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sábado, 27 de dezembro de 2025

ROSALVO SANTANA O SANTEIRO DE MARAGOGIPINHO

 Rosalvo Santana esculpindo
 imagem de São José de 1,30cm
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O santeiro Rosalvo  Santana é filho de um oleiro de Maragogipinho conhecido como Mestre Roxinho que passou anos e anos fazendo peças utilitárias de cerâmica. Ele nasceu em vinte e quatro de abril de 1964 e desde criança que esta atividade está presente em sua vida, mas seus pais tentaram desviá-lo para que abraçasse outra atividade mais lucrativa e que lhe garantisse uma sobrevivência tranquila. Foi assim que resolveram colocar para estudar. Fez o primário na Escola Municipal Joana Angélica, o ginásio e o curso de Contabilidade no Colégio Estadual Professor Rocha Pita, em Aratuípe. Lembrou que ia para a escola de canoa, bicicleta e até a pé, e que foi uma época muito difícil. Acontece que a arte da cerâmica já estava entranhada em sua vida e aqueles bois e bonequinhos que fazia na infância nunca saíram de sua mente. É verdade que não passava muito tempo ao lado dos pais na olaria porque no processo de produção de peças vidradas é utilizado o chumbo, que ao entrar em contato com o fogo exala uma fumaça tóxica . Seus pais Amiordes Santana e Maria das Dores Araújo procuravam evitar a presença do filho neste ambiente para preservar a sua saúde. De nada adiantou e o Rosalvo Santana decidiu que iria trabalhar com o barro. Em 1990 ao completar dezoito anos veio à Salvador para dar um curso de modelagem no barro de peças utilitárias e conversando com alguns alunos uma delas observando a facilidade que ele tinha para o desenho sugeriu que tentasse modelar imagens de santos. Atento aos comentários Rosalvo Santana decidiu fazer uma santa de barro.
Rosalvo trabalhando na queima
de suas imagens no forno a lenha
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 Escolheu esculpir a imagem de Nossa Senhora da Conceição e expôs juntamente com as peças utilitárias em 1992 na Feira dos Caxixis que se realiza em Maragogipinho durante a Semana Santa, há mais de trezentos anos. Para sua surpresa uma senhora pagou um valor superior ao que ele havia pedido reconhecendo assim o seu trabalho e o seu talento. Aí foi o começo de um caminho vitorioso, e hoje Rosalvo Santana já é conhecido em vários estados como um dos santeiros que trabalha com cerâmica produzindo imagens de vários santos e santas. Lembrou que começou a participar de exposições e numa coletiva com a presença de vários santeiros que foi realizada no Palácio Rio Branco percebeu que a maioria das imagens tinham o mesmo formato e composição. “Eram quase todas iguais ou muito parecidas. Neste dia senti a necessidade de fazer algo diferente para que minhas peças tivessem algo que as outras não têm. Foi aí que se esforçou e   seu trabalho foi evoluindo, e hoje é diferenciado, fruto de suas observações da iconografia tradicional.  Suas imagens têm um panejamento e uma composição únicos que variam a cada peça que esculpe. Ele declarou que procura sempre nunca repetir a mesma composição e, portanto, cada peça de sua autoria é única. Este diferenciamento podemos constatar nas dobras, redobras e pregueados dos mantos e vestes das imagens, além do número e colocação dos anjinhos que compõem a obra. Suas imagens são resultado também da mistura
Passando a pátina numa imagem
de São Jorge.
que faz dos estilos barroco com o rococó para criar suas imagens. “Quem adquire uma imagem feita por mim sabe que não obedeço rigorosamente a iconografia tradicional sempre estou acrescentando ou retirando algo. Assim a pessoa está adquirindo uma imagem de Santa Luzia, de Nossa Senhora da Conceição, de São Jorge, de Nossa Senhora da Aparecida ou de Nossa Senhora Desatadora de Nós de autoria de Rosalvo Santana. Por exemplo o São Francisco que faço é como se ele já estivesse no céu". Acrescentou que seu filho Rosalvo Maltez Santana , conhecido por Rosalvinho, também suas imagens são diferentes das feitas pelo pai Rosalvo. “Desde o começo quando meu filho decidiu ser santeiro o incentivei a fazer suas imagens olhando  a iconografia e sempre acrescentando ou retirando algo para ficar sendo uma obra dele. Diferente das minhas e de outros santeiros desde Brasil afora. Hoje posso afirmar que as minhas imagens e as de Rosalvinho  são diferentes entre si e também de muitas que vemos por aí”.

