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quinta-feira, 29 de setembro de 2022

SURPRESO COM A QUALIDADE DA ARTE DE GUEL SILVEIRA

A
Guel diante de seu última obra
 minha reação foi de surpresa ao ser apresentado à produção artística de Guel Silveira realizada das últimas décadas.  Estive com ele em 1978 e de lá para cá vi algumas publicações em jornais de exposições realizadas aqui e em outras capitais. Mas, tinha conhecimento que Guel teria decidido largar a pintura e passara a se dedicar à pecuária criando gado na região de Vitória da Conquista, onde passou a morar com sua família. Foram treze anos nesta atividade e o que levou a esta ruptura foi um fato que lhe deixara chateado porque ao realizar uma exposição em Recife, foi publicado um texto sobre a exposição e trocaram o seu nome pelo do pai Jenner Augusto. Foi um choque, e ele resolveu parar para pensar um pouco se deveria continuar trabalhando com arte. Porém, Guel Silveira é muito mais do que o filho de um artista plástico famoso. 
Guel Silveira é um artista na essência da palavra, tem criatividade, sabe mexer com as formas, tintas e outros materiais. Possui além de formação acadêmica, na Escola de Belas Artes da UFBA, onde estudou com grandes mestres baianos, também frequentou os ateliers de Calazans Neto, aprendendo a xilogravura, e no atelier de Mário Cravo Jr. Participou de um curso promovido pelo meu saudoso amigo Sante Scaldaferri, ministrado no Teatro Castro Alves, na época em que funcionou o Museu de Arte Moderna da Bahia no foyer daquela casa de espetáculos, nos idos dos anos 60. Depois de décadas de trabalho ele está com seus últimos trabalhos intitulados de Dobras saindo do plano rumo ao tridimensional. Em breve veremos esculturas abstratas e geométricas criadas pelo artista. Sua produção artística nada tem a ver com o que produzia seu pai. São completamente distintas. E ponto final nisto!
Xilogravura de 1974,de Guel
Anos depois, já no ano de 2001, Sante Scaldaferri escreve: "Surge um pintor que de há muito tempo conhece técnica, sabe pintar e faz pintura de boa qualidade apresentada em diversas exposições, que pesquisou muito, fez pintura abstrata, que sempre procurou um caminho, que têm muita sensibilidade e outros predicados, porém, nesta exposição, ele nos mostra tudo que estava latente dentro de si, e que agora começa a aflorar. Mudou tudo: a temática, o discurso e a escrita. Ele consegue transfigurar, ironizar, reinterpretar, e colocar a realidade e os fatos que o cercam, de uma forma pessoal e contemporânea. Este é um texto de um pintor, sobre a exposição de outro, com muito orgulho) colega." 

Portanto, tem uma sólida formação e disciplina de trabalho, que faltam a muitos artistas. Diariamente, sai de sua casa e vai para o atelier localizado num amplo apartamento no Morro do Gato, em Salvador, onde cria suas obras. Guel Silveira não gosta de limites e de ficar preso a determinadas temáticas. Hoje pode pintar uma marinha, amanhã uma natureza morta e depois vai para as dobras e colagens misturando temáticas e materiais. 

"Violeta Varonil", obra feita em spray 1984.
Fiquei também surpreendido com a quantidade de catálogos e livros escritos sobre sua obra. Portanto, estamos diante não do filho de um pintor famoso. Estamos diante de um artista que sabe o que quer, tem uma obra consolidada, e importante, registrada para a posteridade. É muito meticuloso, diria até um pouco tímido, porque sua obra já deveria ser muito mais conhecida dos brasileiros e, particularmente dos baianos, e está necessitando urgente ganhar novos espaços. Tem qualidade, são pinturas feitas dentro da técnica e não àquela pintura chapada que muitas vezes encontramos por aí.

Relembra Guel Silveira que foi muito profícua a convivência com os grandes artistas modernistas baianos "porque cada encontro era um aprendizado." Aos 18 anos já frequentava o atelier de Calazans Neto, o querido Calá, que passava as informações necessárias para que criasse suas gravuras as quais eram impressas na prensa do mestre, no atelier que funcionava na casa de Calá no bairro de Itapuã. Depois comprou uma prensa e posteriormente alugou um espaço no bairro da Boca do Rio, por sinal vizinho ao amigo e contemporâneo Mário Cravo Neto, o Mariozinho, o grande fotógrafo reconhecido mundialmente, que nos deixou prematuramente. 

