BETTY KING : A FAMÍLIA COMO REFERENCIAL
ARTES VISUAIS
Jornal A Tarde Salvador 25 de julho de 1980.
Texto Reynivaldo Brito
Jornal A Tarde Salvador 25 de julho de 1980.
Texto Reynivaldo Brito
Betty King na abertura de sua exposição na ACBEU em julho de 1980. |
A americana-brasileira Betty de Almeida King ou simplesmente Betty King , como ela gosta que a tratem, está de volta à Bahia, desta vez para uma exposição Álbum de Família, na Galeria da Associação Brasil-Estados Unidos, no Corredor da Vitória. Nascida em New Orleans, nos Estados Unidos, em 1932, desde cedo mostrou uma forte inclinação às artes tendo estudado na Universidade de Lousiana e depois com Hans Hofman, em Princetentown. A seguir transferiu-se para a Europa estudando na École de Beaux Arts e na Grand Chaumier, de Paris. Volta aos Estados Unidos onde permanece alguns anos e casa com um brasileiro vindo a morar no Rio de janeiro e, depois em Salvador. Em 1968 rompe com tudo que havia estabelecido e volta à Europa e Estados Unidos para ver de perto a arte que estava sendo produzida por lá. A partir de 1970 fixa-se nos Estados Unidos e uma vez por ano tem visitando o Brasil.
Este é, em poucas palavras , um resumo da vida artística de Betty King esta americana-brasileira que tornou-se inicialmente conhecida como uma boa pintora ligada ao concretismo. Em seguida , dá uma dimensão maior de sua obra utilizando placas de alumínio anodizado, e agora está pesquisando a fotografia e realizando experiências com super-8. Porém, como demonstra na sua atual exposição não abandonou a prancheta e o cavalete . Vemos excelentes telas ligadas à família, porque a grande maioria representa uma transposição de cenas reais para a fantasia criadora da artista.
SUA TRAJETÓRIA
Na foto a abertura da sua exposição em Salvador em julho de 1980. |
Durante duas horas conversei com Betty King na casa de parentes no bairro de Amaralina,em Salvador-Bahia tentando estabelecer um pequeno histórico de suas atividades como artista. Porém , este texto não pretende ser um documento concluído, pelo contrário , um documento que dê início a outro com novas informações que devem ser somadas sobre esta artista dócil e criativa.
Revelou Betty King que a arte sempre foi uma coisa inerente à sua própria personalidade de mulher,uma inquietude que carregava dentro de si e que explodiu pela primeira vez, quando ela ainda era criança. Betty pegou alguns insetos, cavou buracos e em seguida cobriu-os com vidro, chamando a todos para ver . Era a primeira exposição espontânea desta artista extrovertida.
Ainda garota preparou uma série de objetos de cerâmica, todos utilitários, os quais permaneceram muito tempo integrando a sua coleção de brinquedos. Assim, os dotes criativos de Betty iam ganhando os espaços e o conhecimento no círculo de amizades. Continuou desenhando até que foi estudar na Universidade de Lousiana.
Conta Betty que, certa vez, achou um rolo de papel e utilizou tudo que havia em novos desenhos. Carregava consigo uma forte vontade de realizar, de criar, de expressar sua sensibilidade. Com isto os amigos foram se afastando e seus pais não conseguiam entender esta sua projeção para as artes.
Tudo foi feito para desvia-la. Como sua mãe saía o dia inteiro para o trabalho desejava que Betty cuidasse da casa. Mas, o desejo de criar sempre foi mais forte. Continuava pintando e vieram os primeiros elogios, necessários para definir sua opção pela arte. Enquanto, suas colegas procuravam ganhar dinheiro ou arranjar um marido, Betty cuidava de seus pincéis, de seus papéis e de suas figuras incompreendidas.
ERA DIFERENTE
“Era considerada diferente e sofri muito com isto. Enquanto todos procuravam as festas, os parques e os agrupamentos eu ficava, horas e horas, totalmente, dedicada à minha arte. Se é que poderia chamar o que fazia naquela época de arte. Recusei outros cursos que não estivessem ligados ao meu desejo de criar. Queriam até que estudasse violino e aprendesse balé clássico. Acho excelente quem sabe tocar violino e dançar , mas acontece que minha opção era por outra manifestação artística ou seja as artes plásticas”, adianta Betty King, falando um português entremeado de palavras incompreensíveis e com um sotaque muito carregado.
