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sábado, 3 de junho de 2023

WASGHINTON ARLÉO UM SONHADOR CRIATIVO

Washington Arléo em seu ateliê no Pelourinho. Fiz esta 
foto em 2022  na rua onde também ficam outros artistas
.
Quando converso com o artista Washington  Arléo tenho a sensação de estar diante de um desses seres especiais com seu jeito próprio de encarar a vida e com qualidades e sentimentos únicos que necessitam um olhar atento para entender. Tem consciência que aproveitou bem a vida e até mesmo ultrapassou alguns limites, e por isto se conforma com a maneira que hoje está vivendo. É defensor de uma ideia de que o artista autoral, aquele que vive exclusivamente da sua arte, é um agente divulgador natural da cultura do local onde vive e como tal deveria ter algum incentivo governamental para garantir a sua sobrevivência com dignidade. É uma ideia que tem seus pontos positivos e negativos, mas que poderia ser alvo de discussão se vivêssemos num ambiente civilizado. Acontece que neste momento não vejo ambiente propício para prosperar sua ideia porque o foco está nos artistas consagrados no campo da música, do cinema e do teatro apoiadores do Sistema. Os artistas que vivem no Centro Histórico de Salvador realmente mereciam um apoio das Secretarias de Cultura do Estado, do Município e até do Ministério da Cultura, mas acontece que a destinação de verbas tem um elemento ideológico embutido e não cultural .

Obra em homenagem ao artista  Mário Cravo Jr.
Lembro quando da restauração do Pelourinho a ideia vigente era de apoiar os artistas, inclusive
foram concedidos vários espaços nos casarões recuperados para que usassem e pudessem expor suas obras. Os artistas da época Carlos Bastos, Sante Scaldaferri, Caribé  e muitos outros tiveram seus espaços e permaneceram por alguns anos. Depois com o abandono a que foi relegado o Centro Histórico eles foram aos poucos saindo porque ficou inviável sua permanência. Mas, ali ficaram e vivem vários artistas naifs e mesmo figurativos que fazem suas obras no intuito de serem vistas e adquiridas pelos visitantes. Muitas dessas  obras são comercializadas como se fossem souvenirs de viagem a um país exótico. Sei que enfrentam muitas dificuldades de sobrevivência, apesar dos bons talentos que existem por lá. Outros artistas entre eles Washington Arléo, Manelaw Sete, Deda têm obras e públicos diferenciados. Arléo veio depois da primeira leva dos artistas consagrados, e ali se estabeleceu por onze anos. Recentemente resolveu arriscar o competitivo mercado paulista, porém ainda não sabe se permanecerá algum tempo por lá. 

                                                            QUEM É

A Exposição Erotika, em Gondomar , Portugal.
Washington Luiz Reis Arléo nasceu em Ituberá, na Bahia, em 29 de julho de 1954 e ainda criança foi morar em Vitória da Conquista onde seu pai trabalhava como exator federal, e em seguida vieram para Salvador, passando a morar no bairro de Itapuã.  Em 1964 durante o regime militar seu pai foi preso e ficou encarcerado no quartel do Exército do 19 BC, que até hoje funciona no bairro do Cabula, em Salvador. É filho de Miguel Jiaconde Arléo e Iná Reis Arléo, e tem três irmãos. Fez seu curso primário e ginasial em Salvador, Bahia,  nos Colégio Lomanto Junior, no Colégio da Bahia e no Teixeira de Freitas. Quando seus pais vieram morar no bairro da Barra, em Salvador, aí teve uma vida de boemia e praia sem se preocupar com os estudos. Só em 1979 decidiu fazer vestibular para a Escola de Belas Artes, da UFBA, mas não concluiu o curso. Ficou muitos anos frequentando a EBA, participando do movimento estudantil e de outras atividades. Mesmo assim não frequentava com regularidade as aulas. “Curti muito a vida. A EBA foi um nascedouro de viver”, confessa Arléo com a tranquilidade com que expressa sua vivência e seus sentimentos. Diz não ter arrependimento de nada do que fez durante este período de sua vida e reconhece que as dificuldades que hoje enfrenta são consequências do seu viver com total falta de compromisso com as formalidades da sociedade organizada.

