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segunda-feira, 24 de maio de 2021

O MÉDICO QUE TAMBÉM ENSINOU A PINTAR

O médico Octávio Torres  era um  profissional conceituado em Salvador nos idos de 1910,especialista em doenças tropicais,  mas tinha uma outra habilidade que era a arte de desenhar. Ele deixou registrado em seus desenhos feitos a carvão de algumas cenas da Cidade do Salvador no início do século XX. Era natural da Vila Santa Izabel do Paraguaçu,hoje município de Mucugê, onde   nasceu em 25 de setembro de 1885. Estudou Medicina  sendo diplomado em 1909, tornando-se depois  professor Catedrático de Patologia Geral, em 1912.  Na foto acima vemos o Colégio dos Jesuitas,em 1808, no Terreiro de Jesus, hoje funciona a Faculdade de Medicina.Esta obra foi feita em carvão sobre papel tem a dimensão de 60 cm x 164cm, e é datada de 1956.                                                                              
Imagem de Octávio
Torres ,na Faculdade
de Medicina da Ufba.

O desenhista Octávio Torres frequentou  também o Liceu de Artes e Ofícios, e estudou na Escola de Belas Artes os cursos de pintura, escultura e arquitetura, sendo que este último não chegou a concluir, interrompendo no segundo ano. Ganhou uma bolsa de estudos  para os Estados Unidos indo estudar na Universidade de Harvard , Instituto Rockfeller e  no laboratório bactereológico na cidade de Wasghinton.Tem mais de 250 publicações científicas, literárias e biografias. Aposentou-se após 44 anos de serviço, e faleceu em Salvador no dia 31 de maio de 1963.
  No livro Vultos da Medicina Brasileira, o autor Carlos Silva Lacaz escreveu sobre Octávio Torres :
Vemos ai a Praça dos Veteranos ,também em 
carvão feito pelo médico pintor e desenhista

"Que os moços saibam enaltecer a obra científica e social do professor Octávio Torres, brasileiro dos mais ilustres, trabalhador infatigável,o grande animador da campanha pró-lázaros em terras da Bahia". 
Ensinou na Escola de Belas Artes a disciplina Anatomia e Fisiologia Artísticas após concurso que prestou em 1932. Lembra o professor Juarez Paraíso que "Octávio Torres era da geração dos professores da década de 1930 e 1950 . Ele foi substituído por Aldemiro Brochado  que fez um brilhante concurso para Livre Docente na cadeira de Anatomia Artística . Brochado não desenhava bem. Fui convidado por ele para dar aulas de Desenho , dizendo que tinha sabido que eu era o melhor professor de Desenho da EBA. Eu respondi, dizendo que isto não era verdade , mas que, de qualquer forma, esperava que ele fosse um ótimo aluno . Resultado , ele tirou 10 na prova de Desenho Artístico , para assombro de todos , inclusive de três professores do Rio de Janeiro."

sábado, 15 de maio de 2021

EMÍDIO MAGALHÃES E A PLACIDEZ DE SUA OBRA

O mestre Emídio Magalhães numa exposição .

Era uma tarde qualquer no meio de uma semana  quando telefonei para Emídio Magalhães, professor  aposentado da Escola de Belas Artes e um dos  grandes retratistas que a Bahia já conheceu.  Acertamos a entrevista  para o dia seguinte, e lá fui  encontrá-lo . Me recebeu com um sorriso cheio de  placidez e sabedoria. Os cabelos brancos  e  mostrando uma calma fruto da sabedoria e da   existência que nos presenteou com belas obras . Sua  casa tinha uma vista privilegiada para o mar em  plena  Enseada dos Tanheiros, no bairro da Ribeira,  próxima ao prédio onde funciona a Sorveteria da Ribeira, tão conhecida e procurada pelos baianos.Anos depois, soube que adquirira  uma nova moradia  e com sua família foram morar pras bandas da orla marítima. Comprou novos materiais de pintura e estava com muitos projetos e vontade de pintar. Mas, não conseguiu realizar o seu sonho. Foi fazer  a uma cirurgia de catarata dos dois olhos simultaneamente e ficou totalmente cego . Deixou mais esta lição. Não faça cirurgia de seus olhos dos dois ao mesmo tempo. Emídio Magalhães Lima  nasceu no ano de 1905 e faleceu em 1990.

