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A artista Sonia Rangel fala de sua arte.
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A artista visual Sonia Lúcia
Rangel desde os anos setenta que escolheu Salvador para morar. Aqui continuou
seus estudos e vem tendo uma participação ativa na vida cultural da Cidade como
professora, escritora, poeta, artista visual e atriz. A partir de 1980 passou
a lecionar nas escolas de Belas Artes e de Teatro, da Universidade Federal da
Bahia, tendo posteriormente conquistado os títulos de Mestre em Artes Visuais,
em 1995, e de Doutora em Artes Cênicas, em 2002. Atualmente é orientadora de
doutorandos, continua pintando, atuando como atriz, cenógrafa, além de escrever
poemas e textos sobre arte, teatro e outros assuntos pertinentes à existência
do homem no Planeta.Portanto, transita com a
linguagem, pintura e a cenografia. No seu terceiro livro datado de 2009, chamado Olho
Desarmado – Objeto Poético e Trajeto Criativo incluiu esta frase de
Claude Levi Strauss “O poeta está diante da linguagem como o pintor diante do
objeto”. O referido livro é composto de duas partes. Na primeira parte estão
reunidos poemas e desenhos ilustrativos, e na segunda um ensaio sobre o
processo criativo. A artista Sonia Rangel nos transporta para o ambiente da
reflexão em cada frase e verso que escreve, e cada traço que faz no papel ou na
tela precisam ser vistos e sentidos. Num de seus poemas Os Cegos diz: Crianças
e poetas cospem luz por suas bocas:/ Verdades que nos cegam/ Navalha fina
esquecida em ninho/ Chocando seus cortes aduncos/ Nós apenas tateamos/ Com
muito cuidado/ Para não sangrar.
Trajetória
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Sonia Rangel mostrando um álbum com fotos de sua trajetória . |
A artista Sonia Lúcia Rangel ou
Sonia Rangel nasceu no bairro de Bangu, no então Estado da Guanabara, em doze de
outubro de 1948. Filha de Waldir Rangel e d. Antonieta da Silva Rangel. Seu pai
trabalhava na Marinha do Brasil no setor de comunicações, era rádio amador e
tinha uma loja que comercializava vitrolas. Estudou o primário em escolas públicas do
bairro, e registrou no seu quarto livro Imagem e Pensamento Criador os nomes
das professoras Yolanda e Alaidir. Certo dia a professora Yolanda mandou chamar
sua mãe para conversar, naquela época quando a diretoria da escola ou a
professora mandavam chamar a mãe ou o pai era quase sempre para se queixar que
a criança não estava acompanhando a classe ou por indisciplina. Sonia Rangel
ficou apreensiva, mas o chamado era para
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Sonia arrumando boneca que fez parte da mostra na capela do Solar do Unhão. |
aconselhar sua mãe a tirar a filha
daquela escola porque estava sendo prejudicada em seu desenvolvimento
escolar. A professora certamente enxergou as potencialidades da criança Sonia Lúcia Rangel e decidira tomar aquela atitude. Porém, sua mãe depois da conversa com a professora decidiu que ela continuaria na escola. Conta no seu livro que tinham aulas a
partir das dez e trinta da manhã com uma professora e às doze horas com uma
segunda professora que dava aulas até às treze e trinta. Era um ensino precário por falta de professores , pelas condições materiais da escola e alunos de turmas diferentes estudavam na mesma sala. Ao término do primário
na Escola Getúlio Vargas fez o curso Clássico no Colégio Estadual Daltro Santos. Já naquela época tinha interesse em decoração de interiores e
cenografia. Foi então que decidiu fazer o Curso de Arte Decorativa, na Escola
Nacional de Belas Artes. Este curso tinha a disciplina Cenografia na sua grade
curricular. Lembra que foi muito especial para ela porque o curso de Arte Decorativa era inspirado
na escola alemã Bauhaus . Esta escola surgiu em 1919, quando
Walter Gropius a fundou com o objetivo de fazer uma conexão entre a arte e a
indústria. Era como afirmou Sonia Rangel “uma arte colaborativa,” e a Bauhaus
influenciou muito a decoração de interiores no pós guerra em todo o mundo. A Bauhaus terminou em 1933 por pressão dos nazistas, mas continua influenciando
até os dias de hoje.