Na Escola de Belas Artes seu interesse foi o desenho e a pintura. Diz que sempre gostou de desenhar e esta sua permanência na EBA lhe rendeu um inquérito administrativo por colocar cola em todos os cadeados nos portões  que dão acesso à instituição. Isto ocorreu no dia em que seriam realizadas as provas do Vestibular, que deveriam começar as sete horas da manhã, e por causa deste incidente só foram iniciadas  por volta das dez horas. Tomou esta atitude drástica em protesto contra o sumiço de várias obras do acervo da Escola de Belas Artes, as quais nunca mais apareceram. Lembra que dessas obras surrupiadas apenas uma foi identificada num leilão promovido por uma galeria de arte, que funcionava no bairro do Rio Vermelho, e que ele procurou o reitor Macedo Costa que acionou a procuradoria da universidade e tomou de volta a obra de autoria de Alberto Valença. Devido as suas atitudes disse que ganhou muitos inimigos no ambiente acadêmico e artístico. Conheceu uma jovem pedagoga com quem casou e teve duas filhas, hoje adultas, que lhe deram alguns netos.

 Arléo no ateliê com algumas obras de sua autoria.
Foi diretor da Galeria do Solar do Ferrão, no Centro Histórico de Salvador, onde organizou uma mostra misturando várias linguagens com obras de artistas modernos consagrados como Carlos Bastos, Sante Scaldaferri, Fernando Coelho, Calasans Neto  e outros com trabalhos dos artistas naifs ou primitivos, Totonho, Irineu Alves  (falecido), Gil Abelha, Ubiraci Tibiriçá que residem na área. Foi muito visitada na época. Quando foi presidente da Associação dos Artistas Plásticos Modernos da Bahia  diz que defendeu juntamente com Manoel Lourenço e conseguiram na gestão do então prefeito Antônio Imbassay a regulamentação da lei para preservação das obras de arte instaladas em prédios públicos e privados, e em outros ambientes. Para ele foi por falta de regulamentação desta lei que importantes obras já foram destruídas ou danificadas. Exemplos são os painéis de autoria de Juarez Paraiso nos cines Tupi e Art. I e II. painéis de Lênio Braga e de Carlos Bastos, na Assembleia Legislativa e Banco Econômico.

                                                MOROU EM PORTUGAL

Jovem deficiente visual intereagindo com obra
de Arléo no Museu de Cidade,Salvador,Bahia.
R
esidiu alguns anos em Portugal onde fez exposições, inclusive em outros países europeus. Lá dividia sua moradia com outro pintor baiano Irineu Alves, na Cidade de  Gondomar  . Porém, o Irineu Alves resolveu voltar e foi aí que Arléo decidiu ir morar na cidade do Porto, também em Portugal. Confessa que fez algumas exposições por lá e que sua obra era bem apreciada. Relatou um episódio que ocorreu com ele na Cidade do Porto. Disse que foi procurar um galerista na Rua Miguel Bombarda, onde ficam várias galerias de arte. De pronto o galerista lhe deu um não, insistiu e mostrou alguns trabalhos que trazia enrolados fora dos chassis. O português gostou do que viu e lhe respondeu mais ou menos assim: “Trabalho aqui com doze artistas há muitos anos, e se for colocar um novo todos eles virão contra mim.” Portanto, embora tenha gostado do seu trabalho não posso fazer nada”. Mesmo assim não desistiu. Vendeu um carro que tinha e ficou indo e voltando durante dois anos. Fez uma exposição no Convento Lovato, na Cidade do Porto. Teve um envolvimento amoroso conturbado, porque a mulher era comprometida com uma autoridade portuguesa e as coisas foram se complicando e decidiu retornar para Salvador.