                                                             SUA TRAJETÓRIA
O famoso retrato do
reitor Edgard Santos
 No ano de 1930 ele concluiu o Curso de Pintura na Escola de Belas Artes e   participou do concurso para professor adjunto de Desenho, da Escola Técnica   da Bahia, tendo sido aprovado e exercido a função durante dois anos. Em  1932  ganhou o Prêmio Caminhoá , com direito a uma viagem para estudar na   Europa, porém, o Governo da Bahia de então não liberou os recursos para que   pudesse seguir viagem. 
 Já em 1939 recebeu a Medalha de Bronze, no Salão Nacional de Belas Artes,   e  a partir daí foi premiado com medalhas em quase todas as suas   participações  em salões. Em 1950 ganhou a Medalha de Prata com a obra   "Retrato de Devesa", no Salão Paulista de Belas Artes.
 Em 1953 ocupou o cargo interino de professor de Desenho Ornamental, na Escola Técnica, de Belo Horizonte, função que exerceu até 1957, quando foi convidado pelo então diretor da Escola de Belas Artes da UFba para ministrar, como professor contratado as aulas  no Curso de Pintura. Foi um dos grandes sucessores do mestre Presciliano Silva.Como bom retratista que era pintou o reitor Edgard Santos, os professores da Faculdade de Medicina da Bahia Arestides Novis,  Antônio Luiz Cavalcanti de Albuquerque de Barros Barros , Eduardo Diniz Gonçalves e Eduardo Albertazzi Diniz Gonçalves. Em 1957 recebeu a Medalha de Ouro no Salão Baiano de Belas Artes . 
Baiana de Acarajé de
da minha coleção
.
 Em 1961 seguiu a carreira de docente como professor da Escola de Belas  Artes, da qual foi diretor a partir de 1967. Talvez sua produção artística seja  um pouco limitada diante do seu grande talento porque ele se envolveu em  várias transferências de local e decisões administrativas relevantes para o  futuro da EBA, tomando parte também de decisões administrativas relevantes  Em 1963 recebeu a Medalha de Ouro, no Salão Nacional de Belas Artes,vencendo vários de seus colegas , inclusive o seu mestre Presciliano Silva.
 Participou nos anos 1939,43,44,49 e 51 do Salão Nacional de Belas Artes,  no  Rio de Janeiro. Nos anos 1949 e 50 do Salão Paulista de Belas Artes. Em  1959 da exposição Um Século da Pintura Brasileira, no Museu de Belas  Artes,  do Rio de Janeiro. Em 1957 do Salão Nacional de Belas Artes, em  Salvador. Nos anos 1967,69,70 e 76 de mostras na Panorama Galeria de Arte, em Salvador, da qual era o Patrono, segundo informa a artista e galerista Anna Georgina. No ano 2000 foi postumamente homenageado com uma exposição  100 Anos de Emidio Magalhães , na Galeria Cañizares, da Universidade Federal da Bahia. 
Publico aqui um texto escrito em 2007 por Juarez Paraíso sobre o professor Emidio Magalhães, onde ele ressalta as suas qualidades artísticas e também o seu jeito simples de ser. 
      O título do texto é O   Mestre Emidio Magalhães. Vejamos:
Vaqueiro de Couraça
 "Conheci o Mestre Emidio Magalhães logo após a aposentadoria de   Presciliano Silva, quando ocupou o seu lugar no ensino da cadeira de   Pintura.  Fui seu aluno durante três anos e cultivamos uma preciosa e   duradoura amizade. Pintou o meu retrato, “de corpo inteiro”, obra premiada   no Salão Nacional de Belas Artes, o qual eu tive o prazer de oferecer para o   acervo da Escola de Belas Artes, em 1997. Fui seu aluno durante a década de   1950, ao lado de Sante Scaldaferri, Riolan Coutinho, Mercedes Kruschewski,   Yêdamaria, Augusto Bandeira e tantos outros de tão prezada memória. Dos   grandes mestres da Academia, Jair Brandão, Mendonça Filho, Alberto   Valença e Ismael de Barros, Emidio Magalhães era o mais modesto, mas não menos talentoso. Dotado de uma excepcional habilidade e domínio técnico na área da pintura realista, dispensava o emprego tradicional do desenho como suporte para a realização de suas pinturas, principalmente com o gênero de retratos que oferece enorme grau de dificuldades. Atacava diretamente a tela com o seu pincel carregado de tinta, com golpes certeiros, sempre precedido de intensa concentração. Pintou inúmeros retratos, para vários particulares e instituições, sempre buscando “o caráter psicológico” do
Nu feminino 
acervo EBA.
 retratado, independentemente do seu  caráter físico, o que sempre conseguiu com  sucesso e extraordinária riqueza plástica.  Dentre outros, extraordinário exemplo é o  retrato do Reitor Edgard Santos, que se  encontra na Reitoria da UFBA. Conhecido e respeitado nacionalmente ,  Emidio  Magalhães foi bem sucedido nas exposições e salões nos quais apresentou os  seus  trabalhos, sendo premiado várias vezes no Salão Nacional de Belas Artes.  Comprometido com as causas sociais, sempre passou para os seus alunos a sua  necessidade de expressar   respeito pela vida e pelas pessoas mais simples, através da  arte da pintura. O seu “realismo social” está bem expresso em pinturas como “O  Bebedor de Pinga”, “Baiana do Acarajé de Saia Rosa” e o “Vaqueiro das Ilusões”. A  fatura pictórica de Emidio Magalhães é caracterizada pela pincelada “gorda”, carregada de tinta, ao contrario das pinceladas curtas e econômicas de Presciliano ou Valença. A sua pincelada não indica apenas a cor local, pois imprime também a energia da ação exercida pelo artista em busca do movimento mais expressivo no modelado dos planos anatômicos, o que enriquece o seu Realismo honesto e sem truques, aumentando a importância artística dos seus retratos, superando os limites da simples fotografia dos seus modelos."



