Translate

sábado, 12 de abril de 2025

CÉLIA MALLETT E SUA PASSAGEM PARA O CONTEMPORÂNEO

Célia Mallett pintando no ateliê.
A Célia Mallett é uma artista visual conhecida nos meios culturais baianos onde sempre está presente participando ou visitando exposições de seus colegas e amigos. Ela  desenvolveu sua produção artística “numa relação estreita com a escrita: a linha, o gesto, a exposição da individualidade, o peso da veracidade contido num “ponto branco”. Com fortes pinceladas se expressava. Também passou pelo abstracionismo, portanto, se distanciando do aprendizado na Inglaterra onde aprendeu a desenhar a figura humana, paisagens e objetos. Assim o figurativo foi desaparecendo em meio aos gestos e outros elementos que compõem suas obras gestuais e abstratas. É conhecida também por sua arte artesanal com seus bordados, lembranças da infância quando seus ancestrais gostavam de bordar para matar o tempo . É licenciada em  Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e bacharela em Artes Plásticas em Pintura e Desenho pela Escola de Belas Artes, pela Universidade Federal da Bahia, concluindo o Mestrado em Artes Visuais. Foi professora substituta na EBA de Desenho I, II, III, Modelo ao Vivo, Teoria e Técnica de Pintura e Composição Decorativa I. Vem apresentando trabalhos em exposições individuais e coletivas desde 1989. Seu nome de batismo é Célia Maria Baldas  e nasceu em Salvador no dia vinte e seis de outubro de 1937. É filha de Roberto Baldas e Joana Martins Baldas. Fez parte do primário em Salvador e em seguida foram morar em São Gonçalo dos Campos, interior da Bahia. Estudou no Grupo Escolar Antônio Carlos Pedreira, sendo aluna da professora Theonila da Silva Correa, que também foi professora de Emanoel Araújo, que vem a ser a mãe da artista Yedamaria. Voltaram para Salvador e estudou no Colégio Nossa Senhora da Salete, nos Barris , e no Colégio Severino Vieira, que fica no bairro de Nazaré. Em seguida se transferiu para o Colégio Central da Bahia.  Fez vestibular para Licenciatura de Psicologia e Filosofia na
Estudos a óleo sobre compensado feitos 
durante seu aprendizado na Inglaterra.
Universidade Federal da Bahia e trabalhava no Banco Nacional de Minas Gerais, que ficava na Praça da Inglaterra, no bairro do Comércio. Era recepcionista e lembra da farda das recepcionistas que era de cor verde oliva, camisa branca, sapatos pretos fechados e meias brancas. Na época o banco atendia aos estivadores do Porto de Salvador e lembra que era muito movimentado. Trabalhou ainda na Cesmel com o empresário Ulisses Barbosa Filho, que foi inclusive Presidente da Federação da Indústria da Bahia; e com o filho do ex-governador Landulfo Alves na Empreendimentos da Bahia, onde Antônio Luís Alves de Almeida coordenou importantes projetos como do Centro Industrial de Aratu, da Sibra, Frigoríficos da Bahia outros para depois serem financiados através a SUDENE. Ela classifica que este  trabalho onde exercia a função de secretária de projetos como o mais importante e que foi uma experiência enriquecedora.

Desenhos em bico de pena, crayon e
carvão  com modelos vivos.
Uma curiosidade é que ele era esposo da famosa artista americana Betty King de Almeida, a Betty King, pintora e escultora que chegou ao Brasil em 1958, fixando-se em Salvador até 1966. Tenho uma passagem interessante com Betty King. Estava na redação no jornal num certo dia de julho de 1980 durante à noite quando recebi um telefonema que ela estava em Salvador, numa casa do bairro de Amaralina, e gostaria de conversar sobre seus últimos trabalhos. Lá fui eu e o fotógrafo Arestides Baptista. Escrevi um texto com o título “Betty King: A Família como Referencial”, foi publicado  em vinte e cinco de julho de 1980, no jornal A Tarde e está  no blog Artes Visuais, é só colocar em Pesquisar. Esta exposição de Betty King foi na galeria  ACBEU, no Corredor da Vitória, em Salvador.

Voltando para a  conversa com Célia Mallett ela me disse que já tinha três filhos do seu casamento   com o inglês Henry John Mallett o qual foi transferido para Londres pela empresa Corrêa Ribeiro S.A. Comércio e Indústria. A empresa foi fundada em 1926 com o objetivo de exportação de produtos primários dentre os quais se destacavam cacau em bagas e café. Lá ficaram durante seis anos, enquanto seu esposo trabalhava em Londres envolvido com o seu trabalho de acompanhar de perto a cotação do cacau na bolsa de Londres e de outros afazeres ligados à comercialização dos produtos que a empresa exportava. O local onde moravam distava de Londres apenas vinte minutos de trem.  Depois de matricular  seus filhos na escola decidiu procurar algo para fazer. Foi quando a proprietária do apartamento onde moravam sugeriu se matricular numa instituição que oferecia vários cursos para adultos. Célia Mallett se matriculou na Escola Sir John Cass, da Politécnica de Londres. Lá aprendeu as principais técnicas de Desenho e Pintura, inclusive com modelo  vivo. Um detalhe que a artista lembrou foi que a professora de pintura só trabalhava com tinta a óleo, não usava acrílica . Ao retornar para Salvador esteve com a professora e artista Ana Maria Villar que lhe indicou procurar Maria Adair que estava ministrando um curso de extensão na Escola de Belas Artes. Se inscreveu no curso e em seguida decidiu prosseguir seus estudos em artes visuais.

Obras contemporâneas que mostram o
talento versátil da artista.

Também já trabalhou com Mário Cravo Jr e Renato Ferraz quando o museu estava iniciando. Não era ainda o Museu de Arte Moderna. É  conhecida na arte artesanal por executar intervenções nas tramas de antigos bordados, uma lembrança de sua infância. Quando lhe perguntei se chamava de bordados ou abordados ela disse que nunca tinha pensado nisto, mas gostou de bordados abordados. São bordados que ela desfaz uma trama pré-estabelecida e  “ recria uma nova que diz mais de você, que fala da sua vontade em superar o que está estabelecido, criar e recriar. Emprestando um novo significado , a vontade, o desejo de expressão.” Me falou ainda das rodilhas, inclusive fez uma escultura de rodilhas. Quando lhe falei da origem africana das rodilhas onde as mulheres sempre utilizam para carregar cestas, feixes de lenha e todo tipo de objetos sobre as suas cabeças, ela disse que a ideia das rodilhas veio bem diferente. Certa vez estava pensando em vários problemas pessoais, e nos de fora de outras pessoas, parentes e conhecidas aí imaginou que sua cabeça era uma verdadeira rodilha amparando tantos problemas. Daí passou a fazer as rodilhas, inclusive nas pinturas.

