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sábado, 8 de novembro de 2025

DAVID GLAT DIVIDIDO ENTRE A FOTOGRAFIA E OS BRINQUEDOS POPULARES

David em seu ambiente entre livros,
fotos, obras de arte e brinquedos
.
Durante décadas o fotógrafo carioca David Glat trilhou pelo caminho da fotografia publicitária, e a partir de 1991 passou também a trabalhar como designer gráfico, tendo realizado mais de cinquenta capas de LPs, CDs e DVDs e a partir de 2003 a se dedicar aos seus trabalhos autorais mais ligados à arte. Começou aos vinte anos de idade a colecionar brinquedos populares do Brasil e hoje tem uma vasta e importante coleção que soma mais de três mil brinquedos  produzidos por artesãos e artistas populares de várias partes do Brasil, principalmente das regiões Norte e Nordeste. Esta prevalência das duas regiões deve-se segundo diz o colecionador porque os brinquedos populares estão diretamente ligados à pobreza , condição econômica de seus usuários e criadores. O brinquedo popular surge inicialmente como uma necessidade de alguém criar um brinquedo para que as suas crianças possam brincar porque os  industrializados eram inacessíveis a esta gente que mora neste Brasil profundo. O primeiro brinquedo que comprou foi numa feira livre na cidade de Taubaté, em São Paulo. Era um carrossel feito de cerâmica, e o barro nem era cozido direito e com a força centrífuga, porque ele girava, e o tempo o carrossel  esfarelou, e não pode ser consertado. Hoje beirando aos oitenta anos de idade ele está catalogando e digitalizando todos os brinquedos, e seu sonho ainda não se realizou que é a criação de um Museu do Brinquedo Popular Brasileiro. Disse estar disposto a cooperar de todas as formas possíveis para que seu sonho se torne realidade e que seus brinquedos possam ser vistos por um maior número de crianças e adultos.  Já fez algumas tentativas, inclusive se dispondo a fazer uma doação desde que todas as peças sejam reunidas num só lugar. Portanto, está aí uma boa oportunidade dos órgãos culturais do Estado ou a Prefeitura Municipal  a assumir este papel importante de criar o Museu do Brinquedo Popular  porque o valor das peças criadas por importantes artesãos e artistas populares de vários recantos deste país são de inestimável valor cultural e artístico. Seria mais uma importante atração turística para nossa Cidade.

 David Glat  mostra Pérolas Imperfeitas. Distorce 
a imagem propositadamente com movimentos e 
velocidade do clic, criando nova imagem artística.

Ele chegou à Bahia em 1976 e lembra que era o tempo da foto perfeita que fazia através de máquinas analógicas com a técnica e  sensibilidade do fotógrafo. Os equipamentos foram ficando cada vez mais sofisticados até chegarem as máquinas digitais possibilitando  fazer fotos em velocidades cada vez maiores. Também surgiram os programas de melhoria das fotos como o Photoshop, e em seguida os celulares com câmeras que vem melhorando de qualidade a cada novo modelo. Hoje muita gente fotografa, mas continua a existir diferenças primordiais entre o profissional e os milhares de amadores que se arvoram a fotógrafos. Voltando ao David Glat ele lembrou que aqui chegando viu que nossa Cidade era uma festa. Quando chegou aqui , lembrou que tinha um restaurante  no lado direito da Rua Carlos Gomes,   que funcionava num sobrado no segundo andar e servia  uma carne de sol maravilhosa. Era o restaurante do Bio, que servia essas comidas pesadas como mocotó, sarapatel, dobradinha, maniçoba, xinxim de bofe ,dentre outras  e tinha uma carne de sol maravilhosa. Sendo um jovem de menor idade pode frequentar as boites XK, que ficava no Corredor da Vitória, o Anjo Azul, na Rua do Cabeça, e a Boite Cloc, na 
David Glat brincando com um Mamulengo da 
coleção  de 3.500 brinquedos populares.
Avenida Contorno, e também participaram de muitas festas populares. Ele veio com um primo e um amigo e ficaram por aqui uns quinze dias. Retornaram ao Rio de Janeiro, e finalmente em 1976 ele resolveu vir definitivamente. . Trabalhou muito em campanhas políticas fotografando os candidatos quer seja nas eleições majoritárias como também em outras campanhas e fez muitas fotos de indústrias, estabelecimentos comerciais, de objetos e pessoas. Já fez exposições de fotografias aqui e em outros estados e também de seus brinquedos populares, inclusive uma no Museu Afro Brasil, em São Paulo, a convite do então diretor da entidade Emanoel Araújo, qual permaneceu durante oito meses, tendo uma visitação expressiva.

                                            TRAJETÓRIA

Foto do Largo do Pelourinho feita analogicamente com  máquina rotativa de 360 º graus alterando a velocidade e fazendo movimentos controlados para
 distorcer  a imagem, resultando em pérolas fotográficas únicas.




David Glat nasceu em vinte e nove de maio de 1946 na cidade do Rio de Janeiro, filho de judeus poloneses que chegaram ao Brasil fugindo do horror da Segunda Guerra Mundial. Seu pai Lejzor Glat era comerciante de tecidos na Rua da Alfândega e sua mãe Faiga Glat, dona de casa. Disse que começou fotografando seus familiares com uma velha máquina que pertencia ao seu pai, e depois vieram os amigos, os vizinhos e terminou entrando para o mercado publicitário porque naquela época remunerava melhor os fotógrafos. “Hoje quem

Mãe Menininha com espelho, esta
foto ficou muita conhecida.
melhor remunera são as fotos de casamentos. Na minha época não eram tão valorizados. Tem umas figuras que hoje tem reconhecimento nacional”, disse David Glat. E continuou , já a fotografia publicitária você consegue fazer vários efeitos no Photoshop. Ninguém mais precisa daquela foto, por exemplo de uma garrafa de cerveja suada. Consegue tudo através de um programa no computador. Por isto que deixei a fotografia de lado, porque não mais compensa.” . Falou do  estúdio que tinha no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, antes de vir para a Bahia. Nunca trabalhou em jornais e revistas. E fez uma revelação interessante. “Cada fotógrafo sente a sua manha. Eu não tinha aquele speed de fotografar um fato,
como um acidente ou coisa que acontecesse repentinamente. Preferia ficar observando, já o fotógrafo de jornal instantaneamente ele aciona o seu equipamento. Depois eu me cobrava poderia ter feito uma foto única. Mas, nunca foi a minha praia. Minhas fotos não são instantâneas, são estudadas, a luz tem que estar dentro da técnica, é a busca da foto perfeita. Para ele "o foto-jornalista consegue estar em dois lugares ao mesmo tempo: na câmera, com sua mente (razão) e no fato com seu instinto e isso não é para qualquer um".