Depois de realizar o seu curso colegial em New Orleans a jovem Betty King parte para uma carreira promissora ligada à arte. Estuda em vários cursos regulares e livres e dedica-se totalmente à pintura. Porém, o destino levou-a encontrar um industrial brasileiro com quem casou e teve dois filhos. O primeiro , de nome Marco, chegou ao Brasil com um ano e pouco de idade. Vieram morar no Rio de janeiro e depois em Recife, foi quando “entrei em contato com a Bahia e não mais queria sair daqui. A atmosfera das pessoas e da cidade encheu meu espírito. À esta altura já estava com duas crianças, tinha nascido Vânia”.
Tudo contribuiu para que ficasse principalmente depois que encontrou Pietro e Lina \Bo Bardi que estavam organizando o Museu de Arte Moderna da Bahia, cuja célula começou a funcionar no foyer do Teatro Castro Alves. A amizade estabelecida entre Betty e Lina levou- a organizar a exposição individual no foyer do Teatro Castro Alves, com grande sucesso. Era sua fase concretista onde apresentava composições em formas não muito definidas, umas em tonalidades fortes e outras fracas que permitiam ao espectador uma visão lúdica. Juntando-as surgiam as figuras de mulheres, de crianças e bichos. Eram telas de cores tênues e delicadas, que embora feitas a óleo lembravam a técnica do pastel. Foi um sucesso total e todos gostaram dos trabalhos da jovem americana. Estávamos no ao de 1961. Logo depois em 1962 , participa de uma coletiva na Galeria das Folhas, em São Paulo, também ,sob o patrocínio de Bardi. No ano seguinte em 1963, expõe novamente no Museu de Arte Moderna da Bahia, sendo que desta vez surgem as figuras das baianas, dos pescadores, mais nítidos e melhor trabalhadas. Participa da coletiva Artistas do Nordeste, no Museu de Arte Popular, hoje, desaparecido. Em 1964 expõe na Galeria ACBEU, no Rio de Janeiro, também numa exposição coletiva.
ENCONTRO COM ARTISTAS
É bom lembrar um pouco da importância desde último evento. Betty King conseguiu reunir no Museu do Carmo importantes expressões das artes em nossa terra. Retirou dos ambientes fechados e dos ateliers de artistas já famosos e os colocou no meio de um palco que mandara construir e no centro do pátio do museu. Ali os artistas faziam o seu trabalho atraindo a curiosidade de pessoas, antes totalmente desligadas da arte. Assim, Mário Cravo foi fazer suas esculturas, portando seu inseparável maçarico: outros dançaram e pintaram suas paisagens de Alagados, casarios ou mesmo executaram uma arte carregada de contemporaneidade. Foi uma exposição marcante e que poderia ser repetida muito mais importante que as tais oficinas criadas recentemente pelos integrantes do Festival Arte/80. Isto porque , as oficinas estão trancadas a sete chaves nos velhos barracões da Escola de Belas Artes, e tratadas num plano secundário. Basta dizer que durante a realização do festival muita gente não está informada sobre a Oficina Nacional de Dança, sobre atividades teatrais e nada sobre artes plásticas. O amadorismo imperou mais uma vez. Mas ,esta é outra conversa.
Voltando a falar sobre Betty King, em 1967 retorna aos Estados Unidos e expõe na Rebeca Harkens House, em New York, e executa um bonito mural existente no Centro Industrial de Aratu. Devo acrescentar que naquela época o Centro Industrial de Aratu - CIA exercia um importante papel como mecenas das artes.Todos os meses era adquirido um trabalho de arte pelo então superintendente Rivaldo Guimarães e este trabalho servia de capa para a revista do CIA. Porém, esta época passou e o CIA tinha um razoável acervo. Atualmente não sei o destino dessas obras.
Um dos anos mais promissores de sua carreira foi em 1969. Realizou exposições no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no Instituto dos Arquitetos de São Paulo e executou um grande mural para a Alcan Alumínio do Brasil, São Paulo. Em 1970 expõe no Museu de Arte Moderna da Bahia e em 1971 realiza o mural existente no edifício da IBM, no Canela, e uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco. E, assim vieram sucessivas exposições sempre marcadas pela personalidade forte desta artista.