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Quatro pinturas do seu acervo particular. |
A jovem Sonia Rangel entrou para a faculdade em 1964
exatamente no ano do golpe militar, e o Rio de Janeiro era o centro das grandes
manifestações de rua lideradas por Wladimir Palmeira nos anos de 1965 a 1967.
Aconteceu que em 1968 os problemas políticos se agravaram no país, e o seu pai
veio a falecer. Disse que morava em Bangu e as coisas foram ficando difíceis e
teve que trabalhar.
No curso de Arte Decorativa ensinavam a fazer projetos para
tapeçaria, azulejos, cobogós cerâmicos, móveis, cartazes, ou seja, projetos
para sistema industrial que ainda era embrionário no Brasil. Estudou até metade
do quinto ano. Ficou faltando um ano e meio para concluir. Veio a reforma
curricular e o curso Arte Decorativa foi desmembrado em vários outros cursos. Lembrou de Fernando Pamplona era seu professor e fazia as decorações do
carnaval carioca e depois das escolas de samba. Já a Rosa Magalhães, também famosa
carnavalesca, foi sua contemporânea na escola, que ainda tinha os cursos
de Pintura, Gravura e um curso que se chamava Professorado de Desenho, com
duração de quatro anos e os alunos faziam uma parte na Faculdade de Educação.
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Livros de autoria de Sonia Rangel onde ela publica poesias, desenhos ilustrativos e ensaios sobre o processo criativo. |
Confessa que não se imaginava artista plástica e
professora. Depois quando conheceu a gravura surgiu uma vontade de fazer gravura e a Escola Nacional de Belas Artes, no
Rio de Janeiro, tinha um ateliê maravilhoso. “Eu subia para olhar as pessoas
fazendo as gravuras, mas como as aulas de gravura eram no mesmo horário das matérias básicas do meu curso não dava para fazer gravura porque ainda tinha que trabalhar para me
sustentar”.
Certo dia do ano de 1966 foi organizada uma excursão dos alunos da Escola Nacional de Belas Artes para visitar a I Bienal Nacional Baiana de Artes Plásticas da Bahia ou I Bienal da Bahia, que foi relizada no Convento do Carmo. Sonia Rangel veio com seus colegas de faculdade. Aqui chegando confessa que sentiu um encantamento pela Cidade, que ainda respirava àquele ambiente de uma cidade  |
Sonia Rangel autogra um de seus livros, e na mesa os livros de Zuenir Ventura e o de Mário Magalhães que disse estar sempre relendo. |
acolhedora com muitos vendedores de vários produtos nas ruas, o povo andando e prosando sem pressa . Este seu sentimento e visão diferenciada do Rio de Janeiro, que já era uma cidade cosmopolita, lhe atraiu e tocou profundamente. Meses depois retornou à Salvador, ficou uma temporada e teve que voltar para a cidade onde nasceu. Mas, a vontade de morar aqui não saía da sua mente. No Rio de Janeiro conheceu um baiano. Namoraram e meses depois resolveram casar. Então sua mãe concordou que viajassem
e decidiram vir para Salvador. O casamento durou pouco tempo. Chegou a voltar
para o Rio de Janeiro onde permaneceu por um curto período cuidando da
documentação e trancou a matrícula no curso de Arte Decorativa. A situação
política no Rio de Janeiro no governo Médici estava pior. Retornou para
Salvador “porque meu casamento verdadeiro era com esta Cidade”. Começou a
conversar com o pessoal da Escola de Belas Artes que oferecia os cursos de
Licenciatura em Desenho e o de Artes Plásticas. Como não tinha nenhuma base
pedagógica teve que fazer quatro anos com disciplinas em Belas Artes e na
Faculdade de Educação. Portanto, estudou cinco anos e meio na Arte Decorativa no Rio de Janeiro e
mais quatro anos na EBA e na Faculdade de Educação para obter um diploma de graduação.