Fiquei no Rio de Janeiro dos vinte e um anos até os trinta trabalhando em fotografia." Sua infância foi no bairro do Estácio, morou também na Tijuca. Seus pais queriam que ele estudasse engenharia. Mas, ele resolveu fazer o curso Clássico ao invés do Científico que era para quem queria estudar engenharia ou medicina, e o clássico para quem escolhesse estudar depois as Ciências Humanas. “Já comecei contrariando meus pais. Estudava no Colégio            Israelita Brasileiro A Liessen Scholem Aleichem,

Exposição Deu a Louca nos Livros, na 22 ª
Bienal do Livro ,em São Paulo, 2012
.
 que era para judeus. Nunca fiz faculdade, mas sempre li muito, e meu interesse era pelas artes “, informou David Glat. Passei depois a fazer fotografias para indústrias metalúrgicas e moveleiras, e um dia me apareceu um cliente que era de uma distribuidora da Petrobras. Lá comecei a fazer trabalhos fotográficos para publicidade porque o pessoal da distribuidora gostou muito das minhas fotos e me recomendou a agência que atendia eles que queria que eu fizesse as fotos. Eram anúncios impressos e começou a atender outras agências, inclusive a fotografar candidatos durante o período eleitoral. Isto foi no início da década de setenta. Ai já fazia algumas viagens pelos interiores do Estados do Rio de Janeiro, Minas e São Paulo, e Espírito Santo e quando viajava sempre procurar conhecer os artesões dos lugares e começou a adquirir brinquedos populares. O curioso é que o David Glat nunca brincou quando crianças com nenhum brinquedo popular. Todos que brincou eram industrializados. "Minha paixão começou pela arte popular, simples, rústicas. Mas, nas viagens conheci os brinquedos populares nas feiras livres e nos mercados do interior e fiquei encantado com o lado criativo e lúdico. Quando vim pra Bahia aí  enlouqueci porque o brinquedo popular é filho direto da pobreza. O menino precisa brincar não tem dinheiro para comprar um brinquedo industrializado e vai o pai e faz o carrinho de lata, bonecas de pano."

Quatro dos 3.500 brinquedos da coleção.
Na Bahia encontrei muitos brinquedos, mas atualmente a Bahia está mais ligada à África. E um estado muito grande e não tem muita ligação cultural com o interior. A cultura que se valoriza hoje aqui é a cultura da África e não a nordestina, do interior. Quem manda na cultura da Bahia é Salvador e o Recôncavo. O interior só é lembrado no São João. Só que o interior não é só isto, tem uma riqueza cultural imensa que é preciso valorizar. Eu viajei muito pelo interior da Bahia e de outros estados nordestinos e pude ver que Pernambuco e Paraíba valorizam muito os artistas populares, e também em Alagoas que aqui na Bahia. Com o passar do tempo minha coleção foi crescendo e foi tomando consciência da sua importância cultural e por isto preciso mostrar cada vez mais a um número maior de pessoas. Aí passei a dedicar meu tempo e meu dinheiro com isto. Ao mesmo tempo  viajava para fotografar principalmente nas campanhas políticas. Devo ter hoje uns três mil e quinhentos brinquedos dos principais artesãos e artistas populares do país, principalmente do Norte e Nordeste, lembrou que em Abaetetuba está localizada no estado do Pará a população do município é de 159.080 habitantes, e tem um polo de brinquedos muito importante."

Exposição dos brinquedos populares de David
Glat no Museu Afro Brasil, em São Paulo.
Lembrou David Glat que fez várias capas de cds e dvds um maior número para a Timbalada juntamente com Ray Vianna e que algumas foram até premiadas aqui e também nacionalmente.  Fez também para Chiclete com Banana, Pimenta Nativa, Netinho dentre outros. Outros artistas passaram a lhe procurar. Até que no ano 2000 acabou o boom do Axé Music e deixou de fazer as capas. Hoje ninguém quer mais cds porque tem tudo nas plataformas. Estão valorizando os LPS, mas a maioria das pessoas está aderindo aos spotify da vida.

Em 2003 ele fez uma exposição de suas fotografias no Teatro Castro Alves , intitulada Soteurbanoramas onde focou no patrimônio histórico e arquitetônico da cidade do Salvador. Entre 2009 e 20010 expôs Pérolas Imperfeitas que percorreu  seis capitais brasileiras,  e a propósito escreveu David Glat “captado por um determinado olhar muito particular é o ponto de partida deste trabalho. Desconstruindo a imagem convencional e institucionalizada deste patrimônio, a proposta foi praticar um exercício barroco por meio de uma linguagem visual contemporânea. Imagens com movimento, opulência das formas, vitalidade, tensão, efeitos ilusionistas, monumentalidade, assimetria, emocional, sensualidade, predomínio da curva, da contracurva e do retorcido, estas são algumas das características mais marcantes do estilo barroco, e também as marcas visuais deste trabalho”. Entre 2009 e 20010 expôs Pérolas Imperfeitas que percorreu  seis capitais brasileiras.


Sanfoneiro cego esmolando na 
escadaria da igreja do Passo.
Em 2012 / 2013 expôs cerca de mil brinquedos no Museu de Arte da Bahia na mostra Brinquedos que Moram nos Sonhos – O Brinquedo Popular Brasileiro, quando Sylvia Athayde era diretora do MAB. Coube ao artista Joãozito fazer toda a cenografia e a curadoria foi do próprio David Glat. Na ocasião ele escreveu para o catálogo que “sou um fotógrafo apaixonado por arte popular, especialmente pelo segmento brinquedos. Desde os meus 20 anos no exercício da profissão, eu viajava bastante pelo interior, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, e aproveitava para pesquisar conhecer os artistas populares das cidadezinhas.... Quando, no início de 2010, Emanoel Araújo esteve em minha casa e conheceu a coleção, ficou encantado e decretou: vou expor a tua coleção no Museu Afro Brasil. Argumentei que a coleção era muito particular, incompleta e exclusivamente constituída por objetos de meu interesse pessoal – só tinha brinquedos de menino. De fato, não tinha casinhas, nem mobília, nem bonecas e nem outros diversos itens que fazem parte do universo infantil feminino. Então ele concluiu: Complete a tua coleção!” Viajei muito e adquiri muitas peças e assim em 2011 foi inaugurada a mostra Brincar com Arte que ficou durante oito meses com grande número de visitantes.