Seu trabalho é totalmente artesanal e o barro que utiliza para esculpir as imagens  adquire por peso e vem em sacos de linhagem do distrito de Aratuípe, que fica a cerca de uns dez quilômetros de onde reside. É retirado dos mesmos barreiros onde os oleiros de Maragogipinho há muito tempo retiram ou adquirem para fazer suas peças utilitárias. 

A Rainha dos Anjos , de 2023.

O santeiro Rosalvo Santana durante nossa conversa falou que o barro vem com muitas impurezas como raízes, pedras de vários tamanhos e areia. “Tenho que fazer um processo de decantação para purificar o barro que vou usar em minhas peças, a chamada goma de argila. As imagens normalmente têm 30, 45 ou 60 cm. Estes tamanhos são os preferidos pelas pessoas que adquirem as imagens que faço e muitas já são feitas por encomenda.” Segundo o artista ele demora cerca de uma semana para concluir uma peça. Falando da queima das peças no forno rudimentar de lenha disse que no princípio perdia muitas peças que se quebravam com o calor, mas que hoje já aprendeu a manha e quase não acontece mais ama quebra. Atualmente o forno fica em torno de 800 graus e deixa as imagens durante doze horas queimando. Existem na região quase duzentas olarias às margens do rio Jaguaripe e seus afluentes e esta  atividade  envolve o trabalho de homens e mulheres. Normalmente para fazer as peças de cerâmica utilitárias e de decoração trabalham famílias inteiras cabendo aos homens fazer a modelagem e as mulheres dão o acabamento e a pintura.

Há uns cinco anos que não mais participa da Feira dos Caxixis porque não consegue juntar um número suficiente de imagens para expor. Sempre é convidado, mas não tem participado porque sua produção é pequena. Tudo começa com a feitura de uma placa de barro que em seguida ele une as extremidades formando uma espécie de cone, e vai esculpindo acrescentando e retirando os excessos. Quando a imagem está semipronta com o panejamento e as vestes ele vai acrescentando os anjinhos,   e outros elementos integrantes da composição. Cada anjo é feito separadamente, e o santeiro ressaltou que “os anjinhos dão muito trabalho para fazer”. Também as mãos são colocadas depois,
O santeiro Rosalvo Santana exibe orgulhoso
mais uma nova imagem
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   e deixa um pequeno furo nas cabeças de algumas  imagens porque se o cliente desejar colocar uma coroa ele pode adquirir pronta nas casas especializadas em trabalhar com metais preciosos ou encomendar a um ourives . Com a coroa de metal  ficará ainda mais diferenciada a  imagem do  santo de sua devoção. Às vezes Rosalvo Santana faz uma dezena de anjinhos e vai descansar, porque disse que  fica estressado por procurar ser fiel aos detalhes. O santeiro recebe encomenda de todo o país através as redes sociais e disse que despacha para fora dentro de uma embalagem de madeira garantindo assim que a obra chegue intacta na casa do cliente. Aqui em Salvador a entrega é feita por uma pessoa de sua confiança. Cada peça a depender do tamanho pesa entre cinco a oito quilos.

Outro detalhe interessante são as ferramentas que Rosalvo Santana utiliza na feitura de suas imagens entre elas as espátulas de vários formatos, estecas, rastelo, boleador e uma que me chamou a atenção foi o ferrão de arraia. Esta ferramenta é uma improvisação criativa do artista diante das dificuldades de encontrar na época que iniciou seu ofício na localidade onde reside a ferramenta

Rosalvo trabalhando com o ferrão 
de arraia para ultimar detalhes
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 mais adaptada ao seu modo de esculpir alguns detalhes . Sabemos que ele mora numa região do município de Aratuípe, que dista cerca de 70 quilômetros de Salvador, e tem hoje perto de nove mil habitantes, onde a pesca artesanal é uma das principais atividades, e que por lá tem uma grande incidência de arraias. Para capturá-las os pescadores tradicionalmente utilizam uma ferramenta chamada ferrão de arraia. Isto levou Rosalvo Santana a esta improvisação do ferrão de arraia para sua atividade de santeiro. O artista disse que usou uma lixa e também cortou o ferrão de arraia e que utiliza para fazer as dobras do panejamento, os cabelos e as unhas, e serve também para o polimento das imagens. Finalmente, Rosalvo Santana utiliza uma pátina da cor do barro que serve, segundo informou, para dar um refinamento na imagem e cobre os poros do barro. Ele compra uma base acrílica mistura com água e faz a pátina mais clara ou mais escura. 