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Desenhos da série Passageiros , 1993. |
A presença na Escola de Belas Artes da UFBA foi
marcada por episódios interessantes porque a base do ensino aqui era o desenho
geométrico e o copismo. A Sonia Rangel tinha frequentado cursos no Escolinha
de Arte do Brasil, conheceu a metodologia Arte-Educação de ensino do
pernambucano Augusto Rodrigues que usava a arte para educar as crianças. Chegou a ensinar no Rio de Janeiro numa escolinha que usava esta metodologia. Ao
fazer uma disciplina na Faculdade de Educação ela preparou uma aula que foi
muito apreciada pela professora. Adiantou Sonia Rangel que “não era uma
neófita, e o seu diferencial em relação aos colegas era porque já tinha alguma
experiência principalmente devido ao seu aprendizado na Arte Decorativa, no Rio
de Janeiro, além de ter frequentado cursos paralelos em outras instituições
cariocas. As coisas foram dando certo e ela foi chamada para trabalhar num
projeto novo no departamento a Secretaria de Educação que objetivava trocar o
ensino do Desenho Geométrico nas escolas pelo Desenho Artístico. Em 1974 foi
graduada em Licenciatura em Desenho pela Escola de Belas Artes, da Universidade
Federal da Bahia – EBA. Foi contratada para ministrar aulas na Escola de Belas
Artes e para sua surpresa a professora de Metodologia na Faculdade de Educação
foi ser sua aluna no curso que passou a dar.
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Catálogo da mostra Circumnavigare no MAM-Ba, 1995. |
Fez sua primeira exposição individual em 1973
no Instituto Cultural Brasil- Alemanha, o ICBA que funcionava no Corredor da
Vitória, e foi transformado no Instituto Goethe. Aconteceu que aqui reencontrou
seu ex-colega de escola e amigo o artista gráfico e pintor Pedro Hélio
Lobianco, que veio fazer um trabalho para a empresa de publicidade Propeg, e
passou também a ensinar gravura na Escola de Belas Artes, da Universidade
Federal da Bahia. Perguntou se podia frequentar suas aulas e ele concordou. “Foi
como um renascer porque a gravura estava guardada em mim e reapareceu com muita
pujança, lembrou Sonia Rangel.”
Quando lhe perguntei sobre seu relacionamento com o
mercado de arte respondeu que “o mercado não me atrai. As obras que vendi até
me arrependo de ter vendido algumas delas ”. Sonia Rangel produz pouco, mas sempre está
pintando, devagar. Tudo é meticulosamente pensado. Como sua atividade no
magistério lhe garantia a sobrevivência lhe permitiu escrever poemas, textos e
pintar, sem o compromisso ou a necessidade de vender.
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Obra ainda em execução no seu ateliê do bairro do Canela, onde reside. |
Falando sobre as técnicas que utiliza para criar as
suas obras Sonia Rangel declarou que tudo começa com o encantamento por um
lugar que visitou, que pode ser uma feira livre, uma floresta, uma pessoa vendendo algo na rua ou seja algo que lhe tocou de perto. Gosta de transgredir as técnicas colocando fotografias,
objetos diversos, mas tudo com a preocupação em criar um todo harmônico. É como
se a própria existência precisa de organizar esses conflitos, esses contrastes,
e as técnicas que usa espelham muito isto. “Raramente você vê um trabalho meu
que é só pintura. Mesmo quando a pintura é predominante tem algo de colagem ou
outra interferência, mas tem uma unidade. Que é algo de uma tradição de olhar a
arte moderna. Na verdade, o pós-moderno quebrou com isto, porém, eu tenho meus
pés nesses dois lugares. Quanto ao encantamento tanto pode acontecer por certos
indivíduos, pelo imaginário ou nas pessoas de verdade que transitam nas ruas e
nas feiras. Esses temas me permitem transgredir nas técnicas que utilizo. Já
fiz até algumas performances, trabalhos mais precários.”