                                                              EXPOSICÕES 

Capa da mostra itinerante onde vemos 
o icônico Forte de São Marcelo
.
INDIVIDUAIS - Em 2003 - Soterurbanoramas, no foyer do Teatro Castro Alves. no Circuito de Arte do V Mercado Cultural. 2007 Foto - instalação "Torta Xadrez Il', na Galeria do Conselho de Cultura do Estado da Bahia, dentro do agosto da Fotografia. 2009 "Pérolas Imperfeitas" no Museu de Arte Moderna da Bahia.

COLETIVAS - Em 1978 a 1984 - "Salão Fotobahia". no foyer do Teatro Castro Alves e no Museu de Arte da Bahia .1986 - "Fotógrafos em 20 Anos" no Núcleo de Arte do Desenbanco. 1994 - "1° Salão de Arte do MAM 1995 e 1996 - "Mostras da Fotografia Contemporânea Baiana" no MAM. 1999 - "450 Motivos Para Amar Salvador" no Instituto Geográfico Bahia. 2006 - "A História da Fotografia na Bahia" no MAM; "13° Salão de Arte do MAM". 2007 - "TCA 40 Anos" no fover do Teatro Castro Alves . 2009 - “Circuito das Artes" no Palacete das Artes Rodin Bahia; “Sensível Contemporâneo". na Escola de Belas Artes da UFBA, na Semana França-Brasil e   "2.234" no Casarão de Santo Antônio Além do Carmo. 

 

sábado, 1 de novembro de 2025

MARCELO SILVA E SUA ARTE ACADÊMICA

Marcelo Silva pintando uma vila espanhola 
no ateliê , bairro da Pituba ,Salvador, 2025. 

O artista visual Marcelo Silva é arquiteto, administrador de empresas,pela Universidade Católica de Salvador -UCSAL,  mestre em Artes pela Escola de Belas Artes e doutor em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, professor de perspectiva, de desenho técnico e geométrico, de Croquis Aplicado à Paisagem Urbana, da Universidade Federal da Bahia, e já ensinou outras disciplinas na FAUFBA. Recentemente se dedicou à curadoria da exposição Arquitetos / Artistas reunindo arquitetos e convidados realizada dentro das instalações da FAUFBA. Enquanto ministra diariamente suas aulas executa paralelamente alguns projetos de arquitetura, desenha e pinta seus quadros com maestria. A perspectiva, a espacialidade, as proporções e as escolhas das cores e dos materiais são feitas com o rigor dos ensinamentos que recebeu diretamente de seu pai o renomado pintor acadêmico Newton Silva, que retratou durante décadas as nossas igrejas barrocas e o casario colonial desta Cidade. Sua arte tem forte influência da arquitetura e ele gosta de pintar o casario e as igrejas coloniais e mesmo as paisagens que hoje se descortinam em sua frente. Porém, tem uma visão muito precisa da perspectiva e da proporcionalidade dos elementos que compõem a sua pintura. Atualmente vem utilizando outros materiais em suas obras como as tintas acrílica e guache, lápis, pincéis atômicos e canetas especiais coloridos misturando técnicas em camadas em seus experimentos.

Obra  Dique do Tororó onde vemos ainda parte 
das arquibancadas da Fonte Nova.
Seu pai foi professor titular da Faculdade de Arquitetura por mais de trinta anos e lhe ensinou e exigiu que pintasse com a visão e os ditames da pintura acadêmica. Ele foi também aluno do professor Juarez Paraíso, um dos artistas contemporâneos reconhecidos da Bahia, na Escola de Belas Artes da UFBA, e que lhe chamou  atenção sobre a necessidade de se afastar do academicismo e da influência de seu pai. Porém, o artista visual Marcelo Silva não conseguiu e continua trilhando o caminho da pintura acadêmica o que não lhe impede de usar novos materiais e trabalhar com técnicas diferentes dando uns toques sutis de modernidade. Confessa que sua maior influência foi seu pai Newton Silva e pelo fato de ser um artista acadêmico passou a fazer algumas cobranças quando Marcelo Silva mostrou interesse pela arte. Enquanto pintava o pai colocava nas alturas as músicas clássicas que mais gostava e tinha preferência pelas peças de Bach, Mozart e Beethoven, e também por algumas óperas. Marcelo Silva disse que gostava de ouvir os clássicos, se acostumou e até hoje gosta da música clássica, mas continua não apreciando as óperas. Fez até agora poucas exposições porque a vida de professor toma muito o seu tempo e ainda tem que atender clientes com pequenos projetos de arquitetura e fazer plantas e laudos de medições imobiliárias.

                                      TRAJETÓRIA

Pintura do artista Marcelo Silva da  Catedral.
Seu nome de batismo é Marcelo Raimundo Pinheiro da Silva, nasceu em trinta e um de dezembro de 1961 na maternidade do Hospital Português. Seu pai Newton Raimundo da Silva e sua mãe d. Clésia Pinheiro da Silva. Todos os irmãos de seu pai e seus filhos têm o primeiro nome, e em seguida o de Raimundo “que foi uma promessa que seus avós paternos fizeram para São Raimundo de Nonato durante problemas de saúde que enfrentaram”, disse Marcelo Silva. “A Igreja e Convento de São Raimundo é uma construção do século XVIII que teve sua pedra fundamental lançada pelo Conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha, em 1755. O altar mor da igreja é em estilo barroco, de grande mérito artístico sacro. Esse padroeiro da Igreja viveu na Espanha, no século XIII, e é o protetor das parturientes e parteiras. Possui dois altares laterais em estilo barroco, um deles dedicado à São Raimundo Nonato, padroeiro da igreja. Localiza-se na Rua São Raimundo, região central da capital baiana, entre a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Avenida Sete de Setembro, e Capela das Relíquias da Beata Lindalva, na rua do Salete. Em 1968 parte da igreja fui demolida para a construção do viaduto da Politeama”. Fonte Wikipedia.

