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terça-feira, 5 de abril de 2022

O LEGADO DE GENARO REVELADO EM "TECENDO MEMÓRIAS"

Foto 1. O Encontro . Foto 2. Nair no papel de musa
inspiradora.Foto 3.O casal na casa do Campo Grande
 "Criar é, sobretudo não morrer", esta frase do grande artista baiano, nascido em Salvador, Genaro de Carvalho, nos chama a criar, realizar, fazer enquanto vivemos. É um chamamento que nos convoca a participar. Fico feliz quando vejo sua companheira por décadas Nair de Carvalho lutando como uma leoa para preservar a autenticidade de toda obra que Genaro construiu em vida. São suas tapeçarias, suas pinturas, suas ilustrações e tudo que ele criou. Nair quer reunir em dois livros, como se fossem "livros tombos", disse ela com entusiasmo. Um levantamento feito por quem participou e testemunhou. Portanto, uma fonte primária de alto valor. Não lhe contaram, não lhe disseram foi ela própria que viu, que acompanhou grande parte da trajetória vitoriosa de Genaro de Carvalho, enquanto criava suas obras de grande valor artístico,cultural e econômico. Ela lamenta  a destruição de vários murais .
Aqui farei taambém um recorte das memórias que Nair de Carvalho ouviu e registrou de sua sogra d. Celina Carvalho, de outros parentes e dos amigos mais íntimos relatando os primeiros anos do artista. Foram relatos de terceiros até o momento que o conheceu em 1955. A partir daí as experiências foram compartilhadas entre Genaro de Carvalho  e Nair até 1971, quando ele faleceu precocemente aos 44 anos de idade.
Os primeiros desenhos de Genaro 

Nair de Carvalho com sua generosidade me enviou o primeiro volume que ela classificou como uma espécie de "livro tombo", e tem o título de "Tecendo Memórias, e é dele que vou falar. Ao abrir o livro nas primeiras páginas temos uma foto em plena juventude do casal celebrando o primeiro encontro em 1955, que resultou em anos de convivência. Ela mesma escreveu: "Deste encontro nasceu também um projeto de vida, de amor, de cumplicidade, de arte. Víamos a quatro olhos. Genaro, o mestre, o mago, de quem eu sabia e queria ser a inspiração".

Genaro escolhendo as obras para 
uma  exposição, em 1945
.
Espero que Nair de Carvalho sirva de exemplo para que os descendentes e herdeiros do legado de outros artistas baianos dos movimentos acadêmico e modernista tenham o mesmo cuidado e a mesma dedicação em zelar pelo que eles deixaram de contribuição para a arte baiana e brasileira.
"Pássaro e dois girassóis", uma
 bela tapeçaria, de 1968
.
Sei que o mercado de arte andou capengando nestes últimos anos. Mas, à medida que a sociedade se desenvolve e se fortalece economicamente a tendência é que este mercado comece a pulsar com mais força. As pessoas vão adquirir obras de arte para colocar nas paredes de suas casas e apartamentos. A presença de uma obra de arte numa casa é uma dádiva, porque quem a observa certamente a reage de alguma forma.  Uns mostrando certo conhecimento, pertencimento, e outros vão dar opiniões às vezes fora dos padrões estéticos, mas também importantes. Por que importantes? Porque a obra de arte mexeu com sua

sensibilidade, mesmo que esse indivíduo não disponha de conhecimento e intimidade com a arte. Lembro ter ouvido de uma senhora que trabalhou em minha casa depois de observar as obras que tenho nas paredes, ao conversar com o caseiro comentou: "Este homem deve ser doido! Para que ele quer tantos quadros nas paredes?". Portanto, as obras de arte mexeram com ela. E depois deste dia, eu mesmo a presenciei na sala  em silêncio olhando os quadros.

Mural do Hotel da Bahia, em 1952.
 Foto de Pierre Verge
r
.
Sabe-se que estão aparecendo depois do ressurgimento do mercado de arte muitas obras falsas de artistas baianos e até de outras praças, principalmente obras que têm facilidade de serem reproduzidas através de gráficas, usando copiadoras de alta resolução. Já vimos casos até de discussão de autoria de obra de arte terminar na Justiça. O pior é que a falsificação é grosseira e ganhou a "boca do povo”, como se diz numa conversa informal. 