terça-feira, 11 de maio de 2021

NOVO ÁLBUM DE SÉRGIO RABINOVITZ

Capa do álbum "A Vida Secreta das Plantas."
O
artista Sérgio Rabinovitz acaba de lançar seu   terceiro álbum de monotipias "A Vida Secreta   das Plantas", editado pela Editora  Resiliente  com   10 monotipias  de 18 x 24 cm em papel   Canson de   300g, mantendo assim o seu compromisso de   semestralmente criar novas  obras  e apresentá-las     na  forma de álbuns. Elas podem ser adquiridas  ao   preço de R$450,00 a  unidade.
O primeiro álbum   intitulado   Resilientes já  está esgotado e surgiu   logo no   princípio da   epidemia no ano   passado,   atendendo uma sugestão do escultor Israel kislansky. Foram produzidas  várias obras de autoria de Israel Kislansky, Sérgio Rabinovitz, Bel  Borba , dentre   outros , e o resultado das vendas doardo às pessoas mais necessitadas. As monotipias de Sérgio Rabinovitz foram vendidas as R350 cada. 
Eles tiveram  a preocupação de evitar divulgação ampla para não parecer que estariam usando esta ação
O álbum Paz  foi um sucesso

de solidariedade para se promover. O importante é que todos eles foram imbuídos da melhor das intenções. Daqui quero mandar um abraço solidário para esses artistas, e  em especial ao Israel Kislansky, que teve esta ideia do projeto.  Faço este registro para que pessoas de outras categorias profissionais e mesmo mais  artistas possam ser tocados da necessidade de sermos solidários neste momento desta terrível pandemia que já ceifou milhares  de vidas, empresas e empregos.
Voltando ao trabalho de Sérgio Rabinovitz  ele verificou que devido a receptividade alcançada com Resiliente resolveu produzir  mais dois álbuns temáticos o PAZ e A Vida Secreta das Plantas. Disse o artista que "a partir de então um sonho se transformou em realidade", e que o sucesso do primeiro álbum o animou a prosseguir,a seguir em frente com o resgate da acessibilidade, premisssa fundamental da gravura desde os seus primórdios."
Uma das monotipias integrantes do álbum  
"Resilientes"
 Ai veio o segundo álbum que ele se expressou dizendo "Celebro esse momento transmitindo minha   mensagem de PAZ, através  desse  catálogo limitado   que reúne 11 monotipias de  18 x 24 cm em papel   canson de 300 g, por um valor promocional de   R$380,00 cada." Em pouco tempo este catálogo   também se esgotou. 
 Foi um trabalho próprio do   artista, sem o objetivo de doação.Falando sobre o   álbum mais recente " A Vida Secreta das Plantas"   Sérgio  lembra que "vivemos em um mundo cada   vez mais carente de ressignificação . Esses lindos   seres de pura beleza e sensibilidade e de universal   inteligência quântica, têm muito a nos ensinar.   Tenho  nelas , mais que inspiração permanente, conselheiras e confidentes, na cumplicidade de estórias de que me atrevo a compartilhar  com um convite para que viaje comigo nessa breve jornada de pura emoção !" 
Portanto, o convite está feito, e só nos resta apreciar a beleza dessas dez novas monotipias onde a natureza mostra mais uma vez a sua beleza e grandeza. Como sou um viciado em plantar, e cultivo com muito zelo e carinho uma pequenina mancha de Mata Atlãntica intacta  fico muito à vontade para apreciar mais este trabalho de alta qualidade do Sérgio Rabinovitz baseado nas plantas.Ele passou mais de um mês criando este álbum  trabalhando sózinho,  como ele mesmo revelou "com uma colher de pau na mão,  para poder   oferecer esse trabalho a preço acessível , dentro do espírito da gravura."  