Arléo ,Christina Oiticica e o artista Romero Brito.
Mesmo antes deste episódio sempre retornava para Salvador porque segundo Arléo “aqui é o meu lugar.”  Foi num desses retornos que se estabeleceu no Pelourinho, na rua onde fica a Ordem Terceira de São Francisco, número 9. Declarou durante nossa conversa que nunca buscou ganhar dinheiro para acumular ou enriquecer. “O que busco é atenção, ser compreendido e amado".   Recentemente decidiu ir para São Paulo, se reencontrou com uma filha que mora por lá e com os netos. Aconteceu que ao procurar por suas obras na internet deparou-se com o anúncio de um leilão de várias obras de sua autoria que estavam para serem leiloadas através um leiloeiro oficial. Estas obras foram levadas por uma galerista da Cidade Poços de Caldas, em Minas Gerais. Entrou em contato com a pessoa responsável, mas não houve acordo. As obras estão sendo reproduzidas num formato reduzido o que dificulta a leitura dos textos que Washington Arléo introduz em todas suas obras, e ele não admite esta descaracterização. O jeito foi abrir um Boletim de Ocorrência na 14ª Delegacia de Pinheiros, na Capital paulista, por violação de direito autoral, artigo 184 do Código Penal. O assunto ainda está sob investigação, mas isto o desestimulou a permanecer, em São Paulo, além do clima frio que não suporta. Basta dizer que esta é a quarta vez que tenta se estabelecer em São Paulo e não se acostuma com o frio. Por estas razões está pensando em retornar a Salvador, e não sabe ainda onde vai se estabelecer para continuar sua vida de pintor itinerante.

                                                 DIFERENCIADA

Ateliê do Pelourinho aberto durante a pandemia de Covid 19.
O
artista Washington Arléo falando de sua arte disse que depois de pintar por alguns anos sentiu influência de três grandes pintores Salvador Dalí, de Rauschenberg e Jackson Pollock. O nome completo de Dalí é Salvador Dali i Domènech, nasceu em Figueres, na Espanha, em 11 de maio de 1904 e morreu em 23 de janeiro de 1989. Conhecido como o grande pintor surrealista e por suas estranhas formas de viver e se apresentar. Já Robert Rauschenberg, artista americano, nascido no Texas, em 22 de outubro de 1925 e faleceu na Flórida em 12 de maio de 2008. Era um expressionista abstrato e trabalhava com pop art. Também o americano Paul Jackson Pollock do movimento expressionista se notabilizou pelo seu estilo único de pintar por gotejamento. Nasceu em Cody, Wyoming, nos Estados Unidos, e morreu em 11 de agosto de 1956, em Nova Iorque.

São estes expoentes da arte contemporânea que inspiram Washington Arléo que assim passou a pintar da forma atual introduzindo textos, transferindo imagens e fazendo gotejamento nas suas obras porque sentiu uma necessidade de contar histórias. Os textos podem ser autorais ou mesmo de outras pessoas, quanto ao uso imagens sempre coloca de celebridades, e disse se alguém reclamar ele as retira. Faz a transferência das imagens para suas obras como uma homenagem pelo que essas pessoas representam.

Detalhe de um triptico que expôs no Palacete das Artes ,em 
Salvador, Bahia.
As ferramentas que utiliza para criação de suas obras são diferenciadas porque ele usa a técnica de serigrafia para transferir as imagens que seleciona para suas telas, depois com o uso do solvente potencializa a captação da imagem, e assim o papel onde a imagem estava registrada sai ficando agora na tela. Daí em diante Arléo vai pintando, usa gotejamento, traços aleatórios e escreve textos que lhes tocam diretamente de alguns autores ou mesmo cria uma narrativa própria. Aí chegamos naquele momento em que brota toda a criatividade do artista. São obras únicas que levam o observador a parar, ler e procurar entender a história que o Washington Arléo está contando. Disse que nem sempre consegue esta transferência de imagem com sucesso. “Muitas vezes o transfer potencializa demais ou não potencializa e a imagem não fica boa na tela. Aí tenho que apagar tudo e começar novamente. Tem, portanto, aí um elemento importante que é o acidental.”

                                                EXPOSIÇÕES REALIZADAS

Foto 1. Exposição em Gondomar, Portugal. Foto 2-
Exposição  Arte de Rua.Foto 3 .Exposição em Paris .
Realizou exposições na Europa e nos Estados Unidos e várias individuais e coletivas no Brasil. Projetou e elaborou a cenografia do filme Orquídea Selvagem com Mickey Rourke e Jackeline Bisset cujas filmagens foram realizadas em Salvador e no Rio de Janeiro. Durante quinze anos dedicou-se à cenografia com sua pintura poética-manifesto, como prefere chamar . Ganhou o Prêmio Nacional - Brasil de Cenografia com o filme Telebrás.