Formação
De 1964 a 1968- Escola de Belas Artes – UFRJ;1971 a 1975 - Escola de Belas
Artes – UFBA ;1978 a 1979 - Escola de Dança – UFBA e 1995- Mestrado em Artes,
Escola de Belas Artes, da UFBA
Funções Profissionais
Professora - desde 1980 nos departamentos de Fundamentos do Teatro, Escola de
Teatro da UFBA e História da Arte e Pintura, Escola de Belas Artes da UFBA;
Artista Plástica - Atriz - Cenógrafa – Figurinista.
Principais Individuais
Em 1991- Retrospectiva e Obras Recentes- Galeria Cañizares – Salvador-Ba; 1987
- Pinturas-desenhos - Cimeira Artes Galeria - Rio de janeiro-RJ;1982- Flâmulas
- Galeria Cañizares – Salvador-Ba; 1978- Sonia Rangel, Guaches , Galeria Funarte
Macunaíma - Rio de Janeiro-RJ; Sala Especial - Centenário da Escola de
Belas Artes - Museu de Arte Moderna – Salvador-Ba; 1973 - Sonia Rangel, Gravuras
e Desenhos- Instituto Cultural Brasil Alemanha – Salvador-Ba.
Participação em Bienais
Em 1993 - Il Bienal do Recôncavo, artista selecionada – São Félix-Ba; 1988- I
Bienal Foto Bahia , artista selecionada – Salvador-Ba; 1987- I Bienal de Cultura
e Arte Negra, artista convidada – Salvador-Ba;1986 - Pré-Bienal de Cultura e
Arte Negra, artista convidada – Salvador-BA ;1978- Bienal Latino Americana.
Fundação Bienal de São Paulo, artista convidada,
Participação em Salões
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Visitantes apreciam a exposição de Sonia Rangel no Museu de Arte Moderna -BA. |
Em 1989 - II Salão Baiano de Artes Plásticas, artista selecionada; 1988 - I Salão Baiano Salão Baiano de Artes Plásticas", artista selecionada, Salvador-Ba ; 1984 - XXXVII
Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, artista selecionada, Recife-Pe; 1981 - IV
Salão Nacional de Artes Plásticas, artista selecionada, Rio de Janeiro-Rj; 1979
- I Salão Brasileiro de Artes, artista selecionada. Rio de Janeiro-RJ; 1971-
Salão do Paraná, artista convidada, Curitiba-PR.
Premiações
Em 1994 - Melhor Cenografia e Melhor Figurino no IV VT Bahia (ABAP) no
documentário Merlin, de Mônica Simões; Cenário e Figurino -
Grupo Intercena Merlin ou Terra Deserta, direção de Carmen Paternostro -
Troféu Bahia Aplaude, Indicação como destaque do I semestre de 1993 e Prêmio
Melhor Espetáculo do Ano de 1993; Instalação Planeta Raiz, Prêmio Especial do
Juri, II Bienal do Recôncavo, São Félix-Ba; 1989- Pintura - Referência Especial
do Júri, II Salão Baiano de Artes Plásticas; 1983- Melhor Atriz Coadjuvante,
Melhor Espetáculo e Indicação de Melhor Cenografia, Troféu Martim Gonçalves,
Salvador-Ba, espetáculo Caixa de Sombras, direção de Harildo Déda; 1979-
Esculturas Lúdicas, Prêmio Melhor Mostra do Ano, Associação Paulista de
Críticos de Arte, Mostra de Escultura Lúdica, MASP, São Paulo-SP, Como
integrante do Grupo Posição;1972- Desenhos – 3º Lugar Premiação da Exposição
Bahia Década 70- ICBA – Salvador-BA; Cartaz - 1° Lugar Concurso para a
Divulgação da Exposição Bahia Década 70 - ICBA – Salvador-BA; 1971- Água Forte
– 2º Lugar Exposição Didática de Gravura - EBA- Salvador-BA.