                                                         REFERÊNCIAS


Em 1990 o professor Herbert Magalhães reproduziu as palavras de Ailton Lima sobre uma exposição de alunos da Escola de Belas Artes entre os quais estava Célia Mallett.  “Sobre Célia Mallett, quem melhor a descreve é Ailton Lima, que inclusive lhe passou conhecimentos e muito a incentivou. Diz ter tido a honra de assistir ao nascimento dessa artista: "O que era semente tornou-se para ela uma constante busca intencional. Sua evolução como artista é uma consequência da seriedade com que encara sua permanência no elenco das artes plásticas”.

 Bordado que expôs na mostra - 50 Anos
 de Arte na Bahia.
"A Afirmação No Gesto,  essa é
a exposição da artista plástica Célia Mallett, na Galeria ACBEU em 12 de maio de 1997 e foi publicado no jornal A Tarde. “Com formação em Filosofia e Artes Plásticas, incluindo curso de especialização na Inglaterra, Célia Mallett tem no currículo dezenas de exposições coletivas e individuais, algumas delas realizadas na própria Galeria ACBEU. Apaixonada pelo estudo da gestualidade e pela perspectiva de traduzi-la em arte, a artista há algum tempo vem se dedicando a uma linha de trabalho que tem como referência ponto de partida o universo da caligrafia. Ela explica que no princípio o uso da caligrafia como referência para a criação de trabalhos abstratos surgiu quase que por acaso, pelo fato de representar uma das mais fortes marcas de individualidade do homem. “Sempre me interessei muito pelo prazer contido nos gestos, e a escrita, traduzida pela caligrafia, é um dos gestos mais individuais que conhecemos. Comecei trabalhando com curvas e retas, isso foi se ampliando e fugindo cada vez mais do figurativo", explica ela. Outro aspecto do seu trabalho é que, apesar de usar quase sempre os tons terrosos aliados aos azuis e verdes, tudo em acrílica sobre tela, ela nunca se preocupa com modo de aplicá-los, de forma que o resultado estético e plástico de seu trabalho é ímpar e não se presta a qualquer tentativa de rotulação.”

                                          EXPOSIÇÕES

Catálogos de algumas de suas exposições.
Entre as exposições : 2023 - 2 de Julho, A Independência do Brasil na Bahia, na Galeria Cañizares – Coletiva – Salvador-Ba; 2017 - Olhares para Matilde - 90 Anos de Vida, Galeria EBEC, Salvador-Ba; 2016 - A Produção da Mulher na Contemporaneidade, no MAB – coletiva – Salvador-Ba; 2015 - Circuito Arte e Moda- Salvador Shopping – Salvador-Ba; 2014 -Coleção Matilde Matos - Palacete das Artes – Salvador-Ba; Exposição Circuito das Artes- Aliança Francesa – Salvador-Ba; 2013 - 50 Anos de Arte na Bahia na Caixa Cultural – Salvador-Ba – coletiva 2012- Oferenda à Iemanjá - Ateliê Leonel Mattos – Salvador-Ba;  2011 - Oferenda a Yemanjá - Artistas 100 nomes, Salvador-Ba ;  2010 - Circuito das Artes no Museu Rodin – coletiva – Salvador-Ba; Colóquio Franco Brasileiro - Coletiva - Escola de Belas Arte – Salvador-Ba; 2009 - Doce de Santo, Galeria ACBEU- Salvador-Ba;  Mulheres em Movimento 2 - Galeria Cañizares -Salvador-Ba;  2007 - Circuitos das Artes, na Galeria Aliança Francesa – Afetos Roubados - coletiva – Salvador-Ba Caixa Cultural Salvador, "Espacio Cotidiano. Espacio de Supervivencia" - Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira -Feira de Santana – Bahia; 2006 - "Ruínas", Intervenção - Fábrica de Cristais Fratelli Vita -Salvador; 2005- "Ora pro nobis " Instalação - Conjunto Cultural da Caixa – Salvador-Ba; 2003 - "Nós Mulheres!", EBEC Galeria de Arte – Salvador-Ba; 2002 - "ART FOR SALE" - Galeria ACBEU – Salvador-Ba; + 100 Artistas Plásticos da Bahia, Museu de Arte Sacra – Salvador-Ba; 2001 -Antônio! Tempo, Amor & Tradição"- Centro de Memória e Cultural dos Correios, Salvador-Ba; 1999 - “Tenho Uma Rima Solta Dentro de Mim"- Galeria ACBEU, Salvador-Ba; 1997 - Reeducação do Olhar- Museu de Arqueologia e Etnologia Salvador-Ba; Festival de Artes do Recôncavo"-
Célia Mallett na mostra  A Afirmação
 no Gesto.

Fundação Museu Hansen Bahia - Cachoeira - Bahia 1996- 2º Festival de Artes Visuais do Pelourinho - "Pinte no Pelô". SEBRAE- Salvador-Ba; “Orixás", Receptivo do ABAV - Aeroporto Internacional Dois de Julho; Ambientação da Sala de Carteado" Casa Cor - Bahia – Salvador-Ba; 1995 - "Afirmação no Gesto"- Galeria ACBEU – Salvador-Ba; 1992 - "Interpretando a América 2"- Galeria ACBEU – Salvador-Ba; 1990 - Interpretando a América 1"- Galeria ACBEU – Salvador-Ba; Caminhos" - Galeria ACBEU; - Salvador-Ba; "Técnica Mista'" Galeria Cañizares–Salvador-Ba. Participação em Salões e Bienais:Em 2008 -IX Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann - São Felix – Bahia; 2006 -VIII Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann - São Felix – Bahia; 1991 - I Bienal do Recôncavo - Centro Cultural Dannemann - São Felix - Bahia.Premiações1990 -1° Lugar - Categoria Pintura s/ tela, 27ª Feira de Arte; Menções Bibliográficas: +100 Artistas Plásticos da Bahia-Salvador: Prova do Artista; 2001 - 50 Anos de Arte na Bahia -Matilde Matos, 2011- Escola de Belas Artes UFBA, Salvador-Ba. 

