ARTES VISUAIS
HELIO OITICICAPublicado no jornal A Tarde em 26 de junho de 1992.
Texto Reynivaldo Brito
Todo o espaço do Jeu de Paume, um dos museus nacionais na Praça da Concórdia, em Paris, recentemente reformado, foi ocupado pelas obras e referências do poeta dos marginais-heróis, um dos artistas menos convencionais da América Latina. A exposição ficará aberta até agosto e é uma homenagem justa a este artista, que rompeu as barreiras do seu tempo e os limites do pensamento então em vigor em seu país, preso pelos grilhões de uma ditadura , que desaguou no caos em que hoje vivemos. São esperados cerca de 50 mil visitantes e, segundo informações chegadas da França , será um dos bons acontecimentos culturais do Verão europeu.
Tomara que esta previsão se transforme em realidade e que a obra de Hélio Oiticica seja bem mais vista do que a realizada recentemente no Centro de Arte Contemporânea White de With, em Roterdã ,na Holanda,onde foram expostos seus bólidos e Parangolés. Depois de Paris , os trabalhos de Oiticica vão para a Fundação Antônio Tapies, em Barcelona e, em seguida, para Portugal e Estados Unidos. Somente em 1994 a exposição desembarca no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
As obras de Oiticica expostas foram produzidas entre as décadas de 50 e 70 e estão sendo apresentadas com uma mostra paralela de filmes experimentais realizados por amigos do artista, entre eles o baiano Glauber Rocha, com seu filme Mangue Bangue, e O Anjo Nasceu, de Julio Bressane. Recebi um farto material enviado por D. Vera Simões, de Paris, onde podemos vislumbrar o interesse dos organizadores da exposição pela obra desse artista terceiro-mundista, mas de uma visão de vanguarda que permite a sua contemporaneidade até nos dias de hoje.
Morto aos 43 anos de idade, a sua obra está ganhando o caminho da Europa graças a outro baiano, o talentoso e polêmico Wally Salomão, que até já organizou o Carnaval de Salvador. Ao lado da museóloga Catherine David, comissária da mostra, nomeada pela diretoria do Jeu de Paume. Para ela , a obra de Hélio Oiticica é uma revelação da cultura brasileira e lamenta que seu processo de criação tenha sido interrompido com a eclosão do regime militar. Foto de Caetano Veloso vestido com um parangolé de Hélio Oiticica.
UMA GERAÇÃO
Na realidade , o pensamento de Hélio Oiticica era comungado por uma geração inteira de estudantes, cineastas, artistas plásticos, poetas, escritores, etc., que queriam uma transformação da sociedade brasileira em busca de uma justiça social. De lá para cá , o que estamos assistindo é a degradação social com o aumento da pobreza e uma explosão demográfica desenfreada, que coloca por terra qualquer plano econômico.
O coordenador do Projeto Oiticica é Luciano Figueiredo, que ressalta a influência que ele sofreu dos “construtivistas europeus, em seguida dos neoconcretos, com expressões e propostas muito próprias, os quais já insinuavam as invenções que realizaria depois com os Parangolés. Aos poucos , sua arte foi se tornando cada vez mais radical. Na última fase, nem se pode dizer que ela ainda tivesse alguma coisa a ver com a pintura ou escultura. É exatamente por isso que seus trabalhos estão chamando tanta atenção do público europeu”.
MUITAS OBRAS
São 167 trabalhos de Hélio Oiticica, sendo a maior já realizada com sua obra, com alguns inéditos. Toda a sua inventividade pode ser vista, tocada e vivida através dos Parangolés, dos penetráveis. Enfim, o visitante , ao entrar no Éden , tira antes os sapatos e brinca com a água, enquanto ouve música. Em A Tropicália, o visitante entra em contato com pássaros e tem os Parangolés que podem ser vestidos, portanto, segundo os organizadores, é um trabalho voltado para o sensorial das pessoas.