Portada,  óleo sobre tela de rara beleza.
Já o artista Marcelo Silva passou parte de sua infância na Travessa Padre Miguelinho e depois sua família mudou para a Rua Gonçalves Dias, ambas no bairro de Nazaré. Estudou o primário na Escola Santa Rita, que funcionava nas imediações do Campo da Pólvora, a qual não mais existe. Lembra que seus pais naquela época não permitiam que ele e seus irmãos brincassem na rua e que sua infância foi dividida entre a escola, os estudos e a casa onde residiam. Ao prestar o Admissão foi estudar no Colégio Salesiano de Salvador, no Largo de Nazaré, onde permaneceu de 1975 a 1980. Lá estudou o ginasial e fez o Curso Técnico de Desenho Arquitetônico. Na época o Colégio Liceu Salesiano mantinha cursos profissionalizantes de marceneiros, tipógrafos, músicos, eletricistas, desenho arquitetônico dentre outros, e eram chamados de Aprendizes.

Fez vestibular em 1982 para o curso de Administração de Empresas, na Universidade Católica de Salvador, e em 1984 para Arquitetura e Urbanismo, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal da Bahia. Graduou-se em ambos os cursos e em 1993 fez concurso para professor Substituto, e em 1995 para professor Efetivo, ambos na FAUFBA. Fez o mestrado de Artes Plásticas quando defendeu a tese Portadas de Salvador, na Escola de Belas Artes, da UFBA concluindo em 1988. Em 2009 iniciou o doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, concluindo em 2014, enquanto ministrava suas aulas de Perspectiva. Hoje ensina Perspectiva e mais Desenho Técnico e Geométrico, e Croquis aplicado à Paisagem, três disciplinas que disse acrescentou no seu currículo de professor. Faltam dois anos para ser professor Titular e hoje já está na categoria professor Associado IV. Seu pai ensinou por mais de trinta e um anos na mesma faculdade, e ele foi aluno do pai na disciplina Croquis Aplicado à Paisagem Urbana.

                                                             SUA ARTE

Ilustrações  que fez para o livro Bondes 
da Bahia. Técnica aquarela.
Faz questão de dizer que sua maior influência foi seu pai Newton Silva “pelo fato de ser um pintor clássico me passou tudo que aprendeu nos seus estudos e da experiência que vivenciou. Tinha um apreço especial não só pela pintura, mas também pela música. Sempre me passava as informações com muita tranquilidade e sem qualquer pressão. Lembrou que tinha uma coleção de fascículos de Os Pintores, da editora Abril. Ele gostava de apreciar as obras dos impressionistas, mas não gostava dos modernistas.  
“Quando mudamos para Rua Gonçalves Dias, número 12, no fim de linha do bairro de Nazaré, ele montou o seu ateliê na sala da frente que ficava vizinha ao meu quarto. Eu já acordava vendo suas obras ou muitas vezes via ele pintando. Isto penetrou em mim naturalmente e passei a gostar da arte acadêmica que ele fazia. Certo dia me chamou colocou um banquinho para eu sentar, e disse mais ou menos assim: Venha ver que vou lhe passar algumas coisas sobre a pintura”, relembrou emocionado Marcelo Silva. Dias depois comprou um caderno de desenho e lápis de cor e lhe disse “faça o que quiser e depois me mostre”. Ainda era criança e assim desenhou barcos, casas até começou a copiar as figuras dos gibis. Vendo crescer seu interesse pela pintura lhe chamou um dia para acompanhar uma obra que ele ia iniciar. Seu pai costumava pintar nos finais de semana e feriados, e durante a semana dava suas aulas e era engenheiro civil do Departamento de Estradas de Rodagem da Bahia- DERBA.

Obra que Marcelo acompanhou o
 pai pintar e  agora lhe pertence.
A obra de seu pai que Marcelo Silva acompanhou em todas as fases foi pintada a óleo sobre uma placa de Eucatex e mostra três crianças mendigas sendo que duas estão sentadas e uma em pé em frente  a vitrine de uma loja chic onde estavam expostas algumas bonecas . O trabalho foi vendido logo depois de pronto. Conta Marcelo Silva que reclamou de seu pai por ter vendido a obra e ele respondeu: "Marcelo uma obra de um artista é como um filho que a gente tem e se vai. Quem sabe um dia  pode voltar para você." Pareceu uma profecia. Passaram-se os anos e Marcelo Silva estava visitando a Galeria da Barra, de seu amigo Cilinho, enquanto olhava as obras expostas lá estava o quadro das crianças mendigas que seu pai havia pintado!  Com certa dificuldade conseguiu comprar de volta. Inicialmente, Cilinho não queria vende-la dizendo que gostava muito da obra e queria ficar para seu acervo pessoal. Porém, quando Marcelo Silva contou a história que envolvia àquela obra seu amigo Cilinho decidiu então cede-la, e hoje guarda com muito carinho esta lembrança de momentos que viveu na sua juventude junto ao pai.

Quando se formou em arquitetura pintou vinte telas a óleo e mostrou para que seu pai Newton Silva desse uma olhada e verificasse se havia algo que precisava de algum retoque ou conserto. Disse Marcelo Silva que o pai olhou detidamente as obras e depois virou-se em sua direção e falou: "Agora sim, você está preparado para expor. Vou marcar para a gente ia à Panorama Galeria de Arte, que fica na Rua Nelson Gallo, no bairro do Rio Vermelho, e vamos falar com d. Yolanda e Anna Georgina para arranjarmos uma pauta para você expor.” Isto aconteceu no ano de 1990, e assim Marcelo Silva fez a sua primeira exposição individual.

                             ALGUMAS EXPOSIÇÕES

Esta obra será exposta da Exposição 
Visão Contemporânea
.
Em 1990 – Panorama Galeria de Arte, Salvador-BA. 1992 – Exposição Shopping Iguatemi, Salvador-BA. 1993 – Exposição Shopping Barra, Salvador - BA. 1998 – Exposição Portadas de Salvador – Museu de Arte Sacra, Salvador-BA. 2001 – Exposição no Shopping Barra, Salvador-BA; Exposição Newton Silva Impressionista Baiano, Salvador-BA; Exposição Galeria Waldo Robatto, Salvador-BA. 2002 – Exposição Galeria Waldo Robatto, Salvador – BA; Exposição na Galeria Cinelly, Salvador-BA. 2003 -Exposição Galeria Waldo Robatto, Salvador-BA. 2009 – Exposição Arquitetos e Artistas – 50 Anos da FAUFBA – Salvador-BA. 2013 – Exposição na sede do Tribunal de Justiça – Salvador-BA. 2019 -Exposição Arquitetos e Artistas, na sede da FAUFBA, Salvador-BA; Exposição Aquarelas de Bondes e Trechos de Salvador – Salvador-BA; Exposição na Escola Politécnica da UFBA, Salvador-BA. 2025 -Exposição Arquitetos e Artistas – sede da FAUFBA; Exposição Paisagens da Espanha, Clube Espanhol, Salvador-BA e Exposição Visão Contemporânea, Galeria Ernesto Bitencourt, Salvador-BA.