sábado, 5 de abril de 2025

RAMIRO MAGALHÃES O CRIADOR DO SIMPLIFISMO SIMBÓLICO

Ramiro Magalhães chegando 
em seu ateliê .
Meu primeiro contato com Ramiro Magalhães foi em 1987 quando ele esteve na redação de A Tarde para falar de sua exposição de pinturas compostas de representações de gigantescos e estranhos instrumentos musicais. Escrevi que “suas telas provocam uma ferrenha vontade no espectador em descobrir o que significa cada elemento que as compõem. Numa observação mais apurada a gente começa a descobrir que se trata de estranhos e gigantescos instrumentos musicais. São verdadeiros protótipos que um dia ele diz que vai construí-los utilizando metais para que funcionem verdadeiramente. Se vão funcionar ou não é outra conversa. O que interessa é que este jovem de São Felipe, interior da Bahia, é um visionário musical. E para acompanhar os estranhos instrumentos que brotam de sua criatividade ele apresenta figuras também muito estranhas a movimentar os foles e as paletas ou cordas de tais objetos.” Agora, passados estes 38 anos foi através do artista Antônio Carlos Rebouças que esteve em Paris, e visitou o seu ateliê,que   voltei a manter contato com este artista baiano que hoje vive e trabalha na capital francesa.  Criou um estilo próprio de fazer arte e intitulou de Simplificismo Simbólico. A palavra simplificismo, não existe em Português, mas quando se trata de Ramiro Magalhães é preciso entrar na sua vibe para entender onde ele pretende chegar.

Ramiro retocando sua escultura em seu
ateliê cheio de instrumentos e esculturas .
Na conversa que tivemos por vídeo revelou que é um artista multifacetado escultor, pintor, poeta, compositor e inventor de instrumentos musicais, músico improvisador, fotógrafo e ator. Há 14 anos residindo em Paris, criou o espaço Ramiro Magalhães, O Simplifista Simbólico, 77, na avenida de Paris, Villejuif, “onde está implantada a sede da Associação O Guardião Planetário, a primeira escola de consciência ecológica do Brasil,” da qual é fundador e presidente. Ramiro afirma que se tornou prisioneiro dentro da sua própria liberdade de criar. O artista então dedica-se integralmente ao longo do tempo  à produção das esculturas sonoras vibramicrossônicas. Durante a pausa de descanso dos instrumentos, o artista passa a trabalhar num monumento com mais ou menos 600 kg, trata-se de uma escultura que simboliza a figura do líder dos Kayapós, o controverso cacique Raoni.

                                                 QUEM É

Ramiro é defensor da natureza. Aí numa
performance com a Árvore de Transfusão
de Clorofila nas ruas de Paris.
O Ramiro Augusto Magalhães de Melo nasceu em 6 de abril de 1959 na cidade de São Felipe, interior da Bahia. É filho de Daniel Magalhães de Melo e Yolanda Cortes Barbosa. Sua infância foi entre a fazenda Serrote, de propriedade de seu avô paterno e a cidade. Aos nove anos de idade disse que na fazenda existia um senhor conhecido por Pássaro Preto que sempre o levava para tomar banho numa fonte de água cristalina de uma nascente. Costumava nas brincadeiras de criança atirar pedras nas coisas e que ao acertar uma pedra grande notou que produziu um som diferente e isto aguçou sua sensibilidade para os sons musicais. Também lembrou dos cânticos que eram entoados pelos moradores da área quando se juntavam para a raspar a mandioca para fazer farinha. Nas suas fantasias de criança relembrou que o Pássaro Preto contava a lenda da Mãe do Ouro que aparecia a cada sete anos e se deslocava da Serra do Ouro para o povoado de Serrote, próximo da fazenda, e ao chegar com o objetivo de visitar sua filha, todas as árvores e seus frutos, como num passe de mágica, transformavam-se em ouro.

Coletando ossos de baleia na região de
Itapuã para fazer suas esculturas.
Criado neste ambiente rural e fantasioso aos onze anos Ramiro Magalhães começa a observar que seu pai ao comer o pão durante o café da manhã e à noite costumava retirar o miolo. Então ele pegava o miolo do pão e fazia pequenas esculturas de animais domésticos entre os quais cachorros, gatos e galinhas.  Aos quinze anos passa a se interessar pelo trabalho dos ferreiros que usavam a bigorna e o fole para moldar as ferramentas a serem utilizados nas roças. Geralmente eram foices, enxadas, cavadores, ferraduras para cavalos e outros instrumentos. O que lhe fascinava era a casa do ferreiro chamado de Fidecino feita de barro batido, conhecido como taipa de sopapo, com paredes e piso ornados artesanalmente em barro. Havia um grande fole de couro que se destacava no centro da sua oficina, e uma enorme bigorna, além de um banco de madeira e sua inseparável moringa. Lembra que “a arquitetura vernacular do forjador”, era para Ramiro Magalhães, “a consolidação de um admirável castelo”, nas suas fantasias de criança.

Obra inspirada no movimento  das minhocas
impregnadas de tintas naturais.
Suas brincadeiras eram sempre voltadas para as aprendizagens artísticas, e sabia que poderia utilizar no futuro. “Tinha o hábito de retirar minhocas do solo, fazia a lavagem dos animais e as colocava em um recipiente tipo cuia, e ficava observando-as se aglomerarem formando uma composição esférica.” Então pegava uma cartolina de cor branca, fixava sobre o solo, e adicionava os anelídeos no centro da cartolina. Depois disso, Ramiro arremessava em cima das minhocas as tintas básicas naturais em partes diferentes, após isso, as minhocas movimentavam- se de volta a caminho do solo deixando os rastros coloridos na cartolina.Compenetrado com o deslocamento dos animais, e a mistura de cores que a realocação proporcionava, enxergava a transformação de cores, o azul ao passar pelo amarelo, se tornava esverdeado, enfim, ali dava-se a síntese de uma infinidade de tons de cores. Aquelas combinações de cores causadas pela movimentação das minhocas, ficaram impregnadas na memória e nos espectros visuais do artista até os dias atuais. Ramiro esperava até que a última minhoca saísse da cartolina formando composições fantásticas, que hoje ele intitula de Tracilismo Minhótico. A partir daquelas observações, estava convicto de que aqueles animais eram para si pintores naturais.

