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A bela e icôníca obra do mestre Miguel Navarro y Cañizares, Alegoria da Lei Áurea,1888. |
A intolerância e a ignorância
aliadas a ideologias carcomidas pelo tempo são ingredientes do revisionismo barato
que agora surge na Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia com
um abaixo-assinado exigindo a retirada da obra grandiosa e histórica chamada Alegoria
da Lei Áurea, datada de 1888, de autoria de um dos fundadores da escola o
professor Miguel Navarro y Cañizares. É uma das obras do rico acervo que possui
a instituição e agora surge alguns revisionistas querendo apagar a história. Os autores do abaixo-assinado revisionista
descrevem ao seu modo a obra assim: “Diante da imagem, vemos ao centro, sobre
um altar, a família real portuguesa, cujos entes são apresentados em corpos
humanos e em bustos, todos coroados com ramos floridos por anjos cristãos e
observados do ponto mais alto por um homem branco e idoso, alegoria comum do
deus cristão-ocidental. Levantando-se à frente do trono, a figura da Princesa Isabel
equilibra uma enorme cruz em sua mão direita onde estão gravadas as palavras “A
Redempção/Deus Caridade”. Na mão esquerda segura um livro aberto sobre o peito,
do mesmo lado está Dom Pedro de Alcântara, seguido pelo marido da futura
imperatriz, o Conde D’Eu e, entre eles, veem-se os bustos, respectivamente de
Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina. Ao longo das escadas que seguem abaixo da
família real, estão distribuídos abolicionistas à esquerda e militares à
direita, todos brancos (acompanhados de Luiz Gama) e reivindicando seus louros
por suposto envolvimento no episódio. Os olhares, incluindo da família real,
voltam-se para a altura do horizonte, principalmente para o exterior da tela, desviando-se
das figuras ajoelhadas e de costas, desprovidas de identidade, sendo as únicas
a expressar emoção com gestos. Posicionando-se aos pés da Princesa Isabel, em
gesto de gratidão efusiva, estão três mulheres negras, uma das mulheres pretas
segura um bebê preto, todas com vestes que as distinguem da nobreza ali
representada. À esquerda, a outra mulher preta segura em uma das mãos um ramo
de Palmeira, alegoria cristã que simboliza o triunfo dos mártires – ou do
espírito sobre a carne -, enquanto do outro lado, a criança brinca com as
flores presentes sob os pés da monarca, simbolizando o futuro.”
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Miguel Navarro Y Cañizares |
O abaixo-assinado revisionista
diz que o professor Miguel Cañizares era “afeito à pintura de história com
alegorias abolicionistas.” Diz ainda que a obra causa “diariamente espanto,
desconforto e violência entre os alunes brancas (os) e, sobretudo, negres da
Escola de Belas Artes nos cursos de graduação e pós-graduação. Exige a retirada desta obra histórica de
1888, retratação pública e mudança do nome da Galeria Cañizares para Galeria Yêdamaria. O professor Miguel Navarro Y Cañizares era natural de Valência, na Espanha, onde nasceu em 1840, e viveu aqui, e no Rio de Janeiro onde veio a falecer com setenta e dois anos de idade em 23 de outubro de 1913. Quanto a Yêdamaria era uma boa artista, inclusive tenho duas obras de sua autoria, uma tela em acrílica, natureza morta, e outra em papel, autografadas por ela. Sempre divulguei o seu trabalho e muitas vezes conversamos sobre o problema do preconceito que ela achava que era vítima. Todos nós devemos abominar a mancha da escravidão e qualquer preconceito de raça, religião e opção sexual. O que não podemos admitir é a imposição que alguns radicais querem nos empurrar goela abaixo. Antes de tudo temos que respeitar todo ser humano, tratar com dignidade, e se possível com amizade ou amor.
Está claro que este abaixo-assinado é uma manifestação
sem sentido, revisionista e que não tem sustentação a não ser nas cabeças de
pessoas que trazem consigo o ressentimento e o preconceito reverso. Usam de uma
linguagem que querem impor ferindo a Língua Portuguesa e os tratados
internacionais assinados pelo Brasil com Portugal e outros países da Língua
Portuguesa. Deixam de mencionar claramente que o baiano Luiz Gama era negro e
abolicionista, como também a família real, e que um dos motivos da queda da
monarquia foi porque Dom Pedro II era um abolicionista, além de desagradar aos
militares que lutaram na Guerra do Paraguai. A língua é uma das marcas de uma nação e só a metade dos países tem uma língua própria. Dizem os estudiosos que a língua é viva porque vai se modificando e se adequando às novas palavras e isto acontece espontaneamente, e não por imposição de um grupo qualquer.
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Gravura de Jean-Baptiste Debret: O Vendedor de Flores", esta obra também é ofensiva? Pertence a um colecionador brasileiro. A Biblioteca Nacional tem várias gravuras do pintor francês. |
A obra foi feita dentro de um contexto
histórico em 1888, portanto a mais de um século, e que não coaduna com as
alegações pueris deste abaixo-assinado que se traduz como uma manifestação de revisionismo
com claras intenções de intolerância religiosa, racial e contra a livre
expressão artística. O artista é livre
para criar. Passados tantos anos assim
devia pensar o professor Cañizares ao criar várias obras, muitas das quais de
grande valor iconográfico. Daqui uns dias vão querer acabar com todos os museus
que têm nos seus acervos obras com homens brancos, deuses e monarcas. É a estupidez
se manifestando numa academia onde deveria fluir o debate honesto e livre.
Vejamos o que está acontecendo na França onde casas de judeus estão sendo
marcadas com a estrela de Davi para serem alvo de violência por pessoas radicais
que praticam outras religiões. O que estes que assinaram o tal manifesto
deveriam fazer é desenhar e pintar uma obra dentro dos critérios que defendem para
que seja apreciada através do tempo como é a obra do mestre Cañizares.
Sou um defensor das liberdades de expressão. Sofri quando jovem defendendo as liberdades individuais durante a ditadura militar e agora contínuo defendendo-as. Não consigo entender como alunos de graduação e pós-graduação de uma Escola de Belas Artes defendam a retirada de uma obra icônica e histórica porque não combina com suas ideias. Estranho que os professores da Escola de Belas Artes não se manifestaram até agora contra esta ideia absurda e preconceituosa. Os que hoje defendem a censura nas redes sociais, censura da imprensa, e até no Parlamento, um dia serão tragados por esta hidra de Lerna que vai crescendo e num futuro próximo pegará a todos, independente da ideologia que defendem. É preciso mais critério nos cursos de pós-graduação para as universidades brasileiras não se transformem em fabriquetas de mestres e doutores. Tenho visto trabalhos ditos acadêmicos produzidos em cursos de mestrado e de doutorado que envergonham qualquer pessoa minimamente informada e que tenha valores civilizados. Concluindo, vamos apreciar e defender as obras do mestre Miguel Navarro y Cañizares e de todos os artistas para que continuem criando livremente em nosso país. Caberá ao público gostar ou não. Caso alguém não goste é só deixar a obra em paz para que outro aprecie ou mesmo a despreze. É assim que funciona as democracias modernas.
Viva a liberdade de expressão!
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