                                              A TÉCNICA USADA 
Sérgio trabalhando em 
suas monotipias.
"A monotipia teve origem no século 17, com Giovanni Benedetto Castiglione  que nasceu em 1616 e morreu em 1670Sabemos que a  reprodução permite maior acesso desde os tempos longínquos  da   Idade  Média, quando foi criada e se notabilizou com a descoberta da  prensa de  Gutemberg. 
Como estamos numa plataforma digitial é sempre bom falar sobre esta  técnica da monotipia, que é simples e  utilizada por muitos artistas  importantes como Degas, dentre outros, e  resulta em belas e valiosas  obras. Para sua confecção são usadas tintas de gráfica ou outras de  secagem lenta à base de óleo. 
Como base pode ser utilizada uma placa de acrílico, fórmica,vidro ou  outro material liso. Aplicando uma camada de tinta sobre a placa com um  rolo usado em xilogravura ou em gráficas você vai distribuindo a tinta  para ficar com uma camada mais ou menos uniforme. Depois coloca o  papel em cima e faz o desenho que desejar com um lápis ou outro objeto  ponteagudo. Ao retirar o papel a imagem estará impressa  e a monotipia  estará pronta.Portanto, a imagem aparece impressa no lado oposto do  papel. Esta imagem evidente que não será totalmente fiel ao desenho  original , porque na passagem para o papel, no momento da impressão, as  tintas se misturam e surgem efeitos imprevisíveis.
 Esta é a monotipia monocromática, de um só cor. Se quiser com cores  variadas na mesma monotipia terá que espalhar cada cor numa placa diferente, e vai mudando o papel de uma para outra placa, e acrescendo novos traços ou decalques. Só a prática lhe dará resultados mais  satisfatórios e sofisticados. Tudo dependerá da sensibilidade, habilidade e da capacidade criativa de cada um.  