 


quarta-feira, 22 de outubro de 2025

ANDRÉ MORENO E A FORÇA DE SEUS TOTENS AFROS

André Moreno modelando a cabeça de
mais uma escultura de sua autoria.
O arquiteto e escultor André Moreno é o filho mais velho do escultor Tatti Moreno e herdou do pai a habilidade de lidar com o esmeril, a máquina de soldar, compressores, a tesoura que corta grossas chapas de latão, cobre, ferro e outros metais, e principalmente a capacidade de criar esculturas monumentais. Trabalhou durante anos junto ao pai na criação e confecção das icônicas esculturas dos doze orixás que estão no Dique do Tororó, no Cristo Del Pacífico que está em Lima, no Peru, nos orixás que estão no Lago Paranoá, em Brasília, e nas esculturas de sete metros cada no Largo da Gente Sergipana colocados na enseada do Rio Sergipe, em Aracaju, e em outros projetos onde seu pai deixou o seu legado artístico inconfundível. Foi selecionado em 1998 pela Companhia do Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – Conder com o projeto Mar Azul da Bahia de suas esculturas de peixes oceânicos e mamíferos marinhos no estilo hiper-realista em tamanho natural para o Parque Costa Azul, em Salvador. Adiantou que tem uma identificação muito grande com o mar e que esses peixes, sereia e Netuno que estão lá foram moldados inicialmente em argila e posteriormente em fibra de vidro e resina de poliéster. Netuno é o deus romano do mar, irmão de Júpiter e Plutão, filho de Saturno.

O belo monumento Arena da Capoeira de sua 
autoria localizado no cais do Mercado Modelo
.
Atualmente no seu ateliê no bairro do Rio Vermelho ele cria seus projetos, e em seguida vai executá-los na sua oficina localizada em Interlagos, no litoral Norte da Bahia. Sua obra de mais impacto até agora é a Arena da Capoeira que criou e executou, e está localizada próxima ao cais do Mercado Modelo encantando a todos que têm oportunidade de visitá-la. São várias esculturas bem elaboradas  representando os grandes mestres da capoeira baiana, e já se transformou em mais uma atração a ser fotografada pelos turistas que nos visitam. De sua mãe Mimi Fonseca confessa que herdou “a sensibilidade, o perfeccionismo, o dom do desenho, a percepção espacial e a pintura”. Na verdade, o André Moreno cresceu vendo seu pai manipular as chapas de metal e criar suas formas escultóricas e sua mãe nas folhas dos cadernos de desenho e nas telas. Esta convivência com a arte penetrou como por osmose no seu corpo, e já ainda criança passou a esboçar e fazer pequenas esculturas para brincar. Porém, seus pais tentaram encaminhá-lo para que fosse estudar e se transformar num executivo de sucesso. Foi prestar vestibular para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal da Bahia, sendo aprovado e graduou-se. Estagiou com os famosos arquitetos baianos
As esculturas de peixes oceânicos que estão
no Parque Costa Azul, em Salvador.
André Sá e Francisco Mota. Em seguida chegou a montar seu escritório de arquitetura em sociedade com um colega e que funcionou durante alguns anos trabalhando também em Decoração e Design de interiores.  Mas, a arte escultórica foi mais forte e o trouxe de volta para o ateliê de seu pai. O aprendizado da faculdade de arquitetura de desenho geométrico e técnico, da perspectiva e da espacialidade foram muito importantes e contribuem com a criação das esculturas monumentais. Foi assim que surgiram as soluções de criar formas que se encaixavam tornando mais fácil o transporte e posterior montagem no local onde iriam permanecer as esculturas de seu pai, e posteriormente das de sua autoria. 
O André Moreno desenha e esculpe totens de cerca de dois metros de altura que vêm se tornando uma marca da sua produção artística utilizando como materiais para a confecção fibras, resinas sintéticas e também chapas de metal. São peças que encantam os que têm oportunidade de ver e estão sendo bem aceitas no mercado de arte. Recentemente recebeu uma encomenda de uma fundação privada  americana para criar três totens os quais serão enviados para Nova Iorque. Os totens de sua autoria estão em vários empreendimentos imobiliários de alto nível em nossa Cidade. Também em seu ateliê os amantes da arte encontram peças menores como de vários orixás, da santa Irmã Dulce, de capoeiristas e os totens.

                                                          SUA CAMINHADA

André Moreno ao lado do seu querido pai o
escultor Tatti Moreno, que deixou um legado
importante para a História da Arte baiana.
O baiano André da Fonseca Moreno nasceu em Salvador em trinta de setembro de 1966 é filho de Otávio de Castro Moreno Filho e d. Emília Augusta da Fonseca Moreno. O casal teve três filhos, sendo o André que é primogênito é arquiteto, escultor e design . Seu irmão Gustavo Moreno também é escultor e artista plástico, e trabalha com pintura contemporânea. Já sua irmã   Paula Moreno é atriz,  atua na área do teatro, cinema e televisão e projetos culturais. Portanto somos uma família que viveu e vive exclusivamente de fazer  arte. Inicialmente a família morava no bairro da bairro da Graça,  Rua Nova Monteiro, na casa do seu avô paterno, e estudou parte do primário na escola Pequenópolis, na Graça, depois foi para a Escola Girassol, no bairro da Pituba. O curso ginasial estudou no Instituto Social da Bahia, no bairro de Ondina. Depois foi fazer o colegial no Colégio Alfred Nobel, no bairro do Itaigara, e o terceiro ano concluiu no Colégio Anchieta. Revelou que desde os quinze anos de idade passou a trabalhar efetivamente com seu pai, e que além de sua mãe chamada carinhosamente de Mimi, a sua avó paterna Helena eram grandes incentivadoras do seu pai e dele também. Sabemos que existe uma cobrança aos filhos de escritores, artistas e empresários ou de qualquer outra profissão onde o pai ou a mãe obtém sucesso e fama. André Moreno com seu jeito tranquilo responde que sempre procurou ficar nos bastidores ajudando e trabalhando com seu pai, “mas a cobrança sempre veio, naturalmente. Filho de...” disse que nunca se preocupou com isto e que tem imenso orgulho de ser filho de Tatti Moreno. E adiantou: “Eu não 
Totem imponente criado pelo
escultor André Moreno com
suas formas geométricas .
escolhi ser artista. Nasci e cresci no meio artístico e acabei assumindo este dom que veio de minha mãe e de meu pai. Estudar arquitetura foi muito importante para mim porque passei a fazer meus próprios projetos. A linha dos totens que faço tem uma presença da arquitetura. Os totens foram inclusive uma provocação de meu pai que falou: “Filho seria bom para você criar algo seu, por exemplo uns totens verticalizados .” Foi aí que André Moreno passou a estudar, pesquisar e em seguida desenhar os totens afros com a presença das formas geométricas que hoje é uma marca forte da sua arte escultórica. 