                           EXPOSIÇÕES E ATIVIDADES

Ramiro e Jean Marie Pelt,
Presidente do Instituto
Europeu de Ecologia
 lado de sua escultura 
Os Dedos da Justiça.
Anos depois descobriu que a casca das cajazeiras usadas na fazenda Serrote de seu avô para sombreamento dos pés de cacau servia para fazer esculturas. Disse que uma dessas esculturas representa a Justiça com o dedo indicador em  apontando para fora. Só que observou que ao apontar o indicador, três dedos ficavam voltados para a própria figura da Justiça. Segundo ele, “por isto temos que ter atenção e cuidado ao julgar e condenar outra pessoa, pois quando você julga, o peso da medida pode ser maior, já que enquanto o dedo do julgador aponta, outros três dedos estão voltados para o sentenciador”. A referida escultura que denominou de Os Dedos da Justiça foi exposta no Bahia Othon Palace, sendo premiada e hoje encontra-se na cidade de Dijon, na França, na entrada do escritório do juiz Paulo Blany. O juiz também adquiriu um Pássaro e um Santo Antônio barroco.

Fez uma exposição no Hotel Arco-íris, em Mar Grande, na ilha de Itaparica em 1981. Disse que o navegador Aleixo Belov  palestrou na abertura da exposição contando suas façanhas na segunda volta ao mundo que dera a bordo do veleiro Três Marias.

No ano de 1987, publiquei na coluna Artes Visuais no jornal A Tarde um texto falando das obras de Ramiro Magalhães e de seus estranhos instrumentos musicais que se materializavam em suas pinturas. Em um dos trechos mencionei que Ramiro era um visionário musical. Veja: "
Ramiro em 1987 com sua obra Sax-fício.
Suas telas provocam uma ferrenha vontade no espectador em descobrir o que significa cada elemento que as compõem. Numa observação mais apurada a gente começa a descobrir que se trata de estranhos e gigantescos instrumentos musicais. São verdadeiros protótipos que um dia ele diz que vai construí-los utilizando metais para que funcionem verdadeiramente. Se vão funcionar ou não é outra conversa. O que interessa é que este jovem de São Felipe, interior da Bahia, é um visionário musical. E para acompanhar os estranhos instrumentos que brotam de sua criatividade ele apresenta figuras também muito estranhas a movimentar os foles e as paletas ou cordas de tais objetos.

Ramiro fez questão de mostrar 
a frente do seu ateliê em Paris.
O verde e o amarelo cor-de-cobre sobressaem em muitos de seus trabalhos. Faz também esculturas, a exemplo desta, onde aparece ao lado, que é seu autorretrato escultural, com uma bola sobre a cabeça formando um verdadeiro paliteiro com os pincéis. É neste mundo fantástico que Ramiro Magalhães vive provocando gargalhadas e espanto nas pessoas. Por quase unanimidade reconhecem que por trás desta postura hilariante existe um artista sensível que conhece bem a técnica de pintura e até da escultura. Seu propósito é criar cada vez mais mostrando que tudo é fruto de uma grande força de vontade.”

Disse ele que ao ler o texto na época  “ficou chocado ao entender a responsabilidade que tinha em materializar aqueles instrumentos de suas pinturas.” Por coincidência ou não recebeu uma proposta para realizar uma exposição individual numa galeria de artes em São Paulo, a partir daí  Ramiro resolve pintar 10 painéis de 2,20m X1,70 m e 20 telas  com dimensões de 0,60 m X 0,80 m. Ao conversar com o empresário Gervásio Meneses de Oliveira, o mesmo cedeu para o artista o espaço de um casarão antigo no bairro de Brotas, em Salvador/BA para que pudesse realizar as obras, e além disso, colocou  dois seguranças para a proteção das obras que seriam expostas. Revelou que estava trabalhando para o término dos painéis, e quando faltava finalizar apenas dois quadros menores, por volta das três horas da madrugada, cansado, o artista foi dormir numa esteira ao lado dos quadros, com portas fechadas. Ao acordar depara-se com o mistério diante de seus olhos, todo o acervo de quadros pintados desapareceu subitamente.” Confesso que vim saber agora do sumiço das obras do Ramiro Magalhães.

Escultura arqueológica de 
 ossos de baleia intitulada
a Evafricassofera.
Em 1989 participa do II Salão Baiano de Artes Plásticas, no Museu de Arte Moderna da Bahia, MAM, no Solar do Unhão, e foi premiado com a escultura Evafricassofera , “que é a primeira mulher negra que deu origem ao Continente africano”, segundo o artista. Foram inscritos uns duzentos artistas, apenas 78 selecionados e dez premiados. Este salão foi organizado pelo artista Zivé Giudice, quando de sua primeira passagem como diretor do MAM-Ba, e teve uma repercussão nacional, inclusive a crítica de arte da então prestigiada revista Isto É Radha Abramo fez um artigo que ocupou a página inteira de uma de suas edições e publicou esta imagem da escultura de Ramiro. Em certo trecho escreveu: “As obras de um salão correspondem ao universo cultural de um povo, pois o salão é o espaço público da arte o lugar do surgimento dos artistas”. E continuou: “O humor erótico de Inha Bastos, a composição cromática das formas ingênuas e líricas de Fátima Tosca e a forte expressividade de Ramiro Magalhães são paradigmas a invenção artística do Salão” ...

Também falou que em 1994 criou duas grandes esculturas rupestres de cimento denominadas Latissaura e Jacaréssauro na região da Avenida Dorival Caymmi ,em Itapuã, atrás do Colégio Mascarenhas de Moraes. Participou em 1996 da I Bienal Afro em Salvador, no prédio da antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, em Salvador. Em 1997 fez uma exposição no Congresso Nacional, em Brasília, chamada de Reforma da Forma Humana e uma das peças expostas O Monstro Que Engole O Povo está no acervo da instituição. Todas as esculturas foram feitas com ossos de baleia coletados na região de Itapuã, em Salvador, Bahia.

Em Salvador conheceu a cineasta Anny Blany que estava fazendo uma reportagem juntamente com o fotógrafo Américo Mariano. A amizade se fortaleceu e Anny, que era proprietária da Zoom Zoom Produções, sediada na cidade de Dijon, capital da Borgonha, conhecida terra do vinho. Ela o convidou a  expor suas esculturas, em cinco cidades as suas esculturas numa tournée que durou três meses pelas cidades de Dijon, Mâcon, Lyon, Nancy e Metz. Voltando para Salvador passou a pintar seus instrumentos imaginários.