quinta-feira, 6 de maio de 2021

JOVENS EXPRESSAM SUAS VIDAS NA PERIFERIA

 Nícholas de Jesus ,as professoras Maria das
Graças e Iolanda Bonfim , e Rafael Silva.
Jovens estudantes do Colégio Cosme de   Farias,  localizado no bairro do mesmo nome, foram   incentivados por sua professora de Arte, Iolanda   Bonfim França, durante o período que lá estudaram   a expressar através das artes as suas vivências na   escola e no bairro onde moram. O resultado foi   surpreendente porque jovens que não tinham   manejado com frequência os pincéis e as tintas   conseguiram dentro de suas limitações  de informações técnicas  e habilidades passar para as telas, e o papel aquilo que aprenderam e vivienciam no seu dia-a-dia .
Eles participaram do Projeto Artes Visuais  Estudantis com alunos de outras escolas públicas  que  objetiva desenvolver a linguagem artística entre estudantes da rede estadual de ensino. É uma experiência que merece apoio de todos que gostam de arte. Alguns se expressaram através da música, outros escrevendo poesias, contos, e  da pintura. As professoras ficaram muito impressionadas com a disposição dos jovens em querer expressar todas as dificuldades e as
Nícholas com  sua obra .
.
 alegrias que compartilham diariamente com seus professores, colegas e familiares. Todos têm consciência que é preciso estudar para vencer as barreiras da pobreza, e acreditam que só o estudo é capaz de lhes abrir portas para galgar melhores condições de vida no futuro. 
A professora Iolanda Bonfim enaltece a sensibilidade de muitos dos alunos que mesmo morando num bairro periférico não perderam sua capacidade de criar .Ela falou da triste realidade onde alguns alunos já foram assassinados e um pequeno grupo anda metido em coisas erradas. Mas, a maioria é de jovens que estuda e procura vencer os obstáculos das moradias ruins, do ambiente em que vivem , enfim da pobreza. Portanto, dentro dentro desta realidade as obras criadas pelos   estudantes-artistas enfocam problemas como a 
Rafael com a obra 
"Inocência Ferida".
fome, violência,  pobreza, a moradia deficiente, falta de   saneamento básico  e outros aspectos sociais e econômicos. 
O estudante Nícholas de   Jesus Nunes,  de 22 anos,  pintou a obra "Fome de Quê," mostrando   um jovem esquelético  sentado na mesa com uma faca e garfo e uma bola de futebol no prato. Para ele só através a   educação que é possível vencer os   muitos  obstáculos que tem   encontrado pela frente. Hoje ele é bolsista do ProUne   e  está   cursando  o 5º semestre na Faculdade de Direito da Universidade   Católica   de  Salvador e estagiando na Advocacia Geral da União, em   Salvador. 
 Já Rafael Silva Arcanjo, de 21 anos, concluiu o curso médio na Escola   Cosme
de   Farias, e considerou sua participação no Projeto " muito   importante e minha pintura   é baseada nos meninos do bairro." 
Obra "Fome de Quê?",de 
Nicholas Nunes 
Pedi a   cada um deles que fizesse um depoimento   sobre sua visão de mundo e  o que expressam em suas pinturas. 
Veja o depoimento   do  Rafael Silva :
 A realidade da   favela é um pouco   mais complexa  comparada a  de um bairro nobre. Nas escolas  municipais e estaduais, cada   oportunidade é  como  uma moeda de ouro recebida de um rei,  precisamos  apenas saber  onde usar e como usar. Na escola  onde  estudava tinha um projeto  chamado  AVE  que  significa Artes Visuais  Estudantis. Em meio a  tantas  dificuldades  recebi a oportunidade de  participar  desse projeto .  Ano após ano  tentava, eu sentia que  a cada  ano que passava  estava mais  perto de  conseguir algo inacreditável. Mas, infelizmente a  realidade  sempre foi cruel para o povo favelado, e a  cada ano que eu não  conseguia,  pensava  em  desistir. Porém,  quando estava triste  aparecia  um  anjo, ou melhor uma professora, que sempre  incentivava,  aquilo era revigorante. Até o 2º ano do  ensino médio  não havia chegado tão longe com meu quadro chamado "Igualdade? Se Existe, Cadê?". Mesmo assim não foi o suficiente,  cada pensamento era que  ainda teria mais uma chance. No meu 3º ano do ensino médio pensei que chegara a hora de colocar na tela tudo que  via, ouvia, sentia, tudo   que  tinha 
Rafael  apresenta a 
realidade das   moradias,
a violência e a fome.
passado, todas as pessoas que  havia   perdido,  tinha que mostrar tudo. Naquele ano chorei   pensei nas mortes e na minha própria morte , pensei   em cada motivo que me mantinha de pé , em cada,   professora que tanto havia me apoiado e incentivado     não apenas as professoras de Artes, mas de todas   as  matérias, que faziam questão de estar ali comigo   e   toda a equipe . Elas foram e são tão incríveis que   então consegui recriar tudo aquilo em uma tela com   tinta e pincel, fiz o quadro chamado "Inocência   Ferida".Cada professor que tive me mostrou que   todos   temos capacidades só precisamos nos   aceitar".   Meu nome é Rafael Silva Arcanjo,    tenho 21 anos .
Nicholas mostrando a fome
pelos livros.
Já em seu depoimento Nícholas de Jesus Nunes, de   22 anos,  escreveu "enquanto outros jovens estavam   se perdendo na rua ou recebendo o resultado triste da   falta de apoio, estive em momentos reservados  do   turno matutino, entretido no projeto Artes Visuais   Estudantis - AVE. Mas, não era aapenas esse, pois tivemos, enquanto alunos, a oportunidade de desenvolver  outras atividades como poesia, dança,canto, etc. Porém,  foi na pintura de quadros, desde releituras a expressão  crítica do pensamento , que pude notar e me situar meu lugar no mundo". E continuou " Portanto, a educação sóciocultural é sem dúvidas a maneira necessária e o professor é o instrumento de mediação que ajuda o aluno a construir o pilar e sua ferramenta de emancipação".




