma tela para
ornamentar o local do evento e que o presidente Jean Pierre Brulhart gostou e
comprou o quadro. Quando vinha a Bahia sempre tinha encontros com Jorge Amado e
Carybé e gostava de visitar outros artistas. “Eu sempre o acompanhava nestas
visitas. Ele gostava tanto de arte que abriu uma galeria em São Paulo para que os
funcionários da empresa mostrassem sua arte. Promoveu uma exposição de meus
quadros e até as molduras, catálogo, tudo foi financiado pela empresa e ainda comprou
oito quatros meus para presentear a parentes e amigos que moravam na Suíça.
Isto aconteceu na década de 80 e lembro que no coquetel foram servidos champanhes
franceses. No III Salão Nestlé de Artes Visuais realizado em 1966, em São
Paulo, recebeu o primeiro prêmio com a obra “Praça Colonial” e teve entre os jurados o famoso pintor Aldo Bonadei. Também participou de um concurso nacional
promovido pelo Banco Real chamado 1º Prêmio Banco Real de Talentos da
Maturidade e neste evento ele arrebatou o primeiro prêmio no segmento de Artes
Plásticas quando recebeu u e ainda passagens para participar da abertura
da mostra no sul do país. Este certame constava de cinco categorias Programas
Exemplares, Artes Plásticas, Música, Monografia e Literatura.
Excelente Reynivaldo. Sempre admirei as aquarelas de Antônio Lobo. Impecáveis e lindas
ResponderExcluirUma grande história de um mercador, que absorveu paisagens e a gama de luzes pelos caminhos, transpondo para suas aquarelas... é uma honra tê-lo aqui!
ResponderExcluirQue prazer imenso saber notícias do querido artista Lobo. Outro dia perguntei a alguém sobre ele, nas não obtive respostas. Quando da época da Galeria Abaporu vendia suas belas aquarelas, que possuo várias dela por ele presenteadas. Adoro aquelas das mesas e bancos nas praias. Vou fotografar as que tenho e postar. Gostaria de encontrá-lo, ele ainda mora no mesmo apartamento do quase Rio Vermelho? Excelente texto, Reynivaldo, e viva Lobo!!
ResponderExcluirO Professor Reynivaldo nos presenteia com um texto admirável sobre uma pessoa admirável! Antônio Lobo dá lição de como viver com dinamismo, sabedoria e felicidade. E, o que é ainda melhor, não vê a idade como barreira para novas conquistas. Parabéns!
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