Esculturas na cidade de Dijon para o
Halloween.
Aí fez cinco esculturas usando excremento de bovinos foram destinadas para a festa do Halloween e ficaram expostas na fachada do Banco Popular de Bourgogne por um período de três meses. Esses trabalhos renderam muita presença nas mídias, e um produtor de vinhos, convidou o artista para fazer uma exposição no jardim do chateau. Como a área era enorme, Ramiro sugeriu fazer 120 quadros, com dimensões de 0,60 m X 80m. Diante do tempo, que era curto para a exposição, o artista teve que usar uma técnica rápida utilizando folhas de alumínio, como base do tecido do quadro, além de tintas naturais fabricadas por ele próprio, intitulado: O lado Oculto do Universo. O proprietário do chateau organizou um evento com portas abertas e durante trinta  dias os visitantes   conhecerem o próprio chateau . A média de visitas viariava entre 800 a 1000 pessoas diariamente.

O mural encomendado pelo francês  
continua  com o artista.
Em seguida contou outro problema desta vez com um francês de Marselha que lhe encomendou um mural de 15m x 2,50cm, em 2004 com a temática Amazônia, e que o mesmo ficaria exposto num salão de jogos muito frequentado por personalidades. Devido ao não cumprimento pelo cliente de cláusulas contratuais desistiu, e seguiu para Dijon, onde já era conhecido. Hoje a obra encontr-se no seu ateliê.

Atualmente vive envolvido na fabricação e experimentos com seus estranhos instrumentos musicais que produzem sons completamente diferentes aos que estamos acostumados a ouvir dos tradicionais  violões, violinos e outros instrumentos de cordas, e também dos de sopro.  Um desses instrumentos é a chamado Cadeira Vibramicrossônica, na qual no ano de 2006 no evento Brasil na França disse ter dividido o palco com alguns artistas consagrados brasileiros,

Com seus instrumentos na
performance comemorativa 
da libertação do Benin 
inclusive com o baiano Armandinho e com seu amigo Yamandu Costa, famoso violonista gaúcho.Num evento promovido pela UNESCO para marcar a libertação de Benin tornou a se apresentar com sua Cadeira Vibrassônica .

Quando lhe indaguei o que significa este nome Simplifista, que não existe no dicionário do Português ele me respondeu: “ O Simplifista Simbólico é como você compactuar a Biblioteca Nacional de Paris e resumir em uma só página, só que faço esta compactação em minhas obras , para que os espectadores entendam com mais rapidez a mensagem e não precisem ler todo o livro, porque na velocidade que estamos, está muito difícil pescar a consciência de uma forma geral, e o artista é um médico da consciência, a nossa missão. Justo para simplificar .”. Falar com Ramiro Magalhães é como viajar e flutuar no tempo imerso em suas fantasias que começam nas palavras e terminam nos seus instrumentos estranhos materializados em seu castelo parisiense.

                                       TEXTO DE MÁRIO CRAVO JR.

Em  13 de junho de 2000 o  escultor Mário Cravo fez uma visita ao local onde estavam as esculturas ruprestes criadas  por Ramiro Magalhães e escreveu este texto que ele guarda com muito carinho. Vejamos:

 Ramiro, o Plástico Desenfreado

A escultura da Latissaura de Ramiro em
Itapuã.
"Uma das características da nossa Salvador da Bahia reside na relação de alguns dos seus cidadãos na área das atividades das artes visuais com a Cidade, com a paisagem, com a natureza. De quando em vez sou surpreendido por um fenômeno imprevisível. uma revelação poderosa da natureza, da Cidade, da relação social do homem com a natureza-mãe; algo como uma tempestade, um desabamento, uma inundação, enfim um fenômeno que abala a ordem pacifica e calma do meio ambiente. Como todos os fenômenos naturais, emergem da terra transformando o ambiente, mexendo na "arrumação das coisas", e, logo a seguir, retornando ao ciclo da rotina, da calma c do silêncio (às vezes o silêncio da música). A mãe natura retorna ao seu aparenteequilíbrio,

A escultura Jacaréssauro sendo filmada.
Nas Artes Plásticas, de quando em vez sucede algo similar, a energia criadora espouca, brutal, lírica, surreal c fantástica. Fenômeno similar acontece na ação enérgica e dinâmica do trabalho e a produção do baiano Ramiro Magalhães, vivo e exuberante que se encontra no seu ateliê e imediações (paisagismo) no seu universo onírico, que está situado num pequeno vale à margem da Avenida, Dorival Caymmi em Itapuã, nos fundos do Colégio Mascarenhas de Moraes escultor, pintor, paisagista, construtor e peão do seu próprio sonho, faz com que sua contribuição criativa mereça ser vista, mais do que isso, espero que suas invenções sejam salvas e protegidas pela entidade pública, pelos órgãos competentes do Estado e da Comuna o amor pela natureza assim como sua intuitiva obsessão ecológica, transformam 0 artista em um arqueólogo de ossos de baleia, de pontas de galho de sobras outras, uma espécie de mágico tropical, simples c puro de arvore exemplar do Artista e Homem Baiano e Brasileiro.
Exímio entalhador, mecânico e inventor possuído, revela-se o jovem artista aos meus olhos uma concreta manifestação telúrica, surpreendente, rebelde e inovador; mais do que isso consegue resistir ao conchavos sociais e as manipulações da comunicação da mídia.
Sendo o artista, imprevisível como a própria natureza, não tenho a veleidade de prever o futuro e de estabelecer limites para o avanço e o enriquecimento do que faz, contudo, o presente, o agora, para mim, representa um espetáculo que merece ser visto e preservado."
Mario Cravo

Nota - Soube que  as esculturas ainda existem, mesmo com a ocupação desordenada da Cidade do Salvador.