Participou da Exposição Cadastro, no Museu de Arte Moderna da Bahia; Exposições diversas no interior do Estado da Bahia ; Três Individuais em Aracaju, em Sergipe; Exposição na NR Galeria de Arte, no Shopping Iguatemi, em Salvador; Galeria Solar do Ferrão, em Salvador; Exposição na Galeria Portal, em São Paulo; Exposição na Câmara de Matosinhos, em Portugal; Exposição no Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaya, em Portugal; Exposição na Galeria K & B, em Roma, na Itália; Exposição É Pra Tocar, no Museu da Cidade, em 1998 - foi a última exposição de destaque antes do fechamento , ato que mostra a insenbilidade do então prefeito de Salvador Antônio Imbassay que optou pelo fim do museu, inclusive não sabemos onde estão a maioria das obras do acervo . Arléo criou obras inspiradas no barroco  com uso de argila, gesso e resina que deram relêvo e assim os cegos puderam interargir. Tem esculturas de grande porte nos municípios de Santa Brígida (Madrinha Dôdo)  e Feira de Santana ( O Vaqueiro) e de médio e pequeno portes em várias coleções nacionais e internacionais.  Falando sobre seu curriculo disse que "é antigo e preguiçoso, porque tem observado que já não se avaliam os artistas por sua trajetória." Discordo desta afirmação, e por isto que tenho feito este trabalho de resgatar e registrar a trajetória dos artistas que já passaram dos sessenta anos de idade porque além da qualidade eles estão construindo um legado importante para as próximas gerações e para a História da Arte na Bahia, e Washington Arléo é um deles.



 

 


27 comentários:

  1. Ana Alice Rebello de Aguiar
    Muito bem amigo ,sempre trazendo conhecimento pra todos .Parabéns !

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  2. Teresinha Nogueira
    Parabéns vc sempre incentiva história belíssimas

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  3. Marcos Morais Brito
    👏👏🏽👏👏👏👏👏🏻

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  4. Berenice Carvalho
    Parabéns!
    Gosto desse seu trabalho de divulgação das obras dos artistas baianos.

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  5. Tereza Gama
    👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  6. Domingos Dantas Brito
    Mais uma história bonita divulgada pelo maior incentivador da cultura do nosso estado.

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  7. Severina Ferreira Severina Ferreira
    Parabéns pelo seu trabalho

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  8. Ivo neto pinturas de interiores das igrejas
    ·
    Belíssimo trabalho parabéns amigo Reynivaldo Brito

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  9. Maria Adelaide Dantas Costa Cruz
    👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  10. Trabalho de alto nível e um resgate histórico esse que o Professor Reynivaldo realiza. Enquanto a tal mídia se preocupa em revelar detalhes da vida de sub-celebridades, Reynivaldo Brito resgata os artistas de Salvador que são talentosos e trabalhadores.

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  11. João Edson
    O artista tem uma alma boêmia e descompromissada dos valores impostos pela sociedade mercantil.

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  12. Domingos Brito
    Mais uma história bonita divulgada pelos maior incentivador da cultura em nosso Estado.

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  13. Marluce Maria Morais Brito
    Oi primo, interessante você estar trazendo esses artistas para o seu blog, muito bom para eles e para nos seus leitores e admiradores do seu trabalho. Lembro dele, quando da minha caminhada na EBA, iniciada em 1978 finalizada em 2001.

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  14. Jorge Nascimento Silva Nascimento
    Rapaz...bela matéria... além de outras semelhantes de sua autoria. Veja que só a introdução, nos diz da fala a que se propõe o Artista, ali naquelas parabéns do Centro Histórico. Lembro que em caminhadas, aquela artéria Reynivaldo Brito , era necessário passar, mostrar aos meus visitantes!!! Cada pequeno atelier, ali, representa ao meu ver, a Bahia, a vida! Bela matéria!! Parabéns Mestre!!!! UP!!!!

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  15. Márcia Cristina Silva Barros
    Que matéria perfeita! Parabéns Mestre Reynivaldo Brito ! Obrigada por sua grande contribuição para a cultura baiana, divulgando esses artistas e suas obras maravilhosas!

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  16. Terezinha Cezar Viana
    PRabens para este artista e a você por ser uma pessoa que se preocupa com os outros

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