Em 1999 mostra naturezas-mortas
Escrevi em 1978 no jornal a Tarde na minha coluna Artes Visuais: "Disse certa vez um político mineiro que "o homem não tem culpa de três coisas na vida: a cor da pele, o sobrenome que carrega, nem o lugar onde nasceu." Esta frase é suficiente para entendermos que Guel teve a felicidade de nascer no meio de um forte movimento artístico modernista que vivia a Bahia, e isto deve ser celebrado. Aqui este movimento se fortaleceu tendo como um dos principais incentivadores o grande escritor Jorge Amado que era um agregador de amizades que duraram enquanto viveram. Foi neste ambiente salutar que se formou a personalidade artística de Guel vendo àqueles mestres do modernismo baiano atrair inclusive artistas de outros países e estados como o Floriano Teixeira, do Maranhão, e seu próprio pai que era sergipano, Carybé vindo da Argentina e Hansen Bahia, da Alemanha, dentre outros. 

Nesta marinha em acrílica sobre tela me chama
a atenção a transparência e a luminosidade .
O artista Guel Silveira começou com uma pintura abstrata e depois passou pelo figurativo. Atualmente está desenvolvendo uma série de obras que ele chama de Dobras inspiradas na arte milenar dos orientais e asiáticos de dobrar, os famosos origamis. A delicadeza desta arte, que reproduz animais e mesmo objetos, nos remete a delicadeza e   leveza do fazer. Como disse anteriormente, só mesmo as pessoas meticulosas, calmas e persistentes conseguem realizar bem esta arte. Assim Guel Silveira vai calmamente criando suas obras utilizando materiais diferentes em pequenos e até mesmo minúsculos pedacinhos de papel e outros materiais para compor uma obra. Sempre nas formas que cria podemos ver de longe a uma referência com um animal marinho e mesmo com a paisagem iluminada da orla do bairro do Rio Vermelho, em Salvador, onde cresceu e viu começar a florescer a sua arte. 

"A Inquisição", também em acrílica e tela.
O curioso é que mesmo interrompendo suas Dobras para pintar marinhas e até mesmo abstratos notamos que existe uma certa coerência nesta passagem e como que se completam para formar este conjunto, aparentemente complexo, mas harmônico. As cores quase sempre caminham dentro de uma ideia maior que é de expressar livremente o sentimento do ambiente em que vive. E quando seu assistente o Paulo Sérgio foi pacientemente apresentando as obras fui também observando que elas embora tenham unidade não repetem a maioria dos elementos que as compõem. Portanto, uma demonstração da elasticidade de sua criação.

Uma das características da forma de trabalhar de Guel Silveira é que além de pintar ao mesmos obras usando o abstracionismo e o figurativo ele nunca está satisfeito com o quadro que teria concluído. Ao olhar sempre volta e faz algumas modificações retirando ou introduzindo novos elementos. A sua intenção é que a obra realmente tenha tudo que ele imaginou em momentos diferentes. Sempre foi assim quando começou com as gravuras, depois com a técnica do spray, com a pinturas em acrílico sobre tela e agora com as dobras onde faz recortes, colagens e pintura na mesma obra, utilizando alguns tipos de materiais como juta, cartonado, papéis lisos, estampados e reciclados e Arches, este muito utilizado pelos seus colegas artistas para pintar aquarelas, além de pedaços de placas de isopor full. Portanto, além da criação pictórica tem esta coisa do fazer, da habilidade manual de um artesão que vai construindo o meticulosamente o seu mundo dentro de uma dimensão de intimidade com os diversos materiais. 

Pintou e ainda pinta inspirado nas pinaúnas,
que existiam em grande número nos arrecifes
das praias do bairro do Rio Vermelho.

A propósito de suas Dobras o próprio Guel Silveira escreveu :Dobras: Virar, revirar, dobrar, transpor em múltiplas viras. / Buscar todas as viradas de cada esquina, de cada rua, de cada labirinto, de todos os avessos / Tudo na vida é dobra. / O que não pode ser dobrado é fixo, estático, não se multiplica, não dá sombra, não revela, também não esconde. / Não ilumina, não mostra a intensidade da luz. / Não amplifica, não reverbera e nem vibra / É oco, não ecoa, não transmuta. /...

Na conversa que tivemos numa tarde ensolarada em seu atelier disse que sofreu alguma influência dos artistas o paulista Arthur Luiz Piza que nasceu em 13.01.1928 e faleceu em 26.05.2017 na França / Ile de France / Paris. Do cearense   Antônio Bandeira nascido em 26 de maio de 1922 e falecido em Paris, 6 de outubro de 1967), e também dos mestres nipo-brasileiros Manabu Mabe (1924-1997) e Kazuo Wakabayashi (nasceu em 1931) e Tikashi Fukushima,(1920-2001) que os conheceu frequentando sua casa.