sábado, 29 de março de 2025

DULCE CARDOSO FAZ A INTEGRAÇÃO DA CERÂMICA , VIDRO E PINTURA

Dulce Cardoso molda em argila
imagem de um santo .
Estou diante de uma artista com oitenta e dois anos de idade que transparece uma vitalidade impressionante. Ela faz a integração da cerâmica,vidro e a pintura. Para isto Dulce Cardoso vaza a cerâmica para encaixar a peça de vidro numa combinação perfeita. Mantém em sua residência o atelier com oficinas e espaço cultural onde tem mostra permanente de seus trabalhos na Rua Agnelo Brito, no bairro da Federação, em Salvador. Ela fala fluentemente e rapidamente de suas atividades na arte da cerâmica e vive sempre procurando soluções e outras formas de realizar a sua obra. Foi logo me dizendo que “o tamanho do forno não deve ser o limite para o ceramista”. Isto mostra que Dulce Cardoso gosta de desafios, e se o forno é pequeno para a obra que imaginou ou pretende um colecionador, arquiteto, decorador ela vai encontrar a solução. É uma das mais requisitadas ceramistas por arquitetos como o David Bastos, Celeste Leão, André Sá e Milena Sá e também decoradores para complementarem com suas obras em cerâmica ou vidro conjugados os seus projetos para edifícios e  residências.
Mostrou que é capaz de fazer peças de mais de dois  metros graças a soluções que encontrou, como por exemplo, fazer por etapas, e através de encaixes justos montar a peça. Quando indaguei sobre se esses encaixes não poderiam desequilibrar a peça ela simplesmente respondeu que não acontece porque constrói uma base adequada à peça e os encaixes têm que ser muito precisos, não deixando folgas. 
Como escreveu seu amigo Aldo Tripodi “ao longo dos anos alia o domínio técnico com a invenção artística e cria uma poética particular”. Já vi muitas peças feitas por ceramistas famosos e não vi entre as dezenas de peças nas prateleiras e mesas do seu atelier, e nem mesmo nas fotos que manuseei, algo que parecesse com alguma cerâmica conhecida. Tudo tem a marca desta mulher magra, de aparência frágil, mas na verdade é uma artista forte e vibrante que manuseia a argila desde 1984. Além de ceramista ainda mantém um gosto requintado pela culinária, e que divide com sua clientela através do sistema delivery do Temperos do Atelier. Entre seus pratos apreciados está a maniçoba que já foi alvo até de um texto de Helô Sampaio no seu livro de receitas. Fiquei sabendo também que alguns jornalistas e amigos, inclusive o saudoso Silva Filho, juntamente com Helô gostavam de apreciar in loco sua maniçoba e outros pratos.

Tres peças com  flores estilizadas.
Atualmente vem criando peças originais unindo o vidro à cerâmica num trabalho minucioso e cuidadoso por serem materiais que tem a queima em temperaturas diferentes e requerem tratamentos diferenciados. Mas, essas características mexem com a vontade hercúlea desta mulher em criar e enfrentar novos desafios. Dulce Cardoso mostra que adora desafios e sua cabeça não para de imaginar coisas e soluções para esta arte milenar, que existe desde as primeiras civilizações habitaram este Planeta. Primeiro fabricaram os objetos utilitários como panelas e potes. No Brasil lembramos de pronto da cerâmica marajoara produzida por povos indígenas que habitavam a Ilha de Marajó, no Pará, entre os anos 400 e 1400 d.C. Na Bahia de Maragogipinho, onde anualmente é montada uma feira e os oleiros expõem os objetos que fabricam de barro. Eles têm uma forma peculiar de ornamentar as suas peças com arabescos que vêm de muitas gerações, usando a tabatinga, tinta tradicional obtida através de utilização de pigmentos retirados da terra. A palavra Tauá é de origem indígena e significa "barro vermelho" em tupi Aqui na Bahia, em Maragojipinho,  esta tradição está sendo ameaçada com a utilização de tintas industriais principalmente de PVC. Ela lamenta e recomenda que os artesãos de Maragogipinho e outros lugares "continuem a utilizar as tintas tradicionais, ficam bem mais autênticas as peças, também devem evitar copiar peças de fora". É uma profissional ágil, mas exigente com o resultado de sua produção e uma defensora da cerâmica tradicional. "Nós ceramistas que trabalhamos com a cerâmica artística usamos as tintas minerais para colorir nossas peças."

                                                     QUEM É

Variedade de peças com  formas originais.
Ela disse que  peixes são fáceis de estilizar.
A Maria Dulce Cardoso Cardoso é natural de Conceição de Feira, onde nasceu em dez de maio de 1942. Filha do fazendeiro  Epaminondas Mascarenhas Cardoso e Avany Barreiros Cardoso. Seu pai foi um dos pioneiros na criação do polo de avicultura no município e também contribuiu para o fortalecimento da bacia leiteira com a introdução de matrizes de alta performance.  Portanto, sua infância  “foi maravilhosa fazendo pequenas cacimbas, brincando com os bezerros, cozinhando e outras brincadeiras comuns entre as crianças do interior deste país". Disse que  tem quatro irmãos e que sempre iam para a feira local, e no açougue, seu pai tinha uma banca de comercializar carnes, pegavam um pedaço de carne e iam fazer suas paneladas. Lembra que achava o máximo sair com a carne nas mãos presa por uma pindoba. Para quem não é do interior a pindoba é uma palha do ouricurizeiro, palmeira nativa do sertão. Logo que ela lembrou da carne presa numa pindoba me veio à mente rins de ovinos que eram também presos numa pindoba que eu e meus amigos na juventude compravámos para fazer tira-gosto nas nossas farras. Estudou no Grupo Escolar Hermilo Cardozo e banca à tarde com a professora Zelita. Veio fazer o Admissão no Colégio Nossa Senhora das Mercês, localizado na Avenida Sete de Setembro, em Salvador, e ocorreu um episódio que lhe marcou. Fez uma prova de Matemática, com prova oral e escrita, e por poucos décimos a professora lhe reprovou. Seu pai ficou chateado e tirou das Mercês, e a matriculou no Colégio Dois de Julho, no bairro Fazenda Garcia. Ela tinha pouco mais de treze anos de idade, e disse que esta troca de colégios resultou numa completa mudança de ambiente e metodologia. Aí terminou o ginásio e em seguida foi fazer o Curso Pedagógico no Colégio Nossa Senhora da Salete, no bairro dos Barris. Chegou a ensinar no Curso primário numa escola municipal, mas finalmente optou por ir trabalhar com seu esposo Aroldo Cardoso na empresa de refrigeração que criou especializada em projetos e montagens de câmaras frigoríficas, e atualamente é uma empresa patrimonial. Ela passou a trabalhar na parte administrativa. Seu objetivo era fazer Arquitetura e sua mãe a incentivava, mas não levou a ideia adiante. Foi quando teve o primeiro contato com a cerâmica através um curso com o grande ceramista ucraniano Udo Knoff,
Na Foto 1. Vemos o painel que fez com Sante
Scaldaferri para a Secretaria da Indústria.
Foto 2. Painel do Centro de Convenções .
Sabemos que o Centro desabou, e não se
sabe do destino do painel de 32 m2.