 Chegou a fazer o vestibular para Engenharia Elétrica na universidade Federal da Bahia em 1985, mas não obteve aprovação, e preparou-se, e em 1987 prestou vestibular para o curso de Arquitetura e Urbanismo, também na UFBA, obtendo aprovação, cursou e graduou-se em 1995. Enquanto estudava estagiou no escritório do arquitetos André Sá e Francisco Mota responsáveis por importantes projetos de grande porte como alguns shoppings centers da Bahia e em outros estados, onde permaneceu de 1990 a 1993, e quando saiu foi trabalhar no escritório de arquitetura com seu colega de profissão Heron Valladares Batista. Criaram e executaram vários projetos arquitetônicos e urbanísticos, logo depois criou seu próprio escritório. Também trabalhou de 2003 a 2004 juntamente com seu colega arquiteto Milton Nishida Júnior na recuperação e restauro da Igreja da Ajuda e da Casa dos Santos da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, ambas localizadas no Centro Histórico de Salvador. Foram recuperados telhados, pinturas, molduras de forros, peças estruturais, altares, vitrôs, esculturas e peças de arte. Paralelamente André Moreno trabalhou no ateliê do seu pai Tatti Moreno de 1995 até 2007. A partir do ano seguinte montou seu ateliê no bairro do Rio Vermelho onde cria, administra e vai executar os seus projetos maiores no ateliê de Interlagos.

                                                VÔO PRÓPRIO

O escultor André Moreno  busca criar
obras de impacto e é um perfeccionista
sempre procurando fazer o melhor .
 Vem desenvolvendo e fortalecendo sua identidade artística criando esculturas e totens de formas geométricas, de rara beleza e forte impacto visual. O totem é um símbolo emblemático e surgiu nas culturas indígenas no noroeste do Pacífico feitos de madeira e pedra que simbolizam a história, a cultura e o parentesco de um grupo. São representados por um animal como lobos, águias e ursos, e também por figuras humanas e até sobrenaturais. Os totens criados por André Moreno são ligados ao candomblé e representam as armas e outros adereços dos Orixás.

O artista André Moreno trabalhou com seu pai e outros artistas nas equipes das decorações dos carnavais de Salvador   dos anos 1990,1991,1993,1995,1998 e em 1999. Fez ainda os cursos de pós graduação de Materiais de Construção e Acabamento, na UFBA. Estudou em 1997 modelagem e escultura em São Paulo, desenvolvendo alguns trabalhos com o escultor paulista Israel Kislansky. De 2001 a 2002 viajou para a Inglaterra onde fez o curso durante seis meses de Especialização em Interior Decoration and Design, na Chelsea School of Art na Design, em Londres, e estudou inglês no Colchester Institutte, em Essex. Em 2003 fez um curso de computação gráfica com o professor da Faculdade de Arquitetura Claudio Cazé , da Universidade Federal da Bahia.  Já participou de algumas exposições entre elas uma dedicada  à Senhora Santana, no Museu de Arte da Bahia. Com toda esta experiência e conhecimentos adquiridos o artista André Moreno tem criado e executado suas próprias esculturas mostrando sua capacidade criativa demonstrando que está preparado para novos voos próprios em busca de cada vez mais do sucesso merecido. 

sábado, 18 de outubro de 2025

ANDERSON SANTOS MISTURA PINTURA TRADICIONAL COM ELEMENTOS DIGITAIS

O artista Anderson Santos pintando
em seu ateliê de Milão, na Itália.
Foto de Cecília Templenizza.

O artista visual  Anderson Santos é desenhista, pintor e estudioso das mídias digitais. Foi membro do coletivo internacional responsável pela publicação online da revista Boardilla onde fazia a curadoria de arte e promovia exposições de artistas de vários países. Atualmente é diretor artístico da Ripensarte, e também participa da Magazinno, ambas publicações digitais. Está sempre procurando novas ferramentas nas mídias digitais para integrar com a pintura tradicional feita a óleo sobre tela ou outro suporte escolhido. Este encontro do contemporâneo com o tradicional lhe proporciona uma produção diferenciada extrapolando o figurativo com a utilização de camadas de recursos digitais, e quando decide que era aquilo que procurava parte para pintar na tela. É exigente, organizado, e focado no que vai realizar. Inicialmente produzia uma arte que lembrava a do pintor irlandês Francis Bacon conhecido por suas imagens cruas, dilaceradas e perturbadoras. Porém, hoje embora sua obra ainda esteja concentrada no corpo humano, o Anderson Santos apresenta uma pintura que dialoga mais com o real introduzindo também na composição elementos que são encontrados no nosso dia a dia nesta cidade repleta de diversidades. Vejo sua pintura como uma exaltação à vida, uma apresentação de imagens pulsantes de cores fortes, mas que também possuem momentos de nuances de opacidade e sombras. É um exercício de criação de novas imagens que aos mais perceptivos provoca reflexão e inquietação. Sabemos que cada pessoa que olha uma obra de arte faz sua própria leitura dentro das informações que acumulou durante sua existência e também depende da sua sensibilidade. Ao apresentar essas imagens de corpos despidos eles não chocam e também não levam o observador para o caminho do sexismo barato,

"Um tratado tropical 3", óleo
sobre tela , 2024.
ao contrário, os coloca numa posição de respeito e contemplação da beleza da arte feita por Anderson Santos.  Escreveu o artista na apresentação de sua tese de mestrado que “considera o processo criativo como uma atividade que não diz respeito somente à uma obra ou a um conjunto de obras, mas que envolve a vida do artista, feita de caminhos, escolhas e incertezas”. É neste caminhar que o artista vai construindo sua arte incorporando experiências que vão se apresentando e se acumulando com o passar do tempo. E com o seu olhar aguçado da realidade que vivenciou em sua cidade natal e que atualmente  vive na Europa ele vai edificando e sedimentando a sua arte.