Vejo também um distanciamento completo da sua produção e do que fazia o seu pai, que era um figurativo, enquanto o Guel Silveira tende mais   para o abstrato, e mesmo quando se inspira numa singela piraúna ou ouriço do mar, como é conhecida em outros locais do litoral brasileiro, ele consegue transmutar este molusco e representá-lo dentro de sua linguagem abstrata. E aqui reproduzindo as sábias palavras do caro Geraldo Edson de Andrade, escritas em 2012, infelizmente Edson está em outra dimensão. Veja: "A linguagem abstrata não é tão fácil como costumam afirmar os diletantes. Uma composição abstratizante pode conter, sim, elementos reais quando transfigurados pela sensibilidade do artista que nela expressa não somente sua catarse interior nela inserida memória e afetividade. Há, pois sensível ligação entre formas e cores com sentimento e emoção norteando as intenções de Guel nas mais recentes pinturas".

Esta obra ele estava trabalhando nela quando cheguei
ao seu atelier para iniciar a nossa conversa.

Outra surpresa foi saber que Guel Silveira era amigo do poeta Thiago de Mello com quem privou desta amizade alguns dias em sua casa construída às margens de um rio em plena floresta Amazônia. Aí lembrei de um episódio que vivi no final dos anos 1960 quando fui ao Rio de Janeiro participar de um congresso estudantil realizado na Faculdade Cândido Mendes, e o então agentes do DOPS, que era o temido Departamento de Ordem Político e Social apareceram com várias viaturas cercando o prédio da Faculdade. Foi exatamente logo após o poeta Thiago de Mello, que estava todo vestido de branco, acabara de recitar vários poemas de cunho político para nós estudantes. Foi um momento sublime, interrompido com a possibilidade de sermos presos e levados para a sede do DOPS. Felizmente o então reitor da Faculdade o professor Cândido Mendes era um homem muito querido e respeito interveio e lá pela madrugada as viaturas começaram a sair. Foi um alívio geral. 

Guel ao lado de seu amigo o poeta Thiago de Mello na sua casa doada por
Lúcio Costa em  plena floresta amazônica, onde passou alguns dias.
Mas, voltando a falar desta amizade o Guel Silveira esteve algumas vezes na casa que foi construída e doada ao poeta Thiago de Mello pelo arquiteto Lúcio Costa, aquele mesmo que juntamente com Oscar Niemeyer construiu a ilha da fantasia, a nossa Brasília. A casa fica às margens do rio no município de Barreirinha e o acesso é feito de barco.

 A propósito o poeta dedicou alguns versos em ocasiões distintas sobre a obra pictórica do Guel Silveira. Escolhi esses versos e aqui os transcrevo: "É nas cores que está a linguagem poética de Guel. / Como a moça da janela, o pássaro no vento, a doçura no pêssego. / No convívio com elas, amoroso e constante aprendeu sozinho / o que o mestre Albee ensinou na sua teoria das cores. / Passa horas, tem vez que atravessa o dia na frágua palheta, / trabalhando só para encontrar a sua cor mágica. / Recordo que respondeu Rodin, quando o poeta Rilke, jovem, ?

lhe perguntou o que era preciso para ser um grande artista: /-Primeiro nascer artista e depois trabalhar , trabalhar e trabalhar". E em outra ocasião escreveu o poeta Thiago de Mello: "Faz tempo considero que não deve haver discórdia / entre o artista e a pessoa... Os dois são um só / Guel Silveira, belo artista, um homem bom".

Atualmente Guel Silveira está expondo vários trabalhos da série Dobras, na Galeria Zeca Fernandes, localizada na Rua Alameda dos Mulungus, 83, Praça dos Eucaliptos, bairro Caminho das Árvores.  Guel está também expondo várias obras no evento de decoração Casas Conceitos, que está sendo realizado no bairro de Santo Antônio Além do Carmo , no Centro Histórico de Salvador. É um evento que reúne  arquitetura, decoração, arte e entretinimento e estará aberto até 30 de outubro. Está instalado na Escola Divino Mestre, um antigo centro de ensino que não funciona há 20 anos. A área te, 3 mil metros quadrados e o evento tem três ambientes. Vale a pena conferir. Ao lado o convite da outra exposição, que você ainda pode visitar na Praça dos Eucaliptos. 

 

 

 

 

 

 

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