Mural que você pode apreciar no restaurante no Hotel da Bahia. Uma obra que merece ser vista por todos os baianos.
É bom sempre lembrar das pessoas que em vida construíram um legado importante, não de riqueza, mas de arte e beleza. Num desses acasos da vida me chegou às mãos através do amigo e artista conceituado Justino Marinho um farto material sobre a vida e obra de um dos artistas baianos mais consagrados que é o Genaro de Carvalho. Artista emblemático que já teve textos escritos enaltecendo sua criatividade por Jorge Amado,os poetas Manuel Bandeira , Augusto Frederico Schmidt e Ferreira Goulart, além de inúmeros críticos de arte importantes dentre eles o Clarival Prado Valadares .
Portanto, é de certa forma uma ousadia falar sobre ele depois de tantos elogios feitos por estes grandes intelectuais . Mas, aprendi durante algumas décadas de atividade jornalística diária a conviver com muita gente de alta linhagem intelectual , até mesmo de poder político e econômico. Assim, me sinto estimulado a escrever algumas palavras sobre Genaro, contribuindo para manter sempre viva a sua arte rica em cores do nosso micro universo tropical.
O artista Genaro de Carvalho |
Ele nasceu num pedacinho de terra privilegiado de nossa Salvador, na Gamboa de Cima, exatamente na rua Newton Prado, 59,casa esta debruçada sobre o mar da Baía de Todos os Santos, no dia 10 de novembro de 1926, e foi batizado como Genaro Antônio Dantas de Carvalho. Aos quatro anos de idade deu uma clara demonstração que trazia consigo a vontade de criar. De posse de uma caixa do tônico , conhecido na época o Glefina , recortou e fez uma montagem tentando reproduzir a Ilha de Itaparica, que se descortinava no horizonte. Utilizou ainda do Azul de Metileno para colorir a sua "obra" infantil e dar-lhe mais beleza.
Em março de 1944 viaja para o Rio de Janeiro e vai estudar Desenho na Sociedade de Belas Artes, com o professor Henrique Cavalheira, enquanto paralelamente cursou o científico no Colégio Andrews. Tendo entrado em contato com a arte feita naquela época no sul do país, e mesmo no exterior, já em setembro do mesmo ano integra o grupo de artistas baianos que decidiu romper com o academicismo que tinha a Escola de Belas Artes como guardiã. Foi ai que juntamente com Carlos Bastos e Mário Cravo Jr começou a mostrar sua arte com elementos do modernismo. Depois de realizar duas exposições no Rio de Janeiro , só no ano de 1947 expõe pela primeira vez individualmente na Bahia, na Biblioteca Pública de Salvador, e no ano seguinte na icônica Boite Anjo Azul.
Os tapetes de Genaro são inconfundíveis. |
Ganha uma bolsa de estudos e vai para Paris sendo aluno de André Lhote e da École National de Beaux Arts de Paris. Ao terminar a bolsa decidiu percorrer a Itália para ver de perto os clássicos. Voltando assinou uma coluna no então Jornal da Bahia chamada de Pintura onde discorreu sobre importantes artistas entre eles Van Gogh ( 1853-1890),(Winslow Homer,(1836-1910) Paul Cézanne ( 1839-1906), Maurice Utrillo ( 1883-1955), Georges Rouault,(1871-1958), Georges Braque (1862-1963), e Paul Gauguin,(1848-1903) dentre outros .
Foi nesta viagem à Europa que descobriu os tapetes e em particular a tapeçaria-mural. Mostrou seu primeiro tapete ainda em Paris na Galeria Mai denominada Plantas Tropicais.
Em 1950 ao regressar participou da 1a. Bienal de São Paulo, e pintou em afresco seco, os murais do Hotel da Bahia, que denominou de Festas Regionais de 200 metros quadrados , que lhe consumiu dois anos e meio de trabalho.