A nossa conversa aconteceu no último dia doze através de vídeo já que ele está em Milão  com sua família e divide seu tempo entre Salvador e esta cidade italiana. É casado com a fotógrafa /antropóloga italiana Cecília Tamplenizza, e o casal tem dois filhos. Tem uma forte ligação com Salvador, cidade onde nasceu em vinte e quatro de fevereiro de 1973, sendo um artista negro sua arte não foge de suas raízes, mas não fica presa ao identitarismo, porque ele tem uma visão e reflexão mais abrangente  procurando fazer uma arte contemporânea que aborde os mais variados conteúdos temáticos. Numa entrevista que deu em 2021 a um jornal local afirmou que todo seu imaginário “foi construído daqui a partir da luz do sol da Bahia, como ela incide nos corpos, mas posso dar também como exemplo o grafismo das plantas que coloquei no mural que pintei na fachada do edifício Guarabira, na Avenida Estados Unidos, no Comércio, que me lembram aquelas que minha avó paterna me benzia, ou as histórias que imagino ao pensar na Floresta Negra dos irmãos Grimm”. Agora está escrevendo sua tese de doutorado  que tem o título "Floresta Negra: A Remixibilidade no Encontro da Pintura a Óleo Com o Digital." E cita Lev Manovich que escreveu em 2005 “que o processo transformativo por meio do qual os meios e as informações que organizamos e compartilhamos podem ser recombinados e construídos de modo a criar novas

http://
"Presenza 45", óleo sobre 
 tela, de 2025.
formas, conceitos, ideias, mashups e serviços”. O russo Lev Manovich é crítico de cinema e professor universitário, estabelecido nos Estados Unidos. É pesquisador na área de novas mídias, mídias digitais, design e estudos do software. Nasceu em 1960 na Rússia e foi morar em  Nova Iorque nos anos 1980, onde realizou seus estudos em cinema e computação. Quanto a mashups é uma canção criada de combinações de duas canções preexistentes. Portanto, o Anderson Santos ao colocar o título de sua tese  revela que utiliza o método autobiográfico como parte de sua escolha metodológica para construí-la.
Já a sua tese de mestrado "A Vida Nua Remediações da Pintura e Afrofuturismo na Sociedade do Cansaço", ele investigou "o lugar da pintura em tempo saturado de imagens digitais, algoritmos e próteses tecnológicas da percepção tomando como núcleo a série A Vida Nua que expôs na Galeria Paulo Darzé, a qual foi desenvolvida durante a pandemia. Anderson Santos  pintou sua família, pessoas do seu relacionamento,  e a si próprio, e segundo escreveu "a pintura é abordada aqui não como resistência heróica, mas como insistência mínima, como gesto capaz de convocar presenças em meio à lógica da exaustão e da mercantilização das imagens. "

                                       SUA CAMINHADA

O artista Anderson Santos nasceu no bairro de Nazaré, em Salvador, é filho de José Pereira dos Santos e d. Eunice Silva Santos. Depois sua família morou na Liberdade e em outros bairros da Cidade.  O casal teve três filhos. Estudou no Instituto Central Isaias Alves – ICEIA que na época era um complexo educacional onde o aluno tinha oportunidade de praticar vários tipos de esportes, estudar teatro e dança. Disse Anderson Santos que já encontrou o ICEIA com alguns problemas. Sabemos que o ensino público na Bahia vem sofrendo há décadas com as más gestões que não priorizam a educação, principalmente a básica. Ao concluir o ginásio foi estudar na Escola Eletromecânica da Bahia onde seu pai tinha estudado, e assim quis que ele seguisse uma carreira técnica. O pai é desenhista técnico e já trabalhou em várias empresas importantes na área da construção civil e industrial.

"Um tratado tropical 3", desenho sobre papel
Velata Avario 300g, de 2023.

Lembrou Anderson Santos que quando o pai percebeu seu dom para o desenho lhe presenteou com uma prancheta para que pudesse exercitar sua habilidade de desenhista. Escolheu cursar Mecânica por causa do desenho técnico das engrenagens, e quando foi estagiar não se adaptou. Por não ter uma compleição física capaz de movimentar motores e outros equipamentos pesados decidiu que seria melhor procurar outra profissão, e foi assim que em 1993 resolveu fazer vestibular para a Escola de Belas Artes, da Universidade Federal da Bahia. Quando foi comunicar ao seu pai José Pereira que tinha sido aprovado ele pensou inicialmente que tinha feito o vestibular para arquitetura. A maioria dos pais fica preocupado quando os filhos decidem estudar arte porque entendem ser muito difícil viver de arte neste país. De certa forma eles têm razão é mesmo difícil viver de arte, especialmente no início da carreira, e sempre digo que é bom ter um plano B, que lhes garanta uma sobrevivência digna.

"Sobre a vida 11",óleo e lápis
sobre tela, de 2024.
Quando lhe perguntei o que a Escola de Belas Artes – a EBA o tinha acrescentado como artista e de pronto citou a contribuição das professoras Maria Adair, Célia Mallet e Nanci Novais, e do professor de gravura Francisco Macedo acrescentando "que foram muito  importantes na mina formação". Graduou-se , foi morar em Milão e conta que durante a pandemia em 2021 passou a pintar sua família e a si próprio. 

Desde 2015 quando iniciou sua produção pictórica profissional não mais parou e vem se aprofundando pesquisando e estudando as novas mídias que não cessam de inovar a cada dia. Declarou que “não tenho predileção por uma temática. Tenho pintado pessoas que encontro perto de mim a exemplo dos membros da minha família, amigos e amigas principalmente no período da pandemia”. Prefere pintar nus, e citou uma frase do escritor português José Saramago que no seu livro A Caverna onde o personagem Marçal diz  : Na vida tudo são fardas, o corpo só é civil verdadeiramente quando está despido”. Neste processo de pintar as pessoas do seu relacionamento notou que elas já estavam cansadas de serem usadas como modelos, e ele partiu para usar a Inteligência Artificial. Pega uma imagem de referência, que pode ser uma fotografia que ele fez ou outra imagem escolhida   e vai colocando elementos digitais  até formar a imagem que deseja para em seguida pintar a óleo na tela.