na Escola de Belas Artes que ainda funcionava na Rua 28 de Setembro, no Centro Histórico. Levou pouco tempo no curso. “Conheci um pouco, mas não firmei nada”. Certo dia minha avó foi fazer uma exposição de flores naturais através o Instituto Mauá e precisava de uns jarros de barro para colocar suas flores. Então em fui à Feira de São Joaquim e lá por acaso me encontrei com o mestre Vitorino, que é um dos pioneiros da cerâmica de Maragogipinho, e tinha uma barraca de vender produtos de cerâmica. Eu já o conhecia porque ele trabalhou aqui em casa levantando uma parede revestida de cerâmica de Maragojipinho. Foi quando me convidou para comparecer a um curso de torno que ia fazer no Museu de Arte Moderna, nas Oficinas do MAM, que na época eram dirigidas por Juarez Paraíso.  Foi ao curso e conseguiu fazer uma peça no torno, centralizando bem o barro. Muitos alunos colocaram as peças no torno e ao girar caiam longe. Na sua ida ao MAM ficou também sabendo que a professora Bethânia Vargas, já falecida, ia dar um curso de cerâmica. Ela se inscreveu e participou do curso. Lá conheceu alguns artistas como Reinaldo Eckenberger e Ramiro Bernabó . Fez umas máscaras para serem expostas juntamente com outras peças dos alunos do curso. Lembra que roubaram uma das máscaras e que nunca mais encontrou. Ela disse que pintou as máscaras com uns pigmentos minerais e quando foram pro forno a tinta soltou toda. Fui pesquisar e fiquei sabendo que antes tinha de agregar os corantes à argila líquida que chamam de barbotina. Então ela preparou e deu tudo certo.

Dulce tem satisfação em repassar para
 interessados  sua arte milenar .
Durante algum tempo um jovem chamado de Josemar, que é de Maragogipinho, trabalhou com Dulce Cardoso em seu atelier  e aprendeu a fazer vários trabalhos diferenciados. “Incentivei ele a usar as tintas tradicionais dos oleiros de lá para manter a autenticidade como o engobe.” Os engobes cerâmicos são obtidos pelas misturas de argilas, feitos de pigmentos inorgânicos e podem ser fornecidos em pó ou empastados à base de água e outros aditivos que são aplicados à superfície de peças cerâmicas antes ou depois da primeira queima de 600 a 700 graus, que são consideradas queimas baixas. Eles têm uma função estética e funcional dando um conforto de cor e textura, além de melhorar a aderência e impermeabilização. Já existem engobes para baixa e alta temperaturas.

No seu atelier encontramos muitas peças
prontas e outras para finalizar.
Para as pessoas que não conhecem a cerâmica de Maragogipinho, vale a pena visitar. É um distrito da cidade baiana de Aratuípe, fica no Baixo Sul, da Bahia. Dista 227 Km de Salvador e tem uma tradicional produção ceramista. São quase uma centena de olarias que vem passando de geração à geração há cerca de trezentos anos. Podemos ver as cerâmicas de lá em três categorias: religiosas que apresentam objetos sacros como santos da igreja católica e as quartinhas, talhas e porrões do candomblé; as decorativas como o boi-bilha, baianas, porco-cofre, vasos e luminárias; as utilitárias: porta-incenso, gameleiras, travessas, panelas, moringas, potes, entre outras.

Voltando a Dulce Cardoso na sua busca sempre por aprender foi  participar de um curso com o professor Jorge Fernandez  Chiti ,em Buenos Aires e lá recebeu uma apostilha e conseguiu traduzir do espanhol para o português com a ajuda de um dicionário . Confessou que os ensinamentos do mestre argentino são úteis até hoje no seu trabalho de ceramista. Ele tem vários livros publicados e disponíveis na Amazon. Esteve no Congresso organizado pela Revista Mãos na Massa, do  Pascoal Gerdulo, que é o maior fornecedor de argila para ceramistas de todo o país. E de lá foi para o interior de São Paulo para ver o trabalho do artista uruguaio  Angel Roberto Bonino (1932-2008), que tinha um atelier onde trabalhava com vidro ,era um famoso mestre vidraceiro. Fizeram amizade , ela e o esposo Aroldo Cardoso com o Bonino, que lhes passou as informações necessárias para a construção de um forno próprio para o vidro. Hoje ela está integrando o vidro com a sua cerâmica e resulta em peças muito personalizadas, estilosas e criativas. O seu esposo a princípio relutou em construir o forno para vidro, porque sua especialidade é projetos de câmaras frigoríficas e argumentou “que os princípios são bem diferentes”. Mas, construiu primeiro um forno a gás e depois o de vidro. Dulce vem trabalhando cada a vez com mais habilidade nesta integração do vidro com a cerâmica.

                                                                    REFERÊNCIAS

Três pratos personalizados e escultura
modulada para jardim.
Aldo Tripodi - Uma Poética do Barro - A obra de Dulce Cardoso considerada em sua totalidade, reflete uma coerência estilística, e isto é fruto de sua constante investigação, persistência e talento artístico, Constrói sua criação com o barro, que é um elemento de alta plasticidade, mas que requer, esta mesma matéria,  acurado conhecimento técnico para alcançar o resultado desejado. Não se furtando a este desafio, Dulce Cardoso, explora todas as possibilidades que o barro oferece. Ao longo dos anos, alia o domínio técnico com a invenção artística e cria uma poética particular. Inventa e reinventa. Um simples objeto utilitário: um prato, um vaso, torna-se, à parte de sua função prática,um objeto merecedor de uma apreciação artística: também se dedica a escultura, bem como aos painéis, pastilhas e objetos. Para um juízo crítico pouco importa a função do objeto, contanto que este objeto atenda aos critérios que se deseja para uma análise estética, Poucos artistas conseguem aliar praticidade do objeto criado com a possibilidade de uma apreciação, isto requer do seu inventor um vasto conhecimento da técnica por ele eleita e uma refinada sensibilidade. Neste caso Dulce atende a estes pré-requisitos, esta é a razão porque sua obra justifica para ela a afirmação de ser esta artista uma das maiores representantes da arte cerâmica, em Salvador.

Ailton Lima - Popular Erudito na Arte de Dulce Cardoso – “O talento criador de Dulce a impulsiona para investigar valores mutantes, extrapolando ○ convencional. Mescla a pureza do barro com um vigoroso universo cromático, se apoiando nos segredos do secular artesanato cerâmico do nosso Recôncavo, fazendo-o erudito. Dulce marca sua forte presença em qualquer participação coletiva, nos mostrado o brilhantismo no diálogo entre ○ comum e o inovador. É uma artista simples, porém muito segura do seu potencial expressivo, despojada e eloquente no vasto panorama das artes plásticas”.