Oiticica é carioca e nasceu em 1937, morrendo em 1980. Tinha 43 anos quando sofreu um derrame cerebral, vindo a falecer. Era filho do cientista e fotógrafo José Oiticica Filho e neto do líder anarquista e filólogo José Oiticica. Logo, depreendemos que viveu sob a influência intelectual muito forte. Começou a estudar pintura aos 17 anos no MAM. E, já no final da década de 50, apresentava ao público a série Monocromática, onde buscava uma “cor pigmentar material, opaca”.
Em seguida passou a se preocupar com o suporte da obra de arte, não conformado com o limite da tela. Surgiram suas experiências Bilaterais e Relevos Especiais, em 1959, onde as formas de madeira ganham os espaços. Vieram as “asas-delta do êxtase”, como batizou o poeta Haroldo de Andrade, cujo texto está inserido no material , que me chegou de Paris.
Seguindo seu caminho, Oiticica foi radicalizando até o surgimento dos Parangolés e Penetráveis. Sabemos que os Parangolés são uma espécie de capa e foram vestidos por seus amigos, a exemplo de Caetano Veloso e outros, mas se destinavam aos sambistas dos morros cariocas. Ele teve muitos contatos com os integrantes da Escola de Samba Mangueira e também com o bandido Cara de Cavalo, que foi morto em confronto com a Polícia . Morou em Nova Iorque de 70 a 78, onde enriqueceu suas informações sobre música, chegando a afirmar, certa feita, “o que faço é música”.
Nesta mostra parisiense, estão objetos pequenos como um ovo com um elástico e instalações, que ocupam salas inteiras. Esses paradoxos são próprios de sua arte. Também está sendo lançado um livro sobre o artista, reunindo textos de vários intelectuais brasileiros, e também de críticos estrangeiros que conhecem a sua polêmica obra e sua trajetória.
Uma coisa que me chamou a atenção é a simplicidade do material de divulgação. Não são catálogos luxuosos, porém, bem ilustrativos e com vasto conteúdo sobre o artista. Uma demonstração que a ostentação muitas vezes pode funcionar melhor em outras ocasiões. Portanto, uma lição para os nossos artistas , que vivem correndo atrás de catálogos luxuosos em papel couché e com muitas ilustrações coloridas, muitas vezes até inviabilizando um projeto com mais conteúdo pragmático.
É verdade que o artista nunca se preocupou com uma retrospectiva de sua obra. Aliás, esta postura é sempre presente na maioria dos artistas quando jovens, e mudam de posição quando a idade chega.Dai passam a correr atrás de patrocinadores para fazer uma retrospectiva com um catálogo representativo de suas obras. Isto é bom porque documentam suas trajetórias e nos revelam detalhes que muitas vezes passariam despercebidos.
Nesta retrospectiva de Oiticica,
( foto do artista) os organizadores resgatam um dos aspectos importantes de sua obra que foi a perfeita união com o cinema, principalmente com a produção dos anos 60 e 70. São 30 filmes escolhidos dos diretores amigos do artista e que, de certa forma, trabalharam juntos. Estão sendo apresentadas até algumas raridades como Câncer, de Glauber Rocha, onde o ator é Oiticica; Agripina e Roma-Manhattan, realizado pelo próprio artista em 1972; e o Cinema Falado, de Caetano Veloso. Tem ainda filmes de Julio Bressane, O Rei do Baralho e o Anjo Nasceu; de Rogério Sganzerla, O Bandido da Luz Vermelha; de Osvaldo Candeias, A Margem ; e de José Mojica Marins, O Zé do Caixão, Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver. Do cineasta Ivan Cardoso será apresentado HO ( Hélio Oiticica ) rodado em 1979, além de Nosferato no Brasil de 1971, considerado um clássico underground com o letrista Torquato Neto, também já falecido, no papel de vampiro. Do Neville de Almeida, parceiro de Oiticica o polêmico filme Cosmococa, de 1973, onde são incluídos desenhos feitos com a coca, que hoje degrada muita gente boa por este mundo afora.
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