domingo, 2 de maio de 2021

NEWTON SILVA O MESTRE DO DESENHO E DA PINTURA DE INTERIORES

Newton Silva
O professor e artista plástico Newton Silva foi um dos mais destacados no seu ofício de desenhar e pintar temas religiosos, e também cenas de ruas , feiras livres, mendigos,  velhos e crianças em nossa Bahia. Ele foi  um dos últimos expoentes baianos da pintura realista acadêmica .  Sua produção pode ser dividida para fins de melhor compreensão de sua trajetória em três momentos. Primeiro, ele começou a pintar marinhas, feiras e ruas. Depois focou na temática social com muitos desenhos de mendigos, velhos, crianças , e finalmente os temas religiosos,  onde surgem obras  retratando os templos com seus múltiplos elementos e nuances de cores e luzes.  No seu livro "Newton  Silva - A Construção do Traço e da Luz" , escrito pela professora Elizabeth Maia Fernandes, em 1995, ela  registrou que a maior dificuldade encontrada pelo artista foi pintar a Catedral Basílica ou "igreja dos Jesuítas", como ele chamava. "A Catedral sempre me desafiou , pela sua austeridade, grandiosidade e elegância, devido a seu avantajado pé direito. Também, o fato de não existir muita coisa em pintura ou desenho sobre a mesma, foram os motivos que me levaram a ter por ela uma certa predileção".
Certo dia, que não lembro a data, alguém me levou para conhecer uma coleção de obras do artista que um colecionador tinha num prédio localizado no Jardim dos Namorados. O colecionador era o médico Fernando Spínola, dono do Hotel Paulus. Ele construiu um
Newton Silva com seu mestre Presciliano Silva.

prédio ao lado que transformou num museu particular. Possuía na época em que visitei mais de 150 obras do mestre Newton Silva,  onde pude ver uma bela Via Sacra, e obras retratando as sacristias, claustros, naves e fachadas dos principais templos barrocos de nossa Salvador. Ocupava quase todo o primeiro andar com as obras que   ele  se dispôs a colecionar em tamanhos grandes . Newton Raymundo Silva ou Newton Silva, como o conhecemos .Com o falecimento do Fernando Spínola a família vendeu as obras , dizem que a preços abaixo do mercado, e atualmente estão espalhadas por galerias e colecionadores particulares . A informação que tenho é que a viúva não gostava de obras de arte,  talvez até devido a  compulsão do esposo em adquirir muitas obras de um mesmo artista . No alto uma foto do mestre  que não gostava muito de ser fotografado.

Desenho "Portaria da Igreja de São Francisco
- Hora do Almoço".
O artista  nasceu em 1918 e concluiu seu curso de pintura na Escola de Belas Artes em 1939, e já em 1942 ocupa o cargo de Assistente da Cadeira de Desenho de Modelo na própria Escola. Neste período recebeu o prêmio Legado de Caminhoá. Em 1954 ganha um Prêmio de Viagem para o Rio de Janeiro no IV Salão Bahiano de Belas Artes, e presta concurso para Livre Docente da cadeira de Desenho Artístico, sendo nomeado por Getúlio Vargas. Ganha outros prêmios e realiza várias exposições sendo a última em 1995 na Galeria Cañizares. Aos 77 anos de idade ainda estava em atividade e declarou numa entrevista que "Há 50 anos que venho lutando para fazer uma coisa tolerável. Acho que consegui, mas sei que ainda é pouco. Esta minha ansiedade à pintura, à arte acadêmica , à arte de modo geral é um pouco ingrata. Ela reclama muita coisa , o artista precisa de muito estudo, de dedicação, de entusiasmo, para conseguir ir em frente. Não acredito em sensibilidade. O artista é sensível quando ele sabe executar. Não cheguei ainda à minha maturidade. Entrou na Escola de Belas Artes , juntamente com Mendonça Filho que foi ser  Diretor, e em companhia dos artistas considerados na época realistas entre eles Jair Brandão e Emídio Magalhães. Foi um discípulo muito ligado ao mestre Presciliano Silva, e chegou a pintar em seu atelier no  Boulevard Suiço, no bairro de Nazaré. Ele era uma espécie de assistente e fazia  muitos desenhos que depois eram pintados pelo seu mestre Presciliano Silva. Suas obras tem um rico detalhamento, o jogo de luz e sombra, a perspectiva bem definida. Enfim, são obras dignas de serem apreciadas e perpetuadas.