Atenta a este momento a artista Nair de Carvalho está garimpando as obras de Genaro de Carvalho para reunir nesses dois "livros tombos." Ao falar comigo ao telefone ela disse que "este segundo volume será um livro duro, com muitas reproduções das obras de Genaro de Carvalho, para que as pessoas saibam que essas são as obras verdadeiras criadas por ele. Tenho visto muitas obras falsas atribuídas a Genaro sendo comercializadas em galerias e leilões. Fico indignada com isto". 
Neste seu primeiro volume no "Tecendo Memórias" ela reproduz inúmeras obras de Genaro feitas desde os anos 30 até 1968, e trás ainda textos de críticos de arte dxa época em que Genaro de Carvalho viveu e produziu sua arte de grande valor estético.

                                                              OS PRIMEIROS PASSOS

A casa  onde o conheci
trabalhando
.
Conta Nair que o Genaro Antônio Dantas de Carvalho, nasceu no dia 10 de novembro de 1926, na Rua da Gamboa de Cima, em Salvador. Quando ele fez seus primeiros trabalhos assinava Antônio, e que ela o aconselhou a mudar para Genaro. Assinava Antônio porque seu pai era um admirador do arquiteto catalão Antoni Gaudí. Nair relata toda a trajetória de sua infância e o período escolar. Conta que em 1944 vai estudar no Rio de Janeiro, no bairro de Belfort Roxo, depois mudou para a Rua Voluntários da Pátria. Foi estudar no Colégio Andrews e Desenho, com Henrique Campos Cavalheiro, pintor, desenhista, caricaturista,

ilustrador e professor, na Sociedade Brasileira de Belas Artes". Durante à noite trabalhava no jornal O Globo redesenhando vinhetas de H.Q. de Pafúncio, D. Marocas e outros. Em 1938, a família, mudou-se para uma nova casa na Praça do Campo Grande, nº 3, e aos 23 anos de idade recebe o convite do governador Octávio Mangabeira para realizar o que consideravam na época "o maior mural das Américas", no então Hotel da Bahia. O mural foi inspirado em temas baianos, e utilizou a técnica de afresco seco. Levou um ano e meio para concluir. Nesta época estava estudando na Escola de Belas A|rtes de Paris, quando o governador fez o convite para decorar o Hotel da Bahia que estava em construção. Infelizmente as belas plantas que ele pintou no mezanino do hotel foram apagadas .
Conheci o Genaro de Carvalho num domingo pela manhã quando em companhia de um amigo carioca resolvemos dar uma caminhada para lhe mostrar de perto a Cidade. Passeamos pelo Campo Grande, mostrei-lhe o Teatro Castro Alves, o Hotel da Bahia, falei que ali tinha um lindo mural feito pelo Genaro de Carvalho. Até aquele momento não sabia que ele residia ali próximo. Ao atravessar a rua para ir até o Passeio Público nos deparamos com uma casa aberta, parecendo uma galeria de arte, com muitos pequenos quadros emoldurados na parede. 

"Casario, óleo sobre madeira,
 de 1940
.
Sendo jornalista curioso e amante da arte fui conferir o que  era. Para minha surpresa lá estava o artista Genaro de Carvalho sentado com um vegetal nas mãos e um estilete cortando para pesquisar as suas entranhas, e certamente usar numa futura obra. Apreciamos as pequenas obras, que depois soube que eram os cartuns que ele fazia como modelos para serem transformados em tapetes. Foi muito gentil, trocamos algumas frases e fomos embora. Não lembro exatamente o ano exato , mas  foi na década de 60. 

Em 1954, o tapeceiro francês Jean Lurçat viu seu mural no Hotel da Bahia e desejou conhecer o autor da obra. Lurçat é considerado o renovador da arte da Tapeçaria Mural, e o convida para seu discípulo na cidade de Saint Ceré, na França. Diz Nair de Carvalho que o francês "se surpreendeu a constatar que Genaro já tinha feito muita coisa em tapeçaria."