ARTISTA VIAJANTE
Hoje, podemos dizer que Betty King é uma artista viajante. Hoje está em Salvador, amanhã em São Paulo e no dia seguinte em New York . Três ou quatro dias depois ei-la de volta sorridente e querendo trabalhar. Realiza assim exposições em várias cidades do Brasil e principalmente nos Estados Unidos. Gosta de estar em constantes contatos com o que existe de mais moderno no setor das artes. Uma necessidade que marcou a sua trajetória de artista. Basta passar as vistas nos locais onde realizou exposições para sentirmos a inquietude e a vontade de realizar de Betty King.
Outro aspecto interessante na arte de Betty King é a utilização da figura. Mesmo quando trabalha com placas de alumínio anodizado, de quando em vez, encontramos as figuras de mulheres e bichos. Essas figurações acompanham Betty durante toda sua trajetória artística.Algumas vezes mais definidas, outras menos definidas. Mas, sempre a figura, sempre os nus e as caras de gatos e cachorros. Ela explica este gosto pelos animais dizendo que “sempre procurei me expressar através de formas. Tanto quando trabalho na prancheta realizando as minhas pinturas, tanto quando estou trabalhando com metais, utilizando a segunda e terceira dimensões que tenho os animais presentes. É uma necessidade que sinto . Não gosto de ficar trancada”.
Já trabalhou várias vezes em fábricas com operários e a sua primeira experiência aconteceu na Bahia , ma Metalúrgica Invicta. Ficou realmente sensibilizada com o interesse dos operários em contribuir para a execução de um trabalho de arte, embora o entendimento deles fosse limitado. No entanto foi importante porque nada mais importante do que o contato com a arte. Esta conscientização-educação deve ser feita por todos aqueles que possam dar uma contribuição para os sem oportunidades.
EXPOSIÇÃO ATUAL
Revela Betty King que continua sentindo a necessidade de uma comunicação mais abrangente com o seu público. Agora está partindo para experiências com fotografias e cinema e, assim , espera atingir um número cada vez maior de consumidores de suas mensagens.
Continuará se utilizando da figura como forma de expressão. Elas aparecerão em suas novas experiências com os corpos nus caras de cachorros e gatos, etc. Sempre a vida faz-se-à presente, porque Betty é uma artista que ama a vida e tudo que palpita.Basta observarmos que mesmo nas placas frias do alumínio anodizado ela consegue transpor a vida através de suas figuras não totalmente definidas e também da cor.
Agora ficamos mais confiantes em afirmar isto depois desta mostra na ACBEU que ela intitulou “Álbum de Família “onde desfila homens bigodudos, jovens com vestes esvoaçantes, o cachorro querido e, assim por diante. Há sempre na obra de Betty uma volta constante às suas raízes, à sua infância, revelando como que uma preocupação em preservar a família. Inclusive, durante a conversa que mantivemos pude notar que a família sempre esteve presente direta ou indiretamente em sua arte. Foi casada com um industrial quando freqüentou algumas indústrias e onde trabalhou com vários operários.
Quando indaguei se a família interferiu positivamente ou negativamente em seu trabalho ela não teve dificuldade em afirmar: “Ajudou, mas não sei até que ponto o trabalho superou a família e vice-versa”. O que existiu e existe é a procura do ponto de equilíbrio para controlar as duas atividades. Acho que a família é importante até como referencial e basta lembrar que seus filhos , sempre funcionaram como modelos e o cachorro de seu filho Marco, serviu numa fase inteira de sua carreira. Portanto, a ligação família-arte foi positiva para Betty . Mas, teve um momento em que queria sair um pouco para ver a linguagem universal de colegas instalados em outros centros culturais e por isto voltou algumas vezes aos Estados Unidos e Europa. Esta necessidade de falar uma linguagem universal ainda carrega com muita força dentro de si. Creio que está trilhando este caminho.
E, finalmente , Betty diz "hoje sou uma artista que já vi esta linguagem universal. Já convivi com as pessoas que falam esta linguagem e estou buscando uma integração cada vez maior com ela. Espero que seja compreendida e a família como é uma coisa universal e intrínseca pode ser um caminho para abrir ainda mais as minhas potencialidades sempre na direção de fazer algo novo e atual”.
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