Fez dezenas de exposições aqui e no exterior e tem obras espalhadas em vários museus brasileiros e de outros países , além de estar presente em coleções particulares importantes.
Está na coleção Plásticos da Bahia editado pelo professor Junot Silveira, na época Diretor da IOB, que editava o Diário Oficial da Bahia, e depois se transformou na Empresa Gráfica da Bahia. A apresentação é de Jorge Amado que à certa altura escreve : "Estamos diante de um artista em plena maturidade criadora ou seja , no instante do completo domínio de seu ofício, quando tudo se torna mais difícil,mais duramente conquistado, quando a obra se realiza numa complexidade de buscas e de soluções. " E em outro trecho diz : "Sua tapeçaria nasce da pintura , uma pintura que é a luz da Bahia e sua sabedoria popular".
ENCONTRO
Desenho de Dona Flor |
Num domingo pela manhã saí com a família para dar uma volta no Campo Grande. Nesta ocasião morava na Rua Sabino Silva, no bairro do Chame Chame . Depois de apreciar a beleza do monumento da Independência da Bahia, conhecido por monumento ao Caboclo, resolvemos ir até o Passeio Público. Ao chegar nas imediações do Hotel da Bahia, na calçada do lado oposto, avistamos uma casa que estava com as portas abertas e nas paredes muitos pequenos quadros expostos. Resolvemos entrar e ninguém menos estava ali sentado com uma pequena faca nas mãos e uma batata. Era o artista Genaro de Carvalho que naquele momento estava fazendo suas pesquisas para criar uma nova tapeçaria. Conversamos alguns instantes e ele sempre calmo e disposto a explicar para aquelas pessoas estranhas e curiosas , embora não conhecessem quase nada da arte da tapeçaria. Se este encontro tivesse ocorrido recentemente certamente estaria aqui publicando algumas fotos.Mas, na época poucas pessoas dispunham de máquina fotográfica, e claro o celular não existia.
Outra curiosidade sobre Genaro é que tinha muito cuidado em preservar as mulheres da Ilha de Itaparica que teciam os seus tapetes. Alguns dizem que ele mantinha um certo mistério e não gostava muito de falar sobre elas para evitar que outras pessoas as procurassem para tecer tapetes. Mas, um galerista famoso na época descobriu o "segredo" e passou a fazer tapetes e procurou as tecelãs da Ilha.
Não se sabe o desfecho final, mas o galerista, e também tapeceiro, continuou sua jornada. Porém, os
Tapetes com frutos e folhas. |
tapetes de Genaro de Carvalho têm uma marca própria pelas suas composições e cores especiais. É fácil reconhecer um tapete de sua autoria pelos desenhos de folhas, flores ,borboletas e outros elementos tropicais, é é claro pela composição e o colorido . Até hoje é o melhor e mais famoso tapeceiro do Brasil.
Também, é bom lembrar que fazia suas pinturas em cartões que enviava para as tecelãs e costumava acompanhar o trabalho com muito zelo. Muitos destes originais emoldurava e colocava nas paredes de sua casa. Além disto Genaro era um exímio desenhista , e para finalizar algumas palavras do artista que estão no catálogo da exposição que fez na Galeria Astréia, em São Paulo :"A arte que faço é uma arte de amor,sempre foi.Faço porque gosto, e desejo que outros gostem também.Nunca foi nem será uma arte hermética,não é uma arte de revolta nem uma arte de protesto,mas isso não quer dizer que esteja de acordo com as dores do mundo contemporâneo".Isto foi em dezembro de 1968.
Genaro foi a referência maior da tapeçaria no Brasil , dando as suas obras um sentimento de brasilidade até então pouco revelado na tapeçaria nacional.
ResponderExcluirProvavelmente um dos maiores do mundo e o maior em forma circular. Recentemente me hospedei no Hotel da Bahia , o restaurante foi retirado do local e o mural esta restaurado
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