                                          HISTÓRIA

Antigamente os saveiros traziam os produtos agrícolas e utilitários do Recôncavo Baiano e daqui levavam os industrializados. As embarcações atracavam no cais do antigo Mercado Modelo que foi destruído completamente por um incêndio e

Cerâmicas chegam à Feira de São Joaquim
transportadas por saveiros
Fotos Google
em seguida suas ruinas foram demolidas dando lugar aquele espaço onde hoje está a escultura de Mário Cravo Junior. O velho mercado foi construído em 1912 e destruído pelo fogo em 1969. A partir de 2 de fevereiro de 1971, passou a ocupar o edifício da 3ª Alfândega de Salvador, uma construção de 1861 em estilo neoclássico tombada pelo patrimônio histórico. Também são ainda  descarregadas no cais próximo a antiga Feira de Água de Meninos, que também sofreu um grande incêndio em 1964. As cerâmicas produzidas às margens do rio Jaguaripe e seus afluentes vêm também em canoas. 
Existem registros que um oleiro de Maragogipinho chamado de Patrício encheu uma canoa de peças feitas por ele e foi até Nazaré das Farinhas expor e vender aproveitando o fluxo de pessoas durante a Semana Santa e desta forma surgiu a famosa Feira dos Caxixis. 
Eram peças utilitárias feitas ainda sem pinturas. “Os engobes reativos que são suspensões argilosas especiais, com adição de fritas que é um material vítreo usado na cerâmica, conhecido como frita cerâmica, que resulta da fusão de matérias-primas e é fundamental para esmaltes e vidrados, tornando-os mais seguros e com melhor acabamento , que reagem durante a queima para criar texturas, movimentos e cores únicas na cerâmica . Na região os oleiros usam também Tauá e tabatinga para ornamentar a maioria das peças. Mais recentemente foi criado o Festival do Artesanato em Aratuípe que já está na sua terceira edição, e que é realizado durante o mês de novembro, procurando atrair e incentivar esta atividade do município.

                                           EXPOSIÇÕES

Exposição Salão de Artesanato Raízes
Brasileiras, São Paulo, 2024.
Participou da II Feira da Produção de Itapagipe e da IlI Feira da Produção de Itapagipe promovidas pelo SEBRAE. Em .Em  1998  IV Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann ; da Exposição no Mosteiro de São Bento – Salvador-BA; Exposição na ADA Galeria de Arte- Salvador – BA; Feira Baiana de Negócios da Chapada Norte-  FEBAN, Jacobina-BA; Exposição no  Instituto Mauá – Pelourinho. Salvador-BA. Em 1999 - Vencedor do Concurso de Presépio - IPAC/98 – 1º Prêmio; Exposição na Galeria Solar do Ferrão; Feira de Arte na Praça, EMTURSA, Salvador-BA. Em 2006 - Feira Internacional de Artesanato e Arte Popular -FENEART, Recife-PE.  2014 - Festival Artes do Sagrado – Salvador-BA; da Exposição Santeiros do Sagrado, Museu Palacete das Artes. 2017 - Participação do Documentário "Em Torno Dos Mestres" .2018 - Exposição Artesãos da Fé - Museu da Misericórdia, Salvador-BA. 2021- Exposição Igreja da 
Rosalvo e seu filho também ceramista
conhecido por Rosalvinho
.Foto Google
Graça, em Salvador-BA. Em 2023 - Primeiro Festival da Cerâmica Maragogipinho-BA; 
Exposição Arte dos Mestres - São Paulo. 2024 - Primeira Edição de Feira Nacional de Artesanato da Bahia- FENABA e da Feira de Santeiros do Nordeste - EMTURSA .
Coletivas Regionais: * Exposição Coletiva em Nazaré das Farinhas-BÀ; Exposição Coletiva em Cachoeira-BA e Exposição Coletiva em Santo Antônio de Jesus-BA. * Congresso Nacional de Cerâmica - Museu Alfredo Andersen-Curitiba-PR 2006. Oficina 12 - Rosalvo Santana. Tema: O Barro Princípio de um Caminho que Sempre se Solidifica.



 

 

 

 

 


 

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Um comentário:

  1. Grande artista, Rosalvo, sendo apresentado pelo grande escritor, Reynivaldo Brito. Parabéns.

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