Bule de vidro para  mostra do Café Cafelier

Leonardo Alencar - A Cerâmica Criativa –“Fomos todos em início modelados no barro, em exigência primeira da tridimensionalidade. Em barro também nossos ancestrais inscreveram seus primeiros nomes e talvez cartas de amor.Com barro também adornaram-se e nele depositaram seus alimentos. De onde vem no entanto este impulso de torná-lo ornato e veículo da comunicação expressiva? Da alma do artista evidentemente, e o artista é aquele coordenador de planos e de espaços, da volumetria ordenada. Dulce Cardoso consegue associar artesanato e a plástica poética em cerâmica, tanto nas de incursões escultóricas, quanto nas de modelagem planimétrica, e esta artista que a Bahia bem poderia conhecer melhor, prepara com doçura e sutileza quase orientais, a representação em barro de livros abertos com folhas tangidas pelo vento; mas não e só isso: o que poderia ser um mero exercício artesanal que por ele mesmo se bastaria, traz o clima de mistério no texto que não se lê, porquê está, mas não é, embora a qualquer momento possa vir a ser, como diz Machado de Assis em Soneto de Natal: "A folha branca pede-lhe a inspiração”, e em Dulce Cardoso o que não falta é inspiração: Colares, gargantilhas, anéis, estojos, travessas, pratos, bandejas, painéis, demonstram a infatigável atividade desta Artista da cerâmica tão apaixonada pelo seu metier. Para os que gostam de Arte e uma alegria visitar o atelier de Dulce Cardoso.

                                                              EXPOSIÇÕES 

INDIVIDUAIS2005 - Sanlazzaro Espaço Arte- Salvador-Ba; 2004 - Espaço Cultural do Atelier - Salvador-Ba; 2003 - Museu de Arte Moderna da Bahia - MAM - Salvador-Ba; 2002 - Museu Eugenio Teixeira Leal- Salvador -Ba; 1998 - Museu BANEB de Azulejaria Udo Knoff. Salvador BA; 1995 - Quereres Café e Arte - Salvador-BA.

SALÕES -Em 1999 - Selecionada para o XXVI Salão Regional de Artes Plástica da Bahia. Vitória da Conquista -BA; XXIII Salão Regional de Artes Plástica da Bahia. Feira de Santana-BA;1996 - II Salão de Artes Plásticas do MAM-BA. Museu de Arte Moderna da Bahia; 1995 - I Salão de Artes Plásticas do MAM-BA, Museu de Arte Moderna. BA. 

PAINÉIS -Em 2005 - Tribuna da Bahia. Salvador BA; 1999 - Centro de Convenções da Bahia. Salvador BA; 1998 - Secretaria da Indústria e Comércio da Bahia. (em Parceria com o artista plástico Sante Scaldaferri). Salvador BA; 1997 - Hotel Portal de Lençóis. Lençóis-BA; 1996 - Mar Hotel Rio Vermelho, Salvador-BA e na Escola de Música da Universidade Federal da Bahia Salvador Ba.

COLETIVAS2005 – Transformação, na Galeria EBEC Salvador-BA; Acervo Espaço Cultural do Atelier. Salvador-BA; 2004 - Terra Cotas da Terra, Conjunto Cultural da Caixa Salvador-BA; 2003 - Nós Mulheres, Galeria EBEC. Salvador-BA; 2001 - Diálogos. Espaço Cultural do Atelier. Salvador BA; Centro de Memória e Cultura dos Correios; Salvador BA; 2000 - Memorial dos

Foto 1 - Conjunto de garrafas. Foto 2-
Painel abstrato na entrada da casa.
Foto 3- Painel no Atelier.
Foto 4. Dulce falando de sua trajetória.
Governadores. Fundação Pedro Calmon, Salvador-BA; Câmara Municipal de Salvador, Índio. Terra. Barro, Exposição Comemorativa aos 500 Anos de Brasil e 450 Anos da Cidade de Salvador, Salvador-BA; 1999 - Museu de Arte Sacra, Resto da Tradição. Salvador-BA;  1998 -  Galeria Caminho das Artes, Salvador- BA;  Shopping Barra, Praça Euvaldo Luz, Salvador-BA; Espaço Cultural da Casa do Comércio, Salvador-BA ;  Livraria Grandes Autores,  Salvador-BA;  1997 - Associação Comercial da Bahia,  O Recôncavo,  Salvador-BA ; Galeria do Cafelier, Salvador- BA;  Shopping Barra,  A arte no Barra, Salvador-BA; 1994- Galeria Bauhaus, Goiânia-GO; 1992 – Sebrae, Hors Lá,  Salvador-BA ; Associação Brasileira de Cerâmica, Espaço Cultural da Estação do Metrô São Bento, Mostra de Arte Cerâmica Contemporânea, São Paulo – SP; 1991- SESI- Serviço Social da Indústria, Shopping Barra -Salvador-BA;  Associação Baiana de Arte Cerâmica,  Casa do Comércio,  Salvador-BA ; Espaço Moviarte - São Conrado Fashion Mall, Rio de Janeiro – RJ; Pintura a Fogo Sobre Terracota, Exposição a Quatro Mãos,  Sorensen e Dulce Cardoso no Museu de Arte Moderna, Salvador- BA ; SESC - Serviço Social do Comércio, Shopping Barra, Salvador-BA; 1990 - Espaço Cultural Forte de Santa Maria, SESI - Serviço Social do Comércio Salvador-BA; Espaço Cultural Forte de Santa Maria. Salvador-BA; SESC- Serviço Social do Comércio, Shopping Piedade, Salvador-BA; 1989 - Galeria do SESC- 1ª Mostra de Cerâmica Artística da Bahia- Salvador-BA; 1988 - Galeria do SESC, Salvador-BA; Biblioteca Central do Governo do Estado da Bahia, Salvador-BA; 1986 - Shopping Center Iguatemi -Alunos das Oficinas do MAM-BA.

Já coordenou vários seminários, cursos e palestras e posso destacar o I Seminário de Design Cerâmico que reuniu os professores Norma Grimberg, de São Paulo, Pascoal Gerdulo, também de São Paulo e grande fornecedor de argila para ceramistas de todo o país; Jorge Fernandez Chiti, da Fundação Condorhuasi, Argentina, que falou sobre Profundizacion Cerámica dentre outros. Este curso foi realizado no Museu de Arte Moderna da Bahia com o patrocínio da Universidade do Estado da Bahia – Uneb e Ucsal. Também em 1990 coordenou o curso de Painéis e Murais, ministrado por David Ruight, e o de Formas, Modelagem e Barbotina, ministrado pelo Prof. Josias Paulo dos Santos / UFBA ; Em 1991 dos cursos Esmaltes para Alta Temperatura e outro sobre Construção de Fornos, ambos ministrados pelo professor e engenheiro inglês Jeremy Fiennes.