Após exercitar  com o pintor Devarnier Hembadoom a arte da serigrafia Anderson Santos ficou durante seis meses fazendo um trabalho social com crianças do subúrbio de Periperi, em Salvador, na sede do bloco afro Araketu. Declarou que foi uma experiência única e muito prazerosa poder passar informações para essas crianças. Também foi para Barcelona a convite do seu amigo Daniel Freire em 2007 e permaneceu sete meses com o objetivo de se inscrever para fazer um curso sobre paisagens contemporâneas .Mas, teve que retornar à Salvador  para regularizar a documentação e acabou ficando em Salvador. Ao retornar de Barcelona viu uma amiga deitada nua e da janela descortinava a Baía de Todos os Santos. Foi quando teve um estalo e disse “é isto que quero pintar!”
Mural pintado na fachada do Edifício Guarabira ,
na Avenida Estados Unidos, no Comércio, 2021
.

Em 2021 "por causa da pandemia foi com a família morar em Milão de maneira fixa". Porém, participou de edições do projeto Mural que é desenvolvido pela Trevo Produções. O Anderson Santos  tomou conhecimento do projeto  através o Instagram em 2021, em plena pandemia. Resolveu participar da seleção que inclusive remunerava os selecionados para pintar os muros na segunda edição do Projeto. A primeira edição foi nos galpões das Docas da Bahia, e esta segunda edição pela primeira vez nas grandes paredes verticais dos prédios localizados no bairro do Comércio. Ele teve a assistência do artista visual Rodrigo Weill, que tem experiência na arte de rua. Não foi uma experiência nova para Anderson Santos embora  ele já tinha pintado um mural em Milão, na Itália, em 2015, mas num espaço interno de um centro social atendendo a um convite do antropólogo Andrea Staid. Infelizmente o mural foi destruído pouco tempo depois com o fechamento do espaço. O terceiro mural pintado pelo artista foi o da  Rua de Cima, no bairro do Barbalho, em Salvador, em homenagem ao 2 de Julho. O Cortejo da Independência passa por esta rua.
Anderson Santos e seus
filhos pintando o mural
no bairro do Barbalho.
No ano 2024 veio com a família, alugou um imóvel no bairro de Santo Antônio Além do Carmo, no Centro Histórico de Salvador. Disse que sempre morou com a família no bairro do Santo Antônio, passando temporadas em Milão. Era uma casa  vizinha onde mora o artista americano Mark Dayves do clube da Seri. Segundo Anderson Santos ele faz parte do coletivo GIA e tem seu ateliê Candeias, na Rua dos Carvões, no bairro de Santo Antônio. No seu ateliê funciona o Clube da Seri onde ensina serigrafia para crianças, jovens e adultos. Foi quando voltou a trabalhar com serigrafia , e  fez uma série de obras inspiradas nas plantas que marcaram a sua infância. O
 Grupo GIA se apresenta como um grupo sem definição e “é formado por artistas visuais, designers, arte-educadores e  músicos que têm em comum, além da amizade, uma admiração pelas linguagens artísticas contemporâneas e sua pluralidade, mais especificamente àquelas relacionadas à arte e ao espaço público.” Dizem ainda que se inspiram na arte conceitual. 

.  Ao lhe perguntar como as pessoas reagem quando se vêm retratadas em suas telas falou que algumas acham que estão parecendo mais velhas, outras mais bonitas. E algumas não gostam do resultado.” Como estamos na era do digital é preciso que as pessoas  entendam que o artista Anderson Santos  não faz  uma self tratada com filtros quando está pintando. Lembrei de uma das estórias contadas por Ariano Suassuna que disse que o grande mestre francês Henri Matisse fez uma exposição, e ao chegar notou que um senhor estava às gargalhadas olhando uma obra que ele tinha pintado de uma mulher com a barriga azul. Aproximou-se do risonho e perguntou por que o senhor está rindo tanto? Foi então que o homem respondeu da mulher com a barriga azul. Aí Matisse retrucou: Isto não é uma mulher senhor , é um quadro!”.

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

Capa do catálogo virtual da mostra
A Vida Nua,2025 ,na Paulo  Darzé.
Em 2025 – A Vida Nua – Galeria Paulo Darzé – Salvador, Bahia-Brasil. 2023 - Floresta Negra – Galeria Theodoro Braga – Belém, Pará- Brasil. 2020 – Floresta Negra – Galeria Paulo Darzé – Salvador, Bahia-Brasil. 2017 – Rastros – Galeria RV Cultura e Arte – Salvador, Bahia-Brasil.

COLETIVAS

Em 2025 – Quem Viaja Arrisca – Museu de Arte Moderna da Bahia – Salvador, Bahia- Brasil. 2024 – Raízes – Museu da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB) – Salvador, Bahia-Brasil; Projeto Mural 2 de Julho – Salvador, Bahia-Brasil. 2021 – SP-Arte 2021 – Galeria Paulo Darzé – Evento online Projeto Mural – Salvador, Bahia-Brasil. 2020 – Festival Zona Mundi – Galeria Inter-fluxos – Exposição online. 2017 - Pertencentes – Museu de Arte Moderna da Bahia – Salvador, Bahia-Brasil ; Só Cabeças – Museu de Arte Moderna da Bahia – Salvador, Bahia-Brasil. 2015 – ExpoArte Italiana – Varedo- Itália • 2014 – Esposizione Triennale di Arti Visive a Roma – Roma-Itália; Salão Regional de Camaçari – Camaçari, Bahia- Brasil; Circuito das Artes – Museu Rodin – Salvador, Bahia-Brasil;  Catálogo Boardilla – Luiz Fernando Landeiro Arte Contemporânea – Salvador, Bahia-Brasil ; Circuito das Artes: Triangulações – Museu Carlos Costa Pinto – Salvador, Bahia-Brasil; 2013/2014 – A Nova Mão Afro-Brasileira – Museu Afro Brasil – São Pau-brasil; Circuito das Artes: Triangulações – MAMAM – Recife, Pernambuco-Brasil; Circuito das Artes: Triangulações – Museu Nacional da República –Brasília-Brasil • 2012 – Bienal do Recôncavo – Centro Cultural Dannemann – São Félix, Bahia-Brasil; ARTIGO RIO – Centro de Convenções SulAmérica – Rio de Janeiro- Brasil;  Paraconsistentes – ICBA – Salvador, Bahia-Brasil • 2011 – Arte Pará – Museu Histórico do Estado do Pará – Belém, Pará-Brasil – 2º Grande Prêmio • 2010/2011 – Bienal do Recôncavo – Centro Cultural Dannemann – São Félix, Bahia-Brasil.