                                                   CUMPLICIDADE

Porém, ao chegar o ano de 1955 Nair de Carvalho se transforma "em musa, mulher, companheira e cúmplice na vida e no amor". No ano seguinte realiza uma série "Igrejas Barrocas", para o sr. Henrique Adler, dono da fábrica de brinquedos Estrela, que mantinha uma galeria na empresa, com uma coleção de obras de artistas brasileiros. Em 1968 Nair o convenceu que suas formas já não tinham aquele vigor da juventude e que não queria mais posar nua. Mesmo assim ele continuou pintando a série "de Memória". Passou a desenhar e pintar girassóis e depois vieram novos modelos vivos. 

Desta data em diante Genaro e Nair  eram presenças constantes nos eventos sociais e culturais que se realizavam em Salvador e até mesmo em outras capitais. Era um casal colunável, como se dizia no jargão jornalista. Nesta época a sociedade baiana costumava promover encontros e festas memoráveis privês que eram registradas nas colunas sociais principalmente na de July, no jornal A Tarde. E sempre o casal Genaro e Nair da Carvalho era presença nas páginas dos jornais. 

                                                MORTE PRECOCE 

A última foto.
Em maio de 1970 Genaro de Carvalho foi internado na Clínica São Vicente, na Gávea, no Rio de Janeiro por duas vezes portador que era de um aneurisma impossível de ser operado. Atualmente é quase uma operação corriqueira. Voltou para Salvador e aqui passou por outros tratamentos. Foi proibido de usar qualquer material que exalasse cheiro, passando a fazer diversos desenhos a lápis para as séries "Nus Femininos”, "Frutos" e "Flores". Abandonou suas idas para à Praça Municipal onde gostava de assistir ao pôr do Sol, sentado numa das cadeiras da Cubana onde tomava um "frapê" de coco e comia um bolinho da casa.  Não pintava mais  e fez suas últimas exposições em Salvador, SãoPaulo e Rio de Janeiro, onde sentiu-se mal, e se recusou a ser internado outra vez. 
No sábado do dia 2 de julho de 1971, por volta das 10 horas da manhã, entrou em coma até dar seu   último suspiro.
 Portanto, este projeto de Nair de Carvalho é uma justa homenagem a este grande artista, que mesmo tendo falecido precocemente deixou uma obra memorável para ser apreciada e enaltecida pelas futuras gerações. O primeiro volume do " livro tombo" idealizado e narrado por Nair de Carvalho é rico em  detalhes interessantes e de muitas informações repletas de emoções. Ela mostra toda a trajetória do artista, seus amigos, suas inúmeras exposições aqui e fora do país, as pessoas importantes que se encantaram com o sua obra. Além de dezenas de reproduções cobrindo desde os primeiros desenhos até os últimos trabalhos, quando já estava debilitado. Vale a pena ler.

 

4 comentários:

  1. É com prazer que leio seus comentários sobre nossa arte e nossos artistas. Lembro da coluna ARTES VISUAIS no jornal A TARDE.
    Parabéns primo.

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  2. Therezinha Carvalho
    Reynivaldo, você com sua sensibilidade de crítico de arte, tem trazido para seus seguidores, histórias de vida de muitos artistas plásticos, e outros personagens baianos incríveis que contribuíram ou continuam contribuindo para enaltecer, e enriquecer a cultura baiana. Bom para todos os seus leitores que passam a conhecer ou mesmo lembrar das maravilhas que a Bahia tem, e muitas vezes se encontam esquecidas.
    Agora é a vez do Genaro de Carvalho que deixou sua criatividade impressa nas suas obras de arte. Sua tapeçaria criativa, e moderna com tons fortes, suas telas com casarios que compõe a decoração tradicional de muitas famílias baianas, e que encantam a todos que apreciam e valorizam arte, seus murais também que ficaram na história para embelezar e valorizar paredes de locais importantes da Bahia, e de outros lugares também.

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  3. Moema Garcia
    Um artista que engrandece o nome da Bahia e do Brasil!
    Parabéns Reynivaldo. Um texto muito interessante e instrutivo!

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  4. Anna Georgina
    Maravilhosa reportagem sobre Genaro de Carvalho, acompanhei de perto, quase toda tarde, ele estava lá em casa.
    Fazia parte de minha família.
    Era um amigão meu e de meu pai.

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