Frade rezando na igreja de São Francisco.
Consta que o Presciliano costumava chamar alguns alunos de mais talento ou mesmo àqueles que enfrentavam alguma dificuldade para adquirir materiais para pintar  e com eles ficava píntando e repassando seus ensinamentos. A compra de materiais naquela época era custosa porque as tintas, pincéis, lápis e papéis de qualidade eram  importados e custavam caro. Aos que não podiam comprar ele cedia com discrição e muito boa vontade. Todos sabem que o atelier de Presciliano era um espaço aberto e que ele recebia visitantes e clientes com tranquilidade. Nos Salões das Letras e  Artes , conhecidos como os Salões da Ala, que eram realizados em Salvador por Carlos Chiacchio anualmente, quase sempre na primavera, durante os anos 1937 a 1948 o Newton Silva participou de alguns deles.  Embora muitos artistas continuassem apresentando suas obras clássicas alguns  já mostravam os caminhos da Arte Moderna na Bahia.  Entre eles Newton Silva, Jair Brandão, Diógenes Rebouças, Carl Brussel, Abrahão Kosminsky e Célia Calmon. O próprio Carlos Chiacchio não aderiu logo ao modernismo que chegou a dizer que eram "deformações à reação aos valores tradicionais". Natural este tipo de reação dentro do contexto da época. 

Óleo sobre tela "Refeitório da Igreja de 
São Francisco."

NO ATELIER DO MESTRE

No dia 28 de maio de 1990 escrevi um artigo sobre uma visita que fiz ao atelier do professor Newton Silva, que funcionava na rua ao lado do Fórum Rui Barbosa, no Campo da Pólvora ,  com o título "Mestre Newton Silva expõe após 12 anos de ausência". Vejam : "Invadi o sossego do mestre. Exatamente foi esta a sensação que senti ao entrar no atelier do mestre Newton Silva que aos 74 anos de idade continua pintando sem parar. Calmo e meticuloso ele vai construindo o seu mundo pictórico onde surgem os belos tetos das sacristias  e outros interiores de nossas igrejas. Uma pintura imorredoura, dessas que atravessam os séculos e  causam espanto e admiração pela sua grandiosidade, pela técnica, pelo conhecimento da perspectiva e composição. Uma pintura que poucos eleitos conseguem realizar, e, para nossa felicidade, temos na Bahia uma dessas figuras raras que, isolado no seu atelier , na Rua do Tingui, assiste do alto da sua majestade o tempo passar. O que lhe interessa são os interiores ricos de elementos plásticos, onde guarda os segredos do passado.

Desenho " Mendigos nº 3 " , sem data
Quando digo que ele trabalha sem pressa é porque os grandes artistas sempre acham que suas obras estão inacabadas . A cada olhar têm sempre algo a modificar . Isto é fruto de uma auto crítica rígida , onde todos os elementos  que compõem as suas obras são refletidos com muito vagar. E o mestre Newton Silva na sua simplicidade vai inserindo ou retirando elementos até que a obra seja levada por um colecionador mais apressado. Fico realmente sem entender é como uma obra tão importante não recebia dos órgãos responsáveis por nossa cultura uma atenção especial. Não posso entender porque muita gente não conhece o seu trabalho , a sua dedicação pela arte, a sua visão plástica, a sinceridade com que desempenha o seu papel em registrar na tela a riqueza dos nossos templos tão ricos! 
Newton Silva pintando. Esta foto rara
foi feita por um parente sem ele ver.

Aposentado como professor de Desenho das Escolas de Belas Artes e depois Arquitetura , agora pode dedicar-se com mais intensidade à sua arte. Já está preparando uma exposição de seus quadros .Será uma oportunidade ímpar dos jovens artistas , dos que gostam de arte de conhecerem um pouco mais da arte de Newton Silva. A última exposição que fez foi em 1970, em Brasília . De lá para cá ficou  produzindo e vendendo tudo que fazia a colecionadores. O artista era irmão do jurista Adhemar Raymundo da Silva, que foi professor da Faculdade de Direito da Ufba e ministro do Superior Tribunal de Justiça - STJ, era mestre em Direito Penal e Direito Processual Penal. Adhemar tinha um temperamento hiperativo, enquanto Newton era calmo, paciente. Podemos dizer que tinham temperamentos opostos, no sentido de um ser muito ativo e o outro mais tranquilo. Seu filho Marcelo Silva conta  que ele foi o modelo de Cristo na Via Sacra que estava no museu particular de Fernando Spínola. A sua mãe fez uma roupa  especial que vestiu e ficava posando  para o pai . Lembra que na época tinha o cabelo grande e era jovem . "Ai perguntei ao meu pai: sou eu que vou posar de Cristo vestindo esta roupa?  Daí ele respondeu : É você mesmo! Então fiquei várias horas, em dias alternados posando, e ele pintando ". 

Obra que seu filho readquiriu, 
retratando crianças.
Outra história que  recorda  é que o pai pintou um quadro com várias crianças quando ele tinha por volta de uns sete anos. Acompanhou desde o desenho a todas as fases subsequentes até que o quadro ficou pronto. O pai colocou na parede ,e Marcelo  criou um relacionamento emocional com a obra, apesar da pouca idade. Tempos depois o pai disse que ia vender a tela e vendeu. Marcelo revela  que até chorou. E que seu pai o aconselhou a não se apegar a uma obra de arte, e "profetizou":  um dia você poderá ainda encontrar este quadro. Já adulto, reencontrou o quadro na Galeria da Barra, e o adquiriu de volta, o qual  guarda com muito carinho. "Este trabalho não me escapa mais. É feito sobre uma placa de Eucatex e gosto muito", me disse Marcelo , emocionado. Ele  tem ainda uma coleção importante de desenhos do pai. Já tentaram comprar , mas até agora  se nega a vender. Todos sabem que Newton Silva era um mestre no desenho .
No livro  Elizabeth Maia Fernandes  traça alguns aspectos da vida do mestre, e ressalta no prefácio o bom humor e a paciência com que era recebida todas às vezes que o procurava para colher dados para seu livro. Isto foi nos idos de 1995,  e o professor já estava com 77 anos de idade, e em plena atividade. Ele veio a falecer em 1997.  dois anos depois aos 79 anos de idade.
















atelier de Presciliano não se fazia apenas
no plano do trabalho artístico, repetiu-se
nas relações interpessoais, recebia amigos,
clientes, vizinhos e raramente alunos. Selecionou aqueles alunos em que percebia
talento especial como Emídio Magalhães, Diógenes Rebouças, Humberto Peixoto,
Jacyra Oswald, Raimundo Newton da Silva, Carlos Augusto Bandeira, que se tornaram
professores da universidade, e ainda Colete Pujol19.
A professora da Escola de Belas Artes da UFBA, Odete Valente lembrou que Presciliano
“convidava os alunos mais pobres para irem ao seu atelier, dava-lhes tintas, pincéis,
telas, tudo isto discretamente. As tintas eram estrangeiras, coisa aliás que exigia de
todos nós. Só sabíamos de sua generosidade pelos próprios beneficiados”.2
atelier de Presciliano não se fazia apenas
no plano do trabalho artístico, repetiu-se
nas relações interpessoais, recebia amigos,
clientes, vizinhos e raramente alunos. Selecionou aqueles alunos em que percebia
talento especial como Emídio Magalhães, Diógenes Rebouças, Humberto Peixoto,
Jacyra Oswald, Raimundo Newton da Silva, Carlos Augusto Bandeira, que se tornaram
professores da universidade, e ainda Colete Pujol19.
A professora da Escola de Belas Artes da UFBA, Odete Valente lembrou que Presciliano
“convidava os alunos mais pobres para irem ao seu atelier, dava-lhes tintas, pincéis,
telas, tudo isto discretamente. As tintas eram estrangeiras, coisa aliás que exigia de

todos nós. Só sabíamos de sua generosidade pelos próprios beneficiados”.2
A comunicação exterior - interior do
atelier de Presciliano não se fazia apenas
no plano do trabalho artístico, repetiu-se
nas relações interpessoais, recebia amigos,
clientes, vizinhos e raramente alunos. Selecionou aqueles alunos em que percebia
talento especial como Emídio Magalhães, Diógenes Rebouças, Humberto Peixoto,
Jacyra Oswald, Raimundo Newton da Silva, Carlos Augusto Bandeira, que se tornaram
professores da universidade, e ainda Colete Pujol19.
A professora da Escola de Belas Artes da UFBA, Odete Valente lembrou que Presciliano
“convidava os alunos mais pobres para irem ao seu atelier, dava-lhes tintas, pincéis,
telas, tudo isto discretamente. As tintas eram estrangeiras, coisa aliás que exigia de
todos nós. Só sabíamos de sua generosidade pelos